Audiência de custódia: garantia do direito internacional público

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06/04/2015 às 16:26
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A apresentação do preso à autoridade judiciária imediatamente após a prisão é direito fundamental do direito internacional público, há muito é amparado no direito das gentes.

Resumo: Este modesto trabalho tem por objetivo fomentar o debate sobre a audiência de custódia e chamar atenção acerca do fato de que tal instituto é garantia do Direito Internacional Público e, por conseguinte está inserido no ordenamento jurídico brasileiro, por meio de ratificação dos Tratados Internacionais que o asseguram, haja vista que o Brasil é signatário do Pacto de Direitos Civis e Políticos, promulgado por meio do Decreto nº 592, de 06 de julho de 1992, bem como da Convenção Americana sobre Direitos Humanos - CADH (Pacto de San Jose da Costa Rica), incorporado à nossa ordem jurídica interna por meio da promulgação do Decreto nº 678, de 06 de novembro de 1992, nesses dois tratados de direitos humanos a audiência de custódia está expressamente assegurada. É importante destacar que tramita no Congresso Nacional, no Senado Federal, o Projeto de Lei – PLS nº 554/2011, que tem como escopo alterar o art. 306 do Código de Processo Penal (CPP), para garantir expressamente naquele código a tão falada, no momento, audiência de custódia.

Palavras-chave: Audiência de Custódia; Direito Internacional Público; Processo Penal; Ordem Jurídica Interna; Garantia Constitucional.

Sumário: Introdução. 1. Conceito de Direito Internacional Público. 2. Audiência de Custódia como Princípio Fundamental do Direito Internacional Público. 3. A Audiência de Custódia no Direito Público Interno. 4. A Audiência de Custódia nos Tratados dos quais o Brasil é signatário. 5. O que diz o Congresso Nacional acerca da Audiência de Custódia. 6. Como a Constituição de 1988 classifica os Tratados Internacionais, em especial os de Direitos Humanos. 7. A necessária e imprescindível mobilização do Judiciário na implementação da Audiência de Custódia. 8. O STF tem precedente que garante a aplicação da Audiência de Custódia. Conclusão.


INTRODUÇÂO 

Este trabalho trata da audiência de custódia e tem por objetivo difundir tal garantia, a partir da sua previsão no Direito Internacional Público, por meio de tratados em que o Brasil é signatário.

Aborda o assunto em discussão, não somente do ponto de vista do Direito Internacional Público dos Direitos Humanos, mas como é previsto no Código de Processo Penal, como está sendo tratado no Congresso Nacional e no Supremo Tribunal Federal.


1. CONCEITO DE DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO

Preliminarmente, antes de se adentrar à essência da discussão ora apresentada, ou seja, a audiência de custódia, é necessário que se entenda minimamente o que é o Direito Internacional Público e, neste sentido buscamos na obra do professor  de Direito Internacional Público, Paulo Henrique Gonçalves Portela (2013), o seu conceito, veja-se:

O Direito Internacional Público é o ramo do Direito que regula as relações internacionais, a cooperação internacional e temas de interesse da sociedade internacional, disciplinando os relacionamentos que envolvem Estados, organizações internacionais e outros atores em temas de interesse internacional, bem como conferindo proteção adicional a valores caros à humanidade, como a paz e os direitos humanos. [...]. (Portela, 2013, p. 57).


2. AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA COMO PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DO DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO

Da mesma forma, é imprescindível que se entenda também o que é, fundamentalmente, a audiência de custódia. Esta por sua vez, consiste no fato de que, aquele que for levado à prisão deva ser ouvido sem demora, o que quer dizer: deve ser levado imediatamente à presença da autoridade judiciária competente. Deve se apresentar incontinenti ao juiz habilitado para essa finalidade.

Trata-se de um princípio fundamental do Direito Internacional Público, que há muito é amparado no Direito das Gentes, ou seja, a apresentação do preso à autoridade judiciária competente imediatamente após a prisão, tal medida é essencial para garantir que o preso seja levado ao estabelecimento penal em situação absolutamente compatível com a lei, sem que sofra qualquer tipo de violação, sobretudo a tortura, ou mesmo que não seja levado ao cárcere e sim colocado em liberdade de imediato, se assim for o caso.


3. A AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA NO DIREITO PÚBLICO INTERNO

No Brasil o Direito Público Interno, positivado nas leis vigentes, não regulamenta a , ressalvado o caso previsto no art. 287, do Código de Processo Penal no que pertine ao crime inafiançável, o dispositivo legal mencionado diz textualmente: “Se a infração for inafiançável, a falta de exibição do mandado não obstará à prisão, e o preso, em tal caso, será imediatamente apresentado ao juiz que tiver expedido o mandado.” Do contrário, esse preso pode ficar sem se avistar com o um juiz competente por muitos meses, o que é corriqueiro em nosso Território.

Entretanto, há quem classifica essa questão de forma um pouco diferente, a exemplo do defensor público da União, especialista em Ciências Criminais, Caio Paiva, que analisando o dispositivo mencionado, diz:

Aqui, porém, não há uma audiência de custódia propriamente dita, mas apenas uma “audiência de apresentação”, cuja finalidade é menos ampla do que a daquela, eis que se limita à provar para o conduzido que contra ele havia sido expedido um mandado de prisão. (Paiva, 2015) [...].

Caio Paiva, acrescenta ainda sobre a discussão ora apresentada, o entendimento de Basileu Garcia (1945), que recorda, a propósito, que o art. 287 do CPP concilia o interesse individual com o interesse social, pois:

[...] O primeiro exige “a obediência a fórmulas que resguardem de abusos o direito à liberdade”, razão pela qual “tolerando a lei a captura sem exibição do mandado nos crimes mais graves, os inafiançáveis, determina seja o preso imediatamente conduzido à presença do magistrado que haja ordenado a prisão” (GARCIA, 1945, p. 36).


4. A AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA NOS TRATADOS DOS QUAIS O BRASIL É SIGNATÁRIO

Ante essa breve exposição, não há como dissociar a audiência de custódia do Direito Internacional Público dos Direitos Humanos, haja vista que o Brasil é signatário do Pacto de Direitos Civis e Políticos, promulgado por meio do Decreto nº 592, de 06 de julho de 1992, que reconhece a todos os membros da família humana direitos iguais e inalienáveis, constituindo a dignidade da pessoa humana o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo. Nesse mesmo entendimento, o item 3 do Artigo 9 do referido Pacto, estabelece que:

3. Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade. A prisão preventiva de pessoas que aguardam julgamento não deverá constituir a regra geral, mas a soltura poderá estar condicionada a garantias que assegurem o comparecimento da pessoa em questão à audiência, a todos os atos do processo e, se necessário for, para a execução da sentença. [...].

De igual forma, este país é signatário da Convenção Americana sobre Direitos Humanos - CADH (Pacto de San Jose da Costa Rica), incorporado à nossa ordem jurídica interna por meio da promulgação do Decreto nº 678, de 06 de novembro de 1992, que antes, neste particular, cumpriu todos os pontos exigidos pelo processo legislativo, que traz igual determinação no item 5 do seu Artigo 7 que trata do Direito à Liberdade Pessoal, ipsis litteris:

5. Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo. [...].

Assim, é de fácil entendimento as normas constantes dos Tratados Internacionais  mencionados, que são de clareza inquestionável, ao orientar que o detido deve ser conduzido sem demora à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais.


5. O QUE DIZ O CONGRESSO NACIONAL ACERCA DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA

É importante destacar que está em trâmite no Congresso Nacional, especialmente na casa representativa dos Estados-membros, ou seja, no Senado Federal, o Projeto de Lei – PLS nº 554/2011, de iniciativa do senador Antônio Carlos Valadares, que tem como escopo alterar o art. 306 do Código de Processo Penal (CPP), instituindo a obrigatoriedade de que todos os presos sejam apresentados ao magistrado competente no prazo de 24 horas após sua prisão, conforme consta literalmente do art. 1º, § 1º, do Projeto em referência, in verbis:

“Art. 1º O § 1º do art. 306 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941, passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 306......................................................................................................(sic)

§ 1º No prazo máximo de vinte e quatro horas depois da prisão, o preso deverá ser conduzido à presença do juiz competente, ocasião em que deverá ser apresentado o auto de prisão em flagrante acompanhado de todas as oitivas colhidas e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública.” [...].

O projeto em referência, é de 2011, todavia, estamos em 2015, lamentavelmente o processo legislativo no Brasil, quando não interessa aos anseios gerais e pessoais dos parlamentares, é tão moroso quanto o processo judicial, celeridade mesmo só quando está em pauta proposições do tipo auxílio moradia, inclusive aos magistrados, membros do Ministério Público e financiamento de passagens aéreas para os cônjuges dos legisladores, basta observar o tempo recorde que esse benefício foi aprovado na Câmara dos Deputados recentemente, que, graças a pressão da sociedade foi, pelo menos, por enquanto impedido de entrar em vigor.

Diante da inércia do Congresso Nacional frente ao projeto de autoria do diligente senador Antônio Carlos Valadares, só resta-nos cumprir os Tratados Internacionais acerca da matéria ora em discussão.


6. COMO A CONSTITUIÇÃO DE 1988 CLASSIFICA OS TRATADOS INTERNACIONAIS, EM ESPECIAL OS DE DIREITOS HUMANOS

Ainda sobre o tema, é salutar destacar o que nos ensina o estudioso do Direito Internacional Público, Paulo Henrique Gonçalves Portela (2013), que em sua obra assim se manifesta acerca da obrigatoriedade dos tratados na ordem jurídica nacional, senão vejamos:

O tratado promulgado incorpora-se ao ordenamento jurídico brasileiro e, dessa forma, reveste-se de caráter vinculante, conferindo direitos e estabelecendo obrigações, podendo ser invocado pelo Estado e por particulares para fundamentar pretensões junto aos órgãos jurisdicionais e, por fim, pautando a conduta de todos os membros da sociedade. Como parte da ordem interna, o descumprimento das normas do tratado enseja a possibilidade de sanções previstas no próprio Direito brasileiro.

Como parte de um ordenamento, o tratado é colocado em algum nível de hierarquia normativa, de acordo com o que cada Estado decida a respeito. No Brasil, o tratado recebe, em princípio, o status de lei ordinária. Há também a possibilidade de que seja conferido caráter de emenda constitucional às normas internacionais de direitos humanos, nos casos do art. 5º, § 3º, da CF. Existem também entendimentos de que os tratados de direitos humanos têm status supralegal ou mesmo constitucional. [...].

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Já a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969 consagrou a autoridade do tratado em face da lei nacional, fato facilmente comprovado quando em seu art. 27, determina que: “uma parte não pode invocar as disposições do seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado.”

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), conjuntamente com o Ministério da Justiça, bem como o Tribunal de Justiça de São Paulo, conforme noticiado recentemente por meio da mídia nacional, têm discutido a necessidade da implantação da audiência de custódia no Brasil, cuja discussão já toma proporções em todo o território nacional, a exemplo do que ocorreu recentemente em Teresina-Piauí, por ocasião das visitas do diretor geral do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça, Renato De Vitto, ao Sistema Prisional piauiense, em que conjuntamente com o secretário de Justiça, Daniel Oliveira, reuniram-se com o  corregedor geral do Tribunal de Justiça do Piauí, des. Sebastião Ribeiro Martins e outros magistrados para discutir a instalação da tão falada audiência de custódia.


7. A NECESSÁRIA E IMPRESCINDÍVEL MOBILIZAÇÃO DO JUDICIÁRIO NA IMPLEMENTAÇÃO DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA

A discussão foi amplamente realizada na OAB-PI, por ocasião da visita da Comissão Nacional de Acompanhamento e Fiscalização do Sistema Carcerário (COASC) do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, que fizeram audiência pública sobre o Sistema Penitenciário, inclusive, após visitas a estabelecimentos penais no Estado, dentre outras situações nos estabelecimentos penais do Estado foi constatado o alto índice de presos provisórios, que ultrapassa a média nacional, fato que tem direta relação com a não implementação da audiência de custódia.

Em seguida, por ocasião do 68º – Encontro do Colégio Permanente de Corregedores-Gerais dos Tribunais de Justiça do Brasil (ENCOGE), ocorrido na Cidade de Teresina-Piauí, nos dias 25, 26 e 27 de março de 2015, este, dentre suas deliberações, resolveu por manifestar integral apoio às iniciativas de implementação e normatização das audiências de custódia como forma de política pública de controle do ingresso de presos no sistema carcerário e garantia dos direitos constitucionais do preso.

Não podemos regredir à intensa e crescente tendência de internacionalização do exercício dos direitos humanos, assim tem sido com o tratamento que o STF deu à prisão civil do depositário infiel, bem como ao cumprimento do princípio da presunção de não culpabilidade, dentre outros. Pois, na América Latina, países como Peru, México, Argentina, Chile e Colômbia já adotam a audiência de custódia, nesses países o cidadão que é levado à prisão tem que se apresentar num curto espaço de tempo ao juiz competente, o que em regra demora entre 24 e 36 horas.

Esse é mais um momento especial para se analisar o Direito Internacional dos Direitos Humanos face ao Direito Interno brasileiro e/ou à sua omissão no que diz respeito à audiência de custódia, levando-se em consideração o disposto no art. 5º, § 2º, da CRFB/1988, que literalmente assegura: “Os direitos e garantias previstos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.” Tal dispositivo constitucional nos diz que o leque de direitos fundamentais não é exaustivo, porque amplia assim o rol dos direitos e garantias constitucionais por meio dos tratados em que o Brasil seja signatário.

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Sobre o autor
Jacinto Teles Coutinho

Especialista em Direito Público pelo CEUT. Habilitado em Direito Penal pela UESPI. Graduado em Direito pela FAETE. Aprovado no V Exame Nacional da OAB. Agente Penitenciário, Conselheiro Penitenciário do Piauí (2005-2013). Foi Vereador, assessor jurídico da Prefeitura de Teresina, presidente da CDH da Câmara Municipal de Teresina, diretor jurídico da Confederação Brasileira de Trabalhadores Policiais Civis - COBRAPOL, do SINPOLJUSPI, e coordenador do Fórum Nacional de Assuntos Penitenciários. Atualmente exerce o cargo de diretor da Academia de Formação e Capacitação do Pessoal Penitenciário do Estado do Piauí - ACADEPEN e é presidente licenciado da Associação Geral do Pessoal Penitenciário do Estado do Piauí - AGEPEN-PI.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Este trabalho tem por objetivo fomentar ainda mais o debate sobre a audiência de custódia e chamar à atenção acerca do fato de que tal instituto é garantia do Direito Internacional Público e, por conseguinte está inserido no ordenamento jurídico brasileiro, por meio de ratificação dos Tratados Internacionais que o asseguram.

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