Tráfico de drogas: Perda de bens

08/04/2015 às 21:18
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Muito comum serem apreendidos bens de origem lícita ou ilícita quando ocorre a prisão de alguém por tráfico de drogas. Na sentença o Juiz decidira sobre a perda dos bens apreendidos.

Muito comum serem apreendidos bens de origem lícita ou ilícita quando ocorre a prisão de alguém por tráfico de drogas.

Na sentença o Juiz decidira sobre a perda dos bens apreendidos.

Lei 11.343/06 - Art. 63. “Ao proferir a sentença de mérito, o juiz decidirá sobre o perdimento do produto, bem ou valor apreendido, seqüestrado ou declarado indisponível”.

Necessário então dois raciocínios onde ocorrerá o perdimento de bens. O primeiro raciocínio é relacionado aos bens que são produtos, ou proveitos do crime de tráfico. Estes bens serão perdidos, pois ilícitos. O segundo raciocínio relacionado ao bem e sua utilização para a prática dos crimes relacionados na Lei 11.343/06.

Sobre a liberação a própria legislação diz:

Lei 11.343/06 - Art. 60.  § 2o  Provada a origem lícita do produto, bem ou valor, o juiz decidirá pela sua liberação.

Vamos ao primeiro raciocínio, ou seja, dos bens que são produtos ou proveitos do tráfico.

Lei 11.343/06 - Art. 60.  O juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade de polícia judiciária, ouvido o Ministério Público, havendo indícios suficientes, poderá decretar, no curso do inquérito ou da ação penal, a apreensão e outras medidas assecuratórias relacionadas aos bens móveis e imóveis ou valores consistentes em produtos dos crimes previstos nesta Lei, ou que constituam proveito auferido com sua prática, procedendo-se na forma dos arts. 125 a 144 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal.

Consta na regra o trecho “a apreensão e outras medidas assecuratórias relacionadas aos bens móveis e imóveis ou valores consistentes em produtos dos crimes previstos nesta Lei, ou que constituam proveito auferido com sua prática”, onde entende que se o produto foi adquirido de forma lícita, não há que se falar em perdimento.

Nesse sentido, o TJMG, na Apelação Criminal de n.º 1.0024.12.053773-3/001, de Relatoria do Desembargador Pedro Vergara, frisou que é “inadmissível é a restituição dos bens apreendidos quando não comprovada sua origem ou aquisição lícita”.

Comprovando que os bens são de fruto do trabalho lícito, estes devem ser restituídos, o que fica claro nessas decisões a seguir:

TJMG - APELAÇÃO CRIMINAL - RESTITUIÇÃO DE BENS E VALORES APREENDIDOS - IMPOSSIBILIDADE. Sendo efeitos genéricos da condenação, a perda em favor da União do produto do crime ou qualquer BEM, valor, que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso, não há a necessidade de constar da sentença condenatória, de forma explícita, o perdimendo dos mesmos. Não restando comprovado que os objetos apreendidos eram frutos de trabalho lícito, não há falar-se em restituição. Desprovimento ao recurso que se impõe. TJMG - ACr. 1.0439.07.070676-7/001 - Rel. Des. Antônio Carlos Cruvinel - D. Pub. 26/03/2008. 

TJMG - APELAÇÃO CRIMINAL - TRÁFICO DE ENTORPECENTES – [...] RESTITUIÇÃO DO VEÍCULO APREENDIDO - VIABILIDADE – [...] Restando comprovado que o acusado trazia consigo e transportava substância entorpecente para vendê-la a terceiro, mostra-se correta a sua condenação pela prática do crime previsto no art. 33 da Lei nº 11.343/06, afigurando-se inviável operar a pretendida desclassificação para o crime do artigo 28 da Lei 11.343/06. [...]. Não havendo prova inequívoca da origem ilícita do veículo apreendido, impõe-se a sua restituição a quem de direito.[...]. Des.(a) Beatriz Pinheiro Caires - Publicação: 02/03/2015

PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. INCIDENTE DE RESTITUIÇÃO DE COISAS APREENDIDAS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. SENTENÇA CONDENATÓRIA. AUSÊNCIA DE PRONUNCIAMENTO JUDICIAL ACERCA DO PERDIMENTO DOS BENS APREENDIDOS. NECESSIDADE. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 63, CAPUT, DA LEI 11.343/06. RESTITUIÇÃO. - Cabe à apelante o ônus de demonstrar a ausência de liame entre os bens apreendidos e o delito praticado, comprovando dessa forma a sua origem lícita. Do contrário, isto é, não provada a licitude dos bens apreendidos, estaria o magistrado autorizado a decretar-lhes o perdimento, nos exatos termos dispostos no artigo 63 da Lei n. 11.343/06, desde que mediante decisão fundamentada, em atenção ao preceito constitucional insculpido no artigo 93, IX, da Constituição da República; - O perdimento automático só se aplicaria aos bens cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constituam fato ilícito; - Em se tratando de bens de utilização não defesa, moldura em que se enquadram os objetos do presente incidente de restituição de coisas apreendidas, indispensável o pronunciamento judicial, no qual exponha o magistrado os fundamentos pelos quais entende devam ser definitivamente perdidos em favor da União, uma vez que a simples sentença condenatória não gera, automaticamente, o efeito de perdimento definitivo dos bens, devendo o julgador enfrentar especificamente essa questão - inteligência do artigo 63, caput, da Lei n. 11.343/06; (...) (Ap. Crim. nº 6427/CE, 2008.81.00.012448-0, TRF 5ª Reg., Des. Fed. Francisco Wildo).

Estando omisso na r. sentença sobre a restituição deve a parte impetrar mandado de segurança.

MANDADO DE SEGURANÇA CRIMINAL - TRÁFICO DE DROGAS - VEÍCULO APREENDIDO - SENTENÇA E ACÓRDÃO OMISSOS QUANTO AO PERDIMENTO DO BEM - PERDA DECRETADA APÓS TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA - IMPOSSIBILIDADE - RESTITUIÇÃO QUE DEVE SER FEITA AO IMPETRANTE. - Nos termos do art. 63 da Lei nº 11.343/06, o momento adequado para a decretação do perdimento do bem utilizado na prática do tráfico é quando da prolação da sentença. - Não há como prosperar decisão que decreta a perda de um bem após o trânsito em julgado da sentença condenatória. TJMG, Rel. Des. Júlio Cezar Guttierrez, MS nº 1.0000.10.016604-0/000, pub. 14/09/2010.

O ônus de provar a origem lícita é da parte, e o ônus de provar a origem ilícita é da acusação. Não se provando a origem ilícita, deve ocorrer à restituição.

Em relação ao segundo raciocínio que refere-se ao bem e sua utilização para a prática dos crimes relacionados na Lei 11.343/06, é necessário averiguar a habitualidade.

Nesse aspecto, veja o que fez constar Franciane e Lenice (http://jus.com.br/artigos/1023/o-novo-art-34-da-lei-de-toxicos).

Sobre o tema, o consagrado jurista Vicente Greco Filho leciona: "(...) basta, para a perda, que os veículos e demais instrumentos enumerados tenham sido utilizados para a prática dos crimes definidos na lei. Deverá, porém, o juiz, para não chegar a um resultado abusivo, determinar a perda apenas dos instrumentos direta ou intencionalmente colocados como instrumentos do crime, não os que ocasionalmente estejam ligados à conduta criminosa. (...) Para a perda, repetimos, há necessidade de um nexo etiológico entre o delito e o objeto utilizado para sua prática. Haveria a perda, p. ex., de um caminhão especialmente utilizado para o transporte de maconha (...)".

Neste sentido a jurisprudência vem assim se manifestando: "In casu, não se trata da hipótese do art. 34 da Lei n° 6.368/76, que só pode vingar se restar comprovado que os objetos apreendidos foram exclusivamente utilizados para a prática delitiva ou desta sobrevieram, ou seja, só pode ser aplicado quando restar incontroversa a ligação entre os objetos e a prática do narcotráfico, sendo que o ônus de provar, em tal caso, compete à acusação".

Esse entendimento deve perdurar mesmo com o advento da legislação em vigor (Lei 11.343/06).

Lei 11.343/06 - Art. 62.  Os veículos, embarcações, aeronaves e quaisquer outros meios de transporte, os maquinários, utensílios, instrumentos e objetos de qualquer natureza, utilizados para a prática dos crimes definidos nesta Lei, após a sua regular apreensão, ficarão sob custódia da autoridade de polícia judiciária, excetuadas as armas, que serão recolhidas na forma de legislação específica.

Consta o trecho, “Os veículos, embarcações, aeronaves e quaisquer outros meios de transporte, os maquinários, utensílios, instrumentos e objetos de qualquer natureza, utilizados para a prática dos crimes definidos nesta Lei”, o qual entende ocorrerá o perdimento do bem a pessoa que possui um veículo adquirido licitamente, mas que o dedica a prática do tráfico.

Esse dedicar, assim como o trecho específico “utilizados para a prática dos crimes definidos nesta Lei”, deve-se entender como habitualidade.

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Em relação a existir indício ou provas, trazendo a lição de Vicente Greco e Daniel Rassi, o Desembargado Alexandre Victor de Carvalho na Apelação de n.º 1.0480.14.000002-1/001, do TJMG fez constar:

Vicente Greco Filho e João Daniel Rassi explicam que "O Código de Processo Penal às vezes utiliza o termo 'indícios' como sinônimo de elemento de prova, direta ou indireta, e lhe dá um qualificativo, para significar maior ou menor grau de convicção. Assim, o Código, para determinados efeitos processuais, exige ora indícios, ora indícios suficientes, ora indícios veementes e ora prova, com isso querendo significar que, no primeiro caso, bastam alguns elementos de prova; no segundo, são exigidos elementos razoáveis para aquele estágio processual; no terceiro, deve existir convicção consistente; e, no último, deve haver certeza sobre determinado fato" (in Lei de Drogas Anotada, Lei n. 11.343/2006, 2ª edição, São Paulo: Saraiva, 2008, p. 209).

Pairando dúvidas da habitualidade, a restituição deve ocorrer.

Veja decisões do STJ a respeito do tema:

AgRg no REsp 1185761 / MT - PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. [...]. TRÁFICO DE DROGAS. PERDIMENTO DE BENS. IMPOSSIBILIDADE DE DECRETAÇÃO. ACÓRDÃO RECORRIDO NO SENTIDO DA FALTA DE COMPROVAÇÃO DA ORIGEM ILÍCITA. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. 1. [...]. 2. Firmou-se o entendimento nesta Corte Superior no sentido de ser necessária, para o perdimento dos bens relacionados ao crime de tráfico de drogas, a demonstração de que eram utilizados habitualmente ou que tenham sido preparados especificamente para a prática do ilícito, o que não foi comprovado no caso dos autos. 3. Agravo regimental improvido. Ministro NEFI CORDEIRO (1159) - T6 - SEXTA TURMA - DJe 30/10/2014

AgRg no AREsp 175758 / MG - AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - 2012/0096824-8 PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM - RECURSO ESPECIAL. FUNDAMENTOS – [...]. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PERDIMENTO DE BENS. DEMONSTRAÇÃO DA UTILIZAÇÃO HABITUAL OU DA PREPARAÇÃO ESPECÍFICA DOS BENS PARA A PRÁTICA DA ATIVIDADE ILÍCITA. NECESSIDADE. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. 1. [...] 2. A tese sustentada pelo agravante não é inédita nesta Corte Superior, que firmou o entendimento de que o perdimento de bens utilizados para tráfico ilícito de entorpecentes, depende da demonstração de que tal bem seja utilizado habitualmente, ou que seja preparado, para a prática da atividade ilícita. 3.Tendo o Tribunal de origem consignado, expressamente, que "não restando demonstrado, in casu, que o veículo e os celulares apreendidos foram adquiridos com o produto do tráfico de drogas, tampouco que se destinavam precipuamente, para atividade ilícita", impossível autorizar a ordem de confisco, com fulcro na simples circunstância de apreensão das drogas no veículo, desacompanhada de qualquer outro elemento de convicção quanto a sua origem ou destinação. 4. Agravo a que se nega provimento. - Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE (1150) - T5 - QUINTA TURMA - DJe 14/11/2012

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Sobre o autor
Santos Fiorini Netto

Advogado Criminalista, especialista em ciências penais e processo penal, professor de direito penal (Unifenas - Campo Belo - MG), escritor das obras "Prescrição penal simplificada", "Direito penal parte geral V. I" e "Direito penal parte geral V. II", "Manual de Provas - Processo Penal", "Homicídio culposo no trânsito", "Tráfico de drogas - Aspectos relevantes", "Noções Básicas de Criminologia" e "Tribunal do Júri, de suas origens ao veredicto". Atua na área criminal, defesa criminal em geral - Tóxicos - crimes fiscais - Tribunal do Júri (homicídio doloso), revisão criminal, homicídios no trânsito, etc.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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