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O poder disciplinar do empregador e as penalidades trabalhistas das entidades privadas regidas pela CLT

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13/04/2015 às 12:23
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3.    PENALIDADES TRABALHISTAS

 Entre as modalidades punitivas mais aplicadas, estão, em ordem de gravidade, a advertência (verbal ou escrita), a suspensão disciplinar e a dissolução contratual por justo motivo. Admite-se, ainda, de modo excepcional, apenas para os atletas profissionais, a aplicação de multa punitiva, levando em consideração o teor do § 1º do art. 15 da Lei n. 6.354/76 e do art. 28, caput, da Lei n. 9.615/98.[54]

3.1  ADVERTÊNCIA

Sabe-se que a pena de advertência, em virtude de não ter previsão genérica expressa na lei, decorre do costume, uma fonte jurídica indiscutível. Não fosse apenas isso, a advertência, a despeito de formalmente ser uma pena, materialmente não é mais do que um chamamento à atenção do empregado para um comportamento não prudente. É uma reprimenda muitas vezes salutar, haja vista que tem o escopo natural de corrigir desvios e de evitar a aplicação de penalidades mais severas. Na visão de Antônio Martinez[55] “a advertência, em última análise, é um alerta para evitar uma sanção com efeitos materialmente mais gravosos.”

No que tange à advertência ou reprimenda, é tida como a punição mais leve, podendo ser apenas verbal ou assumindo a forma escrita. Esta punição tem origem na normatividade autônoma, em especial nos costumes trabalhistas.

O fato de a advertência não estar tipificada na lei não a torna irregular. Diversamente, a doutrina e a jurisprudência têm considerado a gradação de penalidades um dos critérios essenciais de aplicação de sanções no contexto empregatício.[56]

Assim, a advertência verbal ou escrita surge como o primeiro momento de exercício do poder disciplinar em casos de conduta faltosa do trabalhador.

3.2 SUSPENSÃO DISCIPLINAR

A suspensão disciplinar é uma pena trabalhista típica, que atinge o empregado no plano pecuniário; ele é privado da oportunidade de trabalho e, consequentemente, da remuneração que o trabalho lhe proporcionaria.

Há previsão legal da pena de suspensão disciplinar no art. 474 da CLT[57], mas a regra ali inserta apenas indica o limite a partir do qual a sanção passará a ser abusiva. Isso, entretanto, não implica o entendimento de que a pena não existirá diante da ausência de previsão contratual. Ela subsistirá, e o dimensionamento será ordenado pelo empregador nos limites da razoabilidade do comportamento praticado pelo empregado, cabendo ao Judiciário Trabalhista o controle da legalidade do ato praticado, e apenas em circunstâncias indicativas de abuso de direito o da dosimetria da pena.[58]

Percebe-se que, a rigor, o Judiciário não deve adequar uma penalidade ao nível que considerar justo, em virtude do respeito ao direito de o empregador dosar a pena aplicável em caso de transgressão de seu contratado. Contudo, como todo direito é potencialmente suscetível de abuso, a Justiça pode, por óbvio, redimensionar a penalidade quando identificar que o patrão atuou de modo desproporcional. A atuação do judiciário não está, entretanto, submetida a nenhuma regra[59].

Friza-se que não há dispositivo legal que discipline, de modo individual e específico, essa atuação judicial, visto que proporcionalidade e razoabilidade são princípios, e não regras.

Arnaldo Süssekind[60] explica que, incumbindo à empresa dirigir o empreendimento econômico para o qual se organiza como agrupamento hierarquizado, não se lhe pode subtrair o uso do poder disciplinar; mas, obviamente, o exercício de tal poder não pode ser ilimitado nem discricionário. Daí por que estatui a Consolidação das Leis do Trabalho[61] que “a suspensão do empregado por mais de 30 (trinta) dias consecutivos importa na rescisão do contrato de trabalho.”

Compete à Justiça do Trabalho, em caso de reclamação do empregado, decidir se a suspensão é justificável ou se deve ser anulada.

Portanto, poderá o empregador aplicar a pena de suspensão disciplinar ao empregado faltoso, desde que sua duração não ultrapasse 30 (trinta) dias consecutivos, mas terá de provar a prática do ato faltoso se o empregado recorrer à Justiça do Trabalho contra a aplicação da penalidade.[62]

Sabe-se que a Justiça Trabalhista tem decidido, repetidamente, que lhe falta competência para graduar penalidades, quando reconhecida a falta do empregado, que deu origem ao ato passível de punição.

A suspensão do empregado estável para responder a inquérito na Justiça do Trabalho, tendente a apurar a prática de falta grave capaz de justificar a resolução do seu contrato de trabalho, não se confunde, porém, com a suspensão disciplinar. Trata-se de suspensão prévia do contrato de trabalho, que se transforma, com efeito retroativo: a) em resolução, na hipótese de a Justiça do Trabalho julgar procedente a acusação; b) em interrupção da prestação de serviços, com o consequente recebimento dos respectivos salários, se negada a autorização para despedir o empregado, por considerar improcedente ou incomprovada a acusação. Por isto mesmo, ressalta a jurisprudência que não podem coexistir a suspensão disciplinar por tempo determinado e a abertura de inquérito para dispensa do empregado, porque não é admissível que este seja, a um só tempo, por uma única falta, punido disciplinarmente e despedido.[63]

São inúmeros os fatores aptos a ensejar a suspensão do contrato de trabalho. Tais fatores podem ser classificados de acordo com um critério objetivo de grande relevância prática, qual seja a efetiva vontade do empregado no fato jurídico que gerou a suspensão.

Respeitado o critério classificatório supracitado, surgem três principais modalidades de suspensão do contrato de trabalho: a) suspensão por motivo alheio à vontade do empregado; b) suspensão por motivo lícito atribuível ao empregado e; c) suspensão por motivo ilícito atribuível ao empregado.[64]

3.2.1  SUSPENSÃO POR MOTIVO ALHEIO À VONTADE OBREIRA

Mauricio Godinho Delgado[65] lista os casos de suspensão do contrato de trabalho por motivo estranho à efetiva vontade do trabalhador: a) afastamento previdenciário, por motivo de doença, a partir do 16º dia, com fulcro no art. 476 da CLT; b) afastamento previdenciário, por motivo de acidente de trabalho, a partir do 16º dia (art. 476, CLT, parágrafo único do art. 4º da CLT); c) aposentadoria provisória, sendo o obreiro considerado incapacitado para trabalhar, nos moldes do art. 475, caput; Súmula n. 160, TST; d) por motivo de força maior; e) para cumprimento de encargo público obrigatório (§1º do art. 483, CLT; art. 472, caput, CLT). O empregado deve intimar o empregador, por telegrama ou carta registrada, dentro de 30 dias do término do encargo público sobre sua intenção de retorno ao cargo empregatício original. Registre-se, porém, que há encargos públicos obrigatórios, em geral de curta duração, que se enquadram como interrupção de prestação laborativa; f) para prestação de serviço militar (parágrafo único do art. 4º da CLT). Após sua baixa, o empregado deve intimar o empregador, na forma acima, quanto à sua intenção de retorno ao cargo empregatício original.

A ordem jurídica atenua, em alguns dos casos acima, as repercussões drásticas da suspensão contratual. Considera o Direito do Trabalho que, em tais casos, o fator suspensivo é de tal natureza que seus efeitos contrários ao trabalhador devem ser minorados, distribuindo-se os ônus da suspensão também para o sujeito empresarial da relação empregatícia. Afinal, os fatores suspensivos aqui considerados são alheios à vontade do empregado, sendo que, em alguns dos casos indicados, são fatores francamente desfavoráveis à pessoa do trabalhador.[66]

É o que se passa, destarte, nos casos de suspensão contratual por afastamento do empregado em virtude de serviço militar e de acidente do trabalho, ocasião em que se computa, para efeitos de indenização e estabilidade celetistas, o tempo de serviço do período de afastamento (parágrafo único do art. 4º, CLT).

Igualmente, têm pertinência os depósitos de FGTS, pelo período de afastamento (art. 28 do Decreto n. 99.684/90).[67]

Do mesmo modo é o que ocorre com a suspensão contratual a partir do início da licença previdenciária – 16º (décimo sexto) dia de afastamento -, seja por acidente de trabalho, seja por simples enfermidade. Estipula a lei que o período de afastamento, até o máximo de 06 (seis) meses, integrará o período aquisitivo de férias do empregado (art. 131, III, CLT).[68]

3.2.2   SUSPENSÃO POR MOTIVO LÍCITO ATRIBUÍVEL AO EMPREGADO

A suspensão contratual por fator vinculado à conduta do empregador divide-se em dois grupos: suspensão em virtude de exercício lícito da vontade e suspensão em virtude de ocorrência de conduta ilícita do empregado.

São fatores suspensivos cuja concretização depende, em significativa medida, de ato voluntário lícito do trabalhador[69]: a) participação pacífica em greve (art. 7º, Lei n. 7.783/1989); b) encargo público não obrigatório (art. 472, combinado com §1º do art. 483, CLT); c) eleição para cargo de direção sindical (art. 543, §2º, CLT); d) eleição para cargo de diretor de sociedade anônima (Súmula 269, TST); e) licença não remunerada concedida pelo empregador a pedido do obreiro para atenção a objetivos particulares deste. Aqui, obviamente, o ato tem de ser, em princípio, bilateral: é que a licença não remunerada (excluídos os casos tipificados acima) não resulta de lei. Mas, evidentemente, havendo tal figura no regulamento empresarial, ela vincula o empregador (Súmula 51, I, TST); f) afastamento para qualificação profissional do obreiro, “mediante previsão em convenção ou acordo coletivo de trabalho e aquiescência formal do empregado” (Medida Provisória n. 1.709-4/98 e MPs seguintes, como MP n. 1.779-11/99 e MP n. 2.164-41/2001).

3.2.3   SUSPENSÃO POR MOTIVO ILÍCITO ATRIBUÍVEL AO EMPREGADO

O presente grupo de fatores envolve aqueles que autorizam a suspensão contratual em face de uma prévia conduta irregular do empregado. Embora, nesses casos, caiba ao empregador implementar a suspensão do contrato, ele o fará justificado por certa conduta ilícita do obreiro (claro que o empregado pode tentar reverter, em Juízo, a decisão empresarial). Duas são as situações suspensivas aqui enquadradas[70]: a) suspensão disciplinar (art. 474, CLT) e; b) suspensão de empregado estável ou com garantia especial de emprego (caso específico de dirigente sindical) para instauração de inquérito para apuração de falta grave, sendo julgada procedente a ação de inquérito (art. 494, CLT; Súmula n. 197, STF).

3.2.4   EFEITOS JURÍDICOS DA SUSPENSÃO

O principal efeito da suspensão do contrato será o rompimento das recíprocas obrigações contratuais durante o período suspensivo.

Embora se fale, em geral, na sustação de todas as obrigações do contrato, tal afirmação não é rigorosamente precisa. É que algumas poucas obrigações contratuais permanecem em vigência, como, por exemplo, o compromisso de lealdade contratual. Desse modo, não poderá o obreiro, validamente, revelar segredo da empresa no período de suspensão do respectivo contrato empregatício (art. 482, “g”, CLT).[71]

A sustação ampla dos efeitos contratuais apenas não ocorre em poucos casos suspensivos excepcionados pela ordem jurídica, nos quais se mantém a produção de certas específicas e delimitadas repercussões contratuais em favor do obreiro submetido a suspensão contratual. É o que se passa com os casos de suspensão por acidente de trabalho ou prestação de serviço militar (em que se preservam efeitos com relação ao FGTS), e o caso de suspensão por acidente ou simples doença (em que se preservam efeitos na contagem do período aquisitivo de férias, se o afastamento não for superior a seis meses).[72]

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Efeito importante da suspensão contratual é a garantia de retorno obreiro ao cargo anteriormente ocupado, após desaparecida a causa suspensiva (art. 471, CLT). Na mesma linha, a garantia de percepção, no instante do retorno, do patamar salarial e de direitos alcançados em face das alterações normativas havidas (o que significa a absorção das vantagens genéricas oriundas das próprias da legislação geral ou normatização da categoria). Resulta também da figura suspensiva a inviabilidade de resilição unilateral do contrato por ato do empregador no período de sustação dos efeitos contratuais (art. 471 da CLT).

Destarte, a dispensa do empregado sem os motivos considerados justos por lei é expressamente vedada.

3.3  DISSOLUÇÃO CONTRATUAL POR JUSTO MOTIVO

A dispensa por justa causa é a mais grave das penas aplicáveis. Essa penalidade implica na extinção do contrato sob responsabilidade do empregado faltoso.

Com isso, a pena além de autorizar o descumprimento do princípio trabalhista geral da continuidade da relação de emprego, extingue o pacto, ficando o trabalhador sem quaisquer das verbas rescisórias previstas em outras modalidades de rompimento de contrato. Há posições na doutrina que não consideram a dispensa por justa causa uma penalidade trabalhista, configurando apenas modalidade de extinção do contrato de trabalho.[73]

A perda do emprego tem uma dimensão que transcende a esfera jurídica. Atinge a subsistência de uma pessoa, de sua família e de seus dependentes econômicos. Assim, não pode ser disciplinada segundo um princípio de plena liberdade de uma das partes, o empregador, porque o uso indiscriminado do poder de despedir pode assumir proporções que afetam o sentido de justiça social, valor fundamental que deve presidir as relações individuais e coletivas de trabalho.[74]

Sabe-se que dispensa é a ruptura do contrato de trabalho por ato unilateral e imediato do empregador, independente da vontade do empregado. Classifica-se, na teoria, quanto à causa (dispensa com e sem justa causa), quanto à forma (dispensa informal e formal), quanto ao controle (dispensa sem e com controle, e este será administrativo, judicial ou profissional), quanto aos efeitos jurídicos (dispensa válida e dispensa nula, esta, por sua vez, com ou sem reintegração no emprego), quanto ao número de empregados (individual ou coletiva), e quanto aos direitos do empregado, caso em que será indenizada ou não indenizada.[75]

De acordo com a teoria de que a dispensa do empregado é direito potestativo do empregador, o patrão tem o direito de rescindir o contrato de trabalho unilateralmente, com ou sem motivo, de acordo com o seu livre critério, uma vez que o ato jurídico reveste-se de caráter absoluto, não comportando oposições, quer do empregado, quer da autoridade pública.[76]

Sabe-se que estes direitos potestativos, são direitos sobre a pessoa de outro, são os que exercem sob a forma de autoridade de um indivíduo em relação a outro e à administração dos bens que lhe pertencem.

Amauri Mascaro Nascimento[77] assim define a figura da justa causa:

Justa causa é a ação ou omissão de um dos sujeitos da relação de emprego, ou de ambos, contrária aos deveres normais impostos pelas regras de conduta que disciplinam as suas obrigações resultantes do vínculo jurídico.

A rescisão contratual impede o prosseguimento da relação empregatícia, em virtude das inúmeras características que reveste o comportamento provocado. Assim, se a continuidade no emprego acaba se tornando difícil ou até mesmo impossível – e se o motivo for exclusivamente a conduta do empregado - ao empregador cabe despedi-lo por justa causa.

A caracterização da justa causa depende de condições que devem estar presentes para a sua admissibilidade, quais sejam, a atualidade, a gravidade e a causalidade.[78]

Exige-se o requisito da atualidade, pois a justa causa deve ser contemporânea ao próprio ato de rescisão do contrato, sob pena de ser uma falta perdoada (quando conhecida e não punida). Oportuno salientar que, no Brasil, a norma da imediatidade é meramente doutrinária; em outros países esse princípio já se inseriu no direito positivo estatal.[79]

Há várias discussões a respeito da imediatidade, de qual é prazo a partir do qual a dispensa do empregado passa a ser considerada inatual.  Sabe-se que não há estipulação em lei. Assim, firmou-se doutrinariamente a tese da relatividade da imediatidade, segundo a qual o tempo gasto para verificar a gravidade da falta cometida varia conforme cada caso, levando-se em consideração a complexidade de organização interna da empresa e o cuidado com a apuração da infração.

É sabido que nos Tribunais a atualidade da falta tem sido requisito necessário para a sua apuração. Por oportuno, transcrevo trecho do voto proferido em agravo de instrumento em recurso de revista (processo nº 18800-91.2008.5.02.0462), julgado pela 3ª Turma do TST, de relatoria do Ministro Alexandre Agra Belmonte, julgado em 17 de abril de 2013. Confira-se:

De todo modo, ainda que se considerem os fatos pretéritos, a ausência de imediatidade configura o perdão tácito. A reação do empregador, quando da rescisão por justa causa, deve ser imediata já conduta nociva do trabalhador. Se este executou suas tarefas normalmente após a última sanção aplicada, pacífico que restou caracterizado o perdão tácito. Se a demandada entendeu que as faltas relatadas em defesa ensejaram a aplicação de suspensões de advertências, não pode pretender, pelas mesmas faltas, rescindir o contrato de trabalho por justa causa.[80]

Ainda, quanto ao requisito da gravidade da falta, é necessário que ela seja grave, de fato, que realmente atinja os limites máximos de tolerância do empregador, a fim de que a dispensa do empregado seja plenamente justificável.

 Há que se levar em consideração, assim, que a gravidade da falta deve ser examinada sob o aspecto objetivo, isto é, considerando a personalidade do agente, antecedentes etc.[81]

Os Tribunais Trabalhistas também incluem o requisito da gravidade como pressuposto que origina a dispensa por justa causa. Nesse afã, o TST decidiu a respeito nos autos do agravo de instrumento em recurso de revista, julgado pela 3ª Turma. Verbis:

Incontroversa, ainda, a conduta da autora, no sentido de tentar reembolsar a diferença no valor de R$ 4,60 (quatro reais e sessenta centavos), entre o valor constante do código de barras do produto vendido e o valor cobrado. Dessa forma, entendo que a atitude da empregada não estivesse revestida de gravidade tal a impossibilitar a normal continuação do vínculo de emprego. Também a aplicação da penalidade máxima não guardou proporcionalidade e equilíbrio com o ato faltoso. Não se constata, assim, prática de falta grave a originar a despedida por justo motivo. Não há o que modificar. Nego provimento (g.n.).[82]

Por fim, entre a justa causa e a rescisão do contrato de trabalho deve haver um nexo de causa e feito de tal modo que esta é determinada diretamente por aquela. A prática faltosa deve ser a verdadeira causa da despedida, a consequência do ato faltoso.[83]

3.3.1 SISTEMAS ELEMENTARES DE JUSTA CAUSA

Na visão de Amauri Mascaro Nascimento[84], no que diz respeito aos sistemas de justa causa, o direito trabalhista compreende três sistemas elementares de justa causa, quais sejam o genérico, o taxativo e o misto.

O sistema genérico é aquele em que a lei autoriza a despedida do empregado, sem fazer qualquer menção ou tipificar as causas, mas tão somente apontando, de modo amplo, uma definição geral e absoluta.[85]

Verifica-se que nesse sistema a lei não dá exemplos, conferindo, assim, maior liberdade de verificação ao julgador.

No sistema taxativo, do Brasil, a lei enumera os casos de justa causa, fazendo-o de modo exaustivo. Assim, somente a lei é fonte formal típica, não sendo possível a estipulação de justa causa por outros meios, tais como as convenções coletivas de trabalho, regulamentos, por exemplo.

Há quem sustenta que esse sistema confere maior proteção ao trabalhador, já que delimita as hipóteses de falta, permitindo às instâncias julgadoras um critério mais seguro para apreciar o caso concreto.

Finalmente, o sistema misto de justa causa é o resultado dos sistemas genérico e taxativo. A lei, além de listar as hipóteses de justa causa, é, ao mesmo tempo, genérica, o que permite que seja considerado como tal um fato mesmo não contido no texto legal.[86]

3.3.2 FIGURAS DE JUSTA CAUSA                                  

A lei apresenta um rol de faltas no art. 482 da CLT, sem apresentar, contudo, suas penalidades.

O quadro de motivos que levam à justa causa, motivando a rescisão do contrato de trabalho, permite que o próprio empregador aplique as penalidades, de acordo com seu próprio entendimento, cabendo à Justiça do Trabalho, em momento posterior e gradativamente, formar o direito disciplinar das empresas privadas. Destarte, apresenta-se o art. 482 da Consolidação das Leis do Trabalho, o qual dispõe sobre a constituição da justa causa para rescisão contratual por parte do empregador. Confira-se:

Art. 482. Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:

a)   Ato de improbidade;

b)   Incontinência de conduta ou mau procedimento;

c)   Negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador e, quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço;

d)   Condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena;

e)   Desídia no desempenho das respectivas funções;

f)    Embriaguez habitual ou em serviço;

g)   Violação de segredo da empresa;

h)   Ato de indisciplina ou de insubordinação;

i)    Abandono de emprego;

j)    Ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensa físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;

k)   Ato lesivo de honra e boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;

l)    Prática constante de jogos de azar.

Parágrafo único. Constitui igualmente justa causa para dispensa de empregado a prática, devidamente comprovada em inquérito administrativo, de atos atentatórios contra a segurança nacional.

No intuito de facilitar a compreensão do artigo mencionado acima, comentar-se-á, brevemente, as figuras de justa causa expressamente contida no texto legal.

No tocante à improbidade, isto é, a ação ou omissão desonesta do empregado, sabe-se que tem como premissa lesar o patrimônio do empregador ou de terceiro. Exemplos corriqueiros são o furto e a apropriação indébito, entre outros.[87]

O mau procedimento é o procedimento irregular do empregado, incompatível com as normas exigidas. O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região possui jurisprudência nesse sentido. Veja-se:

EMENTA: DESPEDIDA POR JUSTA CAUSA. INCONTINÊNCIA DE CONDUTA E MAU PROCEDIMENTO. CONFIGURAÇÃO. Enseja falta grave, configuradora de despedida por justa causa, a atitude faltosa do empregado, exercente da função de técnico de enfermagem, que, durante atendimento em setor de emergência do hospital, profere palavras ofensivas à imagem e à credibilidade dos médicos e do hospital como instituição, causando pavor entre os familiares de paciente em atendimento. Falta grave que configura incontinência de conduta e mau procedimento, independentemente da ausência de faltas ou sanções disciplinares anteriores, não configurando, a despedida por justa causa, rigor excessivo do empregador.[88] 

Incontinência de conduta é também um comportamento irregular, porém incompatível não com a moral em geral, mas com a moral sexual e desde que relacionada com o emprego.[89]

Aqui há um desregramento da vida sexual no ambiente de trabalho, com o cometimento de atos obscenos, assédio sexual, enfim, atos incompatíveis com um comportamento decente.

A negociação habitual do empregado, por conta própria ou de outrem, sem permissão do empregador e quando constituir ato de concorrência, ou mesmo prejudicial ao serviço que se está prestando, também enseja justa causa.[90]

Friza-se que aqui é o típico caso em que o empregado tenta realizar um negócio sem a autorização de seu empregador.

Incorre em justa causa, ainda, o empregado que sofre condenação criminal sem sursis. Desnecessário será que os fatos que determinaram a condenação criminal sejam relacionados com o serviço.[91]

Desídia é a falta de diligência do empregado em relação ao emprego. A negligência, a imprudência e a imperícia caracterizam a falta[92]. Aqui o empregado trabalha com má vontade, desleixo e total desinteresse.

No âmbito da embriaguez habitual, a lei refere-se ao empregado que faz uso de álcool ou tóxicos dentro do ambiente de trabalho.

Quanto à violação de segredo por parte do empregado, o qual tem o dever de sigilo no tocante às informações de que dispõe relativas à empresa, também é fator que enseja a dispensa por justa causa.[93]

Indisciplina, por óbvio, é o descumprimento das ordens gerais de serviço.

Sabe-se que abandono de emprego é a renúncia intencional do serviço, configurando-se com o elemento objetivo, qual seja, a ausência prolongada, e o elemento subjetivo, a intenção de não dar continuidade na relação empregatícia[94]. Há doutrinadores que sustentam que o abandono de emprego não deveria ser firmado como elemento configurador de justa causa, pelo fato de ser um ato autônomo de extinção do vínculo.

Ato lesivo à honra e boa fama do empregador ou de terceiros, é o que é visto como injúria, calúnia e difamação, atos praticados no ambiente de trabalho.[95]

No tocante às ofensas físicas, tentadas ou consumadas, contra o empregador, superior hierárquico ou terceiros, desde que relacionados com o serviço exercido, tipificam a falta.[96]

Finalizando, a prática constante de jogos de azar, praticamente de pouca expressão, também é considerada justa causa.

Ainda, existem modalidades de penas cuja aplicação é expressamente rejeitada pelo ordenamento jurídico trabalhista brasileiro, por tratar-se de prática punitiva que agride a dignidade do trabalhador, atentando contra o direito individual fundamental.[97]

Existem na Constituição Federal, regras impositivas que afastam a viabilidade jurídica de condutas punitivas no âmbito empregatício capazes de agredir à liberdade e a dignidade básica da pessoa natural do empregado. A regra geral da igualdade de todos perante a lei, da inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade; a regra geral de que ninguém será submetido a tratamento desumano ou degradante, entre outras.[98]

Por outro viés, existem práticas que, ainda que sejam admitidas sob certos fundamentos e em detrimento de determinados objetivos no contexto empregatício, são vedadas enquanto instrumentos punitivos. É o que ocorre com a transferência punitiva, o rebaixamento punitivo e a redução salarial, esta última tende a ser autorizada apenas em restritas hipóteses trabalhistas ou quando coletivamente negociada. Por fim, a pena pecuniária (multa) é vedada no Direito Trabalhista, haja vista afrontamento explícito aos princípios da intangibilidade e irredutibilidade salariais.[99]

Não é necessário, contudo, que haja gradação nas punições do empregado. Ele poderá ser dispensado diretamente, sem antes ter sido advertido ou suspenso, desde que a falta por ele cometida seja realmente grave. O melhor seria que na primeira falta o empregado fosse advertido verbalmente; na segunda, fosse advertido por escrito; na terceira, fosse suspenso; na quarta fosse demitido.[100]

É claro que o poder judiciário poderá controlar a pena aplicada pelo empregador, como ocorreria se o empregado não tivesse cometido a falta ou a falta fosse inexistente.

O mesmo pode-se dizer se o poder disciplinar for exercido ilicitamente ou arbitrariamente pelo empregador. Entende-se, entretanto, que o Poder Judiciário não poderá graduar a penalidade, que está adstrita ao empregador, pois, caso contrário, poderia, também, aumentar a pena imposta.[101]

Importante salientar que não é permitida a aplicação de duas penalidades pela mesma falta, mas há entendimentos de que, se o empregador vier a ter conhecimento, posteriormente à imposição da punição, de que a falta era mais grave do que a princípio parecia, poderia alterar a penalidade, inclusive transformando-a em dispensa. Assim, também é permitida a suspensão para apuração de falta imputada, desde que se cientifique o empregado do motivo, seja fixada antecipadamente a duração da suspensão e esta não ultrapasse de trinta dias, pois, superior a tal prazo, implica a rescisão do contrato de trabalho. Apurada a falta, e decidida a pena a ser aplicada, deve prevalecer o princípio do non bis in idem, isto é, determinada a dispensa por justa causa, não prevalece a suspensão, e o empregado recebe o salário referente aos dias em que esteve suspenso; optando pela suspensão, o empregador confirma-a, como penalidade, e fixa o número de dias da sua duração.[102]

Se verificar que não ocorreu a falta, ou que esta era de natureza leve, e não comportava punição, a suspensão deve ser cancelada, inclusive quanto aos seus efeitos no salário do empregado.

No capítulo seguinte, abordar-se-á as jurisprudências do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, bem como do Tribunal Superior do Trabalho, abrangendo os limites do poder empregatício, bem como as hipóteses de dispensa por justa causa contidas no art. 482 da Consolidação das Leis do Trabalho nos julgados da atualidade.

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Sobre a autora
Carolini Cigolini

Advogada com atuação exclusiva em Direito das Famílias e Sucessões e Direito Homoafetivo. Advogada associada ao Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). Experiência na condução de ações judiciais envolvendo temas complexos e controvertidos. Tem expertise no aconselhamento e condução de assessoria preventiva, além de atuação destacada em litígios, especialmente em São Paulo e Rio Grande do Sul.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LANDO, Carolini Cigolini. O poder disciplinar do empregador e as penalidades trabalhistas das entidades privadas regidas pela CLT. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4303, 13 abr. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/37993. Acesso em: 24 abr. 2024.

Mais informações

Trabalho de conclusão de curso apresentado à Faculdade de Desenvolvimento do Rio Grande do Sul – Laureate International Universities, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito.

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