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Lei n. 13.112/2015: a materialização do princípio constitucional da isonomia na lei de registros públicos

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A Lei 13.112/2015, ao alterar o art. 52 da Lei 6.015/73, possibilitou o tratamento isonômico constitucionalmente adequado entre homens e mulheres, ao permitir que a mãe, isoladamente, registre o seu filho, em igualdade de condições com o genitor.

Partindo de uma visão civil-constitucional da família, podemos afirmar que, após a promulgação da nossa Carta Republicana de 1988, a finalidade da família de hoje reside na busca do desenvolvimento da personalidade e da felicidade de cada um dos membros que a compõem. Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald ensinam que “A família do novo milênio, ancorada na segurança constitucional, é igualitária, democrática e plural (não mais necessariamente casamentária), protegido todo e qualquer modelo de vivência afetiva e compreendida como estrutura socioafetiva, forjada em laços de solidariedade” (Curso de Direito Civil. 5. ed., Salvador: Editora Juspodivm, 2013, v. 6, p.47).

Com a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988, a antiga família-instituição, patriarcal e hierarquizada de outrora[1], cede lugar à família-instrumento, esta última pluralista (e não matrimonializada), democrática, igualitária e instrumental (leia-se: serve como instrumento para promover a dignidade e a realização afetiva e eudemônica de seus membros).

A CF/88, em seu art. 5º, “caput”, ao tratar dos direitos e das garantias individuais, dispõe que “todos são iguais perante a lei”; daí já se pode extrair que o caminho a ser trilhado por todo o ordenamento jurídico deverá ser nesse mesmo sentido. No inciso I do mesmo dispositivo constitucional, há comando que reza que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”. Na parte que trata da família, a nossa Carta Magna, em seu art. 226, trata novamente desta isonomia entre homens e mulheres, vaticinando que “os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”.

A Constituição Cidadã passa a ser, então, o marco jurídico que impõe a proibição de qualquer tipo de discriminação injustificada contra a mulher[2]. O Novo Código Civil, seguindo os passos do constituinte, diz que a administração dos bens do casal e o exercício dos direitos derivados da relação afetiva devem ser reconhecidos, em igualdade de condições, a ambos (NCC, art. 1.657).

Em sua redação original, a Lei de Registros Públicos – Lei 6.015/1973, seguindo a ótica de sua época (que via a família sob o viés patriarcal), em seu art. 52, 1º e 2º, dispunha que eram obrigados a fazer a declaração de nascimento o pai do recém-nascido e, em falta ou impedimento do pai, a mãe, sendo, neste caso, o prazo para declaração prorrogado por quarenta e cinco (45) dias.

Segundo as precisas palavras de Luis Guilherme Loureiro, “(...) o registro de nascimento é considerado um ato de cidadania, um direito da criança (e da pessoa natural em qualquer fase da vida), corolário do princípio da dignidade humana, pois confere publicidade jurídica ao evento do nascimento” (Registros Públicos: Teoria e Prática. 6.ed. São Paulo: Editora Método, 2014, p. 91).

Em se tratando de criança ou adolescente abandonado, o registro deverá ser providenciado pela Justiça da Infância e Juventude, através de mandado judicial encaminhado ao registrador. Até mesmo a própria pessoa poderá declarar seu nascimento, desde que seja maior de 18 (dezoito) anos – art. 50, §3º, da Lei de Registros Públicos, e seguirá o procedimento do registro tardio.

Possível perceber que o referido dispositivo foi elaborado à luz do Código Civil de 1916, o qual via na figura masculina o chefe da família (“pater familias”) e também o administrador da sociedade conjugal. Ademais, outra razão para atribuir ao pai, prioritariamente, a responsabilidade de declarar o nascimento do seu filho residia nas dificuldades da mãe em razão do seu estado físico de parturiente (havendo necessidade de resguardo no pós-parto). Portanto, à época, a redação original do art. 52, 1º e 2º, da Lei de Registros Públicos fazia sentido.

A Lei nº 13.112, que entrou em vigor no dia 31 de março de 2015, buscando adequar a LRP ao princípio constitucional da isonomia material entre homens e mulheres, foi editada para permitir que as mães, sozinhas, registrem seus filhos no Cartório de Registro Civil.

Como visto, antes da Lei 13.112/2015, nos primeiros quinze dias que sucedem o nascimento da criança, caberia exclusivamente ao pai a obrigação de registrar o recém-nascido; somente na falta ou impedimento deste, a mãe assumiria esse papel (redação original do art. 52, 1º e 2º , da Lei de Registros Públicos).

Com o advento da recente lei, alteraram-se os itens 1o e 2o do art. 52 da Lei no 6.015/73, para permitir à mulher, em igualdade de condições, proceder ao registro de nascimento do filho, passando o referido dispositivo legal a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 52. São obrigados a fazer a declaração de nascimento:

1o) o pai ou a mãe, isoladamente ou em conjunto, observado o disposto no § 2o do art. 54;

2º) no caso de falta ou de impedimento de um dos indicados no item 1o, outro indicado, que terá o prazo para declaração prorrogado por 45 (quarenta e cinco) dias”.

A intenção do legislador, ao editar a Lei nº 13.112/2015, foi naturalmente compatibilizar a Lei de Registros Públicos com a Constituição Federal de 1988. Assim, a mudança legislativa, trilhada no sentido de dar efetividade ao princípio da igualdade entre homens e mulheres, conferiu à mulher (mãe) o mesmo direito registral anteriormente conferido com preferência ao pai.

Pois bem, a LRP, com a alteração ocasionada com a vigência da Lei 13.112/2015,  manteve a ordem sucessiva de legitimados para declarar o nascimento do filho.  No entanto, deve-se frisar que, com a edição da novel legislação, não mais prevalece a preferência registral do pai em relação à mãe.

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A recente mudança legislativa merece especial atenção, não apenas por materializar a isonômica necessidade constitucional de tratamento entre homens e mulheres.  A nova redação dada ao art. 52 da LRP transcende à esfera principiológica da igualdade entre os sexos, perquirida em seu aspecto substancial, e adentra na esfera do princípio da dignidade da pessoa humana, ao resguardar o preponderante interesse da criança quanto ao direito mais célere ao nome e ao conhecimento da sua origem, vez que o registro viabiliza o exercício de todas essas prerrogativas inerentes à personalidade humana. Da mesma forma, o registro permite o exercício de inúmeros direitos relativos à cidadania.

Por todo o exposto, é possível afirmar que a Lei 13.112/2015 adequou a norma constante no art. 52 da Lei de Registros Públicos ao princípio constitucional da isonomia (formal e material) entre homens e mulheres.

Ao permitir expressamente que ambos os genitores, em igualdade de condições, compareçam ao CRPN (Cartório de Registro de Pessoas Naturais) para realizar o registro de nascimento de sua prole, a nova lei os equipara em direitos e obrigações, exatamente como ordena a Carta Republicana de 1988 (art. 5º, inciso I).

Em que pese a recente adequação ao texto constitucional, devemos frisar que, na prática, a ordem prevalente no texto original do art. 52 da Lei de Registros Públicos já era, há muito tempo,  mitigada pelos Oficiais do Registro Civil.


Notas

[1] Ao realizarem detida avaliação acerca do Código Civil de 1916, nos ensina Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho que “A visão paternalista e hierarquizada da família era consagrada, cabendo ao homem a chefia da sociedade conjugal, relegando-se a mulher a um segundo plano, já que passava a ser relativamente incapaz. (...). A título de curiosidade, vale registrar que muitas mulheres, na época, sequer chegavam a possuir capacidade plena, já que podiam contrair matrimônio a partir dos 16 anos (o que ocorria com bastante freqüência), só adquirindo capacidade plena ao completar 21 anos. Em outras palavras, aquelas que se casavam antes de 21 anos nunca se tornavam plenamente capazes” (Novo Curso de Direito Civil. 4.ed., Salvador: Editora Saraiva, 2014, v.6, p.65).

[2] Devemos estar atentos para uma conclusão importantíssima: a ideia de igualdade entre homens e mulheres não implica, necessariamente, em tratamento absolutamente idêntico para ambos os sexos. “Havendo uma situação fática discriminatória (discrímen), não equânime, é necessário um tratamento desigual pelos Direitos às partes envolvidas, sob pena de atentado a um princípio constitucional. Volvendo a visão para a histórica discrepância de tratamento fático e jurídico impostos às mulheres, não se pode pretender aplicar todas as regras jurídicas de modo rigorosamente igualitário, pois esta solução implicaria em prejuízo evidente para as mulheres. É preciso, assim, aplicar a isonomia levando em conta os diferentes papéis e funções atribuídas a cada membro da família, de modo a obter um efetivo equilíbrio de posições jurídicas e o respeito à dignidade de todos eles” (FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. 5. ed., Salvador: Editora Juspodivm, 2013, v. 6, p.47). O STF, por exemplo, no julgamento da ADC nº 19, reconheceu a constitucionalidade da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), haja vista que o tratamento diferenciado legalmente despendido às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar resulta de aspectos históricos e culturais de subordinação, “inferioridade” – até mesmo jurídica - e submissão da mulher à vontade do homem. Esse foi, assim, o discrímen que permitiu o tratamento diferenciado entre homens e mulheres.

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Sobre a autora
Giuliana Vieira de Sá Cardozo

Oficial de Registros Públicos, Titular do Cartório de Registros de Imóveis Títulos e Documento e das Pessoas Jurídicas da Comarca de Conde - BA, Membro Fundador do IRTDPJ-BA (Instituto de Registros Públicos e Títulos e Documentos do Estado da Bahia), Graduada pela UCSAL (Universidade Católica do Salvador), Pós-graduada em Direito Processual Civil pela UCSAL e em Direito do Trabalho pela UFBA (Universidade Federal da Bahia). Ex-Procuradora do Município.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARDOZO, Giuliana Vieira Sá. Lei n. 13.112/2015: a materialização do princípio constitucional da isonomia na lei de registros públicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5294, 29 dez. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/38019. Acesso em: 23 nov. 2024.

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