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Microtraumas repetitivos e serviço militar

17/01/2018 às 14:00
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Os microtraumas repetitivos que culminam com a inaptidão do cidadão para o serviço militar enquadram-se como acidente de trabalho, conforme entendimento majoritário da jurisprudência pátria.

A maioria dos militares que recorrem a nosso estritório de advocacia noticia a presença de doenças incapacitantes desencadeadas durante o período de trabalho militar, contudo grande parte destes militares não possui documento que registra qualquer acidente em serviço.

Conforme a legislação militar, o acidente em serviço deverá ser comprovado por meio de atestado de origem, inquérito sanitário de origem ou ficha de evacuação, senão vejamos o que determina o Estatuto dos Militares:

“Lei 6880/80

Art. 108. A incapacidade definitiva pode sobrevir em consequência de: 

[...]

III - acidente em serviço; 

[...]

1º Os casos de que tratam os itens I, II, III e IV serão provados por atestado de origem, inquérito sanitário de origem ou ficha de evacuação, sendo os termos do acidente, baixa ao hospital, papeleta de tratamento nas enfermarias e hospitais, e os registros de baixa utilizados como meios subsidiários para esclarecer a situação.”.

Por outro lado, é de sabença geral que as Forças Armadas exigem do militar uma higidez física extraordinária, ora, as atribuições que o militar desempenha não só por ocasião de conflitos, para os quais deve estar sempre preparado, mas também, em tempo de paz, exige do militar alto nível de saúde física, inclusive no site do Ministério da Defesa1, um dos requisitos para o ingresso no serviço militar é o vigor físico, vejamos:

“CARACTERÍSTICAS DA PROFISSÃO MILITAR 

[...] f. Vigor físico

As atribuições que o militar desempenha, não só por ocasião de eventuais conflitos, para os quais deve estar sempre preparado, mas, também, no tempo de paz, exigem-lhe elevado nível de saúde física e mental.”.

Exatamente por exigir tanto vigor físico, que, com o passar dos anos, o corpo do militar se sobrecarrega, tanto é que os exercícios praticados por eles se equiparam aos realizados por atletas de elite, estes, inclusive, se aposentam cedo, pois seu corpo já não mais aguenta o extenuante treinamento a que são submetidos, muitas das vezes, carregando consigo traumas e lesões que perdurarão para o resto de suas vidas; este é o caso dos militares que nos procuram.

Portanto, após longo período servindo as Forças Armadas, o indivíduo vem a desenvolver, em decorrência de esforços físicos repetitivos, atividades de impacto e sobrecarga provenientes das atividades militares, lesões incapacitantes que comumente desencadeiam-se na coluna (hérnia de disco) e no joelho e que são incompatíveis com o serviço militar.

Contudo, a Administração Militar não reconhece as lesões como tendo sua causa precípua o trabalho militar, e por não constituir acidente, ou seja, por não ter ocorrido um acidente único, com data determinada, o militar temporário ou praça sem estabilidade comumente é excluído das Forças Armadas, estando ainda com a saúde debilitada; privando o indivíduo ao tratamento médico a que teria direito se mantido nas fileiras militares, tolhendo-o, ainda, dos demais consectários legais que a legislação castrense garante ao militar na condição de incapacitado por acidente em serviço, inclusive, e precipuamente, das verbas alimentares na condição de adido ou reformado.

Cumpre ainda ressaltar que o rigor nas inspeções de saúde para ingresso na carreira militar é excessivo, de modo que aquele que for portador de qualquer patologia, de imediato, é considerado incapaz definitivamente para o serviço do Exército e é isento do serviço militar.

Por isso, não é difícil concluir que aquele que é incorporado à Força, após passar pela rigorosa inspeção de saúde para fins de ingresso no quadro ativo, encontra-se plenamente são, e sem dúvida não é portador de qualquer patologia, razão pela qual, conclui-se que a lesão foi adquirida durante o serviço militar e em razão dele. 

Com efeito, o microtrauma repetitivo que ocorre no exercício do ofício, provocando lesão que causa inaptidão laborativa inclui-se no conceito de acidente de trabalho.

A Lei nº 8.213/91, que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social, conceitua, em seu art. 19, caput:

“Art. 19. Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.”.

O artigo 20 do mesmo diploma legal elenca as circunstâncias consideradas como acidente de trabalho:

"Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas:

I - doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social;

II - doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I.".

Portanto, ainda que o evento que tenha causado a incapacidade do militar não seja externo, súbito ou violento, tampouco em data perfeitamente caracterizada, é certo que tem natureza de acidente de trabalho, uma vez que não há distinção entre uma lesão súbita incapacitante e uma lesão lenta que provoca os mesmos efeitos deletérios à saúde do militar.

Desta forma, são importantes os esclarecimentos delineados, cujo tema é bastante difundido nos Tribunais pátrios, de modo que o militar acometido de doença desencadeada por microtraumas repetitivos (doença ocupacional), tem os mesmos direitos daqueles que sofreram acidente em serviço, devidamente averiguados pela autoridade competente, e isto se cogita tanto no âmbito securitário (em caso de seguro contratado especificamente para o caso de invalidez por acidente) quanto no âmbito previdenciário militar (em casos de reintegração e/ou reforma de militar).  

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Notas

1 Características da profissão militar. Disponível em: http://www.exercito.gov.br/web/guest/caracteristicas-da-profissao-militar

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Sobre o autor
Braulio Aragão Coimbra

Advogado inscrito na OAB/MG sob nº 130.398. Coordenador da Carteira de Direito Securitário do escritório Januário Advocacia Militar.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COIMBRA, Braulio Aragão. Microtraumas repetitivos e serviço militar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5313, 17 jan. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/38230. Acesso em: 2 nov. 2024.

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