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A responsabilidade civil sobre a violação da propriedade intelectual na internet

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4 O DIREITO DIGITAL

O Direito, como instrumento regulador das condutas humanas, precisa adequar-se às constantes evoluções sociais. Nem sempre é possível acompanhar as referidas evoluções, mas, mesmo que às vezes um pouco atrasados, os legisladores e aplicadores do Direito buscam refletir a realidade social em suas leis e julgados.

À medida que o conhecimento humano evolui, nascem novas formas de solucionar problemas do dia-a-dia. A evolução tecnológica, principalmente no tocante às comunicações, trouxe grandes avanços e muita praticidade à vida moderna. A Internet hoje é parte da vida de grande parte da população mundial, trazendo novos hábitos e mudando a dinâmica social de quase todo o Ocidente. Sobre o assunto, Sydow (2013, p. 21) preleciona:

Novos conceitos passaram a existir com a tecnologia. Enquanto a maioria dos bens antigamente era representada por átomos, hoje boa parte deles é representada por bits. Os átomos formam a substância tangível, enquanto os bits compõem a linguagem (intangível) utilizada pela informática para compor arquivos, programas e sinais de comunicação.

A nova dinâmica social inclui mudança de valores e, à medida que esses valores ganham relevância social e econômica, passam a precisar de tutela jurídica. Muitos bens na atualidade existem na forma imaterial, como segredos industriais, bancos de dados e até mesmo dinheiro. O ambiente virtual, contudo, demonstrou ser inseguro e sujeito a diversas formas de ataque – por brechas de programação, falhas de segurança ou engenhosidade social de indivíduos mal intencionados.

A Revolução Digital, com suas novidades positivas e negativas, trouxe novos bens jurídicos, como a segurança de dados, por exemplo, que precisavam de tutela antes as violações sofridas. Além disso, surgiram novas formas de violar bens jurídicos que já eram protegidos pelo Direito tradicional. A novidade exigia novos conhecimentos e nem todos os usuários estavam inteiramente a par das consequências de seus atos no ambiente virtual.

Por conta de o meio informático trazer sensações, como as de segurança, afastamento e frieza, e devido a situações pessoais do usuário-vítima, a rede mundial de computadores e outros meios eletrônicos acabam ocasionalmente sendo utilizados de forma irresponsável e impulsiva. (SYDOW, p. 23, 2013).

Além das sensações descritas por Sydow (2013), é preciso ressaltar que a sensação de anonimato virtual encoraja a prática de violações nesse ambiente. Muitos usuários, ao utilizarem-se de nicknames ou mesmo de perfis fakes, sentem-se livres de identificação e, consequentemente, de punição posterior por possíveis delitos cometidos. A Internet torna-se, então, um ambiente cheio de usuários pouco informados e suscetíveis a violações de direitos e de usuários mal intencionados que se imaginam imunes à lei.

Assim, Zanatta (2010, p.6) propõe:

Cabe-se propor não um direito de Internet, mas, sim, um novo instituto, o direito digital, cujo grande desafio seria estar preparado para o desconhecido, valendo-se de antigas normas e apto a interpretar a realidade social de forma a adequar a solução ao caso concreto na mesma velocidade das mudanças da sociedade.

Na Era Agrícola, a terra era o instrumento de poder e, Igreja Católica no Ocidente a concentrava, o Direito era canônico e fundado na hierarquia. Na Era Industrial, o capital era o instrumento de poder, pois viabilizava os meios de produção. Para proteger suas reservas de ataques de outros Estados, o domínio deveria ser do Estado. Assim, o Direito tornou-se estatal e normativo, além de burocrático, voltado para a minimização de erros jurídicos e para o monopólio da força. Na Era Digital, o poder está baseado na informação, recebida e refletida. A liberdade individual e a soberania estatal são medidas pela possibilidade de acesso dos cidadãos a informação. O Direito Digital nesta Era é pragmático e costumeiro, fundado em estratégia jurídica e dinamismo. (PINHEIRO, 2012).

A velocidade das transformações no meio digital exige dinamismo, pois as leis precisam ser genéricas e flexíveis para abranger o máximo de situações possível. Pelo mesmo motivo, alguns institutos têm uma nova perspectiva quando se trata de Direito Digital, são eles: o tempo e a territorialidade.

A Teoria Tridimensional de Reale (1994) de que o Direito é Fato, Valor e Norma mostra-se insuficiente no ambiente virtual. Assim, foi preciso incluir um quarto elemento: o Tempo.

No Direito Digital, o conjunto fato, valor e norma necessita ter velocidade de resposta para que tenha validade dentro da sociedade digital. Esse tempo pode ser uma relação ativa, passiva ou reflexiva com o fato que ensejou sua aplicação, ou seja, o caso concreto. (ZANATTA, 2010, p. 9)

O tempo ativo é aquele em que, caso a velocidade de resposta não seja adequada, pode ocorrer o esvaziamento do direito subjetivo da vítima. O exemplo que Pinheiro (2013) dá foi o bug do milênio, quando o Ministério da Justiça, por meio da Portaria nº 212 de maio de 1999, determinou que os desenvolvedores de software seriam responsáveis pela reparação gratuita de possíveis problemas surgidos com o bug. A referida Portaria foi fruto de diversas discussões sobre quem deveria e quem não deveria ser responsável pela reparação. O Direito não poderia esperar a virada do ano para definir isso, pois os danos seriam irreversíveis. Ademais, mesmo com a portaria, houve muitos casos em que as empresas tiveram que reparar por si os problemas – que foram menores que o esperado.

Um bom exemplo do instituto do tempo passivo são os danos ocorridos nas relações de consumo, como a não entrega de um produto comprada na internet ou a entrega de um produto diferente do comprado. Muitas vezes, o agente delituoso se beneficia da ideia de morosidade da Justiça que o homem-médio possui, pois este deixa de denunciar as violações a direitos ocorridas.

Então, uma série de empresas, cientes disso, não têm interesse na solução dos problemas com o consumidor, sendo a pressão social e o uso da imprensa os únicos mecanismos que conferem algum poder ade coerção sobre elas, pelo medo de criar uma imagem negativa na marca e não pelo temor de um ordenamento jurídico eficaz. (PINHEIRO, 2013, p. 82).

O tempo reflexivo, por fim, opera passiva e ativamente no mundo virtual ao provocar efeitos em cadeia e prejudicar usuários da internet de maneira generalizada. Os crimes virtuais, como a pirataria e a pedofilia, por exemplo, são delitos que prejudicam a sociedade virtual, não apenas a vítima direta.

Dessa forma, o advogado digital precisa atentar-se ao elemento Tempo de maneira que este atue de maneira favorável ao(s) seu(s) cliente(s), pois ele é uma determinante quando as partes estabelecem obrigações e limites à responsabilização. Ademais, o elemento Tempo é de enorme importância no tocante à credibilidade da Justiça para dar soluções aos conflitos sociais.

A Territorialidade, por sua vez, não precisa se fazer parte da Teoria Tridimensional de Reale (1994), mas precisa ser pensada quando aplicada ao ambiente digital. O Princípio da Territorialidade tradicional delimita a área territorial sobre a qual as leis de um Estado têm vigência. A Internet, porém, não se limita territorialmente, é possível cometer uma violação de direitos virtuais de qualquer lugar do mundo. Então, não seria possível definir a legislação a ser aplicada sem alterar o entendimento sobre o princípio.  Aliás, de acordo com Pinheiro (2013, p. 82):

O problema não está apenas no âmbito da Internet, mas em toda sociedade globalizada e convergente, na qual muitas vezes não é possível determinar qual o território em que aconteceram as relações jurídicas, os fatos e seus efeitos, sendo difícil determinar que norma aplicar utilizando os parâmetros tradicionais.

Como no Direito Internacional, aplicam-se diversos princípios no Direito Digital para solucionar os conflitos. Há o princípio do endereço eletrônico, o do local em que a conduta se realizou ou exerceu seus efeitos, o do domínio do consumidor, o da localidade do réu, o da eficácia na execução judicial.

É relevante dizer que o problema de territorialidade não se esgota na solução de conflitos reais, mas traz mudanças para o próprio conceito moderno de soberania e de atuação e responsabilidade dos Estados em relação a seus nacionais.

4.1 O Brasil e o Direito Digital

A obsolescência de leis e a demora na tramitação de processos judiciais são problemas brasileiros muito anteriores ao Direito Digital. Na tentativa de diminuir esse problema, países como os Estados Unidos fazer uso de institutos como a arbitragem, que é predominantemente utilizada no Brasil pra dirimir conflitos internacionais e comerciais.

Quando o Direito Codificado se mostra insuficiente para solucionar conflitos no ambiente virtual, o direito brasileiro faz uso de princípios e soluções anteriormente aplicados – o chamado Direito Costumeiro.

No Direito Costumeiro, os elementos que estão a amparar o Direito Digital são: a generalidade, a uniformidade, a continuidade, a durabilidade e a notoriedade (ou publicidade). Para que esses elementos se ajustem ao Direito Digital, deve-se levar em conta o fator tempo, elemento de fundamental importância para um mundo em que transformações tecnológicas cada vez mais aceleradas ditam, de modo mais intenso, as transformações no próprio funcionamento da sociedade, determinando a importância de duas práticas no Direito Digital: a analogia e a arbitragem. (PINHEIRO, 2013, p. 77).

O Direito Codificado por vezes é obsoleto ou demasiadamente rígido diante do caso concreto. O Direito Digital precisa ser flexível para atender às necessidades da Sociedade Digital. Dessa forma, ele extrai o melhor do Direito Codificado e do Direito Costumeiro para a solução de seus conflitos.

Para entender o surgimento do Direito Informático, dois conceitos precisam ser compreendidos, pois são os chamados bens informáticos: softwares e hardwares. Softwares são os algoritmos, ou melhor, as instruções matemáticas que formam os programas, os comandos para o hardware. As máquinas, os equipamentos físicos que realizam os comandos do software formam o hardware. Tais conceitos são importantes pois, por serem bens, hardwares e softwares podem ser objetos de contratos – submetendo-se ao Direito Civil, Comercial, dentre outros. Ademais, sendo criações humanas, podem ser objetos de direitos autorais e de violações de natureza extracontratual.

A primeira legislação brasileira relativa ao Direito Digital surge exatamente por conta da pirataria de softwares, ainda em 1984. A Lei nº 7.232/84 (Lei da Informática no Brasil) pretendia incentivar o investimento estatal no setor privado relativo à tecnologia com o intuito de fomentar a pesquisa nesse campo. A Política Nacional Informática, no entanto, teve efeito inverso: os produtos nacionais eram caros e pouco desenvolvidos tecnologicamente. Ademais, houve um engessamento da tecnologia nacional e muitas empresas que recebiam auxílio governamental passaram a vender legalmente réplicas não autorizadas de softwares e hardwares estrangeiros, uma forma de pirataria com autorização do Estado brasileiro.

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Nesse período, somente uma empresa estrangeira conseguiu autorização para comercializar computadores produzidos fora do Brasil, a HP (Hewlett-Packard) e, mesmo assim, a venda somente era percebida para uso técnico-científico, não para o mercado comum.

O governo Collor, ao abrir o mercado brasileiro para as empresas estrangeiras, também ajudou o desenvolvimento dos softwares e hardwares nacionais, pois a concorrência estrangeira fomentou a pesquisa brasileira na área da tecnologia e a produção doméstica precisou estar em nível capaz de concorrer no mercado nacional e no internacional.

A Lei nº 8.248/91 fez com que o prazo da reserva de mercado expirasse em 1992. Apesar de, na prática, estimular o mercado nacional, essa lei trouxe também uma onda de falências e de incorporações por instituições financeiras das empresas criadas entre 1984 e 1992.

A Lei nº 11.077/2004 alterou a nº 8.248/91 e previu reduções fiscais para as empresas que invistam em tecnologia no Brasil até 2019. As medidas protecionistas da lei de 1984, porém, ainda repercutem na excessiva tributação sobre os produtos estrangeiros, o que impede os produtos oficiais de competirem no mercado e estimula a pirataria.

Na esfera criminal, duas leis recentes merecem destaque: a Lei nº 12.735/2012 e a Lei nº 12.737/2012. Infelizmente, a influência midiática acaba por forçar a aprovação de textos legislativos ainda não exaustivamente debatidos e, consequentemente, não concluídos, o que afeta diretamente o princípio penal da intervenção mínima, pois a mídia parece almejar que a lei seja explícita ao prever cada caso concreto possível no ambiente digital, o que não é possível na realidade – dentro ou fora da Internet.

A criação de novas legislações penais com aplicabilidade duvidosa termina por colocar o poder policial e judiciário em situação de ineficiência pragmática e o próprio Estado em posição de fragilidade, posto que não consegue aplicar a lei que criou e que permanece no ordenamento jurídico reafirmando tal fraqueza. (SYDOW, 2013, p. 269).

Fiscalizar e punir no ambiente digital exige da Polícia e da Justiça brasileira um aparato tecnológico (tanto físico quanto humano) de última geração e um apoio internacional que o país não possui, para que as investigações não parem em formalidades e em entraves burocráticos.

O delito informático não é brasileiro, é transnacional. Os conceitos tradicionais de territorialidade e de exclusividade investigativa são substituídas, nesses casos, pela cooperação e pela virtualidade.

As alterações trazidas pela Lei n. º 12.735/2012 pode ser resumida nas palavras de Sydow (2013, p. 273-274):

a) Acrescentou ao art. 298 do Código Penal um parágrafo único, com o nomen iuris de “falsidade de cartão”, equiparando-se a documento particular o cartão de crédito ou de débito (redundante no que se refere ao PL n. 2.793-C/2011, art. 3º, segunda parte).

b) Dentro do Código Penal Militar, no capítulo da traição, título do “favorecimento ao inimigo”, tratando-se dos crimes militares em tempo de guerra, alterou o inciso II do art. 356, acrescendo como favorecimento ao inimigo o prejuízo ou a tentativa de prejuízo, o comprometimento ou a tentativa de comprometimento, a entrega ou a exposição a perigo de dado eletrônico;

c) Dentro do Código Penal Militar, no capítulo da traição, título do “favorecimento ao inimigo”, tratando-se dos crimes militares em tempo de guerra, alterou o inciso III do art. 356, acrescendo como favorecimento ao inimigo o prejuízo ou a tentativa de prejuízo, o comprometimento ou a tentativa de comprometimento, a perda, a destruição, a inutilização, a deterioração ou a exposição a perigo de perda, destruição, inutilização, deterioração de dado eletrônico;

d) Alterou o inciso II do § 3º do art. 20 da Lei 7.716/89, dando ao magistrado instrumento processual cautelar para cessação de prática, induzimento ou incitação a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, permitindo que este determine a cessação das respectivas transmissões eletrônicas ou da publicação por qualquer meio;

e) Determinou que os órgãos da polícia judiciária estruturem setores e equipes especializadas no combate à ação delituosa  em rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado;

Nem todas essas alterações entraram de fato no ordenamento jurídico brasileiro.  A Mensagem n. 525 de 2012 trouxe o veto presidencial aos arts. 2º e 3º da proposta inicialmente aprovada pelo Congresso Nacional. Ocorre, no entanto, que a Lei nº 12.737/2012, aprovada no mesmo dia, teve seu art. 3º sancionado e este continha a mesma alteração que o art. 2º da Lei nº 12.735/2012 pretendia trazer.

A supracitada Lei nº 12.737/2012 é mais conhecida como Lei Carolina Dieckmann, pois a atriz teve fotos íntimas divulgadas na Internet sem sua autorização e o apelo midiático do episódio terminou por acelerar a aprovação do Projeto de Lei nº 2.793-C/2011.

Apesar de trazer inovações também para o Processo Penal brasileiro, o principal intuito da Lei Carolina Dieckmann era alterar os arts. 154, 266 e 298 do Código Penal.

A legislação mais recente com efeitos sobre a Internet brasileira é o Marco Civil da Internet, também chamado de Constituição da Internet. A Lei nº 12.965/2014 busca garantir acesso de qualidade e privacidade aos usuários brasileiros, além da proteção das diversas relações de consumo no ambiente virtual. Os principais objetivos da lei aprovada em abril de 2014 são princípios já assegurados no Art. 5º da Constituição Federal vigente, porém voltados para as especificidades próprias do ambiente virtual, como explicita seu Art. 6º:

Na interpretação desta Lei serão levados em conta, além dos fundamentos, princípios e objetivos previstos, a natureza da Internet, seus usos e costumes particulares e sua importância para a promoção do desenvolvimento humano, econômico, social e cultural. (BRASIL, 2014)

Sendo uma lei recente, ainda não há como ter certeza da abrangência e eficácia do Marco Civil, mas o Brasil precisava de regularização, principalmente quanto a direitos e deveres de seus usuários. A busca, porém, pela segurança na rede prossegue. O Direito Digital brasileiro ainda está em processo de evolução, mas a nova lei foi um excelente primeiro passo.

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Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DAVES, Hannah Iudmara Rios Nogueira. A responsabilidade civil sobre a violação da propriedade intelectual na internet. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6175, 28 mai. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/38723. Acesso em: 22 dez. 2024.

Mais informações

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade Federal do Piauí como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito sob orientação do Prof. Me. Nestor Alcebiades Mendes Ximenes.

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