A prisão civil e seus aspectos face ao ordenamento jurídico brasileiro

20/05/2015 às 23:40
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O presente trabalho vem explicitar os aspectos geradores da prisão civil traçando paralelo com o atual ordenamento jurídico brasileiro, bem como, os aspectos históricos desta medida.

1 INTRODUÇÃO

A Constituição da República Federativa do Brasil, cúpula do ordenamento jurídico brasileiro, dispõe em seu Art. 5°, Inciso LXVII, a possibilidade de haver prisão civil, elencando duas características para que essa possa ser realizada, o não pagamento da pensão alimentícia e o depositário infiel, como pontificado pela referida Carta Magna:

“Art. 5°. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, a liberdade, à igualdade, à segurança e a propriedade, nos termos seguintes:

(...)

LXVII – Não haverá prisão civil por divida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel”

(CRFB, Art. 5°, inciso LXII)

Portanto, as duas possibilidades de acontecer a prisão civil, foram expressas pelo legislador constituinte de 1988, porém, a sociedade sempre estar a conviver com mudanças em seus paradigmas, e no que tange a prática como forma coercitiva para adimplemento de uma dívida a história se mostra vilã dos direitos humanos, pois, na antiguidade a forma coercitiva se do inadimplente se dava com a privação da vida, da liberdade e humilhação, a Exemplo da Lei das XII tábuas que tinha em seu corpo jurídico o individuo que era submetido ao magistrado confessando sua dívida, e a depender dos acordos e continuando no inadimplemento poderia pagar ao final até com sua vida, pouco a pouco, a sociedade moderna no reconhecimento dos direitos fundamentais do ser - humano foi retirando tais imputações que vão de encontro a dignidade da pessoa humana da órbita jurídica na cobrança do inadimplemento, e com a “Lex Poetelia Papiria em 326 a.c., o não-pagamento do débito passou a ensejar não mais a execução pessoal, mas sim do patrimônio do devedor” (STOLZE, 2010, p. 308), e não diferente de tal evolução e reconhecendo os direitos humanos, a Suprema Corte brasileira, entendeu no arquivamento das RE 349730 e 466343, que é proibido a prisão civil de alienante fiduciário infiel, pois, entende o STF que a prisão deve ocorrer em casos excepcionais, não devendo ser utilizado a pessoa em seu corpo -  integridade, privacidade, liberdade – para o adimplemento de uma dívida, podendo-se dispo então de seu patrimônio.

Então, a possibilidade atual de se haver prisão civil no Brasil, reside no inadimplemento da obrigação de alimentar, que decorre da intenção do principio constitucional da inviolabilidade do direito à vida, portanto, o pai que deixa de prover alimentos, está confrontando diretamente com este principio, colocando em risco a vida do alimentando, que é aspecto fundamental para a o cumprimento da dignidade da pessoa humana, portanto, não poderia nosso legislador e demais operadores do sistema jurídico brasileiro, suspender a prisão civil nestes casos, é de grande ênfase esse principio, como explica Dirley da Cunha Júnior:

“O direito à vida é o direito legitimo de defender a própria existência de existir com dignidade, a salvo de qualquer violação, tortura ou tratamento desumano ou degradante. Envolve o direito à preservação dos atributos físico-psiquicos (elementos materiais) e espirituais-morais (elementos imateriais) da pessoa humana, sendo, por isso mesmo, o mais fundamental de todos os direitos, condição sine qua non[1] para o exercício dos demais.”

(DIRLEY, 2011, p. 675-676)

A prisão civil abarca uma série de questões, as quais devem ser minuciosamente consideradas e avaliadas junto com princípios gerais e constitucionais para chegar o ordenamento jurídico a uma equidade na aplicação de tal medida, que muitas vezes confunde-se popularmente com pena, todavia se faz necessário salientar que trata-se de uma exceção constitucionalmente prevista dada pelo inadimplemento da obrigação de alimentar.

2 PRISÃO CIVIL: ASPÉCTOS  PENAIS,  PROCESSUAIS E CIVIS

A legislação infraconstitucional[2] com o dever e ampliar e abarcar o maior de temas possíveis de que trata a Constituição Federal faz sua parte no que tange a seguridade jurídica das questões geradoras da prisão civil, dando ao alimentado quanto ao alimentante à segurança jurídica, tendo as partes o direito de reclamação e defesa, tal segurança é o papel da lei, buscando gerar o máximo o sentimento de justiça, como coloca Manoel Gonçalves Ferreira Filho que:

“A primeira é ser a lei necessariamente a expressão de justiça, com os corolários de que é geral e abstrata, aplicando-se a todos os casos, sem levar em conta os envolvidos, além de igual para todos os seres humanos.

A segunda reflete o ensinamento de Rousseau. A lei é a expressão da vontade geral.”

(FERREIRA FILHO, 2008, p. 26)

Para tanto, não só a constituição tratou de pontificar a prisão civil, mas, diversas leis infraconstitucionais que ao longo do tempo tem de se aperfeiçoar diante às necessidades das relações humanas em sua época. O código penal em seu Art. 244, buscou punir o individuo que deixar de cumprir com a obrigação de alimentar, quando em seu texto coloca:

“Art. 244 - Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de 60 (sessenta) anos, não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo:

Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa, de uma a dez vezes o maior salário mínimo vigente no País.”

(Decreto-Lei nº 2848, de 7 de Dezembro de 1940) (grifos nossos)

Ressalta-se porém que a prisão civil não se trata meio de penalizar o individuo, mas sim de aplicar uma medida coercitiva para que este possa cumprir com a obrigação de alimentar, já a pena tem o papel de aplicar sanção por crime, como o Art. 244 do Código Penal, punirá aquele que deixar sem justa causa de prover alimentos e demais pontificações feita por este, sendo a ultima ratio[3], sob a hedge do principio da intervenção mínima, onde não pode ser tudo objeto de punição estatal, sendo apenas objeto de punição penal assuntos que ofendam os princípios concernentes à dignidade da pessoa humana, postulado no Art. 1º, inciso II da Constituição de 1988.

Para melhor classificar e aplicar as leis que matem coercitividade no inadimplemento grande se faz a importância do Código de Processo Civil pontuar essas questões, classificando os alimentos em três grupos, sendo os provisórios, aqueles que são arbitrados no inicio da ação para garantir o suprimento de suas necessidades básicas até a fixação dos alimentos definitivos. Os provisionais são requeridos por ação cautelar obedecendo as disposições do Art. 852 do CPC, que pontifica o pedido de tais alimentos na ocorrência de anulação de casamento e outros fatores. E os definitivos são aqueles que já tenha se analisado todos os fatores e condições do alimentante quanto do alimentado, estabelecidos os alimentos com sentença transitando em julgado. O aspecto processual da prisão civil, pois garante às partes direitos que se darão com o devido processo legal, tal concepção aspira o conceito de justiça, nos ensino Manoel Gonçalves Ferreira Filho:

[...] “importou do direito anglo-norte-americanoo due processo of Law: ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.

Como se sabe, essa expressão cobre no direito norte-americano contemporâneo duas ordens de direitos. Uma exatamente compreende as garantias processuais, inclusive penais, que acima enumeraram, ou pelo menos grande parte delas. É o chamado devido processo legal processual que, aliás, primeiro se desenvolveu.

Por outro lado, abrange um aspecto substancial – o devido processo legal substancial – que alcança a razoabilidade, a justiça da norma.”

(FERREIRA FILHO, 2008, p. 127)

Portanto, percebe-se que a norma incriminadora necessita intimamente de um devido processo legal para sua legitimidade de direito, legitimidade essa que abarca a justiça, a razoabilidade e conseqüentemente a segurança jurídica, tanto no pedido quando na defesa, fazendo importante trazer tal tema à órbita da prisão civil, onde o CPC coloca prazos para o alimentante se apresentar para explicar os motivos do não pagamento, conforme Art. 732 do CPC, deve ainda obedecer ao atraso de três pensões alimentícias para que seja decretada a prisão civil, conforme estabelece o acórdão do STJ:

"Consolida-se na jurisprudência o entendimento de que, em caso de dívida alimentar que se acumula por longo período, deixa a mesma de ter esse caráter, salvo quanto às três últimas parcelas. Destarte, enquanto estas podem ser cobradas sob pena de prisão do devedor, as demais devem ser exigidas exclusivamente, na forma do art. 732 do CPC"
(STJ - 6 ª Turma, HC 6.789-ES, rel. Min. Anselmo Santiago, DJU 13.10.98, p. 183).

Portanto, é de fundamental a entrância dos ramos penais e processuais para a execução de uma prisão civil, que colocará os pontos e formas de sua execução.

A obrigação de alimentar abarca vários aspectos do direito civil brasileiro, enfatizando o direito das obrigações, onde começa com o inadimplemento do alimento, seu pagamento tendo que ser prestações pecuniárias, na obrigação de dar alimentante, esses aspectos são notadamente essenciais para se chegar à concepção de tal obrigação e conseqüentemente seu inadimplemento,

3 PRISÃO, PENA E DIREITOS HUMANOS

Pelo inadimplemento da obrigação de alimentar se culmina uma medida extrema, que é a restrição da liberdade do individuo que detinha o dever de tal obrigação, sendo então denominado segundo o ordenamento jurídico brasileiro como prisão civil,  que serve como meio coercitivo à obrigar o pagamento da pensão alimentícia, pois, pode colocar em risco a vida do alimentado. Não pode-se confundir prisão com pena, pois, a pena é para o cumprimento de ato criminal ilícito, mas podemos indagar o seguinte: a prisão – em qualquer espécie, como a civil – tem o caráter semelhante a penalização? Para responder tal, nos ensina o grande pensador Beccaria em sua grandiosa obra dos Delitos e Das Penas:

"Embora a prisão difira das outras penas, por dever necessariamente preceder a declaração jurídica do delito, nem por isto deixa de ter, como todos os outros gêneros de castigos, o caráter essencial de que so a lei deve determinar o caso em que é preciso empregá-la" (Beccaria, 2000, p. 39)

Portanto deixa claro Beccaria que a prisão, mesmo não sendo o individuo privado de sua liberdade por uma norma penal incriminadora, e sim por uma medida excepcional para o cumprimento, como por exemplo a obrigação de pagar a pensão alimentícia, mas, essa afirmação que pondera Beccaria, traz a órbita da discussão os direitos humanos, porém, nas constituições modernas – que se inclui a do Brasil – vem aferindo tudo que se refere aos direitos humanos, e não colocará os presos civilmente junto a criminosos comuns, como pondera Nogueira:

"O devedor será recolhido a alguma cela especial, o que deve sempre constar no mandato, evitando-se que as autoridade policiais mandem recolher o alimentante preso em companhia de elementos condenados criminalmente, alguns até mesmo perigosos"(Nogueira, 1983, p. 41)

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Neste sentido, a proteger a integridade do individuo devedor de alimentos, não pode sua prisão ter aspectos de pena, devendo ser meio coercitivo para o cumprimento da obrigação de alimentar, cessando então os efeitos da prisão, com o pagamento pecuniário da prestação.

4 CONCLUSÃO

A prisão civil analisado em seus diversos aspectos, deve atender a sua finalidade respeitando o individuo em sua integralidade da pessoa humana, tendo em vista que os antepassados desta medida foram funestos, sendo cerceado até mesmo o direito a vida para o devedor, que com o tempo e o surgimento e a garantia na eficácia e na aplicabilidade dos direitos humanos, foi mudando tal quadro, onde tal medida se aplica atualmente face ao ordenamento jurídico brasileiro, apenas a meios que venham agredir o principio do direito à vida, devendo este fornecer alimentos para o convívio social do alimentado

Para o cumprimento destes aspectos, se fez necessário não só a expressão da constituição federal, mas, também da legislação infraconstitucional, sendo ela penal, processual, civil e afins, quem vêem como forma de trazer a medida uma segurança jurídica tanto para  o alimentado como também para o alimentante, sendo preciso discernir a prisão de punição bem como os meios de cumprimento e os locais, esse discernimento deve partir  do próprio Estado como forma de garantia de princípios constitucionais sensíveis de proteção aos cidadãos. A República Federativa do Brasil, em respeito a sua constituição, tem de ter especial observância desses princípios, para manter e reafirmar preceitos nela contidos como o direito a vida, a dignidade da pessoa humana, igualdade, segurança jurídica e demais princípios constitucionais sensíveis.

A prisão civil tem então que ser executada no que ofende a princípios sensíveis, postulados pelos direitos humanos que vem ao longo do tempo na história do mundo, assegurando aos indivíduos – mesmo que presos – o direito ao contraditório, ao devido processo legal, e a cessação da prisão quando então for cumprida a devida obrigação de alimentar. Não podendo ser transgredidos os seus fins aos quereres individuais desrespeitando princípios humanos, que para isso reafirmasse a contribuição de normas infraconstitucionais, como o Código de Processo Penal, que traz postulados que definirão as formas e condições para a decretação da prisão civil, sendo o devido processo legal.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasilia, DF, Senado Federal. Promulgada em 05 de outubro de 1988.

BRASIL. Código Civil (2002). Lei nº 10.406. Brasilia, DF, Senado Federal. Sancionado em 10 de janeiro de 2002.

BRASIL. Código Penal (1940). Decreto-Lei nº 2.848. Brasilia, DF, Senado Federal. Decretado em 7 de dezembro de 1940.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. 10. Ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: Obrigações. 12ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Alimentos, divórcio, separação. São Paulo: Saraiva, 2003.

JUNIOR. Dirley da Cunha. Curso de Direito Constitucional. 5ª Ed. rev. e ampl. Salvador: Juspodivm, 2011.


[1] Condição sine qua non, termo em latim, o qual significa “sem o qual não pode ser”, portanto, sem a condição do direito a vida, não poderá a República Brasileira garantir os demais princípios, pois este apresenta-se como principal.

[2] Termo utilizado para se referir a qualquer lei que não esteja incluída na norma constituição e esteja de acordo com o ordenamento jurídico.

[3] Principio da intervenção mínima, onde não deve ser reprimido penalmente qualquer ato insignificante para a sociedade.

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Sobre o autor
José Henrique Santana Santos

Estudante de Direito da Faculdade AGES e Secretário da Procuradoria do Município de Aporá (BA).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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