A legalidade da “lista suja” do trabalho escravo no Direito Administrativo

16/06/2015 às 15:48

Resumo:


  • O Ministério do Trabalho e Emprego divulga uma lista de empresas autuadas por trabalho análogo à escravidão desde 2003, respeitando dispositivos constitucionais e princípios vigentes.

  • A "Lista Suja" do Trabalho Escravo é um instrumento de transparência das ações governamentais, em conformidade com leis de acesso à informação e convenções internacionais de combate ao trabalho escravo.

  • O cadastro de empregadores na lista suja é atualizado semestralmente, respeitando o direito de defesa em duas instâncias no processo administrativo e monitorando a conduta dos infratores ao longo de dois anos para possível exclusão.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A partir do ano de 2003, o MTE passou a divulgar em uma lista os nomes das empresas que foram autuadas pelo uso do trabalho análogo ao escravo a partir da fiscalização desse órgão e que tiveram estas autuações confirmadas após processo administrativo.As Portarias Administrativas do MTE respeitam os dispositivos Constitucionais e Princípios vigentes. Além disso, a divulgação dos condenados administrativamente respeita a Lei de Acesso à Informação e Convenções Internacionais.

Resumo: A partir do ano de 2003 o Ministério do Trabalho e Emprego passou a divulgar em uma lista os nomes das empresas que foram autuadas pelo uso do trabalho análogo ao escravo a partir da fiscalização desse órgão e que tiveram estas autuações confirmadas após processo administrativo. Apesar de uma suposta ilegalidade, trata-se de um ato administrativo que respeita os dispositivos Constitucionais e os Princípios vigentes. As Portarias que divulgam os nomes respeitam a Lei de Acesso à Informação, constituindo-se em instrumento de transparência das ações governamentais, coincidindo com as Convenções Internacionais de combate ao trabalho escravo, as quais o Brasil é signatário. Reconhecido internacionalmente por sua eficácia, a relação de maus empregadores passou a ser efetiva pelo constrangimento causado às empresas flagradas na prática do trabalho escravo, gerando perdas financeiras em títulos e ações, além de servir de base para análise de risco para as instituições de crédito, o que ocasionou, por sua vez, acusações infundadas que serão debatidas neste trabalho.

Palavras-chave: lista, trabalho escravo, Direito Administrativo, legalidade, Ministério do Trabalho e Emprego.

Sumário : 1. O trabalho escravo no Brasil e no Mundo; 2.O Trabalho Escravo na Legislação Brasileira: Direito Penal x Direito Administrativo; 3. Números do Trabalho Escravo; 4.Mecanismos de Combate ao Trabalho Escravo; 5.Lista Suja do Trabalho Escravo; 6.Controvérsias, Atuação do Supremo Tribunal Federal e a Atual Situação; 7.Considerações Finais. Referências.


Introdução

Primeiramente, ressalta-se que o objetivo deste artigo não é avançar sobre o conceito de trabalho escravo ou análogo ao de escravo, apesar de obrigatoriamente apontar alguns conceitos. Busca-se com este trabalho o debate acerca da (i)legalidade do ato administrativo de inclusão de pessoas físicas e jurídicas no Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas às de escravo do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).


1. O trabalho escravo no Brasil e no Mundo

A exploração da mão de obra alheia, baseado na escravidão, iniciou-se nos primórdios da humanidade. Desde milênios, em todas as áreas geográficas do mundo, a escravidão foi uma prática comum e aceita por diversos povos. Somente a partir do século XIX é que esta prática passou a ser criticada e considerada ilegal em muitas regiões. Apesar disso, atualmente milhões de indivíduos encontram-se na situação de trabalho escravo.

Qual a diferença entre uma situação que tornava alguém um escravo no século XIX, quando a escravidão era uma instituição reconhecida e identificada com a propriedade sobre as pessoas ou como definir alguém como escravo, com alguma precisão, no século XXI, quando a propriedade sobre pessoas não é admitida pela lei? Reconhecidamente as situações de escravidão, assim como a sua própria definição, foram sendo alteradas ao longo da história. Pode-se imaginar que o termo “escravo” no século XIX significava uma pessoa sobre a qual havia um verdadeiro direito de propriedade; diferentemente, no século XXI, não há nenhum poder ou direito de propriedade sobre pessoas, já que a escravidão foi abolida através de leis e dispositivos legais.

Atualmente, é comum encontrar a ideia de que a escravidão envolve violências físicas e de propriedade, e que a palavra “escravo” não pode ser aplicada a uma pessoa que é juridicamente livre e formalmente capaz de sair do lugar em que trabalha. Ao analisar as definições internacionais sobre o assunto, observa-se que a escravidão é definida como “o estado ou a condição de um indivíduo sobre o qual se exercem, total ou parcialmente, alguns ou todos os atributos do direito de propriedade” (SCOTT, 2013). A “propriedade” não e referida diretamente, mas sim em “atributos do direito de propriedade”. Portanto, os poderes inerentes à propriedade que são exercidos sobre uma pessoa de maneira que desrespeite a sua dignidade humana, mesmo que ela não seja propriedade de ninguém, a relação pode ser descrita juridicamente como situação de escravidão. Assim, tanto o seu estatuto de relação de trabalho como as condições de trabalho são consideradas situações de escravidão.


2. O Trabalho Escravo na Legislação Brasileira: Direito Penal x Direito Administrativo.

A definição de escravidão adotada pelo ordenamento jurídico de cada país se apoia, necessariamente, em tradições nacionais e pode ser mais abrangente do que aquela estabelecida no direito internacional. No caso brasileiro, na atual Constituição Federal não há definição exata sobre o trabalho escravo. Por outro lado, o termo é baseado na combinação da garantia à dignidade humana, com medidas de proteção aos direitos trabalhistas já consolidadas, constituindo uma definição efetiva de trabalho escravo. O código Penal tipifica a situação de trabalho análoga à escravidão em seu Art. 149:

“Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: (Redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)”

O arcabouço jurídico que sustenta a proteção do trabalhador contra a escravidão encontra-se munido de outros diplomas legais anteriores e que vão além do art. 149. do Código Penal, materializando o compromisso do país com a legislação internacional objetivando a erradicação dessa prática, oferecendo ao trabalhador uma proteção mais ampla e segura. Isso para não mencionar que as instâncias administrativa e penal são, salvo exceções expressas, independentes entre si, vale dizer, é perfeitamente possível que uma mesma conduta seja reprimida na seara penal sob a forma de um tipo incriminatório e também o seja no âmbito administrativo por força de convenções internacionais com força de lei das quais o Brasil é signatário.

No que se refere às Convenções Internacionais das quais o Brasil é signatário, assumindo o compromisso de reprimir o trabalho escravo perante a Comunidade Internacional, podemos destacar as Convenções da OIT n.º 29 (Decreto n.º 41.721/1957) e 105 (Decreto n.º 58.822/1966), a Convenção sobre Escravatura de 1926 (Decreto n.º 58.563/1966) e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica – Decreto n.º 678/1992). Todas Convenções apontadas foram ratificadas pelo Brasil, com status normativo de leis ordinárias, plenamente recepcionadas pela Carta Constitucional de 1988, e todas contendo dispositivos que preveem a adoção imediata de medidas legislativas (ou não) necessárias para a erradicação do trabalho escravo.

Alguns dispositivos das Convenções são relevantes para dirimir a confusão entre as sanções administrativas e aquelas previstas no tipo penal. Vejamos o que nos informa, por exemplo, o Pacto de San José da Costa Rica em seu artigos 2º:

Art. 2º – Se o exercício dos direitos e liberdades mencionados no art. 1º ainda não estiver garantido por disposições legislativas ou de outra natureza, os Estados Partes comprometem-se a adotar, de acordo com as suas normas constitucionais e com as disposições desta Convenção, as medidas legislativas ou de outra natureza que forem necessárias para tornar efetivos tais direitos e liberdades.

Observa-se que o Pacto acima descrito prevê a adoção de medidas de outra natureza – que não a mera edição de leis – para efetivação dos direitos e liberdades que tutela, como também esboça um conceito elástico abrangendo todas as formas de escravidão.

Também é imprescindível mencionar o que dispõe a Convenção Suplementar – de 1956 – sobre a Abolição da Escravatura, do Tráfego de Escravos e das Instituições e Práticas Análogas à Escravatura, cujo artigo 1º – em especial as alíneas “a” e “b” – parece bastante esclarecedor acerca da caracterização do trabalho escravo:

Art. 1º – Cada um dos Estados Partes à presente Convenção tomará todas as medidas, legislativas e de outra natureza, que sejam viáveis e necessárias, para obter progressivamente e logo que possível a abolição completa ou o abandono das instituições e práticas seguintes, onde quer ainda subsistam, enquadrem-se ou não na definição de escravidão que figura no artigo primeiro da Convenção sobre a escravidão assinada em Genebra, em 25 de setembro de 1926:

Desse modo, fica evidente tanto a possibilidade de o Poder Executivo editar medidas necessárias à repressão do trabalho escravo, o que se encontra previsto nas leis ordinárias supramencionadas, como também o fato de que o conceito utilizado pela Administração Pública reporta-se às convenções (leis) referidas, isto é, embora possua elementos comuns ao tipo previsto no art. 149. do Código Penal, em momento algum se confundem os conceitos utilizados numa e noutra esfera.

Assim, o conceito de trabalho escravo para fins administrativos é mais amplo do que aquele previsto no Código Penal. Não poderia ser diferente, haja vista que a política criminal garantista em vigor no país volta-se – em especial – para a proteção do status libertatis do réu. No caso concreto sob análise, não estamos a cuidar de processo penal. Ao contrário, a ação administrativa volta-se para o atendimento do interesse público, daí decorrendo todas as prerrogativas de que dispõe a Administração, inclusive as presunções de legitimidade e veracidade que recaem sobre seus atos.

O alcance das convenções internacionais com status de lei federal ratificadas pelo Brasil ao longo do século XX não pode sofrer “contingenciamento conceitual” em face de norma penal posterior (Lei n.º 10.803/2003, que alterou a redação do tipo previsto no art. 149. do CP).

Portanto, administrativamente, é considerada escravidão contemporânea os casos em que a pessoa está submetida a:

  • Condição degradante de trabalho (que retira do trabalhador sua dignidade e expõe a riscos sua saúde e segurança física e mental);

  • Jornada exaustiva (que o leva ao limite de suas forças);

  • Forma de cerceamento de liberdade (como a servidão por dívida, a retenção de documentos e o isolamento geográfico do local de trabalho) (SCOTT, 2013).

Essas situações são respaldadas pela CLT e por Convenções Internacionais ratificadas pelo Brasil.

Cabe ressaltar os debates acerca do Projeto de Emenda Constitucional do Trabalho Escravo, atualmente na Câmara dos Deputados, no que concerne à modificação e restrição da denominação de trabalho escravo. Com a mudança, ficariam excluídos da definição de trabalho escravo os termos “jornada exaustiva” e “condições degradantes de trabalho”. Por outro lado, entidades contrárias à mudança na definição de trabalho escravo temem a modificação. Para elas, a versão mais branda da lei pode dificultar a caracterização de crime ao qual são submetidos alguns trabalhadores terceirizados que, na verdade, estão em condição análoga à escravidão. Isso porque, com a mudança, a definição legal de trabalho escravo ficaria restrita apenas a casos em que o trabalhador não consegue sair do emprego ou é forçado a trabalhar contra sua vontade.


3. Números do Trabalho Escravo

Com base na terminologia internacional acerca da escravidão, a fundação internacional Walk Free calcula que cerca de 35,8 milhões de pessoas são mantidas em situação de escravidão no mundo. A estimativa é superior à feita pela Organização Internacional do Trabalho, que calculou que 21 milhões de pessoas eram vítimas de trabalhos forçados em 2011. O Brasil, apesar de ter um dos menores índices de escravidão por habitantes do continente americano (atrás de Canadá, EUA e Cuba), ainda abriga 155,3 mil pessoas nessa situação, que abrange desde trabalho forçado ou por dívidas, tráfico humano ou sexual até casamentos forçados, em que uma das partes é subserviente. Segundo números do Governo Federal, entre os anos de 1995 e 2013, quase 47 mil vítimas foram resgatadas da situação de escravidão no Brasil, entre brasileiros e estrangeiros. Historicamente, os setores agropecuário e sucroalcooleiro são os que mais aparecem nesses números, mas a construção civil e a moda vêm ganhando destaque. (VERDÉLIO, 2014)

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4. Mecanismos de Combate ao Trabalho Escravo.

O crescente número de trabalhadores em situações análogas à escravos são reflexos das atuações governamentais de fiscalização. Além da atuação do Ministério Público do Trabalho, através de Ações Anulatórias, Ações e Inquéritos Civis Públicas e ações preventivas, o Poder Executivo, através do Ministério do Trabalho, possui importante papel no combate ao trabalho escravo.

Segundo o coordenador Nacional do Programa de Combate ao Trabalho Forçado da OIT no Brasil, Luiz Machado, o Brasil é um dos pouquíssimos países que tem estrutura específica de combate ao trabalho escravo, que são os grupos de fiscalização móvel do MTE, formado por Fiscais, Procuradores do Trabalho e Policiais Federais, atendendo denúncias em todo o país. A grande diferenciação e o grande salto, em termos de qualidade que o Brasil teve nestes últimos anos, foi devido à constituição da Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, que traçou um plano, uma estratégia para atuar frente a este problema. A comissão é constituída por Associação de Juízes Federais e do Trabalho, Procuradores da República e do Trabalho, Organização dos Advogados do Brasil - OAB, a Organização Internacional do Trabalho – OIT e a Comissão Pastoral da Terra - CPT1.


5. Lista Suja do Trabalho Escravo.

Além dos grupos de fiscalização móvel, o Poder Executivo criou em 2004 o Cadastro de Empregadores que tenham mantido trabalhadores em condições análogas à de escravo, contendo o nome de pessoas físicas e jurídicas flagradas pela fiscalização. Conhecida também como “lista suja” ou “lista negra” do trabalho escravo, este mecanismo objetiva publicizar as ações administrativas do Ministério do Trabalho e Emprego – MTE.

Originalmente instituído pelas Portarias 1.234/2003 e 540/2004 do MTE, e posteriormente convertido na Portaria Interministerial nº. 02/2011 – MTE/SDH, o cadastro é atualizado semestralmente pelo MTE e encaminhado aos Ministérios da Fazenda, da Integração Nacional, do Desenvolvimento Agrário, do Meio Ambiente, à Secretaria Especial de Direitos Humanos e aos bancos públicos e privados e à sociedade civil a fim de que cada instituição adote as medidas oportunas em seu respectivo âmbito de competência.

Destaca-se que a inclusão do nome do infrator no cadastro acontece somente após a conclusão do processo administrativo originário dos autos de infração lavrados no decorrer das inspeções (art.2º). Somente são incluídas na lista as empresas ou pessoas físicas após o direito de defesa em duas instâncias no processo administrativo. A eventual exclusão, por sua vez, depende da conduta do infrator, monitorada pela inspeção do trabalho, ao longo de dois anos (art. 4º). Não havendo, nesse período, reincidência do ilícito, se pagas todas as multas (resultantes da ação fiscal) e quitados os débitos trabalhistas e previdenciários, o nome é retirado do cadastro (art. 4º, § 2º); por fim, a exclusão será comunicada a todos os órgãos mencionados no art. 3º. Em consonância com a portaria supra mencionada, está a Portaria nº 1.150 do Ministério da Integração Nacional, que recomenda aos agentes financeiros que se abstenham de conceder financiamentos ou qualquer outro tipo de assistência com recursos do MTE para as pessoas físicas e jurídicas que venham a integrar o cadastro de infratores.

Diante de acordos Internacionais, já citados acima, onde o Brasil é signatário, impõe ao Estado tomar medidas legislativas e administrativas para prevenir e repreender todas as formas de trabalho escravo. A lista suja do trabalho escravo, medida administrativa originada a partir de Portarias, encontra respaldo nos os preceitos constitucionais de acesso à informação e transparência perante os cidadãos. Portanto, as Portarias, tornam públicos os atos administrativos não sigilosos, produzidos após o trâmite administrativo com respeito ao princípio da ampla defesa das partes.


6. Controvérsias, Atuação do Supremo Tribunal Federal e a Atual Situação.

As Portarias do MTE que divulgam as condenações por trabalho escravo foram alvo de muitas críticas pelas empresas, principalmente pela simplicidade do procedimento de defesa que não garantia a apresentação de todos os argumentos de defesa necessários e recursos para combater as alegações da fiscalização do trabalho. Além disso, alegam a ausência de lei que prevê a existência da "lista suja" ou de regras sobre as penalidades e procedimentos administrativos específicos.

Diante de controvérsias instauradas em torno da impossibilidade de aplicação da portaria 504/04 do MTE e portaria interministerial 2/11 do MTE, em dezembro de 2014 a Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias - ABRAINC ingressou com uma ADIn (nº5.209) no STF. Em meio ao recesso de final de ano, o ministro Ricardo Lewandowski concedeu liminar (portanto, provisória) à ABRAINC suspendendo a “lista suja” do trabalho escravo. A entidade questionava a constitucionalidade do cadastro, afirmando que ele deveria ser organizado por uma lei específica e não uma portaria interministerial.

No dia 31 de Março de 2015, três meses após a decisão do STF que determinou a suspensão dos efeitos da portaria 2/11 do MTE, uma "nova" portaria interministerial recriou o cadastro de empregadores flagrados em práticas de trabalho análogas à de escravo. Obviamente, a "nova" portaria, atualmente em vigor, que revogou a Portaria 2/11 foi elaborada para frustrar a eficácia da decisão proferida pelo STF. Assim, o fundamento desta medida baseia-se na Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/11) e nos acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário, como as Convenções da OIT n.º 29 e 105, a Convenção sobre Escravatura de 1926 e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, todos já citados no decorrer do texto.

Para alguns especialistas, a "nova" portaria mantém todos os defeitos contidos na portaria 2/11, hoje, então, revogada. A discordância à nova portaria refere-se à privação ao princípio do contraditório e a ampla defesa aos empregadores, porém, o processo administrativo instaurado a partir de irregularidades oferece defesa em seu procedimento, em duas instâncias.

Ainda confundindo princípios do direito penal e o processo administrativo (em casos de publicação de condenados por trabalho escravo), críticos vão além ao alegar a violação ao princípio da inocência dos condenados administrativamente. Pelo princípio da presunção de inocência, esboçado no art. 5º, inciso LVII, da CF/88, entende-se que toda pessoa é considerada inocente, e assim deve ser tratada, até que se tenha uma decisão irrecorrível que o declare culpado. Com fundamento nos dispositivos constitucionais, fica evidenciado que o princípio da presunção de inocência é aplicável ao Direito Administrativo. A ampla defesa e o contraditório pressupõem o respeito ao princípio do devido processo legal, no qual se encontra inserido o princípio da inocência, princípios estes que o processo administrativo deve observar, já que a Constituição o igualou ao processo judicial, conforme se evidencia no art. 5º, inciso LV, da Carta Magna. No caso de processos administrativos condenatórios de práticas de trabalho análogas ao de escravo observa-se a preservação deste princípio, pois a ampla defesa é concedida durante o trâmite administrativo, assim como o contraditório. Poderá haver a defesa dos acusados. A lista dos condenados só será divulgada após todo o trâmite administrativo, sendo ineficaz a argumentação contrária de sua legalidade.

Cabe destacar ainda, os argumentos contrários à lista no que tange a possíveis irregularidades em autuações dos Fiscais do trabalho, ou ainda, da dificuldade de defesa no trâmite administrativo. Ora, inconcebíveis tais argumentos, pois atitudes individuais ou subjetivas de alguns profissionais atuantes do processo administrativo não devem prejudicar o real objetivo da medida. Argumentos sem respaldos legais apenas prejudicam o combate à situações de trabalho degradantes, respaldando atitudes imorais e judicialmente condenáveis.


7. Considerações Finais.

Pode-se observar claramente a legalidade da medida do Ministério do Trabalho e Emprego que, através de Portarias, visa publicizar suas atuações e condenações dos envolvidos na prática de trabalho escravo. Cumprimento Convenções Internacionais, o cadastro é considerado um dos principais instrumentos no combate a esse crime e tido como referência pelas Nações Unidas.

Ratifica-se que se trata de uma medida administrativa, onde a divulgação da lista suja do trabalho escravo respeita os direitos positivados em nossa legislação, ao contrário do que afirmam alguns especialistas. A divulgação da condenação administrativa após a última instância de um processo administrativo que investiga uma denúncia de irregularidade nas relações de trabalho, em casos análogos à escravidão, respeita o devido processo legal no âmbito administrativo. Além disso, como observado no decorrer do trabalho, Convenções Internacionais ratificadas pelo Governo Brasileiro são respeitadas, assim como os preceitos constitucionais de acesso à informação e de transparência das ações governamentais. Cabe destacar, mais uma vez, que a divulgação das condenações só ocorre após a última instância administrativa, respeitando todos os princípio legais deste âmbito. Deste modo, diante da notória independência entre as esferas penal e administrativa, resta irrelevante a condenação penal do empregador, pois a caracterização da infração administrativa de redução à condição análoga à de escravo decorre da atuação do Ministério do Trabalho e Emprego, não de condenação na esfera criminal, e a inclusão no cadastro resulta de trânsito em julgado da decisão proferida no devido processo administrativo.

Cabe recordar que há listas correlatas à dos condenados na prática de trabalho escravo publicadas pela administração federal, como o Cadastro de Gestores Irregulares do Tribunal de Contas da União (TCU), com finalidade de inabilitar para cargos públicos aqueles administradores cuja conduta esteja maculada pela improbidade e a lista dos maiores desmatadores da Floresta Amazônica, do Ministério do Meio Ambiente, destinada a monitorar os altos níveis de desmatamento. A portaria que regulamenta a “lista suja” não obriga o setor empresarial a tomar qualquer ação, apenas garante transparência. São apenas fontes de informação a respeito de fiscalizações do poder público.

A divulgação da lista de condenados administrativamente por práticas de trabalho análogo à escravo, garante o acesso dos cidadãos e de agentes econômicos às autuações transitadas em julgado pela fiscalização do trabalho, encontrando respaldo no direito constitucional de acesso à informação e protegendo a manutenção de cadeias produtivas livres do trabalho escravo contemporâneo.


REFERÊNCIAS

AFONSO, Drielli Serapião. Escravidão contemporânea: possibilidades jurídicas de combatê-la. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XVI, n. 118, nov 2013. Disponível em: <https://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=13781&revista_caderno=25>. Acesso em jun 2015.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. 902p.

FAVA, Marcos Neves. Combate ao trabalho escravo: “lista suja” de empregadores e atuação da justiça do trabalho. Revista LTr, São Paulo, v.69, n.11, p.1326-1332, 2005.

FIGUEIRA, Ricardo Rezende. Pisando Fora da Própria Sombra. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2004.

SCOTT, R. J. (2013). Reporter Brasil. Acesso em 9 de Junho de 2015, disponível em Reporter Brasil: https://reporterbrasil.org.br/2013/10/alem-de-grilhoes-e-chicotes-uma-analise-historica-da-definicao-de-escravidao-contemporanea/

VERDÉLIO, A. (2014). Justificando. Acesso em 9 de Junho de 2015, disponível em Justificando: https://justificando.com/2014/11/03/mundo-tem-358-milhoes-de-escravos-modernos-aponta-estudo/


Nota

1 Grupo Especial de Fiscalização Móvel do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) é composto por equipes que atuam, precipuamente, no atendimento de denúncias que apresentem indícios de trabalhadores em condição análoga à de escravos. As denúncias são recebidas diretamente pela Secretaria de Inspeção do Trabalho, pelas Superintendências Regionais do Trabalho e Emprego ou pelas diversas instituições parceiras: Comissão Pastoral da Terra, Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Federal, Departamento de Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal.

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