A mudança na forma de intimações em processos administrativos sem a ciência do contribuinte

18/06/2015 às 01:52
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O movimento de implantação do processo eletrônico tem origem nas metas propostas pelo CNJ para dar mais agilidade à tramitação dos processos.Não obstante os potenciais benefícios, a mudança na forma de tramitação vem controvérsias jurídicas sensíveis.

O recente movimento de implantação do processo eletrônico tem origem nas metas propostas pelo Conselho Nacional de Justiça para dar mais agilidade à tramitação dos processos, em consonância com o mandamento constitucional do art 5º, LXXVIII[1].

Não obstante estes potenciais benefícios, fato é que a mudança na forma de tramitação dos processos da forma física para a forma eletrônica vem trazendo controvérsias jurídicas sensíveis à apreciação do Poder Judiciário. Dentre elas, a questão que irá ser explorada nesta oportunidade diz respeito à alteração da forma de intimação dos contribuintes e suas eventuais consequências jurídicas.

É o caso do contribuinte que foi intimado da abertura de Termo de Início de Procedimento Fiscal para verificação da regularidade na apuração e recolhimento de débitos tributários. Dado que o procedimento administrativo estava a tramitar pela via física, a intimação foi feita pela via postal, através da expedição de carta com aviso de recebimento, dirigida ao endereço constante no CNPJ do contribuinte.

No decorrer do procedimento fiscal, o contribuinte apresenta a documentação solicitada pela Autoridade Fiscal, cujo protocolo também foi realizado de forma física. Outras intimações foram, todas pela via postal, cujo cumprimento por parte do contribuinte deu-se também pela via física.

Quando do encerramento da fiscalização, a Autoridade Fiscal teve por bem lavrar Auto de Infração para a cobrança de supostos débitos que não teriam sido recolhidos pelo contribuinte. Ato contínuo, o contribuinte foi intimado, pela via postal, da lavratura do Auto de Infração, abrindo-se prazo para o pagamento ou para a apresentação da impugnação administrativa.

Por discordar da interpretação dada pela Autoridade Fiscal, o contribuinte apresentou a impugnação no prazo legal, cujo protocolo deu-se pela via física.

Como se pode perceber, toda a tramitação do procedimento de fiscalização e do processo administrativo se deu pela via física e as intimações ocorreram pela via postal.

Ocorre que, por ocasião da decisão da Delegacia de Julgamento que rejeitou a impugnação apresentada, a Autoridade Fiscal expediu a intimação pela via eletrônica ao contribuinte, a qual deflagraria o prazo para apresentação do recurso cabível.

Isso porque, no meio termo entre a apresentação da impugnação e a decisão administrativa, o processo administrativo em questão passou a ser classificado como “digital” no sistema informatizado da Receita. E como o contribuinte já tinha feito a opção pelo domicílio tributário eletrônico, a Autoridade Fiscal simplesmente passou a intimá-lo pela via eletrônica.

No entanto, o contribuinte em momento algum foi informado sobre a nova forma de tramitação do processo, tal como determinado pela Portaria SRF n. 259/06. A informação só veio à tona quando o contribuinte acessou sua caixa postal vinculada ao E-CAC – Centro Virtual de Atendimento da Receita, momento em que foi surpreendido com a existência de intimação eletrônica sobre a decisão proferida.

Entretanto, quando do acesso ao sistema E-CAC, o prazo para apresentação do recurso administrativo cabível já havia se esgotado. Como consequência, foi expedida carta-cobrança ordenando o pagamento dos débitos que estavam sendo discutidos no processo administrativo, sob pena de inscrição em Dívida Ativa.

Eis a controvérsia: por ocasião da conversão dos processos físicos em eletrônicos, pode a Receita modificar, a seu exclusivo critério e sem comunicação ao contribuinte, a forma de intimação usualmente praticada para intimá-lo de andamentos ocorridos no processo?

A questão é atual e extremamente sensível. Ademais, até o momento não se tem conhecimento de decisões por parte dos Tribunais Pátrios.

A Receita sustenta que a intimação por meio eletrônico é uma das modalidades de intimação dos atos praticados no processo administrativo e sua realização é decorrente de opção realizada pelo contribuinte.

No caso, uma vez que o contribuinte opte pelo domicílio eleitoral eletrônico, eventuais intimações que venham a ocorrer a partir de então pela via digital são totalmente válidas. Logo, é de integral responsabilidade do contribuinte o acompanhamento rotineiro de suas intimações no domicílio eletrônico. Assim sendo, o contribuinte há de arcar com as consequências de uma eventual falta de acesso ao sistema por ato exclusivo que lhe seja imputado – dentre as quais uma possível perda de prazo.

Por sua vez, o contribuinte entende que a mudança na forma de intimação sem que lhe seja avisado reflete um cenário de total insegurança jurídica e irrazoabilidade por parte da Autoridade Fiscal, em afronta às garantias constitucionais do devido processo legal, ampla defesa, contraditório, duplo grau de jurisdição e direito de petição (CF, art. 5º, incisos XXXIV, “a”, XXXV, LIV e LV).

Além disso, defende que a Lei 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, é clara ao determinar que a sua intimação deverá ser feita de forma que “assegure a certeza da ciência do interessado” (art. 26, §3º). Nesses termos, a certeza da ciência somente se dá com o efetivo acesso ao domicílio tributário eletrônico (via E-CAC), a partir do qual se inicia a correr o prazo recursal.

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Em outras palavras, a ideia é a de que a validade das intimações eletrônicas depende, nos termos da Portaria SRF n. 259/2006 (art. 1, §3º): (i) do expresso consentimento do sujeito passivo quanto à implementação do seu endereço eletrônico e (ii) da prévia informação da Receita ao contribuinte acerca do formato eletrônico do processo.

Ao final, pede a reabertura do prazo recursal pela autoridade administrativa, de forma que haja o devido processamento e julgamento do recurso do contribuinte, sendo de rigor a sustação de quaisquer atos de cobrança do ainda controverso crédito tributário.

Já existe um precedente favorável em favor do contribuinte em sede de sentença. Nessa oportunidade, foi reconhecida a necessidade de que a Receita comunique previamente ao contribuinte acerca da mudança da forma de intimação, de forma a possibilitar o seu exercício do direito de defesa, o qual foi inviabilizado no caso narrado. Por não ter sido essa a atitude da Autoridade Fiscal, foi determinada a suspensão da exigibilidade do crédito tributário em questão e a imediata reabertura do prazo recursal administrativo.

Trata-se, portanto, de um importante precedente em favor dos Contribuintes que por ventura tenham sido surpreendidos com a mudança na forma de intimações, inclusive a ponto de perderem eventual prazo para recurso administrativo.

[1] LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

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Sobre o autor
Victor Hugo Marcão Crespo

Advogado no BMA - Barbosa Mussnich Aragão.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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