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Excessos na cobrança extrajudicial em contratos de financiamento de veículo com supedâneo nos art. 42 e 71 do CDC

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Discute-se o comportamento ilícito praticado por empresas de assessoria de cobrança de financiamentos de veículos automotivos, prepostos de instituições bancárias, nas modalidades CDC e leasing.

RESUMO:O presente artigo tem por objetivo discutir o comportamento ilícito praticado por empresas de assessoria de cobrança de financiamentos de veículos automotivos, prepostos de instituições bancárias, nas modalidades CDC e Leasing, com supedâneo no art. 42 e 71 do Código de Defesa do Consumidor. Discutem-se aspectos pertinentes a cobrança extrajudicial, analisando artifícios utilizados pelas assessorias para consecução das metas de recuperação de crédito estipuladas pelas grandes instituições financeiras atuantes no mercado brasileiro. A fundamentação teórica deste artigo é baseada em autores que discutem o tema e na legislação referente. Informações complementares foram obtidas a partir da experiência profissional do autor, que atuou com assessorias que representam grandes instituições financeiras, como Banco Santander, Banco Itaú, Banco Votorantim etc., para citar algumas. Será analisada a jurisprudência bem como uma descrição da sistemática imposta pelas grandes instituições financeiras às assessorias no atingimento de metas, culminando em excessos praticados contra o consumidor que ferem preceitos normativos constitucionais bem como legislação regulamentar, como o CDC.

Palavras-chave: Cobrança extrajudicial, Financiamento de veículos, Código de Defesa do Consumidor, Recuperação de crédito.


1 . INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho é discutir uma prática comum contra o consumidor nos contratos de financiamentos de veículos automotivos das assessorias de cobrança, com aval da própria instituição financeira, que faz vista grossa aos abusos praticados por prepostos nas tentativas nem sempre legais de cobrança.

Hodiernamente, com a globalização do mercado acrescida da facilitação na concessão do crédito, muitos brasileiros vêm realizando o sonho do primeiro carro ou do carro zero, frequentemente levados pelo ímpeto do consumismo, amplamente veiculado pela mídia e sem análise prévia e ponderada da própria capacidade de endividamento.           

Quando o financiamento do sonho do carro próprio, por circunstâncias alheias à vontade, se torna um grande pesadelo levando à inadimplência, o consumidor enfrenta a cobrança extrajudicial e as temíveis assessorias de cobrança, recurso muito utilizado pelas grandes instituições financeiras diante da exorbitante demanda de créditos liberados no mercado.

O não cumprimento do contrato de financiamento gera para o credor o direito de iniciar a cobrança, sendo que neste primeiro momento ela é extrajudicial ou amigável, que em muitos casos não é nada amigável.

Em uma primeira abordagem do consumidor por meios direitos e informais, o credor o expõe a situações vexatórias contrariando e violando os dispositivos legais contidos no Código de Defesa do Consumidor, o qual impõe normas e procedimentais de como deve ser feita a cobrança, tanto como determina sanções no caso de violação desses preceitos.

Trata-se de tema de interesse da população em geral, visto que apenas em 2014 foram financiados 6,4 milhões de unidades, entre automóveis leves, motos e pesados (número bruto 6.392.797) segundo a Cetip S.A. O consumidor, especialmente em épocas de crise na economia como a que vive o país, não raro posterga a quitação das dívidas, tornando-se inadimplente.

Os credores então lançam mão de recursos ilícitos para receber, que começam por envolver a exposição do consumidor em relação à dívida cobrada. O CDC traz normas de proteção contar referidas condutas que são pouco conhecidas e utilizadas, tornando impunes os que excedem a lei.


2 . MÉTODO

Este estudo se baseia numa revisão da literatura – a partir de autores como Nery (2202), Marques (2006), Rodrigues (2006) e instrumentos legais como o CDC entre outros – a fim de conhecer os principais conceitos e instrumentos que envolvem um contrato de financiamento de veículos e os recursos utilizados pelas assessorias de cobrança.

Discutem-se questões como a diferença entre abuso de cobrança e cobrança abusiva, excessos cometidos contra o consumidor como exposição indevida de sua imagem, responsabilização penal e responsabilização civil entre outros temas.

As informações são complementadas a partir da experiência do pesquisador, em razão de longa experiência na área atuando em instituições financeiras.


3. CONTRATOS DE FINANCIAMENTO DE VEíCULO

Atualmente no mercado brasileiro, trabalha-se especialmente com duas espécies de contrato de financiamento de veículo:  o Crédito Direto ao Consumidor (CDC) e o Leasing, cujas características e diferenças serão apresentadas a seguir (BENJAMIN, 2004).

3.1  .Contrato de Leasing

Leasing é uma modalidade de arrendamento mercantil que pode ser de um bem maquinário, mas vamos trabalhar com a espécie de arrendamento de veículo que é o objeto da pesquisa.

Na modalidade Leasing o comprador terá a posse mas não a propriedade, está se dará apenas ao final do contrato com o pagamento da última parcela, onde a Instituição emitira a Carta de Liquidação de Arrendamento, e preencherá o Documento Único de Transferência (DUT), popularmente conhecido como recibo, em nome do Arrendatário ou a quem este indicar.

O Leasing é um aluguel com prazo definido até a quitação do contrato onde transferirá a propriedade (FINANCIAMENTO..., 2015).

O arrendamento mercantil, ou Leasing, segundo definição dada Lei n. 6.099/74 (BRASIL), no Art. 1º, é:

(...) a operação realizada entre pessoas jurídicas que tenha por objeto o arrendamento de bens adquiridos a terceiros pela arrendadora, para fins de uso próprio da arrendatária, ela envolve, de um lado, uma operação de financiamento da aquisição da mercadoria pela arrendadora e, de outro lado, a opção de compra pelo arrendatário, ao término do arrendamento, se não o renovar, ou apenas devolução do bem, mas o fundamental, a constituir como que o núcleo e razão da atividade, está no arrendamento.   

No contrato de Leasing, o automóvel fica em nome do banco até a liquidação pelo arrendatário, o prazo contratado não pode ser inferior a 24 meses, não pode haver liquidação de contrato antes dos três primeiros meses e no período compreendido entre três a 24 meses a liquidação do contrato pelo arrendatário fica adstrita à indicação de terceiro para transferência de propriedade, ressalte-se que pode haver variações em algumas condições entre as Instituições Financeiras (FINANCIAMENTO..., 2015).

Leasing não é aluguel, confusão que se faz comumente. De acordo com Chimisso (2004, p. 80):

O Leasing se distingue do aluguel porque o valor do bem arrendado vai sendo gradativamente amortizado durante o pagamento das contraprestações e, no final do contrato, o arrendatário tem a opção de adquirir o bem arrendado. No aluguel o valor pago pelo locatário ao locador pelo direito de uso é considerado despesa. Também difere do financiamento, pois o cliente não recebe recursos para aquisição, e sim o bem pretendido. Durante toda a vigência do contrato o bem continua sendo propriedade da empresa arrendadora

Apesar de ter taxa de juros inferior ao CDC, o Leasing é mais rentável para o banco arrendador, visto que a liquidação é muito mais burocrática, bem como haverá multa no caso de desejar liquidar antecipadamente o contrato. A descapitalização dos juros também não é vantajosa, o que ajuda a convencer o arrendatário a manter o contrato até o fim. Além disso, lembra Chimisso (2004, p. 84) que o Leasing:

(...) gera vantagens para a empresa arrendatária quando seus recursos são escassos e não pode dispor de tempo para pleitear recursos em linhas de crédito mais complexas. Uma vez dispondo de capital de giro, por exemplo, os recursos financeiros poderão ser utilizados na aquisição à vista de matéria-prima com descontos especiais, diminuindo o custo de produção e podendo competir com preços melhores.

Diferente do CDC, no Leasing não se obtém desconto ao quitar parcelas antecipadamente, mesmo tendo chegado à metade do prazo do financiamento.

3.2 Crédito Direto ao Consumidor (CDC)

O Crédito Direto ao Consumidor (CDC) funciona como um empréstimo direto na instituição financeira onde o próprio veículo financiado figura como garantia da dívida. Neste caso, o veículo fica em nome do adquirente, ou seja, o proprietário terá a posse plena do veículo consolidada após o pagamento da última parcela.

 Ressalte-se que a quitação antecipada pode se dar a qualquer momento a critério do comprador, com direito a descapitalização dos juros, ou seja, com desconto (GUIABOLSO, 2014):

A vantagem deste tipo de empréstimo é que o consumidor passa a possuir o bem no ato da compra, sem precisar ter pago seu valor total. As parcelas são acrescidas de juros cujas taxas são menores do que os do cheque especial ou dos cartões de crédito: por outro lado, são bem maiores do que o rendimento da caderneta de poupança. As taxas variam segundo a instituição financeira e podem ser consultadas no site do Banco Central.

Na visão do mercado, se o objetivo do consumidor ao adquiri um veículo é ficar um bom tempo sem pensar em vender, o leasing parece a opção mais acertada em razão dos juros e parcelas menores. Se a intenção é não ficar de posse do bem por muito tempo, aconselha-se a escolher o CDC.

Se o prazo do financiamento do CDC chegou ao meio, na quitação normalmente o banco concede um bom desconto, mas, ainda assim, perde-se dinheiro.


4. COBRANÇA EXTRAJUDICIAL OU AMIGÁVEL

4.1 .Diferença entre cobrança abusiva e abuso na cobrança

Antes de adentrar no cerne da cobrança extrajudicial, fazem-se necessários esclarecimentos sobre o que é uma cobrança abusiva e o abuso na cobrança, pois muitas vezes essas expressões são comumente utilizadas como sinônimas, porém são bem distintas.

A cobrança abusiva inclui práticas comerciais que ultrapassam os limites da conduta lícita autorizada no ordenamento jurídico e que tendem a aumentar a vulnerabilidade e lesionar o patrimônio do consumidor.

Um bom exemplo são as famosas vendas casadas, em que um produto ou serviço está condicionado à aquisição de outro. Outro exemplo são instituições que exigem para concessão de empréstimo bancário a contratação de pecúlio ou seguro, caracterizando venda casada e cobrança abusiva por um serviço que o cliente não desejou.

O abuso na cobrança, que é o enfoque deste artigo, trata-se dos excessos praticados pelas empresas de cobrança e prepostos/colaboradores que extrapolam a lei e o bom senso na hora de realizar a cobrança, expondo o consumidor a situações vexatórias, tirando-lhe a paz no lar, bem como constrangendo-o diante de colegas de trabalho, vizinhos, familiares, estranhos (CAROLINDA, 2015).

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4.2 Sistemática da cobrança extrajudicial ou amigável

Neste tópico, discorre-se sobre a cobrança extrajudicial ou amigável no âmbito do financiamento de veículos realizado em instituições financeiras, posto que cada ramo da cobrança tem as próprias particularidades.

O grande crescimento das vendas de veículos, seja na modalidade Leasing ou CDC, também trouxe uma demanda de inadimplência, risco, mora ou perdas: cada instituição financeira tem a própria terminologia para indicar financiamentos em atraso.

Ainda por consequência do aumento nas vendas de veículos financiados associados à também alta taxa de da inadimplência, os quadros de funcionários diretos dessas instituições se tornaram incapazes de atender à demanda com rapidez e eficiência necessária.

Essa nova configuração fez com que as financeiras de veículos se associassem a grandes e médios escritórios de advocacia inicialmente para a realização de cobranças judicias, tais como busca e apreensão no caso de alienação fiduciária bem como na reintegração de posse no caso de Leasing.

Ocorre que, com o Judiciário abarrotado de processos, o êxito na recuperação de crédito pelas vias judicias se tornou dispendioso, moroso e sem certeza de sucesso.

Assim, em um segundo momento, os escritórios de cobrança perceberam que a cobrança extrajudicial, com medidas mais simples, custo reduzidíssimo e agilidade no resultado, era mais viável e rentável, deixando para segundo plano a cobrança judicial, ou seja, utilizada somente nos casos em que as tentativas extrajudiciais esgotaram as possibilidades de êxito.

Esta nova iniciativa deu tão certo que, de imediato, houve aceitação majoritária das financeiras, que tiveram os custos com a cobrança judicial reduzido e assertividade e eficiência maiores na recuperação do crédito; por outro lado os escritórios encontraram uma mina de ouro com inúmeras possibilidades.

Para ter noção da importância da cobrança extrajudicial, cabe discorrer sobre a sistemática na concessão de crédito pelos bancos. O dinheiro, para as financeiras automotivas, tem um custo, além do conhecido, que engloba toda a cadeia operacional: existem os custos de perdas, mora, risco, inadimplência etc.

Nesses custos do dinheiro emprestado há um percentual previsto para recorrente inadimplência, para as perdas, ou seja, uma reserva monetária. Trocando em miúdos, dentro do empréstimo que se paga está incluso um valor para cobrir os prejuízos financeiros de outros empréstimos que estão inadimplentes.

Por isso, não é absurdo dizer que, quando se compra um veículo financiado, paga-se praticamente por dois, ou seja, o que se adquire e o do inadimplente. Visualizando esse cenário, pode-se enxergar as vantagens óbvias da cobrança extrajudicial, tantos para os bancos, que ganham duas vezes: quando o crédito do inadimplente é recuperado, o financiador não devolve a provisão do percentual que o consumidor pagou rigorosamente em dia.

Já os escritórios de advocacia irão ter retorno financeiro rápido e constante com as cobranças extrajudiciais.

4.2.1  Empresas de Assessoria de Cobrança

Conforme explanado no item anterior, com o volume crescente da cobrança extrajudicial, surgem as empresas de assessoria de cobrança, com o objetivo de suprir a ineficiência das instituições financeira na recuperação de crédito, de forma própria, relegando essas atividades a empresas terceirizadas, que passariam a arcar com o custo operacional e receberiam rendimentos proporcionais ao que fosse efetivamente recuperado.

Apesar de autodeterminar-se empresas de assessoria de cobrança, não passam de escritórios de advocacia que ampliaram a atuação no mercado, posto que no ramo de recuperação de crédito de financiamentos de veículos toda assessoria é obrigatoriamente um escritório de advocacia, que desenvolvem uma gama de atividades extrajudiciais tais como acordos amigáveis em ações revisionais.

Antes mesmo de os bancos terem citada a lide, os acordos extrajudiciais demandam contrato escrito, que deve passar pelo crivo do advogado; o mesmo ocorre com as entregas amigáveis das garantias legais ao banco, necessitando a presença técnica do advogado.

Pode-se citar ainda a intervenção nas seguradoras no caso de sinistros, ou seja, atividades que necessita a supervisão técnica de um especialista do Direito.

As grandes instituições financeiras traçam metas para as assessorias de acordo com o balanço contábil, pois precisam manter a saúde financeira estável das carteiras e a mora e o risco sob controle.

As Instituições financeiras trabalham com a Provisão de Crédito de Liquidação Duvidosa (PCLD), que representa uma estimativa de perda provável na realização dos créditos em atendimento aos princípios fundamentais de contabilidade, em especial na realização da receita e confrontação com a despesa (PORTAL EDUCAÇÃO, 2013):

A Provisão para Crédito de Liquidação Duvidosa é uma das mais comuns provisões do ativo, pelo fato de poder refletir as perdas que são esperadas. Para fazer-se tal provisão, torna-se necessária a consideração de todos os fatores de risco conhecidos, a fim de poder estimar com critérios todas as perdas que ocorrerão com o setor financeiro, e em específico o setor de contas a receber.

Entretanto, sua constituição apresenta características específicas nos bancos e demais instituições financeiras sujeitas ao controle e fiscalização do Banco Central do Brasil (BACEN, 2010).

A saúde financeira das Instituições financeiras é medida entre outros fatores com a PCLD, que por consequência determina o risco e a mora de uma carteira, que terá importância na captação de recursos para financiamentos, com reflexos nos balanços anuais apresentados aos acionistas.

No caso deste estudo, cabe destacar as metas nos contratos de financiamentos automotivos, em que, a depender do período e da saúde contábil da instituição financeira, serão mais ou menos agressivas. Essa variação retromencionada aliada à concorrência entre as assessorias que prestam serviços às instituições financeiras terão reflexo nos excessos e abusos na cobrança.

Em suma, haverá períodos em que os bancos precisarão baixar o risco e a mora para melhorar a PCLD, bem como resgatar contratos com perdas, pois há um limite estipulado para isso pelo Bacen.

Para constituir a Provisão para Créditos de Liquidação Duvidosa, avaliam-se os créditos a receber que a empresa possui na carteira, que deve ser feita pelo departamento de cobrança e vendas junto com o departamento contábil da empresa, a fim de assegurar-se sobre a probabilidade de inadimplemento dos financiados, devendo ser dados os seguintes passos (TAX, 2015):

- deverá ser feita análise individual dos devedores, trabalho este a ser feito conjuntamente pelos departamentos de cobrança e de vendas com fito a se chegar ao montante mais próximo dos créditos incobráveis;

- deverá ser considerada nas análises dos créditos a experiência anterior da empresa com relação aos prejuízos já havidos com créditos a receber (análise histórica). Como sugestão, essa análise poderá ser feita através da comparação dos saldos totais de clientes ou de volumes de faturamento com os prejuízos reais ocorridos em anos anteriores na própria empresa;

- deverão ser consideradas as condições em que foram realizadas as vendas a prazo, tais como taxas de juros praticadas, políticas de concessão de crédito e de vendas adotados, existência de alienação fiduciária em garantia e operações com garantia real, que anulam ou reduzem as perspectivas de perdas etc.; e

- deverão ser consideradas as contas atrasadas e os clientes que tenham parte dos títulos em atraso.

Estas metas são traçadas, após fechamento de balanço (mensal/trimestral/semestral e anual) contábil no decorrer do ano e que são repassadas às assessorias, que buscam a todo custo atingi-las, às vezes a qualquer custo. As metas geralmente são divididas por faixas de dias atraso, 60-90; 91-120; 121-180, acima de 181 dias é considerada perda, bem como existem as metas por entregas voluntárias e por meio de apreensões judiciais.

Com as metas definidas e repassadas às assessorias de cobrança, esta, por meio do supervisor e/ou coordenador de cobrança, divide as carteiras de cliente por faixa de atraso e faz uma subdivisão de praças (cidades ou Estado); dependendo do tamanho da assessoria, ela engloba quase uma região inteira, como, por exemplo, a Região Sul, com os Estados de Santa Catarina e Paraná.

O operador de cobrança possui metas variáveis, desde ligações a efetuar, ligações concretizadas, retomadas ou entregas voluntárias, pagamento parcial ou total das parcelas em aberto, quitações de contrato, todas metas transformadas em bônus que integram a remuneração do operador, porém boa parte das assessorias pagam essas remunerações por fora da folha.

A distribuição dos contratos para as assessorias de cobrança se dá pelo desempenho no atingimento das metas dos bancos, ou seja, quem fizer mais leva mais contratos para a carteira, mais contrato na carteira significa lucro para os escritórios de cobrança.

Esses fatores citados levam o escritório de cobrança a exigir do operador o máximo de desempenho, com escopo de atingir as metas individuais, da praça de cobrança e finais de toda a assessoria. Para atingir tantas metas, vale tudo para arrancar um acordo do cliente, o que deve ser feito dentro do mês, ou seja, entre o primeiro e o último dia do mesmo mês.

O operador trabalha diariamente sob pressão da supervisão, tendo de apresentar resultados diários, semanais e o resulto do final, para evitar corte nas bonificações: o salário base é em média equivalente ao salário mínimo, assim, perder a carteira e ser mudado de praça significa passar a trabalhar em carteiras inferiores de difícil resultado.

Como não poderia ser diferente, os efeitos dessa pressão são repassados aos clientes no momento da cobrança.

Abaixo, seguem trechos de depoimentos em ações trabalhistas realizadas em 2014/2015 em que ex-funcionários relatam o que se passa no dia a dia dessas empresas de cobrança, para melhor compreensão do que foi exposto até aqui (TRT-SC, 2014a):

AT nº 0001300-31.2014.5.12.0039. Requereu a autora indenização por danos morais, sob alegação de que sofria assédio moral na reclamada, havendo cobrança de forma excessiva para o atingimento de metas, gritos e ofensas.

A respeito declarou a 1ª testemunha da autora:

“(...) que a cobrança de metas era muito estressante, com pressão, sendo que às vezes eram obrigado a se passar por Oficial de Justiça para o cliente fazer a entrega do carro, um funcionário ligava cobrando o cliente e o outro funcionário ligava para o mesmo cliente, em outro número telefônico, se passando por Oficial de Justiça; que o sócio da primeira ré ficava batendo com uma “varetinha” e régua no balcão dizendo cadê o resultado?; que mais de uma vez o depoente e a autora foram tratados aos gritos pelo Sr. Thiago; que ficou sabendo que o Sr. Thiago já ofendeu a autora, mas não sabe o que foi falado; que também se passavam por advogados para cobrar o cliente; que eram ameaçados de dispensa se não cumpriam as metas...”.

Relatou a 2ª. testemunha da autora:

“(...) que o Sr Márcio tinha um bastão com ferro na ponta e batia nas costas do funcionário pedindo resultado, dizendo que ia esquartejar os funcionários para que trabalhassem, que tinha bastante cobrança por e-mail, que dizia que ia diminuir a comissão, perder a carteira, ameaçava de dispensa; que nunca ouviu xingamentos em relação à autora, mas as cobranças sim; que para se destacar tinha que dar o sangue; que o Sr. Márcio gritava com a autora ; que o Sr. Márcio e o Thiago pediam para que os funcionários se passassem por Oficial de Justiça para colocar pressão sobre os clientes; que já viu o Sr. Márcio cutucando a autora com as varinhas...”.

As atitudes da empresa, ré nos autos do trecho depoimento citado acima, afrontam a Constituição Federal, porquanto a inviolabilidade da integridade, honra e imagem da pessoa estão asseguradas no inciso X do artigo 5º. A dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República (Art. 1º, III, CF).

Ainda nesse sentido, A Segunda Turma do Tribunal Regional do Trabalho do Paraná considerou abusiva e, portanto, ilícita a conduta da empresa, por ser lesiva à moral da trabalhadora: “(...) a imposição e cobrança de metas, na forma como conduzida pelos prepostos da ré, vai além dos poderes de administração e direção, ferindo a dignidade do trabalhador”, ponderou a relatora do acórdão, desembargadora Claudia Cristina Pereira (COBRANÇA..., 2014):

A Fináustria Financiamentos de Curitiba e o banco Itaú Unibanco S.A. foram condenados solidariamente a indenizar por danos morais uma ex-operadora de financiamentos por submetê-la a cobranças excessivas de metas, através da divulgação de um ranking de comparação entre os operadores, ameaças de demissão e ofensa moral.

A trabalhadora foi contratada pela financeira em 2007 e atuava junto a concessionárias de veículos na intermediação de contratos de financiamento. Ela foi demitida sem justa causa em 2013.

As testemunhas ouvidas no processo confirmaram a elaboração de um “ranking” dos melhores e dos piores empregados. Este ranking era exibido em reuniões, ridicularizando os trabalhadores que não atingiam as metas. Além disso, as testemunhas confirmaram que a cobrança de metas era “pesada” e acompanhada de ofensas e ameaças de demissão.

Uma vez que se tome conhecimento da pressão exercida sobre os operadores de cobrança, pose-se compreender a origem nos excessos da cobrança, reflexo do excesso na cobrança pela administração da assessoria sobre os operadores de cobrança, que via de regra repassa tais excessos ao consumidor.

4.3  Excessos na cobrança

Os excessos cometidos na cobrança advêm de toda uma carga psicológica sofrida pelo operador de cobrança para que atinja as metas estipuladas pelos gestores, repassando de forma amplificada aos clientes.

As grandes corporações só têm olhos para a satisfação dos objetivos, o que vale é o resultado final, independente dos meios empregados. Diante disso, os escritórios de cobrança dão asas à imaginação para lograr êxito, ante o fechar de olhos dos patrões – os bancos.

Em muitos casos, quando precisa atingir metas de entrega amigável, o operador apela para meios sórdidos, como ligar para o cliente, na residência ou trabalho, bem como pedir referências aos vizinhos passando-se por oficiais de justiça, informando que possui mandado de busca e apreensão e o carro vai ser apreendido, a não ser que faça um acordo com o advogado do banco, que na maioria das vezes é um outro operador do escritório que já fica aguardando a ligação.

Essa pressão é tão intensa que o cliente acaba entregando o carro ao banco para ter paz. Ressalte-se que o operador, antes de se utilizar desse expediente, faz um breve estudo (eis que tem acesso ao contrato de crédito) sobre o cliente, principalmente nível de escolaridade, posto que, quanto menor nível de escolaridade, mais fácil será alcançar o resultado desejado.

No sentido de trazer mais clareza a esses fatos, abaixo segue trecho de depoimento, nos autos do Processo Nº: RTOrd 0001300-31.2014.5.12.0039, em que se tem a confissão do operador de cobrança que se passava por oficial de justiça: “(...) que o Sr. Marcio gritava com a autora; que o Sr. Marcio e o Thiago pediam para os que funcionários se passassem por Oficial de Justiça para colocar pressão sobre os clientes; que já viu o Sr. Márcio cutucando a autora com as varinhas (...)” (TRT-SC, 2014b).

Quando a cobrança não surte o efeito desejado pelas vias amigáveis ou pelo fato de o cliente não atender às ligações nem dar retorno, as assessorias mudam de estratégia e passam da abordagem simples para a pressão com ameaça e coação, expondo muitas vezes o devedor a situações constrangedoras.

Ocorre que não logrando êxito na cobrança de forma amigável, os operadores de cobrança são orientados a pôr em prática a tática de pressão e ameaça. Dentre as mais usadas estão ligações frequentes, que podem ocorrer semanalmente, diariamente ou mesmo várias vezes no mesmo dia, realizadas em âmbito residencial, no local de trabalho do devedor, bem como para vizinhos.

Essas táticas de cobrança expõem o devedor perante a família, amigos e colegas de trabalho, eis que tornam pública a vida particular no tocante a dívidas, causando abalo psicológico quase irreparável.

As ligações vexatórias, que expõem os devedores ao ridículo, são comuns e têm efeito imediato, posto que, com escopo de cessar as cobranças, o devedor acaba cedendo na base da pressão e muitas vezes aceita o acordo sem analisar o objeto principal, que é o montante da dívida pactuado em contratos de refinanciamentos leoninos (CAROLINDA, 2015).

Outra tática utilizada, só que com menor frequência, é a chamada cobrança in loco, que consiste na visita de um cobrador, ou integrante do setor jurídico da instituição, ao endereço do devedor, seja residencial, seja comercial, muito utilizados por Cooperativas de Crédito e Oscip de crédito (famosos bancos de microcréditos).

Apesar de pouco utilizado, este método é mais nocivo ante o grau de exposição do devedor, bem como pela ameaça de expropriação de bens realizada pelos funcionários dessas instituições quando da recusa do pagamento.

Para melhor enfatizar o exposto acima, segue transcrição de depoimentos nos autos do Processo n.: RTOrd 0002127-08.2014.5.12.0018, de funcionário de empresa de assessoria admitindo tais excessos (TRT-SC, 2014a):                                             

DEPOIMENTO DO AUTOR: “(...)

1. O autor efetivamente reconhece que utilizou palavras de baixo calão para realizar a cobrança com relação a um devedor, mas nas reuniões da empresa se dizia que tratar o cliente de forma gentil não levava à nada pois “aquilo ali não era a fofolândia” e que o autor e os demais cobradores eram soldados e tinham que estar prontos para a guerra;

2. Acredita que o cliente gravou como uma forma de defesa;

3. A empresa ré orientava no sentido de que a cobrança do devedor deveria ser incessante, inclusive que deveria se ligar para os colegas de trabalho, vizinhos, etc. e deixar recado sobre as cobranças;

4. O autor trabalha desde os 16 anos com cobrança, e realmente acha que deu um “branco” com relação ao tratamento do senhor Isaías pois não é praxe que utilize palavras de baixo calão, tanto que nunca teve uma reclamação contra cobranças;

5. O depoente trabalhou num ambiente hostil;

6. Nunca tinha visto o cliente Isais Teixeira Resende, sendo que acredita que se excedeu por causa das pressões sofridas pela empresa (...)”.

Os excessos cometidos na cobrança são na maioria das vezes estimulados pelos supervisores de cobrança, na maioria advogados, que em alguns casos orientam o operador a se passar por advogados, gerentes e até mesmo oficiais de justiça e, quando assim não orientam, fazem vista grossa, visto que o que importa são os fins e nãos os meios empregados, seguindo à risca a premissa de Maquiavel.

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Sobre o autor
Marcelo Porto de Oliveira Pimenta

Graduando do curso de Direito na Uniasselvi – Fameblu

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PIMENTA, Marcelo Porto Oliveira. Excessos na cobrança extrajudicial em contratos de financiamento de veículo com supedâneo nos art. 42 e 71 do CDC. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4407, 26 jul. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/40241. Acesso em: 18 dez. 2024.

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