5. LIMITES NA COBRANÇA COM ESPEQUE NO ARTIGO 42 DO CDC
A Lei nº 8.078 (brasil, 1990), que instituiu o Código de Defesa do Consumidor Brasileiro, em seu Art. 42, do Capítulo V, Das Práticas Comerciais, Seção V Da Cobrança de Dívidas, estabelece que:
Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.
Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.
Ao observar o artigo 42 do CDC, verifica-se a preocupação do legislador em preservar o consumidor de práticas abusiva, exageros, constrangimentos e ameaças no ato da cobrança; contudo, a normatização não elenca taxativamente o que são práticas abusivas, onde e como as cobranças devem ser feitas, nem expressa a concretização do constrangimento e ameaça no âmbito da cobrança (THEODORO, 2008).
5.1 Cobrança: exercÍcio regular de direito
Em artigo publicado em junho de 2005, no site Jus Navegandi, Francisco Augusto Caldara de Almeida[3] com muita propriedade traz de forma clara e sucinta a definição do exercício regular de direito na cobrança em contraposição ao CDC (ALMEIDA, 2005).
Francisco Caldara esclarece que, ao tratar das práticas relacionadas à cobrança de dívidas, à luz dos artigos 42 e 71 do CDC, inevitavelmente esbarra-se em aparente conflito de normas, uma vez que a possibilidade de cobrar uma dívida, ao menos à primeira vista, aponta para o exercício regular de direito (ALMEIDA, 2005).
Nesta esteira, importante se torna trazer à baila os comandos emergentes do inciso I do artigo 188 e 153 do Código Civil (BRASIL, 2002):
Art. 188. Não constituem atos ilícitos:
I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido;
(...)
Art. 153. Não se considera coação a ameaça do exercício normal de um direito, nem o simples temor reverencial (grifo nosso).
Já para Nery (2002), o exercício regular de direito é a utilização do direito sem invadir a esfera do direito de outrem. É não prejudicar o direito de outrem, independentemente de causar dano. Só exerce regularmente seu direito aquele que não prejudica direito de outrem.
Ademais na Carta Magna, positiva-se como fundamento do Estado Democrático de Direito o princípio da “dignidade da pessoa humana”. Veja-se o Título II – OS Direitos e Garantias Fundamentais:
Art. 5º (...)
III – ninguém será submetido a tortura nem tratamento desumano ou degradante;
(...)
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
(...)”
Pode-se concluir que com o exercício regular desse direito legalmente reconhecido, qual seja, o de cobrança, jamais poderá o credor exceder os limites impostos pelo fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes, como também não poderá ultrapassar o limite das garantias fundamentais estampadas na Constituição Federal, independentemente da relação da qual advém a dívida (de consumo, cível, comercial, tributária etc.).
5.2 Requisitos conforme art. 42 do Código de Defesa do Consumidor
Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.
Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição de indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável (grifo nosso).
Ao analisar o artigo supracitado, no quesito exposição ao ridículo, vê-se a preocupação do legislador em preservar a imagem pessoal o consumidor em relação ao meio social em que vive, amigos, família, trabalho, nessa tríade consiste a não exposição ao ridículo.
Portanto, neste item, está protegida a privacidade do consumidor, de não ter a vida financeira exposta a terceiros, repita-se, à tríade amigos, família e trabalho; em suma, a cobrança tem de ser direcionada exclusivamente ao devedor (THEODORO, 2008).
Mas adiante, está expresso que também não será submetido a qualquer tipo de constrangimentos, porém, é comum credores contratar empresas de cobrança que irão constranger o devedor em sua vida privada, social e profissional, técnica muito eficaz e barata do que entrar com processo na justiça cobrando a dívida.
A metodologia dessas empresas de cobrança é vencer pelo cansaço fazendo ligações telefônicas várias vezes por dia, para o telefone residencial, celular, de vizinhos, amigos, trabalho, numa tática de pressão psicológica (THEODORO, 2008).
Contudo, o consumidor deve estar atento a seus direitos e deveres, para que possa evitar esse tipo de cobrança e impor limites aos credores, pois aqui existe uma grande diferença, entre o exercício regular do direito, que é ato lícito e exercitável e abuso e excesso na cobrança de dívidas.
Com a leitura do dispositivo legal no parágrafo único do artigo 42 do código de Defesa do Consumidor, deduz-se que existem elementos a ser observados para que o consumidor tenha direito à repetição de indébito e devolução em dobro (THEODORO, 2008).
Primeiro, é necessário estar evidente a má-fé do credor, para a repetição do indébito, uma vez que, sendo cobrado indevidamente, se houver pagamento voluntário, ocorrerá a devolução em dobro; se não houver pagamento voluntário e continuar a cobrança indevida, cabe ao consumidor o não pagamento e ao credor responderá por perdas e danos se persistir na cobrança (THEODORO, 2008).
Cláudia Lima Marques (2006, p. 593) deixou patente o seguinte entendimento:
Sanção da devolução em dobro do indevidamente cobrado ao consumidor: Nestes primeiros 14 anos de CC, a norma do parágrafo único do art. 42 tem alcançado pouca efetividade, talvez por ter sido pouco compreendida, mesmo sendo a única norma referente à cobrança indevida, em todas as suas formas.
Prevista como uma sanção pedagógica e preventiva, a evitar o fornecedor se “descuidasse” e cobrasse a mais dos consumidores por “engano”, que preferisse a inclusão e aplicação de cláusulas sabidamente abusivas e nulas, cobrando a mais com base nestas cláusulas, ou que o fornecedor usasse de metidos abusivos na cobrança correta do valor, a devolução em dobro acabou sendo vista pela jurisprudência, não como uma punição razoável ao fornecedor negligente ou que abusou de seu “poder” na cobrança, mas como um fonte de enriquecimento “sem causa” do consumidor.
Quase que somente em caso de má-fé subjetivo do fornecedor, há devolução em dobro, quando o CDC, ao contrário, menciona a expressão “engano justificável” como única exceção. Mister rever esta posição jurisprudencial. A devolução simples do cobrado indevidamente é para casos de erros escusáveis dos contratos entre iguais, dois civis ou dois empresários, e está prevista no CC/2002.
No sistema do CDC, todo o engano da cobrança de consumo é, em princípio injustificável, mesmo o baseado em cláusulas abusivas inseridas no contrato de adesão, ex vi o disposto no parágrafo único do art. 42. Cabe ao fornecedor provar que seu engano na cobrança, no caso concreto, foi justificado.
Um dos pontos que geram controvérsia é a possibilidade ou não das cobranças no local de trabalho do consumidor, como já dito anteriormente, ninguém pode ser colocado em situação vexatória ao receber a cobrança de uma dívida.
Repita-se o artigo 42 do CDC: “(...) na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça”.
Portanto, é preciso deixar clara a diferença entre o exercício regular de cobrança e a exposição do cliente a situações vexatórias. Vencida essa questão, fica evidente que, desde que a cobrança seja direcionada ao devedor, sem que haja vazamento de informação sobre o motivo do contato, nem a menção da palavra cobrança nem setor de cobrança, nada impede que seja realizada a cobrança no local do trabalho.
5.3 JURISPRUDÊNCIA
O Tribunal de Santa Catarina vem firmando entendimento de que é possível A cobrança no local do trabalho, porém sendo vedada a exposição ao ridículo, situações vexatórias, exposição da situação a terceiro, o que enseja o dever de reparação de danos, com base no artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor, como corrobora julgado abaixo:
Ementa: APELAÇÃO CÍVEL - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - DÉBITO BANCÁRIO - RELAÇÃO DE CONSUMO - COBRANÇA VEXATÓRIA NO LOCAL DE TRABALHO DO DEVEDOR - OCORRÊNCIA - RECURSO DESPROVIDO. À luz do Código de Defesa do Consumidor, é vedada a exposição do consumidor inadimplente a ridículo ou qualquer outro tipo de constrangimento ou ameaça para cobrança de dívida, sob pena de responsabilidade civil pelos danos provocados. O fato de funcionários do banco efetuarem cobrança dentro do local de trabalho do devedor, expondo a situação de inadimplência ao empregador sob pretexto de recebimento da importância devida através de “vale”, caracteriza situação de constrangimento capaz de gerar dano moral indenizável.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - FIXAÇÃO NO PERCENTUAL MÁXIMO PERMITIDO PELA LEI - PRETENDIDA REDUÇÃO PARA O LIMITE MÍNIMO ESTABELECIDO - ART. 20, § 3º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - CAUSA POUCO COMPLEXA - REDUÇÃO DA VERBA - APELO PARCIALMENTE PROVIDO. Atento aos critérios de fixação dos honorários advocatícios estabelecidos na Legislação Processual Civil, em se tratando de questão já pacificada pela doutrina e jurisprudência, na qual não se exige trabalho complexo por parte do causídico, a verba honorária não pode ser fixada no percentual máximo permitido por lei, impondo-se a sua redução para percentual razoável.
DANOS MORAIS - PEDIDO PARA MAJORAÇÃO DE OFÍCIO DO VALOR INDENIZATÓRIO - PRETENSÃO DEDUZIDA NAS CONTRA-RAZÕES DE APELAÇÃO - IMPOSSIBILIDADE - PRINCÍPIO DO TANTUM DEVOLUTUM QUANTUM APPELLATUM - PEDIDO QUE DEVERIA SER OBJETO DE RECURSO ADESIVO - PLEITO NÃO CONHECIDO. Em atenção ao princípio do tantum devolutum quantum appellatum, impõe-se o não-conhecimento do pedido para majoração ex officio da verba indenizatória fixada em Primeiro Grau, mormente quando a pretensão é deduzida em contra-razões recursais, porquanto era possível a interposição de apelação adesiva para esse fim.
As hipóteses na lei consideradas práticas comerciais abusivas são passíveis de punição ainda que não tenham causado dano ao consumidor. É do rigor do Código de Defesa do Consumidor regular as relações de consumo.
O que se busca é antecipar-se ao ilícito, de modo que as empresas façam adequação de conduta, impedindo-se circunstâncias que possam causar prejuízo ao o consumidor em função da extensão dos problemas referentes a práticas vexatórias.
Exemplo importante que contribui para a discussão deste estudo vem da Segunda Turma Recursal do Juizado Especial Cível do Distrito Federal (JEC-DF), que ratificou decisão condenando o Banco Cacique a arcar com indenização por danos morais para cliente que foi teve os direitos afrontados mediante práticas vexatórias de cobrança de dívida.
Conforme o Código de Defesa do Consumidor, art. 42, o consumidor que deve não pode ser exposto ao ridículo em razão de estar inadimplente, nem passar por nenhuma forma de ameaça ou constrangimento: “O Banco Cacique cobrou insistentemente o pagamento de uma dívida e chegou a fazer ameaças ao ligar para o local de trabalho da consumidora. Além disso, levou a existência da dívida ao conhecimento dos seus colegas de trabalho”.
Segue o teor do acórdão Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJ-DF, 2005):
DANOS MORAIS - BANCO - COBRANÇA DE DÉBITO - LIGAÇÕES PARA O TRABALHO DO DEVEDOR ACÓRDÃO Nº 208.625. Relator: Juiz Alfeu Machado. Apelante: Banco Cacique S/A. Apelada: Weliany Carvalho da Silva. Decisão: Conhecido. Negado provimento ao recurso. Sentença mantida. Unânime.
CIVIL. CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. CONTRATO DE MÚTUO. RENEGOCIAÇÃO. GARANTIA DE CHEQUES PRÉ- DATADOS NÃO DEVOLVIDOS. FORMA DE COBRANÇA DE DÉBITO QUE EXPÕE A SITUAÇÃO FINANCEIRA DA PARTE, A CONSTITUIR INEGÁVEL VIOLAÇÃO AO ART. 42, DO CDC. CONTRARIEDADE AO DIREITO COMPROVADA. REITERADAS LIGAÇÕES TELEFÔNICAS PARA O LOCAL DE TRABALHO DA DEVEDORA. SITUAÇÃO VEXATÓRIA. DANO MORAL CONFIGURADO. VALOR FIXADO EM ATENÇÃO À CAPACIDADE FINANCEIRA DO OFENSOR E A CAPACIDADE ECONÔMICA DO OFENDIDO. FUNÇÕES PEDAGÓGICA, PREVENTIVA E PUNITIVA DO QUANTUM. FIXAÇÃO EQUÂNIME DO MONTANTE INDENIZATÓRIO. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO.
1. A cobrança de débito realizada através de reiteradas ligações telefônicas para o local de trabalho do devedor, chegando tal fato ao conhecimento de terceiros, configura infringência à disciplina do art. 42, caput do código consumerista. Restando, pois caracterizada a ocorrência de dano moral, impõe-se a condenação da credora em pecúnia, como forma de reparação do abalo por ela provocado;
2. Dano moral. Valor do quantum, fixado a título de condenação, observando a capacidade financeira do ofensor, a capacidade econômica da ofendida, a gravidade da repercussão da ofensa, bem como à luz das funções pedagógica, preventiva e punitiva do “quantum”, capazes de forçar respeito à pessoa humana, sem gerar enriquecimento indevido. Princípios da Razoabilidade, Proporcionalidade e Dignidade da Pessoa Humana. Reconhecido o dano moral na sentença, não pode ser fixado de forma a estimular a conduta do requerido à prática de abuso de direito.
3. Recurso conhecido e improvido. Sentença mantida.
(ACJ 2004071009451-0, 2ª TRJE, PUBL. EM 31/03/05; DJ 3, P. 106).
O banco foi condenado a pagar à cliente indenização de R$ 3.400,00. O Juizado Especial Cível do Distrito Federal não negou o direito ao Banco Cacique de buscar meios de recuperar créditos com clientes devedores, mas asseverou que isso não significa extrapolar o exercício de tal direito, atentando contra a dignidade do consumidor.