6 Punibilidade dos excessos na cobrança art. 71 do CDC
Art. 71. Utilizar, na cobrança de dívidas, de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas incorretas ou enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer:
Pena Detenção de três meses a um ano e multa.
Antes de adentrar no cerne do Art. 71 do CDC, é preciso entender os elementos do tipo, quais sejam: ameaça, coação, constrangimento físico, afirmações falsas incorretas ou enganosas ou qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo ou interfira em seu trabalho, descanso ou lazer.
Essas infrações sujeitam a pena de detenção de três meses a um ano, e multa, constituindo crime contra as relações de consumo, sem prejuízo das demais legislações não específicas deste tipo de relação, a conduta tipificada anteriormente.
Como se pode observar, a conduta típica acima citada não afasta a possibilidade de aplicação legislação não específica pertinente, como, por exemplo, o Código Penal.
6.1 Elementos do tipo do CDC em correlação código penal
Ameaça:
Aquele que ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto ou grave, estará sujeito à pena de detenção de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa (CP Art. 147).
Coação:
A coação pra viciar (invalidar) a manifestação da vontade, há de ser tal, que incuta no coagido fundado temor de dano à sua pessoa, à sua família, ou a seus bens, iminente e igual, pelo menos ao receável do ato extorquido. Não se considera coação a ameaça do exercício normal de um direito.
Constrangimento:
Aquele que constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda, estará sujeito a pena de detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano e multa (CP Art. 146).
6.2 Excessos na cobrança comprovação boletim de ocorrência
A comprovação dos excessos na cobrança fica difícil, posto que, apesar das conversas, no caso de a cobrança telefônica ser gravada, conforme a lei, devem estar à disposição do consumidor; porém quase nunca o consumidor tem acesso à gravações, mesmo que requisitadas judicialmente, pois que as empresas preferem correr o risco da confissão ficta do CPC do que mostrar a real face da cobrança, o que renderia indenização a pagar mais pesada.
De outra ponta, o consumidor precisa ter meios comprobatórios para mostrar o constrangimento sofrido, por meio do testemunho de amigos e colegas de trabalho.
Recentemente, um grande escritório de cobrança da cidade de Blumenau foi manchete no noticiário da Rede Globo filial do Paraná, por cobrança vexatória, sendo enquadrada no Art. 71 do CDC, além dos tipos penais pertinentes, por utilizar de constrangimento, ameaça e coação contra o consumidor, ao dizer que o ofendido “Vive de golpe”.
Resumo da matéria e transcrição do áudio do diálogo segue abaixo (“VIVE DE GOLPE, 2015):
Um consumidor de Curitiba reclama da cobrança vexatória feita por uma funcionária de escritório de cobrança de banco. Gravações mostram a funcionária acusando o consumidor, que devia três parcelas de um financiamento de carro, de “viver de golpe”, de “passar a perna nos outros”, dentre outras afirmações. O material foi encaminhado à polícia.
O eletricista Samuel Nunes conta que acumulou dívidas após ficar desempregado, mas que conseguiu renegociar a maior parte delas, à exceção do financiamento do carro. Ele diz que há uma semana começou a receber ligações agressivas e cobrança no celular.
Funcionária - “Eu liguei. Eu sou grossa mesmo, até porque você está devendo. Você não quer normalizar a situação. Quer ficar me enrolando. Você tá desempregado e quer andar de carro ainda. Não tem dinheiro para pagar e quer andar de carro. Eu não entendo isso”.
Samuel - “Eu não vou levar para o banco essa gravação”.
Funcionária - “Vai levar para onde agora? Para onde você vai levar?
Para o advogado? Tem dinheiro para pagar advogado?”.
Samuel - “Vou levar para os órgãos competentes”.
Funcionária - “Não quer pagar o carro, mas advogado você quer. Você não sabe nem falar direito e quer discutir comigo, mas tudo bem”.
Segundo Samuel, foram três parcelas, de cerca de R$ 400, que geraram a cobrança. “Sempre pago certinho minhas contas. A gente fica chateado, triste com uma coisa dessas. Uma situação muito constrangedora”, reclama. Em outra ligação, a funcionária foi gravada com acusações.
Funcionária - “Eu acho que você tem que ser honesto, Samuel. Não viver de golpe, não viver passando a perna nos outros, fazendo conta e não dando conta de pagar. Cara, você tá com o nome todo sujo, já tá todo ferrado aí na vida, a mulher não ajuda, tem um trabalho que começou agora, e ainda quer continuar com financiamento que não dá conta?”
Segundo o delegado de defesa ao consumidor Guilherme Rangel, em casos como este é possível fazer um Boletim de Ocorrência para que se intime o responsável pela cobrança, que pode responder por cobrança vexatória. É possível, ainda, acionar o Juizado Especial para exigir reparações pelo constrangimento.
O dono do escritório Alexandre Ferraz Advogados, responsável pela cobrança, disse que repudia a atitude da funcionária, que deve apurar os fatos e tomar as medidas cabíveis.
Segundo o advogado João Carlos Scalzilli, presidente da Associação de Defesa e Direitos Financeiros do Consumidor – Proconsumer, as empresas têm o direito de cobrar a dívida, mas devem fazê-lo diretamente ao consumidor, sem constrangê-lo.
É proibido o envio de correspondência em que esteja impressa no envelope a palavra cobrança (CAROLINDA, 2015).
A vítima desse tipo de abuso deve dirigir-se a uma delegacia para registrar um Boletim de Ocorrência (BO), informa Dinah Barreto, assistente de Direção da Fundação Procon-SP. Em seguida, deverá procurar um advogado para entrar com ação contra a empresa credora, requerendo indenização por dano moral.
O consumidor com a ocorrência em mãos deve procurar o Procon de sua cidade ou um advogado de sua confiança para entrar com uma ação na justiça, na qual deverão constar os fatos ocorridos, sendo feito o pedido para que o juiz fixe multa diária caso o credor ou a empresa de cobrança insista em efetuar esse tipo de abordagem abusiva, bem como deve fazer o pedido judicial de indenização pelos danos morais e materiais causados (CAROLINDA, 2015).
Os órgãos de proteção ao crédito, chamados de cadastros restritivos de crédito, são igualmente instrumentos coercitivos a forçar obrigar os consumidores a quitar débitos (IBEDEC..., 2013):
(...) débitos não pagos são publicados em uma lista que todos os comerciantes têm acesso. Este tipo de cadastro tem regulamentação e para um consumidor ter seu nome inserido nestes cadastros, ele precisa ser previamente notificado, por escrito e com comprovação de entrega. A antecedência tem que ser de 10 (dez) dias no mínimo. Se a dívida apontada não corresponder a uma dívida real do consumidor ou se a negativação for feita sem prévia comunicação, o fornecedor e a empresa gestora do banco de dados responderão judicialmente pelos prejuízos causados ao consumidor.
6.3 Responsabilidade
A palavra responsabilidade deve ser entendida como restituição ou compensação de algo que foi retirado de alguém. A responsabilidade tem por finalidade restituir ou ressarcir algo.
Entre os romanos não havia distinção alguma entre responsabilidade civil e responsabilidade penal, inclusive a compensação pecuniária não passava de uma pena imposta ao infrator do dano.
Com o passar do tempo, surgiram diferentes teses; e, embora a responsabilidade continuasse sendo penal, a indenização pecuniária passou a ser a única forma de punir o infrator do ato lesivo não criminoso (BORGES, 2010).
Vem cada vez mais se firmando o entendimento de que nos casos de excessos cometidos na cobrança, no tocante à seara penal, é de total responsabilidade do agente que cometeu o ilícito, devendo este responder civil e criminalmente pelos seus atos. No caso da responsabilidade penal, o agente infringe uma norma de direito público. Neste caso, o interesse lesado é da sociedade.
Órgãos de defesa do consumidor país afora disponibilizam todo tipo de apoio ao consumidor endividado, esclarecendo dúvidas e oferecendo para download leis, cartilhas e manuais que auxiliam no fortalecimento da convicção de que se deve lutar contra os abusos vexatórios impostos pelas instituições financeiras e seus prepostos (CARTILHAS..., 2015).
Segundo Silvio Rodrigues (2003, p. 6), “A responsabilidade civil é a obrigação que pode incumbir uma pessoa a reparar o prejuízo causado a outra, por fato próprio, ou por fato de pessoas ou coisas que dela dependam”.
A expressão Responsabilidade Civil, conforme a definição de De Plácido e Silva é (SILVA, 2010, p. 642):
Dever jurídico, em que se coloca a pessoa, seja em virtude de contrato, seja em face de fato ou omissão, que lhe seja imputado, para satisfazer a prestação convencionada ou para suportar as sanções legais, que lhe são impostas. Onde quer, portanto, que haja obrigação de fazer, dar ou não fazer alguma coisa, de ressarcir danos, de suportar sanções legais ou penalidades, há a responsabilidade, em virtude da qual se exige a satisfação ou o cumprimento da obrigação ou da sanção.
Como se pode verificar com as explanações dos renomados autores acima, a reponsabilidade ultrapassa a pessoa do agente alcançando as empresas contratantes direitas e as terceirizadas do serviço de cobrança.
7.CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo teve como objetivo discutir a questão legal do excesso praticado contra o consumidor nos contratos de financiamentos de veículos automotivos pelas assessorias de cobrança com o aval da própria instituição financeira, que faz vista grossa aos abusos praticados pelos prepostos contratados para realizar a cobrança.
O estudo foi baseado em uma revisão da literatura, em autores que discutem o tema e com apoio da legislação pertinente. As informações foram complementadas a partir da na experiência profissional do autor com assessorias jurídicas (escritórios de cobrança) de renome no Estado de Santa Catarina e Região Sul e Sudeste do Brasil, que representam interesses de grandes corporações financeiras na área de financiamentos de veículos, tais como Banco Santander e Banco Votorantim, bem como pelo trabalho profissional exercido diretamente em instituições bancárias da região, como a Credivale/Banco do Vale.
Diante do quadro exposto, o artigo trouxe elementos para debater a questão dos excessos na cobrança extrajudicial em contratos de financiamento de veículo com supedâneo nos artigos 42 e 71 do CDC.
Pôde-se verificar, no transcurso deste artigo, as fragilidades do consumidor ante as grandes corporações financeiras, que de outra forma atuam agressivamente e ao arrepio da lei, eis que raramente sofrem sanções e/ou punições quando da violação dos artigos 42 e 71 do CDC e, quando sofrem, não se abalam financeiramente a ponto de consolidar o caráter educativo das medidas previstas no Código de Defesa do Consumidor.
Parte dessa sensação de impunidade decorre da inércia do consumidor, que muitas vezes já se encontra abalado e humilhado moralmente de tal forma que lhe faltam forças para registrar Boletins de Ocorrência em uma delegacia de Polícia em vista de se encontrar inadimplente.
Dever não constitui nenhuma espécie de crime – o próprio governo brasileiro deve bilhões de dólares a bancos públicos, provados e organismos internacionais, como FMI e Banco Mundial, tendo inclusive se tornado inadimplente em determinado período recente da história.
No entanto, há consequências na esfera cível para o consumidor que se tornar inadimplente; mas as instituições financeiras têm o dever legal previsto na Constituição Federal e legislação regulamentar de respeitar os direitos dos consumidores na hora de cobrar dívidas.
Contudo, essa realidade se vem modificando ano após ano desde o advento do Código de Defesa do Consumidor, diante dos esclarecimentos que o consumidor vem tendo por meio da mídia, com destaque para websites de reclamações e redes sociais, bem como campanhas instrutivas dos Procons e órgãos de defesa do consumidor, que esclarecem o cidadão/consumidor de obrigações e direitos no âmbito da temática abordada.
A jurisprudência tem mantido o entendimento de que cobranças vexatórias, como mandar recado por meio de membros da família, vizinhança, trabalho do suposto devedor, criando constrangimento e ameaçando processá-lo: isso constitui dano moral com direito a indenização.
Resta ao cidadão conscientizar-se e aprender a defender-se.
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