1. Introdução
A integração do Brasil na economia global deixa o país aberto à participação de sociedades empresariais estrangeiras no território brasileiro. Apesar de o Brasil estar legalmente preparado para tal influxo de pessoas jurídicas externas, seus operadores jurídicos parecem olvidar das prescrições legais sobre o tema, o que leva ao funcionamento ilegal de empresas estrangeiras em terras tupiniquins.
O artigo pretende esclarecer os aspectos iniciais do problema proposto, isto é, os que envolvem a validade e eficácia do contrato social firmado por sociedade estrangeira, tema de evidente importância, visto que algumas Juntas Comerciais negligenciam esse critério ao realizar o arquivamento dos atos constitutivos das sociedades empresárias cujo quadro societário inclui sociedade estrangeira. A legislação também é pouco clara, ao definir limites à atuação de sociedade estrangeira em território nacional, em delinear os efeitos destes limites.
A atuação de Sociedades Estrangeiras em território nacional é limitado pelo Código Civil de 2002, mas a legislação não é clara em definir qual seria a abrangência dessa limitação. Estaria a sociedade estrangeira impedida de exercer atividade empresarial? Quais os efeitos dessa limitação sobre os Contratos Sociais firmados em território brasileiro por Sociedade Estrangeira?
Pretende-se, portanto, determinar a validade de Contrato Social firmado por sociedade estrangeira sem a devida autorização para funcionar no Brasil, e, para tanto, buscar-se-á apresentar os elementos objetivos e subjetivos dos contratos, em especial os contratos sociais empresariais, definir os limites da atuação das empresas estrangeiras em território nacional segundo a legislação e jurisprudência vigentes e examinar os efeitos do não atendimento dos requisitos legais de atuação empresarial sobre os negócios jurídicos firmados.
Através de pesquisa bibliográfica, serão investigadas as principais teorias doutrinárias acerca da Teoria Contratual e do Direito Societário. Além disto, uma análise da legislação complementarão os fundamentos necessários à construção de uma resposta à problemática introduzida nesta pesquisa. Trata-se de uma pesquisa exploratória, cujo método de abordagem a ser utilizado é o dedutivo, e o método de procedimento, monográfico.
Este artigo está organizado da seguinte forma: no item 2 é apresentada a base conceitual para a compreensão do natureza jurídica das pessoas jurídicas e seu modo de constituição. No item 3, são apresentadas as hipóteses de nulidade dos negócios jurídicos. No item 4, são a definição e escopo do termo Sociedade Estrangeira. O item 5 trata da nulidade do contrato social firmado por sociedade estrangeira não autorizada. Por fim, a seção 6 traz as conclusões do trabalho e trabalhos futuros.
2. CONTRATO SOCIAL E O NASCIMENTO DA PESSOA JURÍDICA
O ser humano é social por natureza. Em busca da realização de seus objetivos, desde tempos imemoriais, o homem vem se agregando em grupos para facilitar sua vida e aumentar as chances de sucesso em seus empreendimentos. O próprio surgimento do Direito e, posteriormente, do Estado Moderno decorre deste instinto social. Não poderia ser diferente com as atividades econômicas.
Assim, buscando facilitar a atividade comercial e salvaguardar uma porção da propriedade dos indivíduos, a figura da pessoa jurídica nasce da noção de que instituições permanentes e separadas dos indivíduos que as compõem permitiriam a obtenção de resultados que um indivíduo não conseguiria sozinho.
O Direito Romano já possuía, com algumas limitações se comparado com o direito moderno, a figura da Pessoa Jurídica: uma associação de pessoas com um determinado fim e à qual a Lei confere capacidade de possuir direitos e deveres. (RATTIGAN, 1873, pg. 197)
Segundo Paulo Dourado de Gusmão (2009, pg. 278), a pessoa jurídica é uma criação técnica-jurídica que confere personalidade jurídica, isto é, a possibilidade de ser titular de direitos e deveres, a um grupo de pessoas independentemente dos indivíduos que a compõe. Assim, uma vez constituída, a pessoa jurídica adquire personalidade e capacidade para se relacionar juridicamente com os demais entes jurídicos.
Diferentemente das pessoas naturais, que adquirem personalidade jurídica no momento do nascimento, as pessoas jurídicas devem ser constituídas para possuírem a personalidade jurídica.
Caio Mário lista os três requisitos necessários para a constituição de uma pessoa jurídica, a saber, a vontade humana, a observância da lei e a liceidade de seus propósitos. (PEREIRA, 2005, pg. 298). Sobre o segundo item, devemos notar que a legislação brasileira prescreve que as pessoas jurídicas de direito privado se constituem a partir de um contrato constitutivo, ou contrato de sociedade no caso das sociedades e associações, e através de instrumento público ou testamento no caso das fundações. A sociedade empresária, assim como sua contraparte civil, também é formada através de um contrato de sociedade, também conhecido como contrato Social.
Ricardo Negrão ensina que:
“[Contrato de] Sociedade é o contrato celebrado entre pessoas físicas e/ou jurídicas, ou somente entre pessoas físicas (art. 1.039), por meio do qual estas se obrigam reciprocamente a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilhar, entre si, os resultados.” (NEGRÃO, 2010, pg. 269).
As sociedades empresárias limitadas, simples e em comandita constituem-se mediante Contrato Social, conforme artigo 997 c/c artigo 1040 e 1053. O contrato social é uma espécie peculiar de contrato sujeita às regras gerais dos contratos e às regras próprias, relativas às questões societárias.
Além dos requisitos comuns a todos os atos jurídicos, o contrato social ainda deve preencher os requisitos específicos ao contrato de sociedade: pluralidade de membros (no mínimo, dois), constituição do capital (quem entra com quanto, como e quando para formar o total), o affectio societatis, participação nos lucros e prejuízos.
Há, ainda, os requisitos para o arquivamento do contrato na Junta Comercial, disciplinados na Lei 8.934/94 e Decreto 1.800/96, mas estes se restringem a acondicionar a regularidade de registro e dar publicidade aos atos empresariais.
3. Nulidade dos contratos SOCIAIS
Como ato jurídico que o é, o Contrato de Sociedade deve obedecer aos requisitos gerais do instituto sob pena de nulidade. A nulidade é uma sanção que consiste na privação dos efeitos jurídicos que o ato teria produzido, se fosse conforme a lei. Clóvis Bevilácqua a define como “a declaração legal de que a determinados atos não se prendem os efeitos jurídicos, normalmente produzidos por atos semelhantes. É uma reação da ordem jurídica para restabelecer o equilíbrio perturbado pela violação da lei”.
O contrato social, para ser válido, portanto, deve obedecer aos requisitos dos atos jurídicos em geral do artigo 104 do Código Civil (agente capaz, objeto lícito e forma prevista ou não defesa).
A capacidade do agente corresponde à junção de duas situações jurídicas: capacidade civil e ausência de impedimentos para o ato pretendido. Conforme explana Caio Mário em sua obra Instituições de Direito Civil (PEREIRA, 2005, pg. 486):
O requisito subjetivo de validade dos negócios jurídicos envolve, pois, além da capacidade geral para a vida civil, a ausência de impedimento ou de restrição para o negócio em foco: é necessário, portanto, que o agente, além de capaz, não sofra ainda diminuição instituída especificamente para o caso.
Isto quer dizer que se a lei determinar algum impedimento ao contratante, o contrato por ele pretendido não atenderá ao requisito subjetivo dos negócios jurídicos. Aqueles impedidos de constituir sociedade empresária, portanto, não podem contratar com tal objetivo e tal contrato social será nulo se realizado.
O requisito objetivo dos negócios jurídicos está relacionado ao objeto do negócio, que deve ser lícito, possível e determinado ou determinável. A licitude e a possibilidade jurídica são institutos complementares: sendo ilícito o objeto de um contrato, este não é possível juridicamente.
A forma prescrita pela lei para o contrato social é a escrita, podendo ser elaborado por instrumento público ou particular. Este é o requisito formal.
O ato jurídico nulo inexiste no mundo jurídico. Gera, no entanto, consequências enquanto não for, a nulidade, pronunciada por autoridade competente.
Assim, busca-se a tutela jurisdicional para trazer ao conhecimento do juízo da nulidade do ato jurídico ou seus efeitos, para que haja, então, um pronunciamento dessa nulidade, para que seja restaurado o status quo anterior ao negócio jurídico.
Surge a decisão do cancelamento do negócio jurídico que decorreram do ato jurídico nulo uma vez pronunciada a nulidade por autoridade competente. Portanto, conforme determina a lei, para que a nulidade seja declarada é necessário que a autoridade judicial conheça do fato nulo, quando a nulidade estiver regularmente comprovada.
Carvalho Santos, em sua obra Código Civil Brasileiro Interpretado, Carvalho Santo afirma:
O que distingue mais o ato nulo, quanto aos seus efeitos, é que, para ser declarada nulidade, não se precisa intentar propriamente uma ação de nulidade (...) Daí poder e, mais que isso, dever o juiz pronunciá-lo de ofício, quando reconhecer do ato ou dos seus efeitos (...) Não se precisa intentar uma ação de nulidade, ficou dito acima. E é a pura realidade. Pois a nulidade, é obra do legislador, como acentua Planiol, tornando nulo o que foi feito, sem necessidade alguma de qualquer ação. O juiz não precisa nada julgar pois é a própria lei que lhe nega valor e eficácia (...) Essa é a verdadeira doutrina, pois em realidade, a nulidade opera ipso jure, não produzindo o ato nulo nenhum efeito, mesmo sem a declaração de nulidade. (Op. Cit., pág. 255)
Pontes de Miranda, em seu Tratado de Direito Privado, Parte Geral, Tomo IV, pág. 42/43 elucida que:
O que alega a nulidade será diante de suporte fático que entrou no mundo jurídico, mas profundamente comprometido. Por isso mesmo, o juiz, encontrando fatos que a provam, têm o dever de decretar a nulidade do ato jurídico (...) A alegação de nulidade pode ser, portanto, incidentes, sempre que haja interesse em que se tenha por nulo o ato jurídico: e corre ao juiz o dever de desconstituir o ato jurídico que tão deficitariamente se constituiu.
Ora, actus, a principio nullus, nullum producit effectum. Ato nulo jamais poderia ter produzido resultados, por esse motivo retroage à data do ilícito a declaração de sua inexistência jurídica, como se jamais houvesse sido praticado. Uma vez anulado o ato jurídico, como consequência imediata, os atos praticados estão inválidos, pois os efeitos da nulidade retroagem às suas origens.
O ato nulo, portanto, não gera obrigações, não produz efeitos e não admite convalidação, sendo que o reconhecimento administrativo ou judicial da nulidade produz efeitos a partir da edição do ato, como se este nunca houvesse existido no mundo fenomênico.
4. AS empresaS Estrangeiras
A sociedade nacional, prevista no art. 1.126 do CC , é aquela com sede no Brasil, que se organiza de acordo com as leis nacionais. O fato de todos os sócios serem estrangeiros e o capital social também ser, não tem relevância, pois a sociedade não se confunde com a pessoa dos sócios.
Por outro lado, a sociedade estrangeira, prevista no art. 1.134 do CC, é toda aquela que não é considerada nacional. Se não tiver sede no Brasil e não for estruturada na conformidade da legislação brasileira, a sociedade empresária será considerada estrangeira, segundo os artigos 1.126 e 1.134 do Código Civil e somente poderá explorar a atividade empresarial no País se for regularmente autorizada pelo Poder Executivo Federal. Isso, entretanto, não a impede de ser acionista de companhia brasileira.
O ordenamento jurídico brasileiro reconhece a pessoa jurídica estrangeira, sendo a prova de sua constituição de acordo com a legislação de seu país de origem e continuidade de sua existência. Estas disposições encontram-se nos dispositivos de direito internacional privado brasileiro, em especial na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942), que prescrevem em seu 11º artigo que a capacidade civil das sociedades e fundações é determinada pela lei do país onde se constituíram. Assim prescreve o artigo:
Art. 11. As organizações destinadas a fins de interesse coletivo, como as sociedades e as fundações, obedecem à lei do Estado em que se constituírem.
Assim, será necessário verificar se, de acordo com a lei do país em que foi constituída, a pessoa jurídica estrangeira está regularmente constituída e opera normalmente antes de determinar se ela possui capacidade jurídica no Brasil. Se assim for, o Brasil considerar-lhe-á um sujeito de direitos capaz.
Confirmando o artigo 11 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, o Brasil assinou em 24 de maio de 1984, no âmbito da Organização dos Estados Americanos, a Convenção Interamericana sobre Personalidade e Capacidade de Pessoas Jurídicas no Direito Internacional Privado, ratificada em La Paz, e promulgada no ordenamento jurídico interno pelo Brasil por meio do Decreto 2427/97. A convenção prediz em seus artigos 2º e 3º:
Art. 2º. A existência, a capacidade de ser titular de direitos e obrigações, o funcionamento, a dissolução e a fusão das pessoas jurídicas de caráter privado serão regidos pela lei do lugar de sua constituição. Entender-se-á por ‘lei do lugar de sua constituição’ a do Estado-Parte em que forem cumpridos os requisitos de forma e fundo necessários à criação das referidas pessoas.
Art. 3º: As pessoas jurídicas privadas devidamente constituídas num Estado-Parte serão reconhecidas de pleno direito nos demais Estados-Partes. O reconhecimento de pleno direito não exclui a faculdade do Estado-Parte de exigir comprovação de que a pessoa jurídica existe conforme a lei do lugar de sua constituição.
Porém, existem alguns limites que orientam o funcionamento da sociedade empresária estrangeira no Brasil, como o condicionamento do funcionamento à autorização do governo; a proibição de funcionar antes de inscrita em registro próprio; a sujeição às leis e aos tribunais brasileiros quanto às operações encetadas no Brasil conforme os artigos 1.134, 1.136 e 1.137 do Código Civil.
À pessoa jurídica estrangeira é vedada a participação em qualquer sociedade empresária brasileira antes de autorizada pelo Poder Executivo Federal, salvo na condição de acionista em sociedade anônima brasileira. Neste sentido, o artigo 1.134 do Código Civil é claro:
Art. 1.134. A sociedade estrangeira, qualquer que seja o seu objeto, não pode, sem autorização do Poder Executivo, funcionar no País, ainda que por estabelecimentos subordinados, podendo, todavia, ressalvados os casos expressos em lei, ser acionista de sociedade anônima brasileira.
Para iniciar suas atividades, no entanto, a sociedade estrangeira autorizada a funcionar no Brasil deve atentar para os procedimentos de registro explicitados no Código Civil e regulados pelas Instruções Normativas do Departamento Nacional de Registro do Comércio. O Código Civil trata desta matéria em seu artigo 1.136:
Art. 1.136. A sociedade autorizada não pode iniciar sua atividade antes de inscrita no registro próprio do lugar em que se deva estabelecer.
§ 1º O requerimento de inscrição será instruído com exemplar da publicação exigida no parágrafo único do artigo antecedente, acompanhado de documento do depósito em dinheiro, em estabelecimento bancário oficial, do capital ali mencionado.
§ 2º Arquivados esses documentos, a inscrição será feita por termo em livro especial para as sociedades estrangeiras, com número de ordem contínuo para todas as sociedades inscritas; no termo constarão:
I - nome, objeto, duração e sede da sociedade no estrangeiro;
II - lugar da sucursal, filial ou agência, no País;
III - data e número do decreto de autorização;
IV - capital destinado às operações no País;
V - individuação do seu representante permanente.
§ 3º Inscrita a sociedade, promover-se-á a publicação determinada no parágrafo único do art. 1.131.
Tal procedimento de registro é aprofundado pela Instrução Normativa DREI nº 7, de 5 de dezembro de 2013:
Art. 5º Concedida a autorização de instalação e funcionamento, caberá à sociedade empresária estrangeira arquivar na Junta Comercial da unidade federativa onde se localizar a filial, agência, sucursal ou estabelecimento, a qual será considerada como sua sede:
I - folha do Diário Oficial da União que publicou o decreto de autorização;
II - atos a que aludem os incisos I a VI do art. 2º da presente Instrução Normativa, devidamente autenticados pelo Departamento de Registro Empresarial e Integração;
III - documento comprobatório do depósito, em dinheiro, da parte do capital destinado às operações no Brasil; e
IV - declaração do endereço do estabelecimento, quando não constar do ato que deliberou sobre a instalação de filial, sucursal, agência ou estabelecimento no Brasil.
(...)
Art. 2º O requerimento, de que trata o artigo anterior, deverá ser instruído com os seguintes documentos, em duas vias:
I - ato de deliberação sobre a instalação de filial, sucursal, agência ou estabelecimento no Brasil;
II - inteiro teor do contrato ou estatuto;
III - lista de sócios ou acionistas, com os nomes, profissões, domicílios e número de cotas ou de ações, salvo quando, em decorrência da legislação aplicável no país de origem, for impossível cumprir tal exigência;
IV - prova de achar-se a sociedade constituída conforme a lei de seu país;
V - ato de deliberação sobre a nomeação do representante no Brasil, acompanhado da procuração que lhe dá poderes para aceitar as condições em que é dada a autorização e plenos poderes para tratar de quaisquer questões e resolvê-las definitivamente, podendo ser demandado e receber citação pela sociedade; (...)
Autorizada e devidamente registrada, a pessoa jurídica estrangeira estará desimpedida de iniciar suas atividades, podendo, inclusive, constituir outras sociedades empresariais no Brasil. Para isso, porém, deve possuir, permanentemente, um representante no Brasil, investido dos necessários poderes de representação, inclusive, para receber citações. O Código Civil é explícito a cerca desta obrigação:
Art. 1.138. A sociedade estrangeira autorizada a funcionar é obrigada a ter, permanentemente, representante no Brasil, com poderes para resolver quaisquer questões e receber citação judicial pela sociedade.
A Instrução Normativa DREI nº 7, de 5 de dezembro de 2013, reforça tal determinação.
Art. 4º A sociedade mercantil estrangeira autorizada a funcionar é obrigada a ter, permanentemente, representante no Brasil, com os plenos poderes especificados no art. 2º, inciso V desta Instrução Normativa.
A obrigatoriedade de um representante da sociedade estrangeira no Brasil visa facilitar o andamento de qualquer processo que possa ser instaurado em face da sociedade e impedir que estrangeiros utilizem-se da distância para eximir-se de obrigações. É tão importante que fora repetido em outra Instrução Normativa do DNRC, a de nº 76, de 28 de dezembro de 1998, revogada pelo Instrução Normativa DREI nº 10 publicada no D.O.U. nº 237, de 06 de dezembro de 2013, mas cujo conteúdo se encontra presente nos anexos desta Instrução Normativa de nº 10:
Art. 2º A pessoa física, brasileira ou estrangeira, residente e domiciliada no exterior e a pessoa jurídica com sede no exterior, que participe de sociedade mercantil ou de cooperativa, deverão arquivar na Junta Comercial procuração específica, outorgada ao seu representante no Brasil, com poderes para receber citação judicial em ações contra elas propostas, fundamentadas na legislação que rege o respectivo tipo societário.
O não cumprimento das determinações legais implica que uma empresa estrangeira não está autorizada a funcionar no país, seja diretamente, seja por meio de empresa subordinada.
5. Nulidade do Contrato Social firmado por empresa estrangeira não autorizada
A legislação brasileira proíbe expressamente o funcionamento de Sociedade Estrangeira em território nacional sem a autorização do Poder Executivo. O Código Civil, em seu artigo 1.134 é claro quanto a isso. Assim, a Sociedade Estrangeira está, enquanto não obtiver autorização, impedida de exercer aqueles atos civis que importem em funcionamento no país; isso inclui a participação em uma nova sociedade empresária formada em território nacional e de acordo com as leis brasileiras. Tal vedação constitui-se em verdadeiro impedimento para a liberdade de contratar. A empresa estrangeira ainda pode firmar contratos de compra e venda, comodato, locação, por exemplo, mas, não pode constituir sociedade empresária para exercer sua atividade econômica. Em outras palavras, está impedida de firmar contrato de sociedade.
Deste modo, podemos verificar que, por um lado, a capacidade de exercício do direito de contratar das sociedades estrangeiras está limitada pela lei (no caso específico do contrato social), e por outo, podemos vislumbrar que um contrato que se propõe a possibilitar o exercício da atividade empresarial de uma sociedade estrangeira não devidamente autorizada tem um objeto ilícito. Podemos então afirmar que o contrato social em tela incorreria em grave vício não uma, mas duas vezes.
Os incisos I, II e VII do artigo 166 do Código Civil prescrevem:
Art. 166 - É nulo o negócio jurídico quando:
I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz;
II - for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto;
(...)
VII – a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibi-lhe a prática sem cominar sanção.
O ordenamento jurídico pátrio reconhece que os negócios jurídicos celebrados por incapazes, cujo objeto é juridicamente impossível ou os atos expressamente proibidos por lei são absolutamente nulos, nos termos o artigo 166 inciso II e VII do Código Civil.
Como visto anteriormente, a capacidade do agente corresponde à junção de duas situações jurídicas: capacidade civil e ausência de impedimentos para o ato pretendido. Apesar de devidamente reconhecida como pessoa jurídica pelo ordenamento brasileiro, uma sociedade empresária está expressamente proibida de exercer certos atos da vida civil, a saber, exercer sua atividade empresarial em território nacional sem autorização.
Não se trata simplesmente de incapacidade para os atos civis, mas um verdadeiro impedimento ao funcionamento no Brasil. Assim, a celebração de um contrato social que constitui uma nova pessoa jurídica nacional, através da qual a sociedade empresarial estrangeira pretende exercer a sua atividade empresarial, viola a proibição legal estipulada no artigo 1.134 do Código Civil. Tal negócio jurídico é nulo, pois celebrado por pessoa impedida para o ato.
Continuando, considerando que o objetivo do contrato social é constituir uma nova pessoa jurídica para exercer certa atividade empresarial, e que um ou mais dos seus sócios é uma sociedade estrangeira, os quais diretamente influenciarão a atividade empresarial, podemos afirmar que a nulidade do contrato social em tela decorre também do fato de seu objeto ser ilícito. Ora, se a lei taxativamente determina que a proibição de funcionamento de uma empresa estrangeira sem autorização também abarca o funcionamento através um estabelecimento subordinado, parece claro que a constituição de um estabelecimento para tal é vedada. Assim, o contrato social que visa a este fim é nulo por ter um objeto ilícito e cuja a prática é expressamente proibida pela lei.
Assim sendo, resta comprovada a nulidade do contrato social firmado por empresa estrangeira não autorizada.
6. Considerações Finais
Este trabalho teve como objetivo a verificação da a nulidade do contrato social firmado por empresa estrangeira não autorizada. Ponderou-se sobre a natureza jurídica dos Contratos Sociais, das empresas estrangeira e sobre os conceitos de nulidade e capacidade legal das pessoas jurídicas.
Pode-se observar que a natureza jurídica dos contratos sociais impõe-lhes a observância dos mesmos requisitos dos atos jurídicos em geral. Também, verificou-se que o impedimento de funcionamento das empresas estrangeiras importa-lhes em diminuição de sua capacidade de fato.
Pode-se concluir, dado os requisitos dos atos jurídicos somados as hipóteses de nulidade presentes no ordenamento jurídico, que os contratos sociais firmados por empresas estrangeiras não autorizadas incorrem em nulidade.
Com base nesta exposição, interessante seria um estudo das consequências jurídicas dessa nulidade, especialmente quanto à responsabilidade civil da empresa estrangeira por atos praticados por sua empresa subordinada cuja constituição, como se verificou, fora irregular.
Referências Bibliográficas
GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao Estudo do Direito. 41ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009.
NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa, Teoria Geral da Empresa e Direito Societário. 7ª ed.; São Paulo: Saraiva, 2010.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições do Direito Civil, Volume 1, 21ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005.
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Tratado de Direito Privado, Parte Geral, Tomo IV, Rio de Janeiro: Borsoi, 1954.
RATTIGAN, Sir William Henry. De Jure Personarum, Or, a Treatise on the Roman Law of Persons: Intended for Students Preparing for Examination, Londres: Wildy & Sons, 1873.
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