Cediço que a temática atinente às desapropriações por utilidade pública é regida pelo Decreto-lei nº 3365, de 1941, recepcionado pela Constituição Federal de 1998, com força de lei. Tal diploma legal disciplina os elementos que norteiam as fases declaratória e executória da desapropriação, estabelecendo elementos bem definidos para que o Poder Público a efetive de forma objetiva e razoável.
Dentre os institutos que a perfazem, exsurge a "imissão provisória na posse", que, segundo José dos Santos Carvalho Filho [1], constitui "situação jurídica em que o expropriante passa a ter a posse provisória do bem antes da finalização da ação expropriatória". Com efeito, tal instituto tem aplicação tanto em relação aos imóveis residenciais urbanos (Decreto-lei nª 1.075/70) quanto aos imóveis residenciais em zona rural ou prédios urbanos não residenciais (art. 15, do Decreto-lei 3.365/41).
Nada obstante o enunciado expresso na Súmula 652 do Supremo Tribunal Federal [2], a questão tornou-se tormentosa em diversos Estados, já que muitos Tribunais vêm entendendo pela necessidade de prévia avaliação pericial como pressuposto para o deferimento da imissão na posse. Noutras linhas, utiliza-se o disposto no artigo 14, do diploma legal já mencionado, como "conditio sine qua non" para que o Poder Público seja previamente imitido na posse.
Em que pese o brilhantismo daqueles que defendem sua necessidade, entende-se que a avaliação prévia não revela condição para o deferimento da imissão na posse, senão veja-se.
Da leitura do artigo 15, do Decreto-Lei nº 3.365/1941, depreende-se, sem maiores dificuldades, que 2 (dois) são os requisitos para imissão na posse: (i) a urgência; e (ii) o depósito prévio. Desta maneira, possível inferir que independentemente da citação do expropriado, a imissão na posse constitui direito subjetivo do expropriante, desde que alegada a urgência e efetuado o depósito a que alude o dispositivo mencionado alhures.
Nesta esteira, socorre-se mais uma vez aos ensinamentos de José dos Santos Carvalho Filho, que assevera "dois são os pressupostos que permitem ao expropriante a imissão provisória na posse. O primeiro é que seja declarada a urgência, e o segundo, que seja, depositado valor de acordo com o que a lei estabelecer. registre-se, por oportuno, que, observados tais pressupostos, o expropriante tem direito subjetivo à imissão provisória, não podendo o juiz denegar o requerimento feito nesse sentido.". [3]
Tal posicionamento doutrinário corrobora a tese de que não se deve condicionar à imissão na posse a avaliação judicial prévia. Ora, basta levar a efeito que, in casu, além da inexistência de condicionante que indique a necessidade de avaliação prévia do imóvel, esta não se mostra, sequer, razoável para o acesso à posse, eis que a avaliação prévia objetivará fornecer apenas o valor justo a que alude à transferência do domínio, ou seja, a correção do montante será apurada no decurso do processo judicial, assegurando ao particular os postulados constitucionais do contraditório e da ampla defesa.
Não se olvida que o artigo 14 do Decreto-lei nº 3.365/1941 assegura ao juiz o direito de designar expert para a escorreita avaliação dos bens. Todavia, com absoluto respeito àqueles que divergem desta corrente, não se pode interpretar o artigo em tela como condição para a imissão na posse, uma vez que sua disposição encerra mera medida de instrução com vistas à definição da justa indenização, ato final do processo expropriatório [4] [5].
A esse respeito, posicionou-se Celso Antonio Bandeira de Mello, aduzindo que a "imissão provisória na posse é a transferência da posse do bem objeto da expropriação para o expropriante, já no início da lide, concedida pelo juiz, se o Poder Público declarar urgência e depositar em juízo, em favor do proprietário, importância fixada segundo critério previsto em lei. (...) Diz-se provisória porque não é a posse que acompanha a propriedade. Esta, o expropriante só a obterá mediante o pagamento de justa indenização fixado pelo juiz depois de arbitramento em que se apure o verdadeiro e real valor do bem desapropriado." [6]
Disto resulta inequívoco asseverar a desnecessidade da avaliação prévia como condição à imissão provisória na posse. Tanto é verdade que em diversas oportunidades o Superior Tribunal de Justiça - STJ posicionou-se pela prescindibilidade do referido laudo pericial para o deferimento da imissão na posse (REsp nº 837.862-RS, REsp 692.519/ES, REsp 1.185.583-SP e outros)
Concluir de forma diversa importaria tornar letra morta o disposto no artigo 15 do Decreto-lei nº 3.365/41, razão pela qual se deve privilegiar a inteligência do referido dispositivo legal, assegurando o direito subjetivo do expropriante à imissão provisória na posse, independentemente da conclusão da avaliação prévia pelo expert.
NOTAS
[1] FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 26a Ed. São Paulo: Atlas, 2013, p.848.
[2] "Não contraria a Constituição o art. 15, § 1º, do Dl. 3.365/41 (Lei da Desapropriação por utilidade pública)"
[3] Op. cit., p. 849.
[4] RE 184069/SP - "o depósito prévio não importa o pagamento definitivo e justo conforme art. 5º, XXIV, da Constituição"
[5] RE 164186/SP - "a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal posiciona-se no sentido de que a garantia constitucional da justa indenização, nas desapropriações, diz respeito ao pagamento do valor definitivo fixado - seja por acordo das partes, seja por decisão judicial - momento em que ocorre a transferência do domínio"
[6] MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 19ª ed., São Paulo: Malheiros, págs. 815/816