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A teoria constitucionalista do processo

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A Teoria Constitucionalista do Processo visa a consolidar o princípio da supremacia constitucional, protegendo os direitos fundamentais. Contemporaneamente tem-se acentuado o elo entre processo e Constituição no estudo concreto dos institutos processuais, admitindo-se o ordenamento jurídico como um sistema uno, influenciado sempre pelos ideais de justiça.

RESUMO: O presente artigo tem como objetivo basilar compreender a teoria constitucional do processo, destacando seus principais defensores, teorias relacionadas e sua importância não só no âmbito processual, mas para o direito como um todo. Na Teoria Constitucionalista, o processo passa a ser visualizado como um direito-garantia através de princípios constitucionais. E para a consolidação do Processo Constitucional é necessário o estabelecimento de uma nova hermenêutica, atualizada e adaptada ao novo contexto social atual. São ideias que devem-se a Fex-Zamudio, ao prof. José Alfredo de Oliveira Baracho (que trouxe a Teoria ao Brasil, em 1984), dentre outros tais como: Ítalo Andolina e Giuseppe Vignera.

Palavras chave: Constitucionalização do processo. Constituição. Estado democrático de Direito. Princípios processuais. Ativismo judicial. Judicialização da política. Direitos fundamentais. Hermenêutica 


TEORIA CONSTITUCIONALISTA DO PROCESSO

Teoria Constitucionalista do Processo visa consolidar o princípio da supremacia constitucional, protegendo os direitos fundamentais. Essa teoria é bastante remota, mas só se consolidou no século XX com a consagração do direito processual, e se baseia na ideia de que o processo deve ser entendido à ótica da Constituição, em razão de ser a lei maior e de ser a fonte dos princípios que regem o processo. Contemporaneamente tem-se acentuado o elo entre processo e Constituição no estudo concreto dos institutos processuais, admitindo-se o ordenamento jurídico como um sistema uno, influenciado sempre pelos ideais de justiça.

Héctor Fex-Zamudia[1], grande defensor dessa ideia acredita que o objeto essencial do Processo Constitucional é a análise das garantias constitucionais em sentido atual. Nas suas obras ele faz a distinção do Direito processual Constitucional e do Direito Constitucional processual, que, a priori, pode parecer apenas um jogo de palavras, todavia, não é o que parece ser. Ambas são estudadas de forma conjunta pelos doutrinadores, devido o caráter limítrofe que apresentam, mas não possuem o mesmo conteúdo. O direito processual constitucional visa a analise das garantias constitucionais, ou seja, os instrumentos processuais que estão dirigidos a integração da ordem institucional, já o direito constitucional processual estuda o controle judicial da constitucionalidade do processo ou mesmo a jurisdição constitucional. As duas disciplinas possuem como escopo um exame sistemático de perspectivas distintas, mas se entrecruzam e se colaboram entre sim.

O que vai nortear o Direito processual constitucional é o próprio processo e a magistratura ou a jurisdição constitucional, pois essa teoria se ocupa basicamente em atribuir aos órgãos e ao processo uma sujeição a constituição e consequentemente às garantias constitucionais, sempre dentro dos parâmetros de norma, fato e valor. O plano constituição-processo visa uma leitura moral e constitucionalizada do Código de Processo Civil, em virtude de o processo ser um instrumento, onde o sujeito que teve seus direitos subjetivos violados solicita a atividade jurisdicional para análise de sua pretensão.

É com esse embasamento em Fex-Zamudia que buscamos estudar e compreender o Processo Constitucional, característico da perspectiva libertaria que protagoniza o Estado democrático de Direito. Segundo a teoria apresentada, os direitos e garantias fundamentais estabelecidos formalmente pela constituição, necessitam ser  materializados, porquanto é a juridicidade que concretiza os direitos elencados na constituição.

Com base nestes pressupostos, pode-se extrair que, o raciocínio apresentado diz que o processo deve estar em consonância com a norma que está no topo do ordenamento jurídico vigente no Estado, ou seja, obedecendo à soberania da constituição, com todos os elementos teóricos, direitos e garantias característicos desta. Essa constitucionalidade atribuída ao processo baseia-se no entendimento de que as normas e os princípios constitucionais protegem o exercício da função jurisdicional levando-se em conta a autonomia e a imparcialidade do juiz.

 O conteúdo do Processo Constitucional tem-se ampliado, sendo que alguns temas estão presentes nos diversos sistemas de jurisdição constitucional. Assuntos como jurisdição, garantias constitucionais, instrumentos processuais de defesa do ordenamento jurídico constitucional, dos direitos fundamentais, as noções de processo e dos órgãos constitucionais, tomam a atenção de diversos estudiosos. Alguns intérpretes veem a jurisdição constitucional como objeto essencial das investigações sobre Processo Constitucional.

O Processo Constitucional só se efetiva com a execução dos procedimentos que garantem a igualdade das partes, em todas as etapas do processo, para que estas possam alcançar o devido processo legal, através da ação, defesa, prova, tutela de direito e recursos, que são direitos constitucionais. Os princípios processuais dentro da Constituição Federal mais expressivos são o principio da publicidade, da oralidade, da motivação da sentença, e da gratuidade da justiça; a obediência desses princípios efetiva a garantia de muitos direitos, e essas garantias elencadas devem obrigatoriamente alcançar todos os participantes. Podemos observar, na praxe, que o processo constitucional se apresenta, por exemplo, quando é exigida a correta citação, a inconstitucionalidade do desrespeito ao prazo, ou a falta de idoneidade do juiz.

É importante ressaltar que o processo obediente a lei magna se relaciona com o modelo normativo de Hans Kelsen [2], que em uma pirâmide hierárquicacoloca a Constituição no topo, sendo um fundamento supremo, tal como pensa Fex-Zamudio, Kelsen acredita que todo o ordenamento jurídico deve seguir e respeitar essa norma maior.

Para o professor Rosemiro Pereira Leal[3] - autor da Teoria neoinstitucionalista do processo - o processo é uma conjunção de princípios que se referem à procedimentalidade, sendo o processo a instituição que coloca em prática esses princípios e garantias. De acordo com Italo Andolina e Giuseppe Vignera[4], também defensores do modelo constitucional do processo, três elementos são necessários para efetivação desse instituto, a saber: expansividade, variabilidade e perfectibilidade, obedecendo aos ditames constitucionais formais e substanciais. Analisando a proposta de Andolina, Vignera, e Leal, entende-se que o modelo constitucional visa a transferência da compreensão de processo da teoria geral do processo para a constituição.

Contemporaneamente ainda se presenciam falhas na justiça civil, que por si só nada resolve sobre direitos fundamentais, visto que muitas vezes se adota uma hermenêutica antiquada que se recusa a responsabilizar os inadimplentes da constitucionalidade no paradigma de Estado de Direito Democrático. É importante esclarecer que a constituição não é mero complemento das decisões jurisdicionais, contudo é o fundamento maior, a pedra angular que rege todo o sistema normativo.

A Teoria Fazzalariana (defendida por Edi Fazzalari) [5]se diferencia da Teoria do Processo Constitucional, na medida em que, a primeira busca a efetivação do processo baseado no contraditório e, no entanto, a segunda deseja não só a concretização do contraditório, mas de todos os princípios processuais dispostos na Constituição.

É de sapiência de todos que atualmente o processo constitucional caminha pra universalização da justiça, através da facilidade que tem se desenvolvido para o acesso ao judiciário, por exemplo. E isso nada mais é do que o corolário dessa constitucionalização.

A natureza jurídica do Direito processual constitucional tem três enfoques: um que o liga ao direito constitucional, outro ao direito processual e por fim, um que a classifica de natureza hibrida. Peter Häberle[6],autor da obra “Hermenêutica constitucional: a sociedade aberta dos interpretes”, considera o direito processual constitucional como um direito constitucional fundamental, e que as normas infraconstitucionais servem apenas para preencher vacâncias da Constituição. Na sua obra, ele acusa que há uma monopolização da interpretação constitucional pelo judiciário, e que faz-se mister um processo de democratização dessa interpretação a fim de que a sociedade civil também seja participe da compreensão constitucional. Vale salientar que no processo constitucional há uma atualização também na hermenêutica, pelo motivo de que, a hermenêutica jurídica clássica, está relacionada a uma interpretação puramente lógica e mecânica, por isso não atende as exigências de um sistema na qual a interpretação parte dos direitos fundamentais.


 TEORIA CONSTITUCIONALISTA DO PROCESSO NO BRASIL

Em meados dos anos 80, o ilustríssimo professor de Direito constitucional Dr. Baracho[7], apresentou a Teoria Constitucionalista do Processo no Brasil. Para esse autor o Processo Constitucional tem como finalidade a efetivação das garantias constitucionais, como são vistas atualmente, isto é, como instrumentos predominantemente processuais, relacionados a reintegração da ordem constitucional. Essas garantias de que fala Baracho, são sobretudo aquelas que dizem respeito ao acesso ao judiciário, ao devido processo legal, à ampla defesa e ao contraditório, que se encontram dispostas no art. 5° da Constituição Federal vigente.  

A garantia de processo que se apresenta na Constituição da República pode ser caracterizada como um verdadeiro princípio, que tem amparo constitucional e processual. Inclusive o direito de agir em juízo, de agir na defesa de direito próprio ou interesse legítimo são garantias encontradas na própria Carta Magna, o que remete a um processo dentro da moldura constitucional.

Nos tempos hodiernos, essa teoria é bastante obvia, justificada pela supremacia exercida pela carta magna de 1988, todavia, quando foi introduzida no Brasil ainda era difícil aderir a essa ideia, especialmente porque a visão de Brasil como Estado democrático de Direito somente foi consolidada com a redemocratização, no período que foi promulgada a Constituição Federal.

Ademais, podemos perceber que no Código processual Civil de 1973 não tem nenhum artigo que se remeta ao processo como instituição constitucionalizada, somente no Novo Código Processual Civil[8] é que podemos encontrar tal pensamento, logo no artigo 1° do citado código, evidenciando sua importância perante o sistema jurídico adotado no Brasil: “Art. 1o O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código”.


ATIVISMO JUDICIAL NO BRASIL E A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO PROCESSO

O direito pode atuar por meio da norma material, mas também através de um debate judicial vinculado ao processo. Processo esse, que não é mero instrumento da lei, mas é, sobretudo uma ferramenta na solução dos litígios. A constitucionalização do processo civil destrói o processo monopolista e conservador, relacionando-o às pretensões sociais, políticas e jurídicas previstas no texto constituinte.

Nesse contexto de constitucionalização, onde o processo é o instrumento de aplicação das garantias fundamentais, vale lembrar o fenômeno do ativismo judicial que tem como escopo principal a atuação do judiciário ao preencher certas vacâncias em face da estagnação do legislativo em determinada situações. A Constituição Federal de 1988 trouxe consigo uma onda muito forte de democracia, em razão de ter sido promulgada na pós ditadura, com isso muitas de suas ideias impulsionaram os movimentos a reivindicarem ao poder público, em especial ao legislativo, uma postura adaptada ao Estado Democrático de Direito que estava entrando em vigor, porém este poder ora por sua omissão, ora por mera sobrecarga de trabalho não conseguiu satisfazer algumas das reivindicações elencadas. Por outro lado, a Carta Magna trouxe consigo direitos fundamentais que se vinculam ao poder judiciário, por consequência este começou a exercer um papel importante frente à democracia, tal posicionamento é chamado de judicialização da política.

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É importante fazer uma distinção clara entre os dois conceitos, visto que, o ativismo judicial se resume basicamente a atuação do judiciário frente à ineficácia do legislativo, enquanto a judicialização remete a um instrumento democrático de concretização dos direitos fundamentais. Destarte, a polêmica gira em torno desse ativismo, na medida em que, o legislativo ver o judiciário se imiscuindo nas suas atribuições, considerando-se que deve haver a separação dos poderes que foi convencionada pela Carta magna.

A presença da magistratura nessa constitucionalização do processo, com o intuito de resguardar os direitos sociais, é bastante conveniente, todavia é necessário que haja um equilíbrio (Teoria dos freios e contrapesos de Aristóteles) entre as competências dos poderes envolvidos na efetivação da constitucionalização com o propósito de preservar a teoria dos três poderes de Montesquieu. [9]


CONCLUSÃO

Diante do que foi exposto, o processo visto como instituição constitucionalizada é nada mais do que um direito-garantia, que se efetiva através dos diversos princípios que fazem a salvaguarda do Estado e da sociedade. E para que o processo esteja em consonância com a Constituição Federal é necessário que os destinadores estejam sendo agraciados com as garantias fornecidas pelo texto-constituinte, e também que os próprios operadores do direito, executores da justiça, possam de fato prezar pela sentinela dos direitos fundamentais, visto que são um grande progresso pra sociedade civil, no que diz respeito à democracia. A interpretação dos institutos processuais devem ser modificadas e em seu lugar deve ser definida uma interpretação dinâmica, mais construtiva e permeável ao valores políticos, sociais e históricos.


REFERÊNCIAS

ANDOLINA, I.; VIGNERA, G. I fondamenti constituzionali della giustizia civile: il modello constituzionale del processo civile italiano. 2ª ed., Torino, Giappichelli, 1997. 275 p.

BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria Geral do Processo Constitucional.  Revista Forense.  Rio de Janeiro, v. 383, p. 131-180, jan/fev, 2006

FAZZALARI, Elio, Instituições de Direito Processual. Campinas: Bookseller, 2006, pag.118-119)

FIX-ZAMUDIO, Héctor. El pensamiento de Eduardo J. Couture y el Derecho Constitucional Procesal. Boletín Mexicano de Derecho Comparado, Ciudad Del México, a. X, vol. 30, p. 315-348, 1977

HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional – a Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição: Constituição para e Procedimental da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris editor, 1997, pág. 12.

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 7. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006, págs. 121-212.

MECUM, Vade. Novo Código Processual Civil, Revista dos Tribunais, 2015, p. 2262

MONTESQUIEU, Charles Louis de Secondat, Baron de la. Do espírito das leis. São Paulo: Abril Cultural, 1979.

LEAL, Rosemiro Pereira, TGP, Teoria Geral do Processo, Primeiros Estudos, 7º Edição Revista e Atualizada, Editora Forense, Rio de Janeiro. 2008 Forense, 2011. 293 p.


Notas

[1] FIX-ZAMUDIO, Héctor. El pensamiento de Eduardo J. Couture y el Derecho Constitucional Procesal. Boletín Mexicano de Derecho Comparado, Ciudad Del México, a. X, vol. 30, p. 315-348, 1977

[2] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 7. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006, págs. 121-212.

[3] LEAL, Rosemiro Pereira, TGP, Teoria Geral do Processo, Primeiros Estudos, 7º Edição Revista e Atualizada, Editora Forense, Rio de Janeiro. 2008 Forense, 2011. 293 p

[4] ANDOLINA, I.; VIGNERA, G. I fondamenti constituzionali della giustizia civile: il modello constituzionale del processo civile italiano. 2ª ed., Torino, Giappichelli, 1997. 275 p.

[5] FAZZALARI, Elio, Instituições de Direito Processual- Campinas: Bookseller, 2006, pag.118-119)

[6] HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional – a Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição: Constituição para e Procedimental da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris editor, 1997, pág. 12.

[7] BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria Geral do Processo Constitucional.  Revista Forense.  Rio de Janeiro, v. 383, p. 131-180, jan/fev, 2006.

[8] MECUM, Vade. Novo Código Processual Civil, Revista dos Tribunais, 2015, p. 2262

[9] MONTESQUIEU, Charles Louis de Secondat, Baron de la. Do espírito das leis. São Paulo: Abril Cultural, 1979.

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Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REIS, Luara Cristina Santos. A teoria constitucionalista do processo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4403, 22 jul. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/40779. Acesso em: 23 nov. 2024.

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