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A administração pública nos tempos de Jesus

27/07/2015 às 18:04
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Durante a vida de Jesus, a Palestina foi governada pela dinastia herodiana, subdividida em outras regiões, que possuíam formas de governo e administração distintas.

É muito importante fazer uma análise do cotidiano palestinense, para poder avaliar o impacto da mensagem cristã.

Menor do que o Estado do Espírito Santo, a Palestina era uma espécie de ponte entre a África e a Ásia, com uma superfície de uns 34.000 quilômetros quadrados e uma população de mais ou menos 650.000 habitantes.

A maior parte dos fatos referentes à vida de Jesus ocorreu na Judéia, na Samaria e na Galileia.

Durante a vida de Jesus, a Palestina foi governada pela dinastia herodiana, subdividida em outras regiões, que possuíam formas de governo e administração distintas.

Em 63 a.C. Roma conquistou a Palestina, aproveitando a fragilidade da dinastia asmoneia, que governou a Judeia desde as guerras dos macabeus até a conquista dos romanos chefiados por Pompeu (de 106 a 48 a.C.).

João Hircano, filho de Simão macabeu, foi recolocado no trono por Júlio César (de 100 a 44. a. C.), que instituiu a Antípatro ou Antípater como seu procurador. Um dos seus filhos, Herodes, rei da Judeia na época dos romanos (de 37 a 4 a.C.), acabou por fundar a nova dinastia judaica, a dos herodianos, e manter a região independente por mais algum tempo.

Herodes (Mt 2, 1; Lc 1, 5) governou os territórios de Judeia, Samaria, Indumeia, Galileia, Pereia e outras regiões para o lado de Aurã, áreas que foram divididas entre seus filhos após a sua morte: o etnarca Herodes Arquelau (Mt 2, 22) herdou a Judeia, a Samaria e a Indumeia até o ano 4 d.C. e o etnarca Herodes Antipas, as regiões da Galileia e Pereia, de 4. a.C. a 39 d.C.

Herodes Antipas, filho de Herodes Magno e de Maltace, é, entre os soberanos herodianos, o mais citado no Novo Testamento (Lc 3, 1; 9, 7-9; 13, 31-32; 23, 7-12; Mt 14, 1-12).

Do ano 6 até 45 d.C., Judeia, Samaria e Indumeia passaram a ser administradas diretamente por procuradores romanos. Agripa I, neto de Herodes Magno, governou essa região entre 41 e 44 d.C. Após esse período, a administração voltou para as mãos dos procuradores romanos.

Os procuradores eram funcionários ligados diretamente ao imperador. Estavam subordinados ao governador da Síria, mas, como representantes diretos do imperador, detinham poderes civis, militares e jurídicos. Residiam na Cesareia (At 23, 23ss), mas na época de festas religiosas transferiam-se para Jerusalém, que, nessas ocasiões, ficava apinhada de fiéis.

As questões internas da comunidade judaica, mesmo sob a administração romana, eram resolvidas pelo sinédrio – tribunal presidido pelo sumo-sacerdote e formado por 71 membros (anciãos, sumos sacerdotes depostos, sacerdotes do partido dos saduceus e escribas fariseus) – com sede em Jerusalém, instituído provavelmente ainda no século 4º a.C.

No século 1º d.C. possuía atribuições jurídicas: julgava os crimes contra a lei mosaica, fixava a doutrina e controlava todos os aspectos da vida religiosa.

Em todas as cidades e vilas da Palestina existiam também pequenos sinédrios, formados por três membros, que cuidavam das questões locais (Mt 5, 21-22).

Ainda que Roma tenha procurado manter as estruturas locais anteriores à conquista e tenha respeitado a idiossincrasia judaica no tocante a diversos aspectos, a dominação romana implicou a progressiva romanização e helenização, bem como a cobrança de inúmeros impostos diretos e indiretos.

Nessa ocasião surgiram movimentos de resistência armada, como os zelotes (At 23, 12-15), seita e partido político judaico que desencadeou a revolta da Judeia na época de Tito. Constituíam a ala radical dos fariseus e preconizavam Deus como o único dirigente, o soberano da nação judaica, opondo-se à dominação romana.

Pouco a pouco, grandes parcelas da população foram mobilizadas contra o controle romano, o que resultou no embate militar que durou desde 66 a 70 d.C., quando o templo de Jerusalém foi novamente destruído (Mt 24, 2; Mc 13, 1-4; Lc 21.5-7).

Esses acontecimentos marcaram profundamente a judeus e cristãos, sendo um fator decisivo no rompimento definitivo entre eles. A Judeia tornou-se província romana, na qual se encontravam duas legiões estacionadas.

Mas as revoltas não cessaram. Em 132 a Palestina torna-se palco de nova revolta, agora liderada pelo judeu Simão Bar-Kosba. Jerusalém foi destruída e reconstruída como colônia romana, ou seja, ali foram fixados soldados aposentados de diversas origens. Os judeus foram proibidos de entrar na cidade. No local do templo foi construído um templo pagão.


Por ser uma região de passagem, circulavam pela Palestina muitos soldados, comerciantes, mensageiros, diplomatas e tantas outras pessoas. Cesareia e Jerusalém eram importantes centros urbanos, cujas vias e portos facilitavam as comunicações e transportes de pessoas e mercadorias (At 9, 30; 18, 22; 21, 8).

Uma manufatura incipiente cuidava da defumação ou salgação de peixes, construção, fiação e tecelagem, produção de artigos com couro, cerâmica. Nas grandes cidades havia pedreiros, carregadores de água e barbeiros (1Sm 2, 19; Pr 31, 17.24; 1Cr 4, 21).

O comércio certamente era praticado com vista ao abastecimento das grandes cidades. As elites e o templo importavam produtos de luxo. Eram exportados alimentos – frutas, peixes, vinho – e manufaturas, como perfumes e betume (Gn 6, 14; 14, 10; 11, 3; Ex 2, 3).

A agricultura era a principal atividade econômica. Plantavam-se trigo, cevada, figo, azeitonas, uvas, tâmaras, romãs e maçãs. Encontravam-se também rosas, para a produção de essências destinadas aos perfumes (Dt 23, 26; Mt 12, 1s; Mc 2, 23; Lc 6,1; Ex 9, 31; Rt 1, 22).

As atividades de pesca, pecuária e extrativismo não podem ser esquecidas, devido à sua grande importância econômica. Banhada pelo Mediterrâneo, cortada por rios e possuindo lagos, é fácil deduzir a variedade de peixes e seu papel para o abastecimento interno e até exportação. A região possuía rebanhos de ovelhas, cordeiros e bois. Além do betume, é de ressaltar a variedade de árvores, como salgueiro, loureiro, pinheiros, dos quais se extraíam madeira, temperos e essências (Jó 40, 25; Is 19, 8; Am 4, 2).

A sociedade palestinense era dividida em grupos socioeconômicos: os ricos, grandes proprietários, comerciantes ou elementos provenientes do alto clero; os grupos médios, sacerdotes, pequenos e médios proprietários rurais ou comerciantes; os pobres, trabalhadores em geral, seja no campo ou nas cidades; e os miseráveis, mendigos, escravos ou excluídos sociais, como ladrões (Gn 31, 5-9; Dt 28, 3-7; 1Cr 5, 34; Eclo 40, 28ss; Ex 21, 3s).

As diferenças sociais não se pautavam somente na riqueza ou pobreza do indivíduo, mas em diversos outros critérios, como sexo, função religiosa, conhecimento e pureza étnica. Uma mulher, por exemplo, ainda que proveniente de família rica, estava numa situação social inferior à de um simples levita. Um samaritano, apesar de descendente dos israelitas, devido à miscigenação, era considerado impuro e, socialmente, inferior a uma mulher judia (Gn 12,12-20). 


Até 70 d. C., quando destruído pelos romanos, o templo era o mais importante centro religioso judaico. Lá é que se realizavam os sacrifícios, o sinédrio se reunia, eram armazenados as riquezas e os impostos, bem como os objetos de culto (At 2, 46; 3, 1;22 17).

Era o centro de toda a vida religiosa, econômica e política. Suas atividades e a organização revelam os valores e as divisões dessa sociedade, onde os sacerdotes e conhecedores da lei possuíam privilégios, assim como só os homens circuncidados eram levados em conta (Ne 12, 1-7.12-21).

Para organizar a vida religiosa e os cultos, havia o clero chefiado pelo sumo sacerdote, proveniente das famílias mais ricas, o que demonstra o seu caráter político. A função sacerdotal era hereditária. A classe clerical recebia salário, que provinha dos sacrifícios e dos dízimos. Ao seu lado, havia 10.000 levitas, também organizados em 24 equipes. Atuavam como músicos ou porteiros cinco vezes por ano. Não recebiam salários (Dt 18, 6-8; Lc 1, 5).

As sinagogas eram também centros religiosos, pois nelas se cultivava a Deus e era estudada a lei, como ocorre ainda hoje.

As festas religiosas possuíam um papel destacado na sua vida. Nelas o povo se juntava em Jerusalém e celebrava a intervenção divina em sua história, para perpetuar a memória e as tradições. As mais importantes eram a Páscoa, que recordava a libertação da escravidão no Egito, Pentecostes, que ocorria na época da colheita e recordava a aliança no Sinai, e Tendas, que festeja o próprio templo (Ex 12, 1-28; 23, 14-17; 23, 16).

Outras festas religiosas eram a circuncisão, a guarda do sábado, a oração cotidiana, realizada pela manhã e à tarde (Gn 21, 4; 2, 1-3; 24, 12-14).

É falsa a ideia que se tem hoje de que o judaísmo era um bloco monolítico, uma religião solidamente unificada. Havia muitos e variados subgrupos dentro do judaísmo antigo. O movimento de Jesus era, a princípio, só um deles. A separação do cristianismo do judaísmo aconteceu gradualmente.

Os judeus tinham certas crenças comuns e praticavam alguns aspectos da religião: eram monoteístas, praticavam a lei de Moisés, circuncidavam-se etc. Mas os diferentes grupos judeus debatiam e discordavam entre si sobre muitos detalhes, tais como as expectativas sobre o Messias, os rituais e as leis de pureza, assim como sobre como viver sob a dominação estrangeira.

Os evangelhos mencionam os fariseus e os saduceus. O historiador Josefo acrescenta os essênios.

Os fariseus eram um grupo ativo e influente. Etimologicamente, o termo significa “separado” e refere-se à observância rígida das leis e tradições por parte dos membros do grupo (Lc 18, 10-12). Seus líderes eram chamados de rabinos, como Gamaliel, e se dedicavam a estudar e comentar as escrituras (At 5, 34; 22, 3).

Aderiram à submissão rígida do sábado e o defendiam, assim como os outros rituais de pureza, do dízimo, das restrições alimentares, baseando-se nas escrituras hebraicas e em tradições orais mais recentes (Mc 7, 1-13; Mt 15, 1-20). Opunham-se à romanização e à helenização.

Eram leigos, em sua maioria, ainda que entre eles se encontrassem alguns levitas e membros do sinédrio (At 5, 34). Consideravam-se sucessores de Esdras e dos primeiros escribas. Eram os frequentadores das sinagogas e buscavam divulgar a interpretação da lei escrita e oral.

Acreditavam na ressurreição dos mortos (Mc 12, 18-27), no livre-arbítrio do homem, na onipresença de Deus, no papel da lei como um freio para os impulsos negativos dos homens (At 23, 1-8).

Os evangelhos os retratam como os principais oponentes de Jesus (Mc 8, 11; 10, 2) e que teriam conspirado com os herodianos para matá-lo (Mc 3, 6).

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Jesus dirige algumas críticas severas contra a hipocrisia e a cegueira deles (Mt 23; Jo 9). Mas, em termos teológicos, cristãos e fariseus concordavam em alguns aspectos, o que explica o grande número de fariseus que acabaram por tornar-se cristãos (At 5, 15). Paulo, antes de sua conversão, era um fariseu (Fil 3, 5; At 23, 6; 26, 5). 


Os saduceus eram um grupo proeminente na Palestina entre os séculos 2º a.C. e 1º d.C.

Alguns acreditam que a origem da palavra venha do hebraico saddiquim, que significa “íntegro”, ou que ela seja derivada de Sadoc, nome do mais importante sacerdote durante o reinado de Davi (1Rs 1, 26).

Organizaram-se no período da dinastia asmoneia, momento de prosperidade política e econômica. Era um grupo formado pela elite, proveniente das famílias da alta hierarquia sacerdotal. Certamente menor, mas mais influente que o dos fariseus, pois a sua influência era sentida sobretudo entre os grupos governantes ricos.

Seguiam somente as leis escritas presentes na bíblia hebraica (Torá) e rejeitavam as tradições mais novas. Não acreditavam em vida depois da morte (Mc 12, 18-27; Lc 20, 27-38) nem em anjos e espíritos (At 23, 8). Possuíam um papel preponderante no sinédrio e controlavam as atividades e riquezas do templo (At 4, 1; 5, 17; 23, 6).

Os essênios formavam um grupo minoritário organizado como uma comunidade monástica em Qumran, área localizada perto do mar Morto, desde o século 2º a.C. até o século 1º d.C., quando, em 68, foram eliminados pelos romanos.

Alguns acham que o nome essênio deriva do grego hosios, santo, ou isos, ou ainda do hebraico hasidim, piedoso. Não há consenso. Talvez a sua origem esteja associada à era macabeia, quando um grupo, liderado por um sacerdote, teria fundado a comunidade.

Eles rejeitavam a validez da adoração do templo, recusavam-se a assistir aos festivais ou apoiar o templo de Jerusalém. Consideravam ilegítimos os sacerdotes de Jerusalém, desde que não fossem sacerdotes de Sadoc – ou seja, seus descendentes –, do qual eles próprios se julgavam oriundos.

Viviam em regime comunitário, com exigências rígidas, regras e rituais. Provavelmente praticavam o celibato. Esperavam que Deus enviasse um grande profeta e dois messias diferentes, um rei e um sacerdote. Seu objetivo era manter-se puros e observar a lei. Praticavam um culto espiritualizado e sem sacrifícios e possuíam uma teologia de caráter escatológico. A prática do batismo por imersão periódica era uma forma de purificação. Interpretavam a lei de forma literal e produziram textos considerados posteriormente apócrifos, como a regra da comunidade.

Apesar de não mencionados no Novo Testamento, alguns estudiosos acham que João Batista e o próprio Jesus estavam associados a esse grupo.

Alguns historiadores os descrevem. Entre eles Filo Alexandrino (Quod omnis probus líber sit, XII-XIII, 75-91), Josefo (Bellum Judaicum, II, 119-161) e Plínio, o Velho (Naturalis Historia, v. 15,73).

Os herodianos formaram a facção que apoiou a política e o governo de sua família durante o reinado de Herodes Antipas, tetrarca da Galileia e Pereia na época das vidas de João Batista e de Jesus.

São mencionados em Mc 3, 6, ao conspirarem com os fariseus para matar Jesus, quando este iniciava o seu ministério na Galileia. Igualmente em Mc 12, 13-17 e em Mt 22, 16, novamente unidos, tentando apanhar Jesus com pergunta sobre o pagamento de impostos a César.

Com o efetivo domínio romano, esta seita desapareceu.

Os zelotes eram um grupo religioso com caráter militarista e revolucionário, organizado no século 1º d.C., opondo-se à ocupação romana, e também conhecidos como sicários, devido ao punhal que levavam escondido e com o qual atacavam os inimigos.

Eles provinham das camadas mais pobres da sociedade e, inicialmente, foram confundidos com ladrões.

Recusavam-se a reconhecer o domínio romano, respeitavam o templo e a lei, bem como se opunham ao helenismo. Professavam um messianismo radical e só acreditavam em um governo teocrático, ocupado por judeus. Viam na luta armada o único caminho para enfrentar os inimigos e acelerar a instauração do reino de Deus.

Um dos discípulos de Jesus é chamado de Simão, o zelote, em Lc 6, 15 e At 1, 13. É possível que o sentido mais provável, no seu caso, seja de zeloso, na sua acepção mais antiga.

Existiam outros grupos político-religiosos que participavam do cenário religioso judaico do século 1º: os levitas, que formavam o clero do templo de Jerusalém e eram os responsáveis pelos sacrifícios e pelos cultos; os escribas, hábeis conhecedores e comentadores da lei; os movimentos batistas, seitas populares que mantinham as práticas do batismo de João Batista – entre outros. 

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Sobre o autor
Máriton Silva Lima

Advogado militante no Rio de Janeiro, constitucionalista, filósofo, professor de Português e de Latim. Cursou, de janeiro a maio de 2014, Constitutional Law na plataforma de ensino Coursera, ministrado por Akhil Reed Amar, possuidor do título magno de Sterling Professor of Law and Political Science na Universidade de Yale.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Máriton Silva. A administração pública nos tempos de Jesus. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4408, 27 jul. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/40877. Acesso em: 2 nov. 2024.

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