8. CONCLUSÃO: PROPOSTA DE DATA BASE PARA FUTURAS PROGRESSÕES
Diante de todo o exposto, a decisão que fixa o marco para futuras progressões não pode considerar uma data base estanque, devendo ser sensível e flexível ao caso concreto.
Não existindo lei acerca do assunto, deve-se efetivar a aplicação de marco que mais garanta o direito de liberdade do sentenciado, aplicando-se normas em sentido lato, tal como o princípio da legalidade interpretado à luz do princípio do pro homine, bem como o direito constitucional à liberdade.
Quanto aos marcos possíveis de serem adotados de acordo com o caso concreto, existem ao menos quatro datas bases que aparecem de forma recorrente em decisões nos tribunais: a) data da última prisão; b) data da soma de penas; ou c) data do trânsito em julgado da última condenação.
São três interpretações possíveis que tratam do direito humano à liberdade, conforme destacado de forma brilhante pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, em processo com relatoria do desembargador Hebert Carneiro, verbis:
EMENTA: AGRAVO EM EXECUÇÃO - MARCO INICIAL PARA OBTENÇÃO DE NOVOS BENEFÍCIOS - DATA DA ÚLITMA PRISÃO - POSSIBILIDADE NO CASO CONCRETO.- Sendo três os possíveis marcos para o início do prazo para concessão de futuros benefícios da execução penal, deve-se analisar o caso concreto para se definir a data mais adequada para se alcançar a ressocialização do condenado.
- No caso concreto, a data da sua última prisão deve ser o marco inicial para a concessão de futuros benefícios, vez que a mais adequada para a ressocialização do reeducando.
“Após refletir detidamente e com maior intensidade sobre a questão, concluí que o termo inicial para a contagem de eventuais benefícios deve ser analisado em cada caso concreto.
Ressalto, por oportuno, que, conforme discussão jurisprudencial, três são os possíveis marcos para início da contagem do prazo para a concessão de futuros benefícios: a data do trânsito em julgado da última condenação, a data da unificação/soma das penas e a data da última prisão do apenado.Assim, entendo ser necessária a análise do caso concreto para se definir a melhor data a ser aplicada, a fim de que o escopo máximo da pena seja alcançado, qual seja, a ressocialização do apenado.
Dessa forma, tenho como acertado fixar o marco da última prisão do reeducando para a concessão dos benefícios próprios da execução penal. (Agravo em Execução Penal 1.0079.10.015183-0/001 0875660-13.2012.8.13.0000 (1) Relator(a) Des.(a) Herbert Carneiro Data da Publicação: 3/10/2012”) (g.n)
Malgrado as várias interpretações possíveis, insta salientar que, na maioria massacrante dos casos em concreto, o marco que mais garante o direito à liberdade é, sem dúvida, a última prisão, já que todo o tempo de pena cumprido é considerado para fins de benefício.
Os Juízes de Direito dos maiores polos de Execução Penal no Estado de Minas Gerais assinaram a “Carta de Belo Horizonte”, no dia 14 de setembro de 2013, e firmaram o seguinte posicionamento jurisdicional: “Para efeito de soma ou unificação de penas, será observada, como marco para novos benefícios, a data da última prisão, salvo marco temporal mais favorável ao apenado”.
Em alguns raros casos, em que não há prisão até a data do trânsito em julgado, este poderá ser adotado como marco, já que, neste caso, tal data seria mais benéfica ao apenado.
Neste cenário, decisões estanques utilizadas como paradigmas, a exemplo da uniformização de jurisprudência[2], devem ser afastadas por técnicas de superação de precedentes - overruling, que ocorre quanto um precedente é totalmente superado, expressa ou tacitamente -, pois cada caso demanda a análise do melhor marco a ser adotado em favor do sentenciado.
Posto isto, em que pese a fixação do trânsito em julgado como marco seja quase sempre prejudicial ao apenado, não se pretende rechaçá-la absolutamente ou defender a aplicação da data da última prisão em todo e qualquer caso, mas que seja analisado à luz do Direito à Liberdade, Princípio da Legalidade, Princípio Pro Homine e também do Sistema Progressivo das Penas, Detração Penal e caráter Ressocializador das Penas, qual marco cumpre o papel da execução penal, que, longe de representar um castigo para o apenado, deve adquirir contornos justos, razoáveis e flexíveis, capazes de redesenhar e resgatar a dignidade solapada e esquecida que há dentro dele.
REFERÊNCIA
1. BRASIL, Decreto-Lei n. 2848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal Brasileiro. Diário Oficial da União, Brasília, 31 de dezembro de 1940.
2. BRASIL, Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal Brasileiro. Diário Oficial da União, Brasília, 13 de outubro de 1941.
3. BRASIL, Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Código de Processo Civil. Diário Oficial da União, Brasília, 17 de janeiro de 1973.
4. BRASIL, Decreto-Lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942. Lei de Introdução às normas do direito brasileiro. Diário Oficial da União, Brasília, 9 de setembro de 1942.
5. BRASIL, Lei n. 7.210, de 11 de julho de 1984. Lei de Execução Penal. Diário Oficial da União, Brasília, 13 de julho de 1984.
6. FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos. 7ªed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.
7. LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2009.
8. MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal. São Paulo: Atlas, 2008.
9. MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Execução Penal. São Paulo: Atlas, 2007.
10. MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal: comentários à Lei no 7.210, de 11-7-1984. São Paulo: Atlas, 2006.
11. PINTO, Mónica. El Principio pro homine Criterios de hermenéutica y pautas para la regulación de los derechos humanos. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/tablas/20185.pdf
12. REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
13. FERREIRA, Francisco Gilney Bezerra de Carvalho. Dos métodos de Integração Normativa e a superação parcial do art. 4º da LINDB. Jus Navegandi, dezembro de 2013; disponível em: http://jus.com.br/artigos/26203/dos-metodos-de-integracao-normativa-e-a-superacao-parcial-do-art-4-da-lindb#ixzz3djHBDs59
14. HENDERSON, Humberto. Los tratados internacionales de derechos humanos en el orden interno; la importancia del principio pro homine, Revista IIDH, Instituto Interamericano de Derechos Humanos, no. 39. San José, 2004.
Notas
[1] Em que pese o Incidente, o próprio TJMG, posteriormente, já emitiu várias decisões em sentido contrário à adoção de uma data estanque para fixação de benefícios quando da soma das penas. Vide Agravo em Execução Penal nº 1.0313.09.271722-9/001, 1.0231.10.013.759-6/002, 1.0079.13.000076-7/001, dentre outros.
[2] Que na realidade não mais uniformiza, pois a maioria da jurisprudência do TJMG acerca da data base em decisões de soma de penas, prolatadas no ano de 2015, consta existência de voto vencido. Vide Agravo em Execução Penal 1.0481.07.075746-5/001 (6ª Câmara), Agravo em Execução Penal 1.0702.12.006662-7/001 (7ª Câmara), Agravo em Execução Penal 1.0261.11.000054-2/002 (2ª Câmara).