RESUMO: O presente estudo pretende demonstrar que, com o advento do novo Código de Processo Civil, o débito alimentar decorrente de responsabilidade civil por ato ilícito pode vir a ser executado pelo rito próprio dos alimentos familiares, com possibilidade de prisão civil. Para tal é realizada uma análise das normas previstas no novo Código de Processo Civil. Através dessa análise, é possível concluir que o capítulo que trata do ‘cumprimento de sentença que reconhece obrigação de prestar alimentos’ no novo CPC, ao prever alimentos de forma genérica, abre espaço para a prisão civil do devedor de alimentos decorrentes de ato ilícito e não só do devedor de alimentos familiares.
Palavras-chave: Responsabilidade Civil; ato ilícito; prestação alimentícia; prisão civil.
Introdução
O dever de prestar alimentos pode ser legal, previsto em lei (dever de solidariedade familiar); voluntário, onde não há dever (decorre da vontade); e indenizatório, decorrente de condenação judicial, em razão da prática de um ato ilícito.
Entretanto, a forma de cobrança judicial em sede de execução de alimentos é diversa, sendo mais severa a cobrança de alimentos decorrentes de dever legal – entre familiares, procedimento no qual cabe, inclusive, o pedido de prisão do devedor de alimentos. Esse é o panorama do nosso Código de Processo Civil de 1973 em vigor até março de 2016.
Durante anos, os doutrinadores questionaram a razão de tal diversidade nos ritos processuais para a cobrança de dívidas com mesmo valor jurídico – a garantia de dignidade do alimentando. Afinal, parece ser muito menos provável o pagamento de alimentos a um desconhecido do que a um parente próximo.
Enfim, o novo Código de Processo Civil de 2015, com vigência em 2016, parece criar uma abertura à equivalência das cobranças, já que não traz mais a separação de ritos como o Código de Processo atualmente em vigor.
Alimentos indenizatórios
Mas, afinal, o que são alimentos indenizatórios? Como alguém que não possui vínculo familiar com outrem estaria obrigado a prestar-lhe alimentos? Os alimentos indenizatórios decorrem sempre de uma decisão judicial definitiva – sentença/acórdão, perfazendo-se em título executivo judicial. Em linhas gerais, os alimentos indenizatórios são decretados por sentença quando, por culpa (sem vontade de atingir o resultado alcançado, mas com negligência, imprudência ou imperícia) ou dolo (vontade de alcançar o resultado), alguém gera um dano a outrem prejudicando-lhe o sustento fundamental à sua sobrevivência.
Podemos usar como exemplo uma pessoa que, sabendo que seu pneu estava precisando ser trocado, negligencia o fato (necessidade de trocar seu pneu) e, em razão do pneu gasto, gera um acidente de trânsito vitimando um pai de família responsável por parte da renda familiar e sustento daquela família. Nesse caso, mediante uma ação de indenização por danos, baseada na responsabilidade civil extracontratual, poderá ser decretado o dever do causador do acidente de prestar alimentos à família da vítima, a fim de restabelecer as condições dignas de vida para a família do vitimado.
A cobrança de alimentos e as disposições do Novo Código de Processo Civil
Sabemos que a prisão por dívidas no Brasil é vedada pelo artigo 5°, inciso LXVII, da Constituição Federal de 1988, que admitia a prisão civil apenas para depositário infiel e do devedor de pensão alimentícia. Entretanto, em 25 de setembro de 1992 passou a vigorar, no Brasil, o Pacto de San José da Costa Rica e houve mutação constitucional indireta, permanecendo o texto do inciso LXVII intacto até hoje, mas com leitura diversa, conforme a interpretação do Supremo Tribunal Federal (guardião do texto constitucional). Dessa forma, hoje a prisão civil limita-se à hipótese de dívida alimentar, com fundamento no princípio fundamental da República Brasileira de dignidade da pessoa humana.
Diante da “nova” interpretação constitucional, torna-se claro que o dever alimentar visa a proteção da dignidade humana, por meio da prestação de valores econômicos que visam a manutenção e garantia de condições mínimas essenciais às pessoas.
No entanto, o Código de Processo vigente, a doutrina e a jurisprudência diferenciam as formas coercitivas de cobrança destes alimentos, apesar da função destes ser idêntica. No Código de Processo atual existe, inclusive, a disposição de ritos processuais diversos para a cobrança de alimentos, prevendo a prisão do devedor de prestações alimentícias apenas para os alimentos decorrentes de vínculos familiares.
Dentre um dos fortes críticos deste posicionamento está Marinoni, considerando-o injustificável, uma vez que tanto os alimentos indenizatórios quanto os legítimos têm por finalidade garantir a manutenção básica e digna do alimentando. Não haveria, portanto, plausibilidade de se fazer distinção quanto ao emprego de meio coercitivo para garantir seu adimplemento.
Em contrapartida, no novo CPC, há um só rito para a cobrança de alimentos, não havendo sequer restrição à alimentos provisionais, constando já do texto deste código a súmula 309 do STJ (“o débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores à citação e as que vencerem no curso do processo”). É impossível, diante da leitura dos dispositivos legais do novo CPC, em conjunto com as demais normas existentes no ordenamento, como a anteriormente citada da Constituição, afirmar que os alimentos aos quais se referem as normas prevêem unicamente prisão para o devedor de alimentos advindos de relações familiares, ao contrário do CPC/73 que prevê ritos distintos, separando as dívidas alimentares.
Conclusão
Na contramão do Código de Processo Civil atual, o novo CPC traz uma abertura à cobrança de alimentos indenizatórios com a utilização dos mesmos meios coercitivos e com um só procedimento previsto, gerando a possibilidade do pedido de prisão civil nos casos de débito de alimentos indenizatórios.
A prisão em si não é a finalidade do instituto, mas, sim, o recebimento dos valores e a garantia da vida digna do alimentando. Assim, temos como fundamento da prisão civil a coerção do devedor ao pagamento da dívida, pois, uma vez ocorrido o pagamento, o alimentante deve ser posto em liberdade, independente de ter ou não cumprido o prazo total de prisão imposto. Igualmente cumprida a prisão, não estará o devedor eximido de pagar sua obrigação. Ora, como já analisado, a prisão civil não é meio de execução, mas, sim, meio de coagir ao pagamento, logo, o cumprimento da prisão não importa na satisfação do crédito alimentar. É o que se depreende da leitura do §2º do artigo 733 do Código de Processo vigente e §1º do artigo 19 da Lei de Alimentos.
Podemos, portanto, depreender da leitura do texto do novo Código de Processo Civil em consonância com as disposições do texto constitucional que, com a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, a execução/cobrança de alimentos decorrentes de vínculo familiar ou decorrentes de decisão judicial em razão de ato ilícito correrá pelo mesmo rito e gozará das mesmas garantias de coerção para recebimento da dívida.