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Conhecendo o novo Código de Processo Civil:

Parte I

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24/07/2015 às 16:05
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3) Jurisdição e Condições da Ação

A jurisdição, somada a ação e ao processo, formam o alicerce do processo moderno.[30]   

No capítulo destinado à função jurisdicional, o novo Código traz alguns aspectos de relevância, a principiar pela previsão do artigo 17, que contempla duas condições da ação, quais sejam, a legitimidade e o interesse. Diz o artigo que “para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade”.[31] Disposição com semelhante teor já consta do CPC de 1973 com redação um tanto diversa e de menor amplitude[32].

O interesse é o legítimo interesse processual, que se compõe de três elementos: necessidade, utilidade e adequação do provimento buscado.

A tutela é necessária quando há pretensão resistida ou impõe a lei a necessidade de manifestação do Poder Judiciário.

A utilidade da tutela jurisdicional se traduz na constatação de que um efetivo proveito para a parte que a postula deve estar presente. Isso se traduz na necessidade de produção de modificações na sua esfera de direitos com criação ou manutenção de um quadro de vantagem. A ausência de utilidade se revela em tutela que é postulada por mero espírito emulativo ou questão de cunho estritamente moral e subjetivo.

A adequação do provimento diz respeito à utilização de um pedido idôneo a produzir o fim pretendido. Em termos práticos, diz com a escolha da espécie de tutela correta em vista da situação de direito material posta como base de uma pretensão.[33]

A legitimidade é ordinariamente definida como a “pertinência subjetiva da demanda”. E, como em regra o substrato do processo é uma relação de direito material[34], a legitimidade decorre da posição do sujeito em vista da relação de direito material posta à lide.

Correspondem ambas as condições às denominadas “condições da ação” erigidas pela Teoria Eclética da Ação a uma situação intermediária entre a abstração completa e o mérito, este último representando a situação efetiva de fato após a consideração da prova.

A avaliação destas condições da ação faz-se a partir da Teoria da Asserção, ou in status assertionis, que nada mais significa do que tomar a compleição dos fatos conforme narrados na inicial e efetuar-se um raciocínio condicional.[35]

A idéia central da Teoria Eclética da Ação[36] reside em propiciar um filtro intermediário objetivando impedir que situações completamente desprovidas de fundamento, mesmo consideradas em tese, fossem tomar tempo do Poder Judiciário. Todavia, a parca compreensão da sua compleição e alcance por muitos julgadores por vezes gera aplicações absurdas, onde se relega ao mérito o que a ele não por receio de enfrentar-se questão difícil processualmente falando. A rigor, como o denominado “despacho saneador” é muito pouco usado, ficando relegadas as condições da ação à apreciação da sentença, inclusive já com prova produzida, na verdade acaba fazendo pouca diferença prática a presença de condições intermediárias de apreciação da lide como são as condições da ação.

Correlato ao tema da legitimidade está o da legitimação extraordinária, ou substituição processual, cuja imbricação com a legitimidade reside no fato de ser uma exceção à regra de aferição da presença daquela. O artigo 18 trata deste tema, aduzindo que “ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico.”[37] Quando isto tem azo, estamos diante da substituição processual, que opera a alteração da legitimidade no plano processual, conferindo-a a quem não titula (nem mesmo em tese, pois a avaliação é in status assertionis), o direito material pretendido na via do processo.[38]

Já o parágrafo único, mal redigido, diz que “havendo substituição processual, o substituído poderá intervir como assistente litisconsorcial”. Mal redigido porque incompleto. O que nele deveria constar é que, havendo possibilidade de substituição processual e sendo o substituído parte, poderá o autorizado à promover substituição habilitar-se como assistente litisconsorcial. Caso não esteja o titular do direito material como parte, esta condição (e não a de assistente) é a do que o substitui.

O assistente litisconsorcial como cediço, ostenta os mesmos poderes da parte assistida, ou seja, age como parte independente. 

Já os artigos 19 e 20 tratam de explicitar o alcance do interesse processual. O artigo 19 tem paralelo no artigo 4º do CPC de 1973 com redação ligeiramente diversa no inciso I, no que se houve bem. Isto porque o artigo 4º, inciso I, do CPC de 1973 diz que o interesse do autor pode limitar-se à declaração de existência ou inexistência da relação jurídica ao passo que a redação do inciso I do artigo 19 diz que pode limitar-se não só à existência ou inexistência de relação jurídica, mas ao seu modo de ser.

Apesar de nunca ter grassado dúvida acerca de que uma demanda constitutiva legitimamente proposta pudesse ter por objeto modificar a forma de uma relação jurídica, a redação nova é mais precisa e correta e se coaduna ao fato de que as demandas revisionais que buscam modificar os termos de relações jurídicas são sobejamente mais comuns que as que visam declaração de existência ou inexistência.

O inciso segundo de ambos os dispositivos mantém o interesse na declaração de autenticidade ou falsidade de documento.

Já o artigo 20 traz inovação ao afirmar cabível a ação declaratória mesmo quando tenha havido violação ao direito. Qual sua razão de ser? Ele tem ligação com o interesse processual, mais precisamente com a utilidade do provimento. Isto decorre do  fato de que, uma vez operada a violação a direito, surge a pretensão de restituição do status quo ante ou, em sendo isto impossível, do ressarcimento, através de tutela sub-rogatória. A rigor, violado o direito subjetivo, a parte tem melhor resultado postulando que se declare a violação e pedindo a reposição da sua esfera de direitos de forma direta, pela tutela específica, ou indireta, através do ressarcimento sub-rogatório. Ao pedir apenas declaração, feneceria real utilidade, e, portanto, não haveria interesse processual.

Mas é possível que a simples declaração tenha utilidade para a parte, e apesar de o Judiciário dever velar pela utilidade de sua atividade, não pode se fazer senhor da lide a ponto de julgar o que é melhor para a parte.


4) Competência Nacional

Competência é definida como a “medida da jurisdição que é atribuída a cada órgão judicante.”

A jurisdição, como emanação da Soberania, é una. Não pode haver duas jurisdições como não pode haver duas soberanias. Há a jurisdição brasileira.[39] Mas a impossibilidade de julgamento de todas as causas por um só órgão e a óbvia constatação de que a especialização melhora a eficiência, levaram à criação de justiças  e juízos especializados, sem  invalidar a unicidade da Jurisdição do Estado.

A melhor maneira de apanhar a temática da competência é partindo da dissecação da jurisdição do mais amplo ao mais estrito, vale dizer, estabelecer primeiro a competência nacional e depois tratar da justiça, do foro e do juízo.

A topologia adotada pelo novo CPC para o tema é bem melhor que a do CPC de 1973, pois mais adequada à natureza do assunto e sua sistematização. A competência, enquanto tema diretamente relacionado à jurisdição, tem tratativa lógica como seqüência desta, e antes dos pormenores relativos ao exercício do direito de ação, que é conseqüência de sua existência. O CPC de 1973 interpunha diversas questões relativas às partes e procuradores antes de tratar da competência.

Dada esta nova topologia e a organização deste trabalho, iremos versar sobre os limites nacionais da jurisdição e de alguns novos institutos criados pelo novo CPC nesta primeira parte, ficando as questões relativas à competência interna como objeto da segunda parte juntamente com outras.

O artigo 21 do novo CPC tem redação idêntica a do artigo 88 do código de 1973 (exceto pelo inciso III). Ambos estipulam como abrangidas pela competência da jurisdição nacional as causas: 1) O réu tiver domicílio no Brasil, independentemente de sua nacionalidade, incluindo-se no conceito as filiais, sucursais e agências. 2) A obrigação tiver de ser cumprida no Brasil. 3) O fundamento da demanda (causa de pedir) for fato ocorrido ou ato praticado no Brasil.

A redação conferida ao inciso III é de melhor precisão, pois nem sempre a origem da demanda é de fato a sua causa de pedir. É mais correta a associação de “fato” a fundamento da demanda. Estas três hipóteses, contudo, não operam ad excludendum. Por outras palavras, não impedem que outra jurisdição julgue a matéria e eventualmente a decisão venha a ser reconhecida para cumprimento no Brasil.

No artigo 22 são mencionadas novas hipóteses de atribuição da jurisdição nacional, igualmente sem exclusividade e inovando em vista do CPC de 1973. São previstos três tipos de demandas a saber: 1) Ações de alimentos em duas situações. A primeira quando o credor for domiciliado no Brasil ou o réu mantiver laços econômicos no País. 2) Ações relativas a relações de consumo quando o consumidor tiver domicílio ou residência no Brasil. 3) Ações onde as partes, expressa ou tacitamente, se submeterem à jurisdição brasileira. 

Especial realce merece a segunda hipótese, pois tem crescido exponencialmente o comércio de itens de pequeno valor envolvendo fornecedores estrangeiros e com uso da internet, principalmente. São notórias as dificuldades para acionamento judicial nestas condições. A possibilidade de que seja a demanda proposta aqui facilita sobremaneira.

As competências excludentes da jurisdição nacional tiveram ampliação. No CPC de 1973 temos previsão das ações relativas a imóveis situados no Brasil (foro rei sitae), e as ações de inventário e partilha de bens situados no Brasil, ainda quando o de cujus fosse estrangeiro e tivesse residido fora.

A redação do artigo 23 do novo CPC acresce a confirmação de testamento particular e as ações de partilha relativas a separação, divórcio e dissolução de união estável.

E mantida a disposição segundo a qual a demanda intentada no estrangeiro não implica litispendência em vista da jurisdição nacional, de forma que não fica impedida, a homologação de sentença estrangeira quando cabível, e com ressalva de tratados ou acordos que possam implicar em litispendência.

De outro lado, o artigo 25 ressalva a utilização do foro de eleição, com as condicionantes estatuídas no artigo 63 do CPC novo e ressalvados os casos de competência excludente da jurisdição nacional.


5) Cooperação Internacional

É epigrafe inovatória que versa sobre a possibilidade de mútuo auxílio entre autoridades jurisdicionais de nacionalidade diversa e cria alguns dos mecanismos relacionados.  

Tem por pressuposto a presença de tratado, ou seja, de um instrumento de direito publico internacional, fundamentado na reciprocidade e que regule as condições e formas de cooperação, ou declaração de reciprocidade diplomática, na ausência daquele.

Mas o próprio CPC traz condicionantes, quais sejam:

Respeito às garantias do devido processo legal no Estado requerente: Que se traduz na presença de um processo na origem que siga à regras gerais e universais, previamente estabelecidas em lei produzida com regular trâmite. Por outras palavras, é o processo que não é de exceção. Embora não o diga o dispositivo, é ínsito ao devido processo legal a presença de ampla defesa e contraditório, cuja amplitude pode variar de intensidade e momento, mas que deve se apresentar, em regra.

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Logo, é de se entender que o processo deverá ter como tônica a presença de atos de comunicação processual que levem ao conhecimento das partes seus atos e termos; possibilidade de manifestação acerca dos fatos e teses esgrimidas; possibilidade de dilação probatória quando e se necessária; decisões fundamentadas, enfim, as características que o fariam um processo válido e eficaz se tivesse transcorrido sob a égide das garantias mínimas asseguradas pela lei nacional. Devido processo legal ai deve ser entendido em sua dimensão material e não meramente formal, caso contrário, processos formalmente legais sob o enfoque da lei de origem, mas cujo trâmite trouxesse fatos marcadamente repugnantes ao conjunto de garantias universais consagradas no processo, tenha ele a natureza que tiver.[40] Tanto assim é que há expressa ressalva no artigo 26, parágrafo terceiro, acerca do fato de que não se admitirá sob o pálio da cooperação atos cujos resultados contrariem as normas fundamentais do Estado Brasileiro, as quais podem ser apontadas no texto constitucional de forma não exaustiva (especialmente as cláusulas pétreas)

Igualdade de tratamento em nacionais e estrangeiros, inclusive quando a possibilidade de concessão de assistência judiciária aos necessitados: Não pode haver diferenciação de tratamento seja pela jurisdição nacional em vista do estrangeiro nem o inverso. É pressuposto das medidas de cooperação tratamento isonômico.

Publicidade processual ressalvadas as exceções: Como antes dito, a publicidade é garantia fundamental do processo, pois é ela que permite a ampla fiscalização do exercício desta potestade. As exceções justificam-se pelo resguardo da intimidade e do espectro privado da vida individual, que pode ser atingido pelo streptus fori. As exceções poderão ser as consignadas na lei nacional ou de origem.

Presença de autoridade central: Para operacionalização dos pedidos Obviamente não se tem como impor a constituição de tal órgão ao Estado estrangeiro. Este órgão terá que ter sua criação e regulamentação feita por lei. Na ausência de estipulação o Ministério da Justiça exercerá a função. 

Espontaneidade na transmissão das informações: Ou seja, não há necessidade de provocação da parte, mas deve ser observada a imparcialidade. Há uma linha tênue a ser observada.

O artigo 27 traz enumeração de medidas processuais que poderão ser realizadas e termina com formula geral. Data vênia, se tem formula geral de “qualquer medida não proibida pela lei brasileira”, é escusada menção casuística feita no mesmo dispositivo. Falha de redação.

5.1) Auxilio Direto: É a modalidade de cooperação quando não houver necessidade de juízo delibatório no Brasil, ou seja, não houver necessidade de ser submetida à validação interna obrigatória. Poderá ter azo em todas as hipóteses previstas em tratados de que seja signatário o Brasil bem como, residualmente, nas seguintes: 1) obtenção e prestação de informações sobre o ordenamento jurídico e sobre processos administrativos ou jurisdicionais findos ou em curso; 2) Colheita de provas, salvo se a medida for adotada em processo, em curso no estrangeiro, de competência exclusiva de autoridade judiciária brasileira;

Quando o pedido for passivo, a autoridade central envia a AGU (Advocacia Geral da União) que postula a medida judicial cabível. Se o Ministério Público for a autoridade central, ele próprio postulará medida judicial pertinente. Quando a medida não implicar providência de cunho jurisdicional, a própria Autoridade Central atuará concretamente.

A competência para as medidas jurisdicionais é da Justiça Federal.

5.2) Carta Rogatória: Correrá perante o STJ, sendo contenciosa e com resguardo do contraditório e ampla defesa, mas sem que se possa reapreciar mérito da medida, de forma que os eventuais questionamentos cingir-se-ão aos requisitos formais do pedido e a possibilidade de ser atendido.

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Sobre o autor
Marcelo Colombelli Mezzomo

Ex-Juiz de Direito no Rio Grande do Sul. Professor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEZZOMO, Marcelo Colombelli. Conhecendo o novo Código de Processo Civil:: Parte I. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4405, 24 jul. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/41162. Acesso em: 21 nov. 2024.

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