O porte de arma de fogo por parte dos policiais aposentados/reserva

28/07/2015 às 08:49
Leia nesta página:

STJ decide, em Primeira Turma, que policiais civis aposentados e àqueles que entraram para a reserva (militar), não tem direito ao porte de arma de fogo, por não haver previsão legal.


Uma decisão do Superior Tribunal de Justiça, acerca do porte de arma dos policias aposentados tem dado o que falar. Segundo a decisão, RMS 23.971-MT, Primeira Turma, DJe 16/4/2008. HC 267.058-SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 4/12/2014, DJe 15/12/2014, o porte de arma de fogo dos policiais aposentados está condicionado ao efetivo exercício das funções institucionais, portanto não se estende aos policiais aposentados. Vejamos:

DIREITO PENAL. PORTE DE ARMA DE FOGO POR POLICIAL CIVIL APOSENTADO. O porte de arma de fogo a que têm direito os policiais civis (arts. 6º da Lei 10.826/2003 e 33 do Decreto 5.123/2014) não se estende aos policiais aposentados. Isso porque, de acordo com o art. 33 do Decreto5.123/2004, que regulamentou o art. 6º da Lei 10.826/2003, o porte de arma de fogo está condicionado ao efetivo exercício das funções institucionais por parte dos policiais, motivo pelo qual não se estende aos aposentados. Precedente citado: RMS 23.971-MT, Primeira Turma, DJe 16/4/2008. HC 267.058-SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 4/12/2014, DJe 15/12/2014. Vamos às pesquisas: (grifei).

O porte de arma devido aos policiais consta da Lei 10.826/2003, Art. 6º.

Art. 6º É proibido o porte de arma de fogo em todo o território nacional, salvo para os casos previstos em legislação própria e para:

      ...

        II – os integrantes de órgãos referidos nos incisos do caput do art. 144 da Constituição Federal;

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I - polícia federal;

II - polícia rodoviária federal;

III - polícia ferroviária federal;

IV - polícias civis;

A decisão teve como fundamento o Art. 33 do Decreto 5.123/2004, que versa:

 Art. 33.  O Porte de Arma de Fogo é deferido aos militares das Forças Armadas, aos policiais federais e estaduais e do Distrito Federal, civis e militares, aos Corpos de Bombeiros Militares, bem como aos policiais da Câmara dos Deputados e do Senado Federal em razão do desempenho de suas funções institucionais. (grifei).

Inúmeras entidades e advogados se manifestaram acerca da decisão, contrário, é claro, dizendo ser equivocada referida decisão, em razão do que dispõe o Art. 37, do Decreto 5.123/2004, que regulamentou a Lei 10.826/03. Vejamos:

 Art. 37.  Os integrantes das Forças Armadas e os servidores dos órgãos, instituições e corporações mencionados nos incisos II, V, VI e VII do caput do art. 6º da Lei nº 10.826, de 2003, transferidos para a reserva remunerada ou aposentados, para conservarem a autorização de porte de arma de fogo de sua propriedade deverão submeter-se, a cada três anos, aos testes de avaliação da aptidão psicológica a que faz menção o inciso III do caput art. 4º da Lei nº 10.826, de 2003. (Redação dada pelo Decreto nº 6.146, de 2007(grifei).

Ao decidir sobre o tema, o STJ se baseou na interpretação literal – que é o que revelar o significado da letra da lei. E nesse sentido, se discute e os policiais, aposentados ou aqueles que entraram para a reserva desempenham as chamadas “funções institucionais”, fundamento que sustentou a decisão.

Mas o que é função institucional? O aposentado tem uma função institucional, com a Instituição a que serviu? Tem o dever laboral com a mesma? Cumpre obrigações legais? Está submetido a processo disciplinar, por exemplo?

A palavra institucional, no seu sentido literal, está relacionada com empresa, métodos, normas, instituição. Por exemplo: uma das funções institucionais do STJ é a proteção das leis federais, unificando seus entendimentos sobre determinado assunto.

Já o Art. 37, do Dec. 5.123/04, citado acima, diz que para que o aposentado, ou aqueles transferidos para a reserva conservem o porte de arma de fogo devem cumprir alguns requisitos, que, se não cumpridos, é claro, perdem. Ou seja: se o requerente não realizar exames de três em três anos, perderá a autorização. Mas, como se perde algo que não lhe foi atribuído, já que não há, na letra da Lei 10.826/2003, nenhuma menção aos aposentados/reservas, quanto a ter porte de arma de fogo, ou mesmo no próprio Decreto que a regulamentou. O que há apenas é um artigo (37) regulamentador quanto a impor requisitos de conservação de algo que não lhe foi dado em momento algum pela Lei, tampouco pelo citado Decreto.

Como ilustração, poder-se-ia citar o que diz o § 1º , do Art. 573, do Código de Processo Penal: “a nulidade de um ato, uma vez declarada, causará a dos atos que dele diretamente dependam ou sejam conseqüência-sic”.

Para a doutrina, a aplicação do referido Artigo eleva a atenção a teoria dos frutos da árvore envenenada – fruits of the poisonous tree – que diz que as provas lícitas vindas de atos ilícitos não serão aproveitadas, vez que estão contaminadas. A teoria é norte-americana e vem sendo aplicada regularmente no Brasil. STF – HC 93.050 – Rel. Min. Celso de Mello – DJe 1º­-8­-2008 e STJ – HC 191.378 – Rel. Min. Sebastião Reis Júnior – DJe 5­-12­-2011).

Como ilustração:

Em Mateus:

“Guardai-vos dos falsos profetas, que vêm a vós vestes de ovelhas, mas por dento são lobos vorazes. Pelos seus frutos os conhecereis. Colhem-se, porventura, uvas dos espinheiros, ou figos dos abrolhos? Assim toda a árvore boa dá frutos, porém a árvore má dá maus frutos. Uma árvore boa não pode dar maus frutos, nem uma árvore má dar bons frutos. Toda a árvore que não dá bom fruto, é cortada e lançada no fogo. Logo pelos seus furtos os conhecereis. (Mateus 7:15-20)

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Por analogia, pode-se dizer que o Art. 37 do Decreto 5.123/04, está contaminado, visto não haver previsão anterior que defina o porte aos aposentados, ou àqueles que entraram para a reserva. Este Artigo apenas regulamenta a permanência, sem contudo, anteriormente ter autorizado. Não se pode conservar algo que não se tem. E no sentido literal da palavra, conservar significa não perder. E só se perde algo que se tem.

Tão salutar a decisão do STJ, que projeto de lei já foi elaborado nesse sentido, dando aos aposentados e àqueles que entraram para a reseva, o direito ao porte. Senão vejamos:

Projeto de Lei PROJETO DE LEI Nº 591, DE 2015.

(Do Sr. Eduardo Bolsonaro)

Altera o § 1º do art. 6º da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, que dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas – Sinarm, define crimes e dá outras providências, para garantir o porte de arma a policiais aposentados e militares inativos.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º O § 1º do art. 6º da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 6º ...........................................................................

........................................................................................

§ 1o As pessoas previstas nos incisos I, II, III, V e VI do caput deste artigo terão direito de portar arma de fogo de propriedade particular ou fornecida pela respectiva corporação ou instituição, mesmo fora de serviço, ainda que aposentados ou na inatividade, nos termos do regulamento desta Lei, com validade em âmbito nacional para aquelas constantes dos incisos I, II, V e VI.” (NR)

Art. 2º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Caso o Art. 37, do referido Decreto desse essa autorização, não era necessário a elaboração de um projeto de lei. Resta provado, então, que o Artigo 37 do aludido Decreto, não dá essa autorização. É apenas regulamentador de algo não autorizado.

A decisão do STJ é polêmica, mesmo em Primeira Turma, já que pode ser usada como “fonte do direito”, e advogados irão se socorrer de tais argumentos para incriminar alguém.

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Sobre o autor
Francisco Pereira de Sousa

Advogado, inscrito na OAB/DF, sob nº 62.346

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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