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Colaboração premiada no processo penal brasileiro

05/08/2015 às 13:38
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A colaboração premiada se insere num rol dos mecanismos de combate ao crime amplamente aceito por diversos países e tem demonstrado ser um meio efetivo de desbaratamento de organizações criminosas.

RESUMO: O artigo trata do instituto da colaboração premiada, que vem ganhando grande relevo no Brasil nos últimos tempos, impulsionado por diversas operações policiais de grande repercussão. É feita uma breve abordagem histórica de suas origens no direito italiano e norte-americano e, ao final, de sua introdução no Brasil, nos anos 90 do séc. XX. O estudo trata de sua natureza jurídica e aborda alguns pontos polêmicos, tais como o viés utilitarista que embasa a prática, a questão ética envolvendo o delator/colaborador, e a renúncia ao direito ao silêncio, todos alvos de muitas especulações doutrinárias. Conclui-se que a colaboração é um instituto imposto ao Brasil por pressões internacionais, mas que revela ser uma importante técnica investigativa para lidar com o crime organizado, rompendo o paradigma da imoralidade da traição entre os criminosos.

Palavras-chave: Colaboração Premiada. Crime Organizado. Organizações Criminosas. Direito ao Silêncio.

SUMÁRIO:1 – CONFISSÃO, DELAÇÃO E COLABORAÇÃO; 2 – NATUREZA JURÍDICA DA COLABORAÇÃO PREMIADA; 3 – ORIGENS E AFIRMAÇÃO NO ÂMBITO INTERNACIONAL; 4 – ASPECTO ÉTICO; 5 – ARGUMENTO UTILITARISTA; 6 – COLABORAÇÃO PREMIADA NO BRASIL E SEU REGRAMENTO LEGAL; 7 – CONCLUSÕES.


A colaboração premiada não é um instituto novo em nosso no cenário jurídico, mas ultimamente, devido aos apelos dos meios de comunicação, vem chamando muita atenção da população em geral, instigando os estudiosos das ciências criminais ao desenvolvimento de pesquisas mais aprofundadas sobre o tema, sem falar das repercussões práticas da medida no âmbito de operações policiais que têm despertado grande interesse público, como é o caso da gigantesca “operação lava jato”, que investiga supostos esquemas de corrupção na Petrobras.

1 – CONFISSÃO, DELAÇÃO E COLABORAÇÃO:

Em primeiro lugar, é preciso fazer uma distinção terminológica importante (embora alguns a tenham por inexistente) entre confissão, delação e colaboração.

Na confissão, a pessoa assume a autoria do delito, afirma que a responsabilidade é sua. Na delação, por outro lado, admitindo ou negando a sua responsabilidade, a pessoa aponta um terceiro como autor, coautor ou partícipe. E, finalmente, na colaboração a pessoa reconhece que praticou o delito em conjunto com outros e vai além, presta um auxílio aos órgãos públicos – Polícia, Ministério Público ou Judiciário – para esclarecer como ocorreram os fatos (por exemplo, prontificando-se a identificar suspeitos ou a explicar como funcionava a contabilidade da organização criminosa, ou restituindo ao Estado capitais desviados, etc.).

Então a colaboração é um estágio mais avançado em relação à simples confissão e até mesmo à delação. Em função disso, o Estado reconhece que o colaborador merece também uma recompensa maior, já que maior é a sua intervenção positiva na elucidação do crime.


2 – NATUREZA JURÍDICA DA COLABORAÇÃO PREMIADA:

A natureza jurídica deste instituto é alvo de grande dissidência doutrinária.

Para o Direito Penal, a colaboração premiada pode ser uma causa de extinção da punibilidade (através do perdão judicial), pode ser uma causa de diminuição de pena, uma causa de fixação de regime de cumprimento de pena ou de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.

Já no âmbito do processo penal, ora ela é vista como uma fonte de prova, ora como meio de prova e ora como meio de obtenção de prova (ou técnica investigativa).

Certo é que a colaboração premiada insere-se no âmbito de um chamado Direito Penal Premial, que engloba a colaboração, o arrependimento eficaz, a desistência voluntária, a confissão, o arrependimento posterior, dentre outros institutos que disponibilizam um prêmio de acordo com um determinado comportamento do imputado ou acusado.


3 – ORIGENS E AFIRMAÇÃO NO ÂMBITO INTERNACIONAL:

Trata-se de instituto típico do sistema inquisitorial medieval, onde o colaborador demonstrava o seu arrependimento pela prática do delito.

Mas, embora muito antigo, o instituto só passou a adquirir destaque no mundo jurídico no início do séc. XX, no âmbito da chamada Justiça Penal Negociada, que coincide com o surgimento da noção de crime organizado.

Na Itália da década de 70, surge o chamado Pentitismo, ou Chiamata di Correo, inicialmente voltado ao enfrentamento do terrorismo e, em seguida, direcionado à investigação das organizações mafiosas, cujo código regular é a omertà (que significa conspiração, ou seja, um pacto de silêncio, que serve de blindagem contra o Estado). O ordenamento italiano prevê todo um regramento legislativo de tutela da cooperação dos colaboratori dela giustizia, também conhecidos como pentiti (os arrependidos).

Outro sistema que muito contribuiu para o desenvolvimento do instituto foi o norte-americano. Nos EUA, recebida a acusação, há uma audiência prévia de julgamento. Neste momento, aceita-se uma negociação acerca da culpa ou da inocência do acusado. É o que se chama de Plea Bargaining, que pode resultar na confissão da culpa (guilty plea) ou na declaração de que o arguido não pretende discutir a sua culpa (nolo contendere).

Ao Ministério Público são conferidos amplos poderes de negociação da pena e da própria imputação, em troca da declaração de culpa ou da colaboração na investigação ou persecução penal de outras pessoas.

 A importância da Plea Bargaining reflete-se na constatação de que este é hoje o principal instituto de administração da justiça penal nos EUA, incidindo em quase 90% dos processos criminais.

Ao contrário do sistema da common law, onde vige o princípio da oportunidade, nos países da civil law prepondera a obrigatoriedade em relação à ação penal, o que representa um entrave ao instituto. Contudo, hoje a obrigatoriedade deve ser interpretada à luz do princípio da proporcionalidade, por isso vem dando espaço à “oportunidade regrada”, o que significa que a lei passa a delimitar os casos em que é facultado ao Ministério Público promover ou não a acusação.

A Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (conhecida como Convenção de Palermo), do ano 2000, recomenda no seu art. 26 que os Estados-parte estimulem medidas para intensificar a cooperação com as autoridades competentes para a aplicação da lei[1], inclusive considerando a possibilidade de redução de pena e concessão de imunidade àqueles que cooperarem de forma substancial na investigação ou no julgamento dos autores.

Então, o uso do instituto passou a ser uma prática internacionalmente acolhida no combate à criminalidade organizada, para a qual as técnicas tradicionais de investigação estão defasadas, em função da complexificação das práticas criminosas.


4 – ASPECTO ÉTICO:

Uma das grandes discussões que tem sido travadas entorno da colaboração premiada é o seu aspecto ético. Este ponto poderia ser sistematizado em duas grandes questões: por um lado, o colaborador é identificado com a figura do traidor (e quem pode confiar na palavra desleal de um traidor, ainda mais se esse traidor tem interesse de obter um prêmio?), e, por outro, a necessidade de colaboração seria uma confissão da ineficiência do Estado na investigação do crime, tarefa que lhe é constitucionalmente atribuída. O Estado passaria a exaltar a traição.

Desvela-se aqui todo um campo de discussão acerca de uma ética própria das organizações criminosas, um espírito de solidariedade e cumplicidade entre os delinquentes, que engloba uma “lei do silêncio” e um “código de honra”.

Dentro de uma perspectiva funcionalista, o criminoso sendo aquele que rompe o “pacto social”, no momento em que ele resolve reparar a sua traição e romper com o silêncio do pacto criminoso, na realidade ele estará negando a negação, ou seja, estará colaborando para reafirmar a validade do pacto. Não há traição nisso, pois o pacto criminoso não possuiria uma moral, nem uma ética próprios. É nesse sentido que tem-se entendido como justificada a colaboração premiada.


5 – ARGUMENTO UTILITARISTA:

A verdade é que já não se consegue mais investigar eficientemente os novos fenômenos criminais com os tradicionais meios de prova. Trata-se de um argumento utilitarista.

Hoje, a lei brasileira já admite, com este fim, expedientes como a captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos; a ação controlada; o acesso a registros de ligações telefônicas e telemáticas, a dados cadastrais e a informações eleitorais ou comerciais; a interceptação de comunicações telefônicas e telemáticas; a quebra dos sigilos financeiro, bancário e fiscal; a infiltração de agentes e a cooperação entre instituições e órgãos, dentre outras.

Além disso, o Estado assumiu um papel de garantia em relação aos direitos fundamentais do cidadão e, nesse sentido, precisa adotar uma postura positiva para efetivar essa proteção. Aqui fala-se em proibição de proteção deficiente, uma vez que os direitos constitucionais em matéria penal passam a ser vistos numa perspectiva bidimensional, isto é, a intervenção estatal não apenas como um limite à liberdade, mas também como um instrumento de tutela da liberdade.


6 – COLABORAÇÃO PREMIADA NO BRASIL E SEU REGRAMENTO LEGAL:

No Brasil, colaboração premiada adquire previsão legal com a Lei dos Crimes Hediondos, em 1990. A partir daí, diversas leis penais especiais passaram a prever o uso do instituto. Podemos citar a Lei dos Crimes Contra a Ordem Tributária, Econômica e Relações de Consumo (Lei 8.137/90); a Lei dos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional (Lei 7.492/1986); a Lei de Lavagem de Capitais (Lei 9.613/1998); a Lei de Proteção a Testemunhas (Lei 9.807/1999); a Lei de Tóxicos (Lei 11.343/2006); a Lei de Defesa da Concorrência (Lei 12.529/2011) e, mais recentemente, a Lei das Organizações Criminosas (Lei 12.850/2013).

A nova Lei do Crime Organizado estabelece um regramento da colaboração premiada.

Em linhas gerais, o acordo de colaboração pode ser firmado entre o Delegado de Polícia ou o Ministério Público, o investigado e seu defensor, e precisa de posterior homologação judicial (o Juiz não participa das negociações, apenas verifica a regularidade, legalidade e voluntariedade do acordo firmado), porque, cumpridas todas as suas cláusulas, o Juiz não poderá deixar de observá-lo quando da prolação da sentença. Essa é uma garantia para o colaborador de que ele efetivamente será beneficiado.

A regra é que, para valer, a colaboração tem que ser voluntária e efetiva[2]. A lei prevê os casos em que a considera efetiva (identificação dos coautores ou partícipes, revelação da divisão de tarefas da organização, recuperação dos proventos do crime, localização de vítimas).

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O acordo deverá conter obrigatoriamente uma série de requisitos formais[3] e poderá ser proposto e desfeito a qualquer tempo (até mesmo na execução da pena), por qualquer das partes. Quando desfeito, as provas autoincriminatórias produzidas não poderão mais ser utilizadas contra o colaborador.

Um dos pontos mais polêmicos é que o colaborador renuncia ao direito ao silêncio e presta o compromisso de dizer a verdade. Esta questão é tormentosa, não só em relação ao direito a não auto-incriminação do próprio colaborador, mas em relação aos delatados, que têm o direito ao contraditório na fase processual. Em tese, eles têm direito de questionar o colaborador nos pontos em que os incriminam e, neste momento, a natureza do interrogatório do colaborador equivale à prova testemunhal, onde há obrigação com a verdade, até porque a lei pune a falsa colaboração.

Em relação ao sigilo, a nova lei estabelece que, durante as investigações preliminares, apenas o Juiz, o Ministério Público e o Delegado de Polícia terão acesso aos autos do acordo de colaboração[4]. O defensor do colaborador terá acesso apenas às diligências já concluídas e documentadas, tal como já previa a Súmula Vinculante nº 14[5].

A colaboração pode atrasar em até seis meses o oferecimento da denúncia, período durante o qual ficará suspensa a prescrição.

Recebida a denúncia, via de regra, o acordo deixa de ser sigiloso[6], mas nada impede que o Juiz decrete o seu sigilo, em função do risco à segurança do colaborador e seus familiares.

A lei prevê expressamente que a sentença condenatória não poderá se basear exclusivamente nas declarações do colaborador. Aliás, este tem uma série de direitos de proteção[7], em função do risco em que se coloca.

Dentre os benefícios de se aceitar o acordo de colaboração estão desde o  próprio arquivamento da investigação (apenas na hipótese de o colaborador não ser o líder da organização e for o primeiro a prestar efetiva colaboração), o perdão judicial (que pode ser requerido pelo Ministério Público ou pelo Delegado ante a relevância da colaboração, mesmo se não tiver sido previsto inicialmente no acordo), a redução em até 2/3 da pena carcerária, a substituição por pena restritiva de direitos, até a redução da pena pela metade ou a admissão de progressão de regime (quando a colaboração for posterior à sentença).

A lei criou dois delitos diretamente relacionados à colaboração premiada:

Art. 18.  Revelar a identidade, fotografar ou filmar o colaborador, sem sua prévia autorização por escrito:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.

Art. 19.  Imputar falsamente, sob pretexto de colaboração com a Justiça, a prática de infração penal a pessoa que sabe ser inocente, ou revelar informações sobre a estrutura de organização criminosa que sabe inverídicas:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.


7 – CONCLUSÕES:

Em linha de conclusão, a colaboração premiada se insere num rol dos mecanismos de combate ao crime organizado amplamente aceitos por diversos países, de sorte que o Brasil não poderia renunciar à adoção desta prática, que tem demonstrado ser um meio efetivo de desbaratamento de organizações criminosas, basta verificarmos que os principais casos criminais do mundo nas últimas décadas envolveram de alguma forma essa técnica de investigação (no Brasil, mais recentemente, o caso “Mensalão” é o mais célebre).

A questão ética é talvez o grande entrave. O Direito não é apenas a lei, ele confunde-se com a moral. Mas será possível falar em moralidade no campo da delinquência? Existe um código de conduta entre os criminosos, mas este código chega a constituir uma ética própria?

Talvez a mudança de paradigma necessária aqui seja visualizar no colaborador ou no delator alguém que pode efetivamente arrepender-se da prática delituosa. Não se nega com isso que haja interesse em obter um prêmio. Todavia, seria demasiado julgar que toda colaboração/delação se dá de forma espúria e falsa, com único propósito de beneficiamento próprio ou denunciação caluniosa.

Para gerenciar estes riscos, a legislação brasileira acertadamente inseriu a figura do Juiz como um terceiro desinteressado, garantidor das formalidades e da consistência do acordo. O propósito é preservar as garantias do colaborador e do delatado.

Resta-nos aguardar como os tribunais interpretarão, na prática, as novas regras. Sigilo, renúncia ao direito ao silêncio, papel do Judiciário no acordo, direitos do colaborador e dos delatados, cumprimento e revogação e do acordo, são todos pontos em aberto, a serem desenvolvidos nos próximos anos pela práxis forense com o auxílio dos estudiosos das ciências criminais.


Notas

[1] “Artigo 26: Medidas para intensificar a cooperação com as autoridades competentes para a aplicação da lei. 1. Cada Estado Parte tomará as medidas adequadas para encorajar as pessoas que participem ou tenham participado em grupos criminosos organizados: a) A fornecerem informações úteis às autoridades competentes para efeitos de investigação e produção de provas, nomeadamente; i) A identidade, natureza, composição, estrutura, localização ou atividades dos grupos criminosos organizados; ii) As conexões, inclusive conexões internacionais, com outros grupos criminosos organizados; iii) As infrações que os grupos criminosos organizados praticaram ou poderão vir a praticar; b) A prestarem ajuda efetiva e concreta às autoridades competentes, susceptível de contribuir para privar os grupos criminosos organizados dos seus recursos ou do produto do crime. 2. Cada Estado Parte poderá considerar a possibilidade, nos casos pertinentes, de reduzir a pena de que é passível um argüido que coopere de forma substancial na investigação ou no julgamento dos autores de uma infração prevista na presente Convenção. 3. Cada Estado Parte poderá considerar a possibilidade, em conformidade com os princípios fundamentais do seu ordenamento jurídico interno, de conceder imunidade a uma pessoa que coopere de forma substancial na investigação ou no julgamento dos autores de uma infração prevista na presente Convenção. 4. A proteção destas pessoas será assegurada nos termos do Artigo 24 da presente Convenção. 5. Quando uma das pessoas referidas no parágrafo 1 do presente Artigo se encontre num Estado Parte e possa prestar uma cooperação substancial às autoridades competentes de outro Estado Parte, os Estados Partes em questão poderão considerar a celebração de acordos, em conformidade com o seu direito interno, relativos à eventual concessão, pelo outro Estado Parte, do tratamento descrito nos parágrafos 2 e 3 do presente Artigo”.

[2] HABEAS CORPUS. ROUBO MAJORADO E CORRUPÇÃO DE MENORES. DELAÇÃO PREMIADA. PRETENDIDO RECONHECIMENTO. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE COLABORAÇÃO EFETIVA. [...]. 1. Constatando-se que, embora tenha o paciente admitido a prática do crime a ele imputado, não houve efetiva colaboração com a investigação policial e o processo criminal, tampouco fornecimento de informações eficazes para a descoberta da trama delituosa, não há como reconhecer o benefício da delação premiada. [...]. (HC 174.286/DF, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 10/04/2012, DJe 25/04/2012)

[3] Relato da colaboração e seus possíveis resultados; condições da proposta do Ministério Público ou do Delegado de Polícia; declaração de aceitação do colaborador e de seu defensor; assinaturas do representante do Ministério Público ou do Delegado de Polícia, do colaborador e de seu defensor; especificação das medidas de proteção ao colaborador e à sua família, quando necessário.

[4] [...] o caso em questão trata do sigilo momentâneo que recai sobre depoimentos colhidos em regime de colaboração premiada, instituto novo no Brasil, cujos contornos ainda estão sendo desenhados. O referido sigilo é assim previsto no art. 7º da Lei nº 12.850/2013: [...] 16. O sigilo previsto no art. 7º da Lei nº 12.850/2013, portanto, é instituído “como forma de garantir o êxito das investigações” (§ 2º), e, por isso mesmo, vale apenas temporariamente, até o recebimento da denúncia (§ 3º). Como se percebe, o sigilo é da essência da investigação. 17. Portanto, está longe de ser teratológica a interpretação segundo a qual, até o recebimento da denúncia, o acesso aos depoimentos colhidos em regime de colaboração premiada é restrito ao juiz, ao membro do Ministério Público, ao delegado de polícia e aos defensores que atuam nos respectivos autos. Isto porque a divulgação de dados durante o período crítico que antecede o recebimento da denúncia – ainda que para autoridades com hierarquia e poderes semelhantes – poderia comprometer o sucesso das apurações, bem como o conteúdo dos depoimentos ainda a serem colhidos e a decisão de eventuais envolvidos em colaborar ou não com a Justiça. (MS 33278, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, julgado em 18/11/2014, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-228 DIVULG 19/11/2014 PUBLIC 20/11/2014)

[5] “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”.

[6] HABEAS CORPUS. [...] NEGATIVA DE APLICAÇÃO DA LEI N.~12.850/2013 EM RELAÇÃO AO AFASTAMENTO DO SIGILO DOS ACORDOS DE DELAÇÃO PREMIADA. ACUSAÇÃO JÁ RECEBIDA. OITIVA DOS RÉUS COLABORADORES AINDA NÃO REALIZADA. NORMA PROCESSUAL. APLICABILIDADE IMEDIATA. SISTEMA DE ISOLAMENTO DOS ATOS PROCESSUAIS (ART. 2º CPP). LEI N. 12.850/2013. NORMA PROCESSUAL MATERIAL OU MISTA. [...] 5. Nada impede a aplicação da norma que afasta o sigilo dos acordos de delação premiada, no estágio em que a ação penal se encontra, pois, além de já ter sido recebida a denúncia, momento que a lei exige para que seja afastado o sigilo, o Código de Processo Penal adotou, em seu art. 2º, o sistema de isolamento dos atos processuais, segundo o qual a lei nova não atinge os atos processuais praticados sob a vigência da lei anterior, porém é aplicável as atos processuais que ainda não foram praticados, pouco importando a fase processual em que o feito se encontrar (LIMA, Renato Brasileiro de. Curso de Processo Penal. Volume único, Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2013, pág. 68). [...] (HC 282.253/MS, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 25/03/2014, DJe 25/04/2014).

[7] Usufruir das medidas de proteção previstas na legislação específica; ter nome, qualificação, imagem e demais informações pessoais preservados; ser conduzido, em juízo, separadamente dos demais coautores e partícipes; participar das audiências sem contato visual com os outros acusados; não ter sua identidade revelada pelos meios de comunicação, nem ser fotografado ou filmado, sem sua prévia autorização por escrito; cumprir pena em estabelecimento penal diverso dos demais corréus ou condenados.

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Sobre o autor
Carlo Velho Masi

Advogado criminalista (OAB-RS 81.412). Vice-presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas no Estado do Rio Grande do Sul (ABRACRIM-RS). Mestre e Doutorando em Ciências Criminais pela PUC-RS. Especialista em Direito Penal e Política Criminal: Sistema Constitucional e Direitos Humanos pela UFRGS. Especialista em Direito Penal Econômico pela Universidade de Coimbra/IBCCRIM. Especialista em Ciências Penais pela PUC-RS. Especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal pela UNISINOS. Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela PUC-RS. Membro da Comissão Nacional de Judicialização e Amicus Curiae da ABRACRIM. Membro da Comissão Especial de Políticas Criminais e Segurança Pública da OAB-RS. Parecerista da Revista Brasileira de Ciências Criminais (RBCCRIM) e da Revista de Estudos Criminais (REC) do ITEC. Coordenador do Grupo de Estudos Avançados Justiça Penal Negocial e Direito Penal Empresarial, do IBCCRIM-RS. Foi moderador do Grupo de Estudos em Processo Penal da Escola Superior de Advocacia (ESA/OAB-RS). Coordenador Estadual Adjunto do IBCCRIM no Rio Grande do Sul. Membro da Associação das Advogadas e dos Advogados Criminalistas do Estado do Rio Grande do Sul (ACRIERGS). Escritor, pesquisador e palestrante na área das Ciências Criminais. Professor convidado em diversos cursos de pós-graduação.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MASI, Carlo Velho. Colaboração premiada no processo penal brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4417, 5 ago. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/41449. Acesso em: 25 abr. 2024.

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