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O regime jurídico do tombamento e a proteção do patrimônio cultural

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01/09/2015 às 12:23
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No Brasil, foi com a Constituição de 88 que a defesa da cultura nacional foi levada ao maior nível normativo interno. O Estado, mais do que nunca, reconhece seu dever de garantir e promover os movimentos culturais de nosso povo.

1 Introdução

Atualmente, existem diversos institutos previstos pela legislação brasileira que possuem estrita relação com a proteção de valores culturais de nosso povo. Dentre eles, destaca-se o tombamento, cujo regime jurídico será analisado no presente trabalho. Entretanto, a defesa de valores ligados à história e à identidade de uma comunidade é decorrente de um longo e inacabado processo histórico.

Segundo Miguel Reale (2002, p. 244), "a cultura não é senão a concretização ou atualização da liberdade, do poder que o homem tem de reagir aos estímulos naturais de maneira diversa do que ocorre com os outros animais". É possível complementar as palavras de Reale com o pensamento de Recasens Siches (1975, p. 103), para quem é por meio da cultura que ocorre a efetivação de valores até então tidos como ideais; esses valores, contudo, não são constantes. Assim, todo bem cultural tem um significado circunstancial, ou seja, adveio de uma situação histórica para atender as necessidades humanas daquele determinado momento.

Nesse sentido, a comunidade internacional, nos dias atuais, mobiliza-se a fim de garantir que o patrimônio cultural seja considerado como um direito pertencente a toda a humanidade. Assim, o contexto atual onde se insere a garantia e a proteção, pelo Estado, de valores vinculados à cultura é traçado, principalmente, por meio do fenômeno de internacionalização dos direitos humanos, desenvolvido a partir meados do século XX (PIOVESAN, 2004, p. 131), e que não vem deixando de fora as questões culturais.

Com efeito, os direitos culturais são aqueles relacionados à participação do indivíduo na vida cultural de determinada comunidade, bem como à manutenção do patrimônio histórico e natural, que concretizam a identidade e memória de determinado povo (RAMOS, 2005, p. 92).

Em âmbito internacional, após a Segunda Guerra Mundial, diversos foram os instrumentos internacionais destinado à proteção do patrimônio histórico e cultural da humanidade. Já na Carta das Nações Unidas de 1945, houve a previsão de que a ONU buscaria favorecer a cooperação internacional, de caráter cultural. Nesse mesmo ano, foi criada a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO, o mais importante ator internacional de proteção à cultura desde então.

Com o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, houve o reconhecimento internacional de que cada indivíduo tem o direito de participar da vida cultural. O Pacto, inclusive, prevê, em seu art. 15, a obrigação do Estado de instituir políticas para a conservação, desenvolvimento e difusão da cultura.

Em 1972, foi adotada, no âmbito da ONU, a Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, que representa um grande avanço para o reconhecimento de obrigações internas e internacionais para a proteção de questões de relevância cultural. A Convenção trouxe a definição de patrimônio cultural da seguinte forma:

I. DEFINIÇÃO DE PATRIMÔNIO CULTURAL E NATURAL

ARTIGO 1

Para os fins da presente Convenção, são considerados “patrimônio cultural”:

- os monumentos: obras arquitetônicas, esculturas ou pinturas monumentais, objetos ou estruturas arqueológicas, inscrições, grutas e conjuntos de valor universal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência,

- os conjuntos: grupos de construções isoladas ou reunidas, que, por sua arquitetura, unidade ou integração à paisagem, têm valor universal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência,

- os sítios: obras do homem ou obras conjugadas do homem e da natureza, bem como áreas, que incluem os sítios arqueológicos, de valor universal excepcional do ponto de  vista histórico, estético, etnológico ou antropológico.                                                                                    

A Convenção de 1972 ainda criou o Comitê do Patrimônio Mundial, responsável pela elaboração e divulgação da “Lista de Patrimônio Mundial”, que são bens de ordem cultural ou natural considerados de valor universal excepcional (artigo 11). Desde então, vários foram os mecanismos constituídos no âmbito das Nações Unidas destinadas à proteção da propriedade cultural da sociedade humana. Nas palavras de Silva (apud PHILIPPI JR; RUSCHMANN, 2010, p. 9), “a inscrição na Lista do Patrimônio Mundial tem o condão jurídico de tornar o bem integrante do patrimônio cultural e natural da humanidade que passa a receber uma proteção nacional e internacional".

Além do Sistema Global, os sistemas regionais de proteção aos direitos humanos também têm assumido um relevante papel na proteção da cultura dos povos. Exemplo disso ocorre no continente americano, por meio da Organização dos Estados Americanos, que instituiu o Sistema Interamericano de Direitos Humanos, defendendo, com base na Convenção Interamericana de Direitos Humanos, e em outros instrumentos interamericanos, a cultura como um valor inerente a qualquer comunidade, e cuja proteção é de responsabilidade dos Estados.

No Brasil, o reconhecimento de que a promoção da cultura é um dever do Estado é um fenômeno recente. Até 1808, por exemplo, quando o Brasil ainda era uma colônia portuguesa, era vedada qualquer produção ou edição de livros por brasileiros. A história só poderia ser contada por estrangeiros, o que demonstra a maneira limitativa com que a monarquia portuguesa conduzia a vida cultural brasileira.

Com efeito, no Brasil, a proteção de bens de interesse cultural foi desenvolvida, principalmente, com o declínio dos governos militares. No ano de 1985, foi criado o Ministério da Cultura[1], órgão específico com a competência de estabelecer políticas sobre patrimônio histórico, arqueológico, artístico e cultural, entre outros assuntos referentes ao meio cultural.

Contudo, foi com a Constituição de 1988 que se desencadearam expressivos avanços no que concerne à promoção dos valores sociais, histórico e ambientais em nosso país (BENJAMIN apud CANOTILHO; LEITE, 2007, p. 58).  A Carta Magna de 1988 atribuiu ao patrimônio cultural um privilegiado status jurídico, destacando que sua proteção é dever do Estado. Nesse sentido, o art. 215, caput, da Constituição Federal dispõe que o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.

Nossa Carta Política ainda reconhece o direito à cultura daquelas comunidades que participaram do processo histórico de formação de nosso povo. Segundo o art. 215, §1°, o Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional. No §2° do mesmo artigo, atribui a lei ordinária a competência de regulamentar a fixação de datas simbólicas para os diferentes segmentos étnicos brasileiros.

Ressalte-se ainda que a Emenda Constitucional n° 48 de 2005 acrescentou o §3° do artigo 215, estabelecendo o Plano Nacional de Cultura, com cinco objetivos principais: a) defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro (inciso I); b) produção, promoção e difusão de bens culturais (inciso II); c) formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas múltiplas dimensões (inciso III); d) democratização do acesso aos bens de cultura (inciso IV), e; e) valorização da diversidade étnica e regional (inciso V).

O art. 216 da nossa Lei Maior, por sua vez, é de fundamental importância para se compreender o conceito constitucional de patrimônio cultural:

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:

I - as formas de expressão;

II - os modos de criar, fazer e viver;

III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;

IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;

V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

Adiante-se que, para os fins do presente trabalho, é possível destacar, através da leitura do dispositivo supra, os principais bens sobre os quais recai o tombamento (como veremos a seguir), a saber, “as obras, objetos documentos edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais” (inciso IV), bem como “os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico” (inciso V).

Portanto, é possível notar, nas palavras de Carvalho Filho (2012, p 794), “o intuito de dar cada vez mais realce aos valores culturais”; seja em âmbito internacional ou interno. Não há mais, em nossa sociedade, qualquer espaço para pensamentos contrários à responsabilidade estatal no que concerne à defesa do patrimônio cultural. Nesse contexto é que se insere o instituto do tombamento, um dos principais instrumentos para a proteção da cultura nacional.


2 Conceito de tombamento

O termo tombamento é de origem portuguesa, significando o registro do patrimônio de alguém em livros específicos num órgão de Estado que cumpre tal função. No Brasil, o tombamento trata-se de uma forma restritiva de intervenção na propriedade através da qual o Estado busca preservar o patrimônio cultural nacional (CARVALHO FILHO, 2012, p 792).

Moreira Neto (1989, p. 318) explica, precisamente, que o tombamento significa a

intervenção ordinatória e concreta do Estado na propriedade privada, limitativa de exercício de direitos de utilização e disposição, gratuita, permanente e indelegável, destinada à preservação, sob regime especial, dos bens de valor cultural, histórico, arqueológico, artístico, turístico ou paisagístico.

Com efeito, o objetivo do Poder Público, ao intervir na propriedade de particulares, por meio do tombamento, é a preservação da memória nacional, a qual Carvalho Filho (2012, p. 793) conceitua como o “aspecto histórico de um país, como por todos reconhecido, que faz parte da própria cultura do povo e representa fonte sociológica de identificação dos vários fenômenos sociais, políticos e econômicos” existentes na atualidade.

Através do tombamento, o Estado sobreleva o interesse público sobre o privado, a fim de preservar bens que agregam à nossa comunidade valores de caráter histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

Inúmeros são os bens tombados na atualidade, em nosso país. Os mais comuns deles tratam-se de imóveis que representam a arquitetura de séculos passados. É possível, inclusive, o tombamento de bairros que detêm importante valor histórico-cultural. Podemos citar, por exemplo, o Centro Histórico das cidades de Salvador (Bahia), de Olinda (Pernambuco) e de Ouro Preto (Minas Gerais)[2]. 

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3 Características do tombamento

A Constituição Federal de 1988 impõe ao Poder Público[3] a responsabilidade de garantir a todos o exercício dos direitos culturais e a proteção do patrimônio cultural. Essa atribuição é praticada mediante determinados mecanismos administrativos previstos na própria Carta Política.

Nesse sentido, o art. 216, §1°, da CRFB, dispõe que o Estado, em colaboração com a comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.

Por outro lado, o § 2º do mencionado dispositivo prevê que cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem.

Dessa forma, é possível perceber que o tombamento é apenas um dos instrumentos de proteção do patrimônio público. Segundo o texto constitucional, ele deve ser regulamentado, assim como os demais mecanismos, mediante lei ordinária.

A lei infraconstitucional regulamentadora do tombamento é o Decreto- Lei n° 25 de 30 de novembro de 1937, que, em que pese algumas desatualizações, rege as normas gerais para o instituto ora analisado, classificando os documentos de registro em: Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico; Livro do Tombo Histórico; Livro do Tombo das Belas-Artes, e; Livro do Tombo das Artes Aplicadas.

Não bastasse sua expressa previsão no art. 216, §1°, da CRFB, o tombamento ainda encontra seu fundamento constitucional no princípio da função social da propriedade (arts. 5°, XXXIII, e 170, III, da Constituição). E não poderia ser diferente: se o tombamento é uma das formas de intervenção do Estado na propriedade, é porque se configura como um mecanismo constitucional para adequar o interesse privado à propriedade ao interesse público à cultura.

Quando se trata de intervenção estatal na propriedade, as peculiares que distinguem um instituto de outro estão ligadas, normalmente, a delimitação de seus objetos. No caso do tombamento, uma característica marcante é que ele incide sobre bens móveis e imóveis, conforme disposto no art. 1º do Decreto-Lei n° 25/1937. Entretanto, é preciso ressaltar que esse instituto apenas recai sobre bens com relevância para o patrimônio cultural brasileiro; meros vínculos individuais ou familiares com um bem não têm o condão provocar seu tombamento.

Para alguns autores, o patrimônio cultural estaria inserido no contexto do direito ambiental; assim, bens dotados de valor cultural poderiam ser considerados como integrantes do meio ambiente cultural (COELHO, 2011, p. 68).  Entretanto, é preciso ter cautela ao se formular essa conclusão. Não são raras as vezes em que o tombamento é utilizado para fins exclusivos de proteção ambiental à flora e a fauna. Ocorre que, conforme ensina Meirelles (1998, p. 467), tal aplicação do instituto ora estudado é considerada equivocada, eis que o tombamento não pode servir de sucedâneo dos instrumentos ambientais próprios de proteção à natureza previstos em nossa legislação, tal como as unidades de conservação.

Com efeito, o tombamento de um bem deve ser precedido de procedimento administrativo, que deve respeitar o devido processo legal e a ampla defesa e o contraditório (art. 5°, LIV e LV, da Constituição Federal), conforme a sistemática prevista no item 5 do presente trabalho.

Ressalte-se que, segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça – STJ, a responsabilidade do Estado para a proteção do patrimônio cultural é plena e abrangente, de modo que “em situação de emergência, mesmo sem comunicação do proprietário, tem a obrigação de providenciar o imediato início dos trabalhos necessários para a conservação do bem tombado”[4].

Os arts. 19 e 20 do Decreto- Lei n° 25/37 atribuem à competência da fiscalização sobre os bens tombados ao Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, que posteriormente, com a edição do Decreto n. 66.967 de 27 de julho de 1970, passou a ser denominado de Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, autarquia federal vinculada ao Ministério da Cultura.


4 Espécies de tombamento

A doutrina costuma classificar as espécies de tombamento, em regra, segundo dois critérios: a eficácia do ato e a manifestação da vontade.

No que se refere ao primeiro critério, eficácia do ato, podemos distinguir o tombamento provisório do definitivo. O primeiro ocorrerá quando ainda está em curso o processo administrativo instaurado para o tombamento; o segundo, somente após a finalização do trâmite administrativo, com a inscrição do bem no respectivo Livro do Tombo.

É preciso ressaltar, contudo, que o STJ entende que o denominado tombamento provisório, na verdade, não constitui um procedimento de tombamento, mas sim uma medida assecuratória de preservação da coisa até a inscrição definitiva em algum dos Livros do Tombo. Através desse ato provisório, o Poder Público declara o valor cultural do bem, fazendo surgir, somente a partir daí, a responsabilidade do proprietário de preservar e proteger a coisa[5].

Por outro lado, com base na manifestação da vontade, o tombamento pode ser de ofício, voluntário ou compulsório. A primeira modalidade ocorre quando o instituto incide sobre bens públicos, conforme o art. 5° do Decreto-Lei 25/37, através de simples notificação ao respectivo ente federativo que pertence o bem ou sob cuja guarda estiver a coisa tombada. Com a notificação, o tombamento começa a produzir seus efeitos.

O tombamento voluntário, previsto no art. 7° do Decreto-Lei 25/37, pode ser verificado em duas hipóteses: a) quando o proprietário solicitar o tombamento e a coisa se revestir dos requisitos necessários para ser considerada como parte integrante do patrimônio cultural nacional; b) quando o proprietário da coisa anuir, por escrito, à notificação que se lhe fizer para a inscrição da coisa no respectivo Livro do Tombo.

Na modalidade compulsória, disciplinada nos arts. 8° e 9° do Decreto-Lei 25/37, o tombamento é realizado sem a anuência do proprietário, através de procedimento administrativo junto ao IPHAN.

Alguns autores, como Di Pietro (2011, p. 142), ainda dividem o tombamento em geral e definitivo. O primeiro se daria quando o instituto atinge apenas um bem determinado; o segundo, quando compreende todos os bens situados em um local (como um bairro ou cidade). Contudo, esta última divisão não representa consenso na doutrina. Para Carvalho Filho (2012, p. 798), por exemplo, todo tombamento tem caráter individual, ou seja, seus efeitos alcançam somente a esfera jurídica do proprietário da coisa tombada. O chamado tombamento geral corresponde ato limitativo de natureza genérica e abstrata, o que é incongruente com a natureza do instituto. Assim, se vários imóveis de um bairro são tombados, isso ocorre pelo fato de que foram consideradas, individualmente, como integrantes do patrimônio cultural. Em outras palavras, para abranger cada imóvel considerado como patrimônio cultural, é necessária a individualização do ato de tombamento.           


5 O processo administrativo do tombamento

Para que se efetue o registro do bem em um dos Livros do Tombo, é preciso a instauração de um processo administrativo específico, o qual pode variar de acordo com a espécie do tombamento.

Contudo, em qualquer processo administrativo de tombamento, é obrigatória a participação de um órgão técnico. Na esfera federal, tal órgão é Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN.

Ademais, de todo modo, se constatada, por um órgão técnico, a necessidade de proteger um bem de valor cultural, é expedida uma notificação ao seu proprietário. A partir desta notificação o bem já se encontra protegido legalmente, não podendo ser destruído e descaracterizado até a decisão final (efeito jurídico denominado de “tombamento provisório”).

No caso específico de tombamento de ofício – ou seja, aquele que recai sobre bem público – após a manifestação do órgão técnico, é realizada a inscrição da coisa no respectivo Livro do Tombo, notificando o ente federativo proprietário da coisa ou que a possua em sua guarda.

Acaso trata-se de tombamento voluntário, por requisição do proprietário, haverá a manifestação do respectivo órgão técnico, para averiguar se o bem se insere no patrimônio cultural nacional. Somente após essa avaliação do órgão técnico, a coisa será registrada no Livro do Tombo.

É possível que o proprietário, ainda que não tenha solicitado o tombamento, concorde ou, ainda, não se manifeste contrário à intervenção estatal em sua propriedade, a fim de proteger o patrimônio cultural.

Não havendo impugnação no prazo legal ou havendo concordância do particular, a Administração está autorizada a registrar a coisa no correspondente do Livro do Tombo. Entretanto, na prática, os casos mais comuns de tombamento ocorrem mediante iniciativa do Poder Público, seguida de uma resistência por parte do particular proprietário do bem a ser tombado.

Com efeito, após a notificação do órgão técnico, o particular tem o prazo de 15 dias para, se quiser, manifestar-se sobre o tombamento do seu bem. Caso seja apresentada impugnação, o departamento técnico responsável pela iniciativa do tombamento terá 15 dias para apresentar suas razões e, a seguir, o processo será remetido ao Conselho Consultivo do órgão técnico incumbido do tombamento, que poderá anular o processo administrativo, se houve ilegalidade; rejeitar a proposta do órgão técnico, ou; homologá-la, caso seja necessário o tombamento. Tratando-se de procedimento tramitado junto ao IPHAN, a decisão final será proferida pelo Ministro da Cultura, conforme o art. 1° da Lei n° 6.292 de 15 de dezembro de 1975.

O Presidente da República, atendendo a motivos de interesse público, poderá determinar, de ofício ou em grau de recurso interposto por qualquer legítimo interessado, que seja cancelado o tombamento de bens pertencentes a quaisquer dos entes federativos ou a entidade a eles vinculadas, nos termos do Decreto-Lei n° 3.866 de 29 de novembro de 1941. Para Carvalho Filho (2012, p. 802), esse recurso é considerado como hierárquico impróprio. Por sua vez, Meirelles (1998, p. 468) critica essa competência do Presidente da República, afirmando que

não é de se louvar o poder discricionário que se concedeu ao Presidente da República em matéria histórica e artística, sobrepondo-se seu juízo individual ao do colegiado [...]. A autoridade desse órgão, especializado na matéria, não deveria ficar sumariamente anulada pelo julgamento subjetivo ou político do Chefe da Nação. A instituição desse recurso deve-se, naturalmente, à origem ditatorial do diploma que o estabeleceu, em cujo regime o Presidente da República absorvia todos os poderes e funções, ainda que estranhos à sua missão governamental.

É importante observar que, em todo caso, o processo administrativo deve observar os princípios constitucionais do devido processo legal da ampla defesa e do contraditório (art. 5°, LIV e LV, da CRFB).

Cumpre lembrar que, embora sejam raros os casos, nada obsta que a Administração, revendo seu próprio ato, em legítimo exercício do seu poder-dever de autotutela, possa anular um procedimento administrativo de tombamento, por vício de legalidade, ou, ainda, revogá-lo, com fundamento no interesse público, conforme se extrai do enunciado da Súmula 473 do Supremo Tribunal Federal. Tais espécies de cancelamento de tombamento têm sido denominadas de destombamento (CRETELLA JÚNIOR, 1978, p. 519).  

Por fim, é preciso frisar que o tombamento é constituído por ato exclusivo do Poder Executivo. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional ato do Poder Legislativo que pretende alterar as condições de tombamento regularmente instituído pelo Poder Executivo, por agredir o princípio da separação dos Poderes[6].

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Sobre o autor
Renato José Ramalho Alves

Pós-Graduando em Direito e Processo Tributário pela Escola Superior da Advocacia da OAB/PB - Representou a juventude brasileira na OEA e na ONU - Estagiou na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA - Articulador de Negociações Internacionais do Engajamundo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAMALHO, Renato José Alves. O regime jurídico do tombamento e a proteção do patrimônio cultural . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4444, 1 set. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/41486. Acesso em: 22 dez. 2024.

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