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Brasil, uma república de joelhos

12/08/2015 às 13:02
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Uma análise da crise político-institucional vivenciada pelo Brasil República.

Toda vez que lemos ou ouvimos a palavra “República” nos remetemos ao filósofo Platão. Brilhante discípulo de Sócrates,  Platão é um dos grandes filósofos da Grécia antiga e o mais politizado deles. É pelos seus trabalhos que encontramos uma categoria que é classificada como diálogos socráticos. Como Sócrates não deixou nenhum trabalho escrito, é através de Platão que o conhecemos.

A expressão “República” é uma tradição latina para Politeia (no original grego), obra escrita por Platão possivelmente em torno de 380 a.C.,  particularmente rica em termos filosóficos, políticos e sociais. Nessa obra, está a busca de uma fórmula que garanta uma harmoniosa administração a uma cidade, mantendo-a livre da anarquia, dos interesses e disputas particulares e do caos completo. O local do diálogo é a casa de Polemarco, irmão de Lísias e Eutidemos, filho do velho Céfalo. Os principais personagens do diálogo são Sócrates; os dois irmãos de Platão, Glauco e Adimanto; Nicerato, Polemarco, Lísias, Céfalo e Trasímaco.

Trazidos para o presente, os personagens do diálogo de Platão se encaixam no momento sócio-político vivido pelo povo brasileiro. O sofista Trasímaco dizia que a força é um direito, e que a justiça é garantida somente aquele que é o mais forte. Trasímaco pode se encaixar no comportamento de um Eduardo Cunha da vida. Enredado na Operação Lava Jato, colocou como pretexto de uma ruptura política com a Presidencia da república uma suposta “perseguição” jurídica. E ainda atacou o Procurador-Geral da República. Ainda na República (a obra literária), Sócrates começa a dialogar com Gláucon e Adimanto, definindo o ato de governar como estar a serviço dos governados, que a justiça é superior à injustiça e é preferível sofrer a injustiça do que praticá-la. Supomos ingenuamente que seja esse o pensamento da Presidente Dilma pela sua inação em relação a esse déspota Eduardo Cunha.

Nos livros II a V d´a “República”, os diálogos evoluem para a definição dos princípios da justiça, ou seja, o que constitui a verdadeira justiça administrada à população. O primeiro princípio da justiça seria a solidariedade social, forma pela qual a pessoa contribui para o bem-estar coletivo. O segundo é o desprendimento, dever consciente de pessoas realmente dispostas a prover o bem comum.

Paro aqui com o exemplo literário. O Brasil não mais se enquadra nesse modelo platônico. Somos uma quimera de sonhos de uns poucos, contra a realidade de uma maioria de abutres que se alimentam das virtudes edificantes dessa nação. Vivenciamos um processo de desconstituição dos nossos valores e sentimentos republicanos. E é fato, os nossos dirigentes políticos, sociais, religiosos e jurídicos não dão exemplo.

Passamos por um retrocesso de ordem ético/moral. As denúncias são repetidas rotineiramente sem estarrecer a mais ninguém. Num país onde os maiores empresários estão na cadeia, e acusam, com pedras de sujeiras atiradas por bodoques da imoralidade contra os maiores nomes da nossa democracia representativa, chegamos ao fim do poço. Batemos no chão, no mais risível e primitivo patamar civilizatório de convivência social. Estamos no ralo, dentro do esgoto.

Como República, estamos de joelhos. Os poderes republicanos estão confiados a roedores da impolutice e descarados descomprometidos morais. São velhas raposas dominando um “galinheiro”, com assaltos e sobressaltos diários. A artimanha aí está, de todos os poderes republicanos, posta sob nossos olhos, certos, seus artífices, de que somos todos obnubilados mentais, carentes de inteligência e lucidez. É o jogo do Poder, a mais não poder, para encobrir aquilo que não interessa e preservar o desequilíbrio de forças da Nação, vítima da ação pertinaz dos exploradores do povo.

Num país sério, com valores definidos, jamais um boquirroto como  Eduardo Cunha seria presidente da Câmara Federal. Manipulador do poder aos seus interesses, autorizou a criação de 04 (quatro) CPIs contra o Governo, logo ao iniciar a ser investigado por ilícitos criminais. E porquê não havia feito isso antes? De fato, em especial nos últimos anos, o Brasil tem visto sucessivos episódios de absoluta falta de vergonha, de desfaçatez sem limites, sem que algo se faça, com a punição exemplar de seus autores. Definitivamente, o Brasil está de joelhos! Uma população desinteressada, sem princípios ou vetores morais, manipulada por velhacos e ladrões experimentados na arte de angariar vantagens de variada espécie.

Não é mais novidade para ninguém que a Nação está totalmente dominada, subjugada! Uma sociedade racista, fétida, de falsos pudores, de analfabetismo político e desinteresse no bem-estar coletivo. A elite compra em Miami e se queixa da crise e inflação local. Por aqui, temos o desgosto de ver primeira dama de Município sendo presa porque sacava a aposentadoria de idoso confinado a abrigo municipal. Gente que faz campanhas contra a ideologia de gênero mas ao mesmo tempo não se insurge contra a aprovação do financiamento privado de campanhas eleitorais. Queremos moral contra o movimento GLTBS porque se vestiu com símbolos religiosos na parada gay, mas ignoramos temas mais relevantes como a reforma política. Pobre nação!

Somos decididamente um povo carente, de esclarecimento inclusive, nas mãos dos comensais do Poder, abutres oportunistas à espera de despojos que lhes sacie a fome voraz. Se a República é forma ou modo de governar distinguido pela soberania do povo, que elege os próprios representantes para que estes componham o Estado, não temos república nenhuma.

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Faz falta gente de vergonha como João Candido, o marinheiro negro que liderou a revolta da Chibata em 1910. Esse é um episódio praticamente extinto dos livros de história, pois se trata de um dos maiores levantes de um setor das Forças Armadas. Em 15 de novembro de 1910 tomara posse no governo federal, cuja sede era então a cidade do Rio de Janeiro, que contava com pouco mais de um milhão de habitantes, o marechal Hermes da Fonseca, substituindo Nilo Peçanha após uma intensa campanha eleitoral, à época denominada de "civilista", encabeçada por Rui Barbosa, contra o candidato reacionário. A vitória de Hermes da Fonseca representou o predomínio dos setores mais reacionários sobre o Estado contra o candidato democrático das classes médias e de setores da burguesia.

O Brasil na época era considerado a terceira potência naval do mundo, sendo sua esquadra formada por dois encouraçados, o Minas Gerais - um dos mais modernos do mundo - e o São Paulo, dois cruzadores e outras embarcações num total de 24. O poderio militar naval brasileiro e sua superioridade em relação aos demais países da região chegou a obrigar que o País se desfizesse de um encouraçado, o Rio de Janeiro, por pressões diplomáticas da Argentina e de outros países.

Seguindo um ilegal costume da oficialidade da Marinha e do Batalhão Naval, no dia 22 de novembro, o marinheiro Marcelino Rodrigues de Menezes, foi condenado a 250 chibatadas. A chibata havia sido abolida na Armada pelo terceiro decreto do primeiro governo republicano do País, em 16 de novembro de 1890, mas continuava em vigor na prática, a critério dos oficiais. Centenas de marujos, de expressiva maioria negra, continuavam tendo seus corpos retalhados, como nos tempos da escravidão pelos oficiais, sem exceção brancos.

Naquela mesma noite, às 22 horas, a bordo do Minas Gerais, primeiro e, depois do São Paulo e do cruzador Bahia, centenas de marinheiros se amotinaram, destituíram seus comandantes e toda a oficialidade. Tudo conforme haviam arquitetado os líderes da revolta, à frente dos quais se encontrava João Cândido, marinheiro negro do Minas Gerais.

O ministro da marinha, Joaquim Marques Batista de Leão chega a assinar, em 25/11, uma ordem de ataque contra os navios comandados por João Cândido, mas não consegue êxito. Os revoltosos dispõem de enorme poder bélico e a saída do governo é ceder. Nas negociações entre os revoltosos e os representantes do governo e parlamentares, foram objetivadas a proibição da chibata, melhorias reivindicadas e a anistia contra a ‘insubordinação’ e mortes de oficiais ocorridas.

O Comitê Geral, dirigido por João Cândido, diante da aprovação da anistia e do fim da chibata, resolve em 25 de novembro terminar a revolta e depor as armas dos mais de três mil marujos sob seu comando. A oligarquia da República Velha e a burguesia haviam capitulado diante da exigência armada dos marinheiros. O negro João Cândido é um exemplo heróico de luta que desmente o mito do caráter submisso e acomodado, que a burguesia e seus teóricos pequenos burgueses, que se propagam como ervas daninhas no movimento operário e popular, tentam atribuir ao povo brasileiro.

Assim, ressuscitando o espírito do marinheiro João Candido, só nos resta esperar que as forças decentes do País saiam de sua inércia, ganhem o coração do povo e, de novo, façam a Nação respirar. Precisamos de um novo levante. A “chibata” lavrada sobre as costas do povo brasileiro tem que ser abolida. Só resta saber, pois, se o povo brasileiro deixará a sua condição servil e assumirá seu grandioso destino, colocando a República novamente de pé, saindo da sina de joelhos e da curvatura dorsal que chegou, alquebrantada pelo peso dos salteadores do bem comum. Levanta, Brasil!

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Sobre o autor
Francisco Marcos de Araújo

Professor universitário e advogado. Mestre em Direito Constitucional e Pós-Graduado em Direito Público.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAÚJO, Francisco Marcos. Brasil, uma república de joelhos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4424, 12 ago. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/41548. Acesso em: 26 abr. 2024.

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