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O problema do teto constitucional

15/08/2015 às 16:35
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Até o advento da EC 41/03, subsistia o direito ao não comprometimento das vantagens pessoais para fins de cálculo de abatimento no teto remuneratório. Entendemos que, mesmo no novo regime constitucional, poderão ser excluídas dos limites máximos as chamadas indenizações.

A Constituição Federal estabelece que a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos. Essa a redação dada pela Emenda Constitucional 41, de 19 de dezembro de 2003.

Correta a iniciativa do Executivo do Estado do Rio Grande do Norte em apresentar emenda à Constituição Estadual no mesmo sentido.

É matéria de regime jurídico, que foge, como se lê do artigo 117 do Ato das Disposições Transitórias da Constituição, do que se vê como direito adquirido. Aliás, ali se diz que os vencimentos, a remuneração, as vantagens e os adicionais, bem como os proventos de aposentadoria que estejam sendo percebidos em desacordo com a Constituição serão imediatamente reduzidos aos limites dela decorrentes, não se admitindo, neste caso, invocação de direito adquirido ou percepção de excesso a qualquer título.
Nâo estamos diante de aquisição de direitos, como ensinou Savigny (Traité de Droit Romain, Paris, Tomo VIII, 1851, pág. 363 e seguintes), mas de existência de direitos. É sua lição que leis relativas à existência, inexistência, ou modo de existência dos direitos eram definidas como aquelas leis que têm por objeto o reconhecimento sob tal ou tal forma, antes que se coloque a questão de sua aplicação a determinado indivíduo, antes da criação de uma relação jurídica concreta. Essas leis têm efeito retroativo, pois a proibição da retroatividade ou ainda a manutenção dos direitos adquiridos não têm sentido.

Por sua vez, não se está diante de leis relativas a aquisição ou a perda de direitos, que não podem ser retroativas e devem respeitar a direitos adquiridos.

Não há direito adquirido à regime jurídico e a Constituição dá aos servidores um regime jurídico, onde o limite dos vencimentos ou dos subsídios é o teto constitucional.

No julgamento da ADIMC – 1590/SP, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 15 de agosto de 1997, decidiu-se que a norma do artigo 37, XI, da Constituição é autoaplicável, no plano federal, estadual e municipal e no Distrito Federal, porque dotada de suficiente densidade normativa, independente da promulgação da lei a que seu texto alude.

Não podem ser recebidas fora do teto as vantagens pessoais, de que são exemplo: adicional do tempo de serviço, quintos, gratificações de gabinete e funções incorporadas, gratificações de risco de vida. É certo que, no passado, entendeu o Supremo Tribunal Federal que as vantagens pessoais devem ser excluídas do limite máximo de remuneração, como se lê do RE 185.842/PE, Relator para o acórdão o Ministro Maurício Corrêa, DJ de 2 de maio de 1997. Sendo assim não vejo, necessariamente, que se aguarde uma norma estadual, ainda que por emenda Constitucional, que faça impor esse limite já dado pela Constituição Federal de 1988.

Bem acentuou o Desembargador Geraldo Apoliano, no julgamento do Agravo de Instrumento 92.617 – CE, que antes do advento da Emenda Constitucional 41/2003, as disposições concernentes às vantagens de caráter pessoal podiam ser abatidas do cálculo do teto salarial, no entanto, a partir da edição da citada emenda constitucional, tal permissivo tornou-se expressamente proibido.

Outro, no entanto, foi o entendimento traçado ainda no Egrégio Tribunal Regional Federal da 5ª Região, na APELREEX 26.462/PE,  onde se disse que o servidor não pode sofrer decréscimo remuneratório em razão da implantação de novo teto para as remunerações no serviço público. A diferença entre a remuneração percebida pelo servidor, antes e depois da implementação do novo teto, deve ser paga como Vantagem pessoal nominalmente identificada, a ser absorvida pelos aumentos remuneratórios concedidos, de forma posterior, até a sua total absorção. Como exemplo, se deu precedente no julgamento do MS 24.580, Relator Ministro Eros Grau.

Impressionam-me os argumentos utilizados pelo Desembargador Francisco Wildo, no julgamento da AC 530.936, DJe de 1º de dezembro de 2011.

Ali se diz que na esteira de precedente do Supremo Tribunal Federal, do que foi julgado no MS 24.875 – DF, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, julgado em 11 de maio de 2006, entendeu-se que a norma do artigo 9º do ADCT ao não determinar expressamente a supressão das vantagens incorporadas à remuneração anteriormente e fazer simples remissão à norma de caráter transitório de eficácia exaurida(artigo 17 do ADCT) – não pode levar à conclusão de que os servidores devem ser submeter à redução de seus vencimentos. Para se impor o restabelecimento da diferença remuneratória suprimida, seria desnecessária ainda a declaração de inconstitucionalidade do artigo 9º da Emenda Constitucional 41/03, bastando seguir os passos perfilhados pelo Supremo Tribunal Federal naquele julgamento, que trazia questão relativa à inclusão das vantagens pessoais no teto remuneratório instituído pelo artigo 37, XI, da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional 41/2003, nele computadas as vantagens pessoais do ocupante do cargo, função ou empregos públicos, assegurando-se, porém, a irredutibilidade da remuneração anterior licitamente incorporada, até que seja absorvida pelos reajustes posteriores à emenda. Nesse sentido a conclusão que se tem de julgamento no MS 87. 834, julgado pelo Pleno do Egrégio TRF – 5, por maioria, Relator Ministro Manoel Erhardt, julgado em 27 de maio de 2009.

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Mas, data venia, o raciocínio jurídico submete o tratamento da norma constitucional a uma hipótese de aquisição de direitos, quando se trata de reconhecimento de uma instituição em geral, que se deve sempre supor, antes que se possa cogitar de sua aplicação a um indivíduo, ou da transformação de uma instituição de direito em relação de direito. Não se trata de aquisição de direitos, vínculo que liga um direito a um indivíduo. Trata-se do reconhecimento de uma instituição: regime jurídico.  

Considero, pois, que é induvidoso que somente até o advento da EC 41/03, subsistia o direito ao não comprometimento das vantagens pessoais para fins de cálculo de abatimento no teto remuneratório. Com a mudança do regime jurídico, não é permitido o abatimento dos valores referentes a vantagens pessoais do teto remuneratório. 

Mas, data venia de entendimento contrário, poderão ser excluídas dos limites máximos no novo regime constitucional, as chamadas indenizações. Digo isso, uma vez que elas são valores que não integram a remuneração do agente público, constituindo valores pagos de maneira eventual, como diárias de viagens, sendo: eventuais; isoladas, compensatórias, referenciadas a fatos e não a pessoas.

Assim são exemplo de indenizações, que poderiam ser pagas como valores acima do teto: diárias, ajuda de custo de mudança, auxílio-moradia, remuneração de serviço extraordinário, gratificações eleitorais, que são parcelas recebidas em caráter compensatório por agentes em função especial temporária, de forma paralela ao exercício de função permanente, sem possibilidade de incorporação aos proventos, vencimentos ou subsídios. Fácil entender que parcelas como diárias, ajuda de custo de mudança, auxílio-moradia, como se lê são parcelas que não podem ser recebidas pelo inativo, assim como férias, sob pena de afronta à razoabilidade empírica.

A norma do artigo 37, XI, da Constituição aplica-se aos Estados-membros, Municípios,  uma vez que estamos diante de princípios constitucionais que, como bem explicou Raul Machado Horta (A autonomia do Estado-Membro no Direito Constitucional Brasileiro, Belo Horizonte, 1964, pág. 225), limitam a autonomia organizatória dos Estados, na medida em que são regras que revelam, previamente, a matéria da sua organização e as normas constitucionais de caráter vedatório, bem como princípios de organização política, social e econômica, que determinam o retraimento da autonomia estadual, cuja identificação reclama uma pesquisa ao texto da Constituição.

Estamos diante de limitações explícitas ou implícitas  que a Constituição Federal apresenta aos Estados Membros, aos Municípios e ao Distrito Federal e que podem ser vedatórias ou  mandatórias.

São o que José Afonso da Silva(Curso de Direito Constitucional Positivo, São Paulo, ed. RT,  5ª edição, pág. 515) chama de princípios constitucionais estabelecidos.

As limitações de natureza mandatórias consistem em disposições que, de maneira explícita e direta, determinam aos Estados a observância de princípios de sorte que na sua organização administrativa hão de adotá-los. Aos Estados não mais resta que transcrever, em toda a sua essência, os princípios referenciados nos artigos 37 a 41 da Constituição Federal, tendo ainda que segui-los sob pena de uma atuação inconstitucional.

Não estamos, repito, diante de regras concernentes à aquisição de direitos ou sua perda ou dissolução de relações de direitos, mas de regime jurídico.

Em diversos julgamentos, dentre os quais, destaco, por fim, o ARE 75166 AgR/AP, Ag. Reg. no Recurso Extraordinário com Agravo, Relatora Ministra Cármen Lúcia, julgamento de 13 de agosto de 2013, Segunda Turma, DJe de 30 de agosto de 2013, confirmou-se posição cediça no sentido de que há inexistência de direito adquirido à regime jurídico. 

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. O problema do teto constitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4427, 15 ago. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/41831. Acesso em: 22 dez. 2024.

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