Introdução
O objetivo da pesquisa é fazer um estudo sobre a Competência Internacional e sua inserção no Processo Civil Brasileiro e Internacional. Conceituando a própria ideia de Competência, suas principais características e sua intrínseca relação com o fenômeno da globalização, a presente pesquisa busca entender, também, como essa teoria é vista por diversos doutrinadores, não deixando de salientar as eventuais críticas por eles tecidas. Procura-se, ainda, responder as questões levantadas pela professora em sala de aula de modo a concretizar o aprendizado obtido por meio do conteúdo pesquisado.
Desenvolvimento
O Direito Processual Civil e a Competência Internacional
Primeiramente, como ponto de partida do presente trabalho, cumpre-se caracterizar o conceito de Competência, que trata-se do meio pelo qual o Judiciário exerce sua função jurisdicional. A Competência determina os limites territoriais de atuação dos órgãos do Judiciário, ou seja, qual o órgão competente para julgar determinada causa. A Competência é determinada pela função que o órgão jurisdicional deve exercer no processo, sendo que algumas vezes mais de um órgão jurisdicional deve exercer a função no processo. Um viés clássico de conceituar a Competência é o de caracterizá-la como medida de jurisdição, ou seja, cada órgão só pode exercer sua jurisdição dentro dos limites de sua competência.
Os Tribunais Federais tem Competência para julgar em todo o pais, enquanto que os Tribunais Regionais Federais possuem Competência para julgar em certas regiões do Estado.
Ilustrando outra característica relevante da Competência, o Art. 87 do Código de Processo Civil enuncia:
“Determina-se a competência no momento em que a ação é proposta. São irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, salvo quando suprimirem o órgão judiciário ou alterarem a competência em razão da matéria ou da hierarquia.”
Sendo assim, conclui-se que, após determinada a Competência para o julgamento da ação proposta e seus possíveis recursos, não será viável sua alteração, estando a ação sob o mesmo órgão competente até seu transito em julgado. Para a distribuição da Competência, devem ser observados alguns requisitos, processo caracterizado por Celso Neves como “relação de adequação legítima entre o processo e o órgão jurisdicional.” Cintra, Grinover e Dinamarco citam três etapas para se determinar a Competência adequadamente, quais sejam “a) constituição diferenciada de órgãos judiciários; b) elaboração da massa de causas em grupos (levando em conta certas características da própria causa e do processo mediante o qual é ela apreciada pelo órgão judiciário); c) atribuição de cada um dos diversos grupos de causas ao órgão mais idôneo para conhecer destas, segundo uma política legislativa que leve em conta aqueles caracteres e os caracteres do próprio órgão”.
A Competência Internacional, por sua vez, caracteriza um problema tão somente relacionado à jurisdição, visto que trata de casos em que a jurisdição nacional relaciona-se a outras, ou seja, em que o juiz brasileiro pode não ser competente para julgar determinada causa. Fundamentada pelos Arts. 88, 89 e 90 do Código de Processo Civil, a Competência Internacional é empregada para, por exemplo, o julgamento de réus estrangeiros domiciliados no Brasil ou caso o fato que deu origem a ação tenha ocorrido em território brasileiro. Ela rege os limites de atuação do Judiciário, de modo a considerar todos os aspectos circundantes do processo.
O surgimento e extrema relevância da Competência Internacional são, em parte, consequência do estreitamento de fronteiras resultante do processo de globalização, por meio do qual o transito entre diferentes países torna-se algo cada vez mais simples e rotineiro. Dessa forma, é cada vez mais necessária uma disciplina que reja as ferramentas a serem utilizadas quando houver mais de uma jurisdição envolvida.
De um modo genérico, pode-se utilizar o termo “globalização” para designar a crescente e acelerada transnacionalização das relações econômicas, financeiras, comerciais, tecnológicas, culturais e sociais que vem ocorrendo especialmente nos últimos vinte anos.
Sucede que também se pode conferir um caráter crescentemente "global" ao campo do Direito, haja vista o teor cada vez mais candente das discussões teóricas, políticas e jurídicas no que se refere à relatividade da noção clássica de soberania, com o fito de se redimensionar a questão da aplicação da competência internacional.
Existem, descritas no Código de Processo Civil, duas espécies de Competência Internacional, quais sejam as chamadas Concorrente e Exclusiva.
A Competência Internacional Concorrente, fundamentada pelo Art. 99 do Código de Processo Civil, abaixo, caracteriza os casos em que a ação pode ser ajuizada tanto no Brasil como em outra jurisdição:
Art. 88. É competente a autoridade judiciária brasileira quando:
I - o réu, qualquer que seja a sua nacionalidade, estiver domiciliado no Brasil;
II - no Brasil tiver de ser cumprida a obrigação;
III - a ação se originar de fato ocorrido ou de ato praticado no Brasil.
Parágrafo único. Para o fim do disposto no nº I, reputa-se domiciliada no Brasil a pessoa jurídica estrangeira que aqui tiver agência, filial ou sucursal.
Sendo assim, a demanda pode ser ajuizada no Brasil ou em outra jurisdição que também possua a Competência Internacional para julgá-la. A título de exemplo tem-se o caso do réu estrangeiro domiciliado no Brasil, ou do cumprimento de uma obrigação no Brasil.
Abaixo descrito, o Art. 89, por sua vez, classifica os casos em que o Brasil detém Competência Internacional Exclusiva, conceituada por Cintra, Grinover e Dinamarco como “sendo de total inutilidade propor a demanda em outro país que também se declare competente, porque não será admissível aqui a execução do julgado”:
Art. 89. Compete à autoridade judiciária brasileira, com exclusão de qualquer outra:
I - conhecer de ações relativas a imóveis situados no Brasil;
II - proceder a inventário e partilha de bens, situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja estrangeiro e tenha residido fora do território nacional.
Para melhor ilustrar o tema da Competência Internacional, Cintra, Grinover e Dinamarco sabiamente dispõem: “Quem dita os limites internacionais da jurisdição de cada Estado são as normas internas desse mesmo Estado. Contudo, o legislador não leva muito longe a jurisdição de seu país, tendo em conta principalmente, duas ponderações ditadas pela experiência e necessidade de coexistência com outros Estados soberanos: a) a conveniência (excluem-se os conflitos irrelevantes para o Estado, porque o que lhe interessa, afinal, é a pacificação no seio da sua própria convivência social);
b) a viabilidade (excluem-se os casos em que não será possível a imposição autoritativa do cumprimento da sentença)”. Desta forma, pode-se concluir que a autoridade brasileira será competente para julgar determinada causa quando houver relação direta entre este território e o fato ocorrido. Não se pode cogitar que um país disponibilize sua força jurisdicional para lidar com uma causa que não lhe diz respeito, ou que não esteja ligada à ordem pública, soberania nacional e cumprimento de leis ali violadas. Para que se possa estabelecer tal relação é que se faz necessária a consulta aos itens componentes do Art. 88 do Código de Processo Civil.
O Art. 90 do Código de Processo Civil, por sua vez, disserta acerca de litispendência, ou seja, uma ação anteriormente ajuizada que possui as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido. Tal artigo diz respeito à litispendência no Direito Processual Civil Internacional.
É possível encontrar diversos doutrinadores em pé de crítica ao conteúdo do Art. 90 do CPC, o qual enuncia que:
Art. 90 A ação intentada perante tribunal estrangeiro não induz litispendência, nem obsta a que a autoridade judiciária brasileira conheça da mesma causa e das que lhe são conexas.
O autor Arruda Alvim, por exemplo, tece o seguinte comentário: “o assunto atinente à litispendência”, no Direito Processual Civil Internacional, para poder ser considerado, supõe competência internacional concorrente entre dois Estados. Inocorrendo esta, o problema desloca-se para o campo exclusivo da competência. Não importará, neste último caso, saber qual o processo que começou em primeiro lugar. Se o Estado estrangeiro é incompetente, segundo o direito nacional, de nada valerá o processo lá iniciado, no que tange a efeitos que objetive produzir em território nacional, sendo pois, por compreensão, irrelevante, inclusive, a litispendência. Quer dizer: se um dado Estado negar validade à própria decisão de outro é evidente que não se poderá, de forma absoluta, excepcionar fundado em litispendência. Se a decisão de um Estado estrangeiro não é aceita por vício de competência o assunto se desloca do campo de jurisdições concorrentes para o da jurisdição exclusiva de um Estado. Tratar-se-á, pois, de defeito absoluto da jurisdição estrangeira.”
Outro autor que critica a norma do artigo 90 é Barbosa Moreira, porém por razões diferentes; ele não acredita ser necessário afirmar que a propositura da ação perante a justiça alienígena ”não induz litispendência”, mesmo porque não cabe à lei brasileira regular os efeitos processuais que se produzam no território estrangeiro. Sendo assim, esses efeitos não seriam relevantes para a justiça brasileira.
A doutrina e grande parte dos autores criticam o termo ‘competência internacional’, isso devido competência ser a repartição interna da jurisdição e por não existir órgão supraestatal regulamentador da competência internacional dos Estados. É o próprio Estado que, orientado por princípios gerais e adotando seus próprios critérios, elabora regras que fixam os limites de sua jurisdição.
Sendo assim, uma parte da doutrina e muitos autores entendem que ao invés de Competência, seria mais correta a expressão ‘jurisdição internacional’. O jurista grego, Fragistas, por exemplo, afirma que o termo jurisdição internacional melhor se adequou à teoria do conflito de jurisdições. Para ele, a questão não é saber qual o tribunal ou juiz do país será o competente para julgar o litígio e sim, determinar se um litígio em concreto, resultante de uma relação internacional, deve ou pode ser examinado pela justiça do país.
Já Morelli, por sua vez, entende que a expressão ‘competência internacional’ não é errada, pois não se confunde com competência nacional ou interna. Ele adverte, contudo, que a denominação ‘Competência’ pode conduzir a errôneas analogias com as normas internas que tratam da organização da jurisdição de um Estado.
As normas que tratam de competência internacional delimitam os poderes do Estado, ou seja, de seus órgãos considerados como um todo. Já as normas sobre a verdadeira e própria competência se destinam a distribuir entre esses órgãos individualmente considerados, as lides que, em virtude das normas do primeiro grupo, encontram-se submetidas à jurisdição do Estado. Com efeito, as normas sobre competência internacional têm o objetivo de distribuir as lides entre Estados distintos.
Perguntas
1 - Cabe o cumprimento de cartas rogatórias extraídas de processo de execução que processo em outro país e que tenham como finalidade a constrição de bens imóveis situados no Brasil?
Resposta:
Quanto ao cumprimento de cartas rogatórias executivas no Brasil cabem os seguintes esclarecimentos:
O amparo para a solução da controvérsia deve ser buscado com o auxílio da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro que em seu art. 17 dispõe: “As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes”; bem como a Resolução número 09 do STJ que dispõe em seu art. 7º, parágrafo único: “Os pedidos de cooperação jurídica internacional que tiverem por objeto atos que não ensejem juízo de delibação pelo Superior Tribunal de Justiça, ainda que denominados como carta rogatória, serão encaminhados ou devolvidos ao Ministério da Justiça para as providências necessárias ao cumprimento por auxílio direto.”.
A conjugação dos referidos dispositivos demonstra que não deveriam ser cumpridas cartas rogatórias que implicassem atos executórios ou que dependessem da homologação da sentença que os determina. Como atos executórios podem ser apontados o arresto, o sequestro, a penhora e a transferência de títulos ou de bens, em virtude de partilha ou de outros motivos. Atos como interrogatórios, porém, não são considerados executórios, conforme doutrina de Beat Walter Rechsteiner – Direito Internacional Privado: Teoria e Pratica fls. 303.
Por outro lado Nádia de Araújo demonstra em Direito Internacional Privado – Teoria e Pratica Brasileira – fls. 301, em síntese, que a doutrina seguida por trinta anos pelo Excelso Supremo Tribunal Federal vem sendo abandonada, a disposta acima, em detrimento de um ambiente de maior cooperação internacional, inclusive com a adoção do instrumento do auxilio direto, geralmente estipulado em tratados de acordo com a natureza da questão internacional abordada, prevendo-se a figura de autoridades centrais visando imprimir maior celeridade ao trato destas questões tendo em vista o cenário atual da modernidade e a velocidade do transito de pessoas e bens através das fronteiras dos países e blocos.
Portanto, a via do auxilio direto que inclusive e permitida na Resolução n. 09 STJ em seu parágrafo único do art. 7º demonstram um amadurecimento jurisprudencial nesse sentido, suprimindo, em muitos casos, o papel de cartas rogatórias de cunho executivo.
No caso de imóveis, não é possível a utilização de cartas rogatórias executivas tendo em vista o previsto no parágrafo primeiro do art. 12 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro: “Só à autoridade judiciária brasileira compete conhecer das ações relativas a imóveis situados no Brasil.”.
2 - Se a sentença estrangeira que se quer ver homologada tiver invadido competência exclusiva do juiz brasileiro, como deve agir o Supremo Tribunal Federal?
Resposta:
Registrando-se que com o advento da EC n. 45 de 2004 houve a mudança da competência para a homologação de sentenças estrangeiras para o Superior Tribunal de Justiça.
No presente caso não será possível a homologação da referida sentença estrangeira, uma vez que a possibilidade de homologação de sentença estrangeira não pode violar a soberania do pais, e, por conseguinte, a escolha feita pelo legislador pátrio para a proteção de bens e valores que entenda sensíveis à nação, como no caso da sucessão de bens de estrangeiros em beneficio de herdeiros brasileiros, bem como de imóveis situados no Brasil.
Art. 483 – CPC:
“A sentença proferida por tribunal estrangeiro não terá eficácia no Brasil senão depois de homologada pelo Supremo Tribunal Federal.
Parágrafo único. A homologação obedecerá ao que dispuser o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal”.
3 - Em se tratando de bens móveis deixados no Brasil por estrangeiro que morreu em outro país, onde sempre teve domicílio, o inventário pode ser aberto e processado neste outro país?
Resposta:
Em se tratando de bens móveis deixados no Brasil por estrangeiro que morreu em outro país, onde sempre teve domicílio, vai depender do que for previsto na Lei do país em que for domiciliado o de cujus, para que seja aberto e processado o inventário.
Conforme dicção da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro em seu art. 10: “A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens.”.
Portanto, a lei brasileira obedece ao previsto nas legislações estrangeiras para que se abra inventário de estrangeiro que deixou móveis no Brasil.
4 - Há no Brasil previsão de cooperação internacional em conflitos envolvendo alimentos?
Resposta:
O Brasil é signatário da Convenção de Nova York (Decreto 56.826 de 02/09/1965), que também é conhecida como a Convenção de Prestação de Alimentos no Estrangeiro que tem por finalidade solucionar o problema de pessoas sem recurso e que dependem, para o seu sustento, de pessoas localizadas no estrangeiro. De acordo com o art. 1º, o objeto da Convenção é facilitar a obtenção de alimentos que uma pessoa tem direito.
O Brasil também é signatário da Convenção Interamericana sobre Obrigação Alimentar (Decreto 2.428 de 17/12/1997), que tem por objeto, de acordo com o artigo 1º: “... a determinação do direito aplicável à obrigação alimentar, bem como à competência e à cooperação processual internacional, quando o credor de alimentos tiver seu domicílio ou residência habitual num Estado-Parte e o devedor de alimentos tiver seu domicílio ou residência habitual, bens ou renda em outro Estado-Parte.”.
Portanto, no Brasil há sim previsão de cooperação internacional em conflitos envolvendo alimentos.
Bibliografia
CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; Grinover, Ada Pellegrini; Dinamarco, Cândido Rangel - Teoria Geral do Processo: 27ª Edição, Caps. 17 e 25.
RECHSTEINER, Beat Walter – Direito Internacional Privado: Teoria e Pratica fls. 303.
DE ARAÚJO, Nádia - Direito Internacional Privado – Teoria e Pratica Brasileira – fls. 301
http://www.licoesdedireito.kit.net/pcivil/pcivil-acamara-competencia.html
http://www.ccje.ufes.br/direito/posstrictosensumestrado/Links/dissertacaomarcelvitor.pdf
http://caduchagas.blogspot.com.br/2012/04/processo-civil-competencia_01.html