BREVE REFLEXÃO SOBRE O CABIMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS CONTRATADOS EM JUIZADOS ESPECIAIS

28/08/2015 às 12:23
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Este artigo visa enfatizar que são cabíveis honorários contratuais nos Juizados Especiais, homenageando-se o princípio da restituição integral já contemplado pelo Superior Tribunal de Justiça.

Toda interpretação reclama uma exegese teleológica[i] e construtiva[ii], mormente na contemporaneidade, onde a esmagadora maioria dos jurisdicionados são constrangidos a bater às portas do Poder Judiciário por conta da má prestação de serviços públicos ou privados. Ainda que em sede de Juizados Especiais, não se sentem à vontade sem a contratação de advogado e, aliás, são eles  indispensáveis à administração da Justiça (art. 133 da CF/88).

Tomo como empréstimo, por oportuno, este excerto da brilhante sentença proferida na comarca de Araguari/MG, em nível de Juizado Especial, ao vaticinar que:

“Por fim, em referência ao pedido de danos materiais, não vejo como acolher o pleito do autor de condenação da ré sob esse título. Mesmo que os honorários de fato tenham sua gênese no contrato celebrado entre o autor e o respectivo advogado, não há com referendar sua cobrança no Juizado Especial. A meu ver, a regra do art. 55, caput, da Lei 9.099, de 1995, veda terminantemente semelhante cobrança. Com efeito, para afastar a incidência do comando legal, cujo escopo é a ampliação do acesso à justiça, bastaria que, no curso da ação ou em processo posterior, o autor ou o réu exibisse o contrato de prestação de serviço advocatícios para postular o recebimento do crédito respectivo. Esvaziada estaria a aplicabilidade da regra do art. 55 da Lei 9.099, de 1995. Ora, a adoção do procedimento sumaríssimo é feita por opção do autor, como reconhece pacificamente a jurisprudência e o enunciado n. 1 do FONAJE. Tal opção implica, por um lado, a vantagem da redução do tempo da prestação da tutela jurisdicional. Por outro lado, acarreta algumas 4 3ª VARA DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DE ARAGUARI desvantagens, como a impossibilidade de ajuizamento de ação rescisória, a redução dos meios de prova e recursos e a impossibilidade de condenação do litigante em honorários advocatícios. Portanto, não há como abraçar as a vantagens do procedimento sumaríssimo e afastar as desvantagens: ubi commoda, ibi incommoda”.[iii]

Estamos diante de três permissivos legais:

“Art. 55. A sentença de primeiro grau não condenará o vencido em custas e honorários de advogado, ressalvados os casos de litigância de má-fé. Em segundo grau, o recorrente, vencido, pagará as custas e honorários de advogado, que serão fixados entre dez por cento e vinte por cento do valor de condenação ou, não havendo condenação, do valor corrigido da causa.

        Parágrafo único. Na execução não serão contadas custas, salvo quando:

        I - reconhecida a litigância de má-fé;

        II - improcedentes os embargos do devedor;

        III - tratar-se de execução de sentença que tenha sido objeto de recurso improvido do devedor”. (Lei 9.099/95);

“Art. 22. A prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência” (Lei 8.906/94);

“Art. 404. As perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, serão pagas com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, abrangendo juros, custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional”. (Código Civil/2002).

Então, percebe-se que existem duas modalidades de honorários advocatícios, quais sejam: os sucumbenciais e os contratuais, conforme art. 22 da Lei 8.906/94. Agora, resta indagar: a dicção “honorários de advogado”, retratada no art. 55 da Lei 9.099/95, cuida de quais deles?

Naturalmente, a isenção de honorários em Juizados Especiais - Estaduais ou Federais, para esse último vide art. 1º da Lei 10.259/01 – refere-se aos honorários sucumbenciais, isto porque:

  1. A contratação de advogado ocasiona desembolso para o jurisdicionado, ou seja, mesmo que ele vença a demanda – se não for recomposto pela parte vencida – sofrerá diminuição em seu patrimônio. Exemplifica-se: ajuizou litígio para demonstrar a inexistência de um débito, repetição do que pagou indevidamente e danos morais em virtude de inscrição indevida em órgão restritivo de crédito; seu causídico cobrou-lhe “1x” e a parte vencida deve lhe pagar “4x”, se não houver a inserção de “1x”, como dano material, o autor de nossa ilustração receberá “3x”;
  2. Ainda que ele escolha o rito do Juizado Especial Estadual – já que no Federal, se a ação for inferior a 60 (sessenta) salários mínimos ele não terá essa opção, consoante art. 3º, §3º, da Lei 10.259/01 -, tal opção não pode dispensar a incidência do art. 404 do Código Civil. Isto é, nenhuma lei processual pode afastar a percepção de direito material, muito menos prejudicar o vencedor por ter erigido o Juizado Especial para resolver sua perlenga;
  3. A própria distinção entre Juizado Especial Estadual e Federal, sendo este obrigatório para lides de até 60 (sessenta) salários mínimos, já evidencia que no plano da Justiça Federal poderia se cogitar de honorários contratuais a serem vertidos pelo vencido. Assim sendo, em uma República Federativa poder-se-ia cogitar de tratamentos diversos quanto ao tema? Não, sobe pena de malferir o princípio da unidade da jurisdição;
  4. Contratação de advogado não pode ser tratada diferentemente em termos de procedimento, seja ele ordinário, sumário ou especial. Porque, acima desse assento procedimental, está o princípio da restituição integral. Dito de outro modo: para um jurisdicionado com posse – que escolhesse a Justiça Comum, os honorários advocatícios contratuais são ressarcidos sob a modalidade de danos materiais, mas, para o menos afortunado, não o são. Seria o Juizado Especial uma Justiça de segunda classe, para advogados de segunda classe?

Socorre-se, em boa hora, destes precedentes do Superior Tribunal de Justiça:

“(...) 2. Diversamente do decidido pela Corte de origem, este Superior Tribunal já se manifestou no sentido da possibilidade da inclusão do valor dos honorários contratuais na rubrica de danos materiais(...)”

Agravo regimental improvido. (Processo AgRg no REsp 1410705/RS AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL 2013/0346198-2, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA, Data da Publicação DJe 19/02/2015) (ausentes parênteses e reticências).

“(...)1.- Aquele que deu causa ao processo deve restituir os valores despendidos pela outra parte com os honorários contratuais, que integram o valor devido a título de perdas e danos, nos termos dos arts.  389, 395 e 404 do CC/02”. (REsp 1.134.725/MG, Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI, Terceira Turma, DJe 24/06/2011).

Indiscutível, pois, que honorários advocatícios contratuais devem integrar o patrimônio do vencedor na modalidade da rubrica de “danos materiais”, seja na Justiça Cível e Federal comuns, seja no plano dos Juizados, evitando-se o ferimento do princípio da isonomia, insculpido constitucionalmente. Não é por outra razão que o novel Código de Processo Civil reza:

Art. 1o “O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código”.

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Ora, compulsando-se a Carta Magna, observa-se:

Art. 98. “A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:

I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumariíssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei (...)” (ausentes parênteses e reticências).

Em nenhum momento, é bom que se diga, nem a Carta Política e, muito menos, os dispositivos infraconstitucionais, afastam a incidência do cabimento de honorários advocatícios contratados no átrio dos Juizados Especiais. Acresça-se que há um dado sociológico importantíssimo: um jurisdicionado leigo, desacompanhado de advogado, o que faria em audiência de Juizado Especial, quando a parte adversa arguisse preliminar em contestação?  Sem qualquer ironia, talvez esse jurisdicionado – consciente ou inconscientemente –, diante de tal vocábulo, se lembraria de cenas amorosas!

De tudo isso, a melhor interpretação, com todo respeito, é a de que os honorários advocatícios contratados devem ser solvidos pela parte vencida em ações que tramitam no Juizados Especiais, para que, aí sim, haja a devida homenagem ao princípio da restituição integral[iv].


[i] Cf. Doutrina de Chiara Ramos: “A regra básica do método teleológico é a de que sempre é possível atribuir um propósito às normas, mas nem sempre essa finalidade é clara”. (“Noções introdutórias de hermenêutica jurídica clássica”, acessado em 28/08/2015, publicada no endereço eletrônico: http://jus.com.br/artigos/29254/nocoes-introdutorias-de-hermeneutica-juridica-classica/2#ixzz3jl3lGUzG );

[ii] “ interpretação construtiva consiste em impor um propósito a um objeto ou prática, a fim de torná-lo o melhor exemplo possível da forma ou do gênero aos quais se imagina que pertença”].( Dworkin O Império do Direito p. 57.);

[iii]  Autos do processo nº: (proc: 0080873-20.2015.8.13.0035; acessado em 28/08/2015);

[iv] Cf. Roberta Correa Gouveia, “(...)Quanto ao dano patrimonial, Giovanna Visintini[3] comenta que o Código Civil italiano expressa uma clara diretiva de que a reintegração do patrimônio lesionado tanto por descumprimento ou por ato ilícito deve ser integral. Pode-se entender que o mesmo se aplica ao nosso sistema legal uma vez que o artigo 944 do Código Civil dispõe que “A indenização mede-se pela extensão do dano” (restitutio in integrum) (...). (“A securitização e o princípio da restituição integral”, acessado em 28/08/2015 publicada no endereço eletrônico: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9294 ;

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Sobre o autor
Emerson Odilon Sandim

Procurador Federal aposentado e Doutor em psicanalise

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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