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A alienação dos imóveis da União

28/09/2015 às 09:15
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Discutem-se as possibilidades de alienação de imóveis da união, dados em aforamento ou em ocupação, e a utilização das praias.

Num esforço para reforçar o caixa, anuncia-se que a União Federal vai vender sua participação nos chamados terrenos de marinha, em áreas localizadas ao longo da costa brasileira.

Sabe-se que os moradores desses imóveis pagam anualmente uma taxa de aforamento de 0,6% sobre o valor do terreno para a União Federal.

Abre-se uma expectativa de que essas pessoas possam adquirir a parcela e assim adquirir o domínio pleno dos imóveis. Espera-se arrecadar R$500 milhões no período de um ano.

Terrenos de marinha são as faixas de terra fronteiras ao mar numa largura de 33 metros contados da linha do preamar médio de 1831 para o interior do continente, bem como as que se encontram à margem dos rios e lagoas que sofram a influência das marés, até onde esta se faça sentir, e mais as que contornam ilhas situadas em zonas sujeitas a esta influência. Considera-se influência das marés a oscilação periódica do nível médio das águas igual ou superior a 5 centimetros(artigo 2º e parágrafo único do Decreto-lei 9760, de 5 de setembro de 1946).

A praia é bem da União Federal (artigo 20 da CF e ainda artigo 10, parágrafos primeiro e terceiro da Lei 7.661/88), e, como tal, bem de uso comum do povo que não poderia ser atribuído a particular. Todavia, em dispositivo de constitucionalidade duvidosa, artigo 9º da MP 691, há autorização para transferir ao Municípios litorâneos a gestão das praias públicas urbanas, inclusive as áreas de bem de uso comum com exploração econômica, com as exceções ali estabelecidas. Tal instrumento poderá ser a cessão de uso, que é a transferência gratuita da posse de um bem público de uma entidade ou órgão para outro, a fim de que o cessionário o utilize segundo a sua normal destinação, por certo tempo ou indeterminado. É ato de colaboração entre as entidades públicas, em que aquela que tem bem desnecessário aos seus serviços cede o uso a outra que o está precisando, nas condições estabelecidas no respectivo termo de cessão, não se confundindo com forma de alienação, sendo modalidade de utilização de bens públicos não aplicados ao serviço direto do cedente, na lição de Caio Tácito (RDA 32/482). Como tal não exige autorização legislativa e se faz com o simples termo e anotação cadastral, sendo ato ordinário da Administração.

Na lição de Celso Antônio Bandeira de Mello (Curso de Direito Administrativo, 17ª edição, São Paulo, Malheiros, pág. 813), tais bens pertencem à União Federal consoante o artigo 20, VII, da Constituição Federal e se constituem em bens púbicos dominicais e não devem ser confundidos com as praias, que são bens públicos federais de uso comum(artigo 20, IV, da Constituição).

Antes necessário fazer menção a enfiteuse ou aforamento, instituto civil que permite ao proprietário atribuir a outrem o domínio útil do imóvel, pagando a pessoa, que o adquire, e assim se constitui enfiteuta, ao senhorio direto, uma pensão ou foro, anual, certo e invariável. Consiste, pois, na transferência do domínio útil do imóvel público para posse, uso e gozo perpétuo da pessoa que o irá utilizar daqui por diante. Será então o aforamento ou enfiteuse o direito real de posse, uso e gozo pleno da coisa alheia que o titular(foreiro ou enfiteuta) pode alienar, e transmitir hereditariamente, porém, com a obrigação de pagar perpetuamente uma pensão anual(foro) ao senhorio direto, como ainda ensinou Clóvis Beviláqua(Código Civil Comentado, 1938, III/237). Há, pois, uma dicotomia entre o domínio útil e o domínio direto. O domínio útil consiste no direito de usufruir o imóvel do modo mais completo possível e de transmiti-lo a outrem, por ato entre vivos ou de última vontade(testamento). Por sua vez, o domínio direto é ainda chamado de domínio eminente, é o direito à substância mesma do imóvel, sem as suas utilidades.

Vejamos o que há na esfera da União Federal.

Em bem lançada síntese, na Remessa ex officio em Ação Civil nº 305.628, no Tribunal Regional Federal da 5ª Região, Paulo Machado Cordeiro, em julgamento de 15 de junho de 2004, lembrou que no aprazamento foreiro, em regime de enfiteuse, há que se distinguir o domínio útil do senhorio direto. Na ocupação, não se encontra essa distinção porque o domínio é exclusivo da União que não transmite ao ocupante qualquer direito de propriedade, nem lhe dá direito o seu aforamento. A constituição de aforamento depende de autorização presidencial ou legal, para a ocupação basta sua inscrição no SPU e o pagamento das taxas de ocupação. No aforamento enfitêutico, o bem aprazado passa ao foreiro, que dele usa, goza e dispõe; na ocupação, os direitos do ocupante se resumem no seu uso e gozo e disponibilidade das benfeitoras. Aquele é perpétuo e definitivo, tomando seu conceito no direito civil não podendo ser retirado pelo senhorio direto; este é temporário e provisório, sendo resolúvel a qualquer tempo pelo proprietário do bem, o poder público.

O aforamento enfitêutico e a ocupação são formas completamente distintas de utilização de imóveis da União.

No caso da ocupação das terras públicas, o Decreto-lei nº 9.760/46, nos artigos 127 a 133, regula essas ocupações de terrenos da União, estabelecendo, em síntese:

a) Os ocupantes de terrenos da União, sem título, são inscritos, de oficio, pelo SPU e pagarão uma taxa de ocupação;

b) Em caso de inadimplência do ocupante por mais de dois anos, o SPU promoverá a cobrança executiva e irá providenciar a desocupação do imóvel;

c) Permite-se a transferência onerosa sobre as benfeitorias edificadas no terreno ocupado, mediante o pagamento de um laudêmio de 5% sobre o valor do terreno e das benfeitorias, após a aquiescência do SPU;

d) Se a União Federal necessitar do mencionado imóvel o SPU poderá negar a licença para a transferência;

e) A inscrição do ocupante no SPU e pagamento da taxa de ocupação anual não implicam no reconhecimento pela União de qualquer direito de propriedade do ocupante sobre o terreno ou ao seu aforamento, salvo nas hipóteses de tratar-se de ocupante inscrito até o ano de 1940, quites com as taxas de ocupação;

f) A União Federal se reserva o direito de, a qualquer tempo, necessitando do imóvel imitir-se em sua posse, indenizando as benfeitorias se a ocupação houver sido feita de boa-fé.

A teor do artigo 101 do Decreto-lei 9760/46, os terrenos aforados pela União ficam sujeitos ao foro de 0,6% (seis décimos por cento) do valor do respectivo domínio pleno, que será anualmente atualizado. (Redação dada pela Lei nº 7.450, de 1985)

Discute-se o preço desse domínio útil.

Isso já se via quando se questionava sobre sua indenização nas desapropriações.

A Indenização na desapropriação não será paga senão a quem demonstre ser o titular do domínio do imóvel que lhe serve de objeto(artigo 34 do Decreto-lei nº 3.365/41; artigo 13 do Decreto-lei 554/69 e § 2º do artigo 6º da Lei Complementar 76/93).

Há discussão com relação à área sujeita a aforamento. A esse respeito, de longe, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário 35.752 – DF, Relator Ministro Luiz Gallotti, enfrentou questão envolvendo imóvel sujeito a aforamento. Decidiu-se que só tendo o expropriado o domínio útil, não deve receber a indenização por inteiro, como se fora titular do domino pleno, e sim descontada de vinte foros e um laudêmio. Aliás, na matéria, Seabra Fagundes(A desapropriação no direito brasileiro, n. 525) admitia que o valor do domínio direto seja vinte pensões anuais. De modo contrário, opinava Eurico Sodré(Desapropriação por necessidade ou utilidade pública, edição 1945) considerava o disposto no Regulamento de 1903. Disse bem, para o caso, Themistocles Brandão Cavalcanti, Procurador da República, que a indenização corresponde ao valor da propriedade, como direito real, mas também, a extinção de um contrato de enfiteuse, um arrendamento perpétuo que atribui ao senhorio direto uma renda perpétua. Afirmou o Ministro Galloti: “Ora, o laudêmio, pago obrigatoriamente ao caso de venda do domínio útil, como indenização ao senhorio direto, pelo fato de não ser este usado da preferência, corresponde efetivamente uma parte do valor desse domínio, e, portanto, a inclusão do laudêmio se impõe no cálculo do valor desse domínio”. Tal ainda a opinião de Sabbatini(Expropriazione per pubblica utilitá, volume II, pág. 127).

Dir-se-á que a enfiteuse é um instituto caduco. Por certo é, havendo censuras da doutrina a sua prática e sua inconveniência na rotina administrativa. Até 10 de janeiro de 2003(fim da vigência do Código Civil de 1916), a enfiteuse era considerada um direito real, no entanto, com a vigência do Código Civil de 2002, em 11 de janeiro daquele ano, a enfiteuse saiu do rol dos direitos reais que são previstos no artigo 1.225 do novo Código. Registre-se que, na esfera federal, permanece em vigência, na matéria, o Decreto-lei nº 9.760, de 5 de setembro de 1946, lei especial, naquilo que dispõe sobre o instituto do aforamento(artigos 99 e seguintes).

De toda sorte é medida elogiável que esses imóveis sejam postos a venda, uma vez que são patrimônio disponível da União, cujo produto da alienação pode aliviar as dificuldades hoje existentes nos cofres públicos.

Há a chamada remição do foro, que é o pagamento de certa importância por parte do enfiteuta a quem havia o imóvel por enfiteuse, liberando o bem do encargo que sobre ele pesava.

Em sede dos terrenos de marinha, a remição do foro é o ato pelo qual o titular do domínio útil de um imóvel foreiro, resgate, definitivamente, o domínio direto exercido pela União Federal, passando a ser titular do domínio pleno do imóvel.

A teor do artigo 122 do Decreto-Lei 9.760/46, autorizada na forma do artigo 103 da norma, “a remissão do aforamento dos terrenos compreendidos em determinada zona, o SPU notificará os foreiros, na forma do parágrafo único do artigo 104 da autorização concedida”.

Uma das formas de extinção do aforamento é a remição de foro(remissão, consoante se usa no artigo 103, III, do Decreto-lei 9.760/46, incluído pela Lei 11.481, de 2007), quando não mais subsistirem os motivos determinantes da aplicação do regime enfiteutico.

A teor do artigo 123 do Decreto-lei 9.760/46, com a redação que foi dada pela lei 9.636, de 1998, “a remição do aforamento será feita pela importância correspondente a 17%(dezessete por cento) do valor do domínio pleno do terreno”. Feito o resgate, o órgão local do SPU expedirá certificado de remição para averbação no Registro de Imóveis, que haverá extinção de um direito real. Nesse sentido o artigo 3º da MP 691/15. Pessoas carentes ou de baixa renda serão dispensadas desse pagamento.

Segundo o artigo 6º da MP 691, o Ministro de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão, permitida a delegação, editará Portaria com a lista de áreas ou imóveis sujeitos à alienação nos termos desta Medida Provisória. E assim se diz naquele diploma legal:

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“§ 1o Os terrenos de marinha alienados na forma desta Medida Provisória devem estar situados em áreas urbanas consolidadas de Municípios com mais de cem mil habitantes e não incluirão:

I - áreas de preservação permanente, na forma do inciso II do caput do art. 3o da Lei no 12.651, de 25 de maio de 2012; e

II - áreas em que seja vedado o parcelamento do solo, na forma do art. 3º e do inciso I do caput do art. 13. da Lei no 6.766, de 19 de dezembro de 1979.

§ 2o Para os fins do § 1o, considera-se área urbana consolidada aquela:

I - incluída no perímetro urbano pelo Plano Diretor ou por lei municipal específica;

II - com sistema viário implantado e vias de circulação pavimentadas;

III - organizada em quadras e lotes predominantemente edificados;

IV - de uso predominantemente urbano, caracterizado pela existência de edificações residenciais, comerciais, industriais, institucionais, mistas ou voltadas à prestação de serviços; e

V - com a presença de, no mínimo, três dos seguintes equipamentos de infraestrutura urbana implantados:

a) drenagem de águas pluviais;

b) esgotamento sanitário;

c) abastecimento de água potável;

d) distribuição de energia elétrica; e

e) limpeza urbana, coleta e manejo de resíduos sólidos.

§ 3o A alienação dos imóveis de que trata o § 1o não implica supressão das restrições administrativas de uso ou edificação que possam prejudicar a segurança da navegação, conforme estabelecido em ato do Ministro de Estado da Defesa..”

§ 4o Não há necessidade de autorização legislativa específica para alienação dos imóveis arrolados na Portaria de que trata o caput.”

Os imóveis inscritos em ocupação e em dia com o recolhimento das receitas patrimoniais poderão ser alienados, pelo valor de mercado, aos respectivos ocupantes cadastrados na Secretaria de Patrimônio da União(artigo 4º da MP 691, de 31 de agosto de 2015).

Caberá a Gerência do Patrimônio da União decidir sobre esses pedidos.

Segundo o art. 7º da MP 691/15, o adquirente receberá desconto de vinte e cinco por cento na aquisição com fundamento nos art. 3o e art. 4o realizadas no prazo de um ano, contado da data de entrada em vigor da Portaria, de que trata o art. 6o, que incluir o bem na lista de imóveis sujeitos à alienação.

Preceitua o artigo 11 daquela MP, que as receitas patrimoniais decorrentes da venda de imóveis arrolados na Portaria de que trata o art. 6o, e dos direitos reais a eles associados, ressalvadas aquelas com outra destinação prevista em lei, comporão o Fundo instituído pelo Decreto-Lei no 1.437, de 17 de dezembro de 1975, e integrarão a subconta especial destinada a atender às despesas com o Programa de Administração Patrimonial Imobiliária da União - PROAP, instituído pelo art. 37. da Lei no 9.636, de 1998.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. A alienação dos imóveis da União. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4471, 28 set. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/42685. Acesso em: 21 nov. 2024.

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