Se o médico de plantão entra em fadiga e percebe que não tem mais condições de trabalhar, o que fazer?
Atualmente, o que mais se vê são questões envolvendo médicos que estão tendo problemas com o cumprimento dos plantões, principalmente nas unidades públicas de atendimento. A população sofre com o descaso dos governos e os próprios médicos viram reféns da situação e terminam sofrendo como culpados.
É notório que os médicos clamam por atenção e respeito. Os médicos padecem de estigmas e expectativas sociais. Se por um lado podem ser objeto de adoração e reconhecimento por aqueles que gozam imediatamente de seus benefícios, são cobrados a nunca errar e sempre fazer viver mais, ou não deixar morrer ninguém, como se estivesse ao alcance deles o próprio dom da vida.
A imensa maioria dos gestores públicos massacra continuamente a categoria médica com salários abjetos, provocando uma evasão sem precedentes de profissionais do Sistema Único de Saúde, principalmente nos grandes centros urbanos.
O desgaste profissional do médico também se reflete na sua vida pessoal, provavelmente em maior medida do que ocorre em outros ofícios, como o de advogado (LEVINE e BRYANT, 2000).
O trabalho em atendimento às urgências e emergências em geral é realizado em regime de plantão, mas não obrigatoriamente.
Para muitas questões médicas, como jornada de trabalho, há uma carência enorme de regulamentação, seja através de resoluções dos Conselhos Regionais e Federal, seja através de Lei(s) Federal(is).
Recomenda-se a leitura dos artigos 3º, 12, 14, 23 e 27, todos do Código de Ética Médica. (Resolução nº 1.931 2009/2010 do CFM).
O destaque maior é quanto ao artigo 23, que determina que o médico tem direito a recusar-se a exercer sua profissão em instituição pública ou privada onde as condições de trabalho não sejam dignas ou possam prejudicar o paciente.
O que tem acontecido, muitas vezes, é que o médico termina sendo forçado a trabalhar sem ter tempo nem ao menos de ir ao banheiro.
A Lei Trabalhista (CLT) lida com os contratos de trabalho que geram relação de emprego. No entanto, há alguns regramentos que, por analogia, deveriam, em nosso sentir, ser utilizados.
O artigo 69 da CLT prevê que os municípios e autoridades competentes (no caso, poderíamos enquadrar os conselhos profissionais) têm poder de regulamentação. O artigo 71 do mesmo diploma estipula que em qualquer trabalho contínuo cuja duração exceda seis horas é obrigatória a concessão de intervalo de uma hora para almoço ou descanso.
Já nos termos do artigo 8º da Lei nº 3.999/61, que é a legislação trabalhista específica dos médicos, para cada 90 minutos de trabalho, o médico tem direito à fruição de 10 minutos de intervalo.
Reconhecidamente, estes intervalos previstos na Lei nº 3.999/71 são em tese mais benéficos, em comparação com aqueles que estão tutelados pelo art. 71 da CLT. No entanto, não se vislumbra qualquer incompatibilidade jurídica na concessão de ambos os períodos de descanso, sendo este um direito que o profissional da área médica precisa ter presente.
Ou seja, isto significa dizer que os intervalos do art. 71 constituem períodos precipuamente destinados ao descanso ou alimentação do empregado e devidos a todo trabalhador indistintamente, enquanto as pausas previstas na Lei 3.999/71 são definidas como uma garantia de natureza particular, sendo concedidas em função da natureza da função exercida pelo profissional da área da saúde, que exige mais períodos de descanso. Trata-se, portanto, de direitos acumuláveis.
Desta forma, para o médico que, por exemplo, mantenha uma jornada de trabalho em regime de plantões de 12 horas, há direito ao descanso de 10 minutos a cada 90 minutos trabalhados, e de mais 1 hora de intervalo.
Claramente, a intenção do legislador foi estabelecer intervalos com funções diversas, e que devem ser respeitadas pelas instituições hospitalares. Caso eventualmente tais intervalos não sejam respeitados, o médico terá direito à remuneração do tempo de intervalo, acrescido do adicional de 50%.
Para os médicos plantonistas não celetistas (quando não existe contrato de trabalho) não há lei que disponha sobre o assunto, podendo eles, no entanto, repousar, desde que não tenham pacientes para serem atendidos, em instalações adequadas de acordo com as normas internas do hospital.
Na maioria das vezes em que um médico é contratado como plantonista, esse plantão não é incluído como contrato de trabalho (tanto que não há pagamento de contribuição previdenciária – quem estiver sendo descontado a mais pode pedir pelo estorno/restituição).
O Conselho Federal de Medicina ainda não expediu qualquer resolução sobre o assunto, no entanto, no dia 13/02/2015, promoveu um encontro entre corregedores e assessores jurídicos dos Conselhos de Medicina.
A medida é digna de aplausos, pois é preciso que todos os Conselhos de Medicina busquem as melhores soluções para todos os médicos brasileiros.
Exemplo disso é o CREMESP – Conselho Regional de Medicina de São Paulo, que expediu a resolução nº 90 tratando sobre o tema.
Logo em seu artigo primeiro, a norma orienta que é incumbência do Diretor Técnico/Médico Responsável a vigilância sobre tais condições de trabalho. Esses diretores serão assessorados por comissões de ética médica em questões envolvendo a saúde ocupacional do médico.
Outra sugestão é procurar o Ministério Público (MP do Trabalho para os médicos e cível para a população) para que se tome medidas de controle (termo de ajustamento de conduta, por exemplo), medidas de recomendação, requisição de informações ou, quiçá, uma ação civil pública, para defesa dos direitos da população.
Portanto, é preciso que se tenha bom senso. A profissão médica é muito exigida pela população e há que se ter compreensão por parte de todos os setores da sociedade. A tendência é que todos os conselhos regionais editem normas reguladoras assim como o Conselho Federal, uniformizando o entendimento sobre esse assunto tão importante em nosso país.
Fontes:
DANTAS, Eduardo Vasconcelos dos Santos. Direito Médico. RJ: GZ Editora, 2014, 3ª ed.
FILOMENO, José Geraldo Brito. Responsabilidade civil: atividade médico-hospitalar. Rio de Janeiro: Esplanada, 1993.
CANAL, Raul. Erro Médico e Judicialização da Medicina. Brasília. Gráfica e Editora Saturno. 2014. 288p.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.
NETO, Miguel Kfouri. Responsabilidade civil do médico. São Paulo: RT, 2013, 8 ed.Resolução nº 1.931 2009/2010 do CFM
http://www.portalmedico.org.br/include/asaudedosmedicosdobrasil.pdf