Empresas em recuperação judicial e a contratação com o poder público.

Possibilidade de participação de licitação e dispensa das certidões previstas no artigo 31, II, da Lei nº 8.666/93

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O presente artigo visa compreender a possibilidade de empresas em recuperação judicial participarem de processo de licitação, analisar o projeto de Lei n° 3.969/2012, bem como os critérios que justificam tal permissão.

INTRODUÇÃO

A Lei Federal n°.10.406/2002 que instituiu o Código Civil foi estruturada sob três princípios basilares: eticidade[1], sociabilidade[2] e operabilidade[3], os quais deram nova roupagem ao códex.

Notavelmente verifica-se que o Código Civil, trata com bastante cautela a questão social da pessoa jurídica, inclusive da empresa que passa por situação de inadimplência, ensejando assim, processo de recuperação judicial ou falimentar.

Deve-se ponderar, que diante das dificuldades enfrentadas pela empresa em fase de recuperação judicial, e que busca, todavia se manter no mercado econômico, mister se faz o direito dessa empresa em participar de processos de licitação, em razão, da busca em se manter no mercado e também de seu quadro de funcionários.

Com a presente pesquisa, busca-se estabelecer critérios objetivos para que seja concedida ou negada a possibilidade de empresas recuperandas se habilitarem em processo de licitação, que determinem ou não a dispensabilidade das certidões negativas previstas no artigo 31, II, da Lei n° 8.666/93, uma vez que a entrega de tais documentos tem caráter obrigatório para uma empresa tornar- se licitante.

Hodiernamente, os editais de licitação preveem a exigência de apresentação de certidão negativa que englobe as situações de recuperação judicial fazendo uma interpretação extensiva ao instituto da concordata[4].

Destarte, a preocupação dos legisladores em preservar a atividade produtiva de empresas recuperandas, que possuem como principal fonte de renda o fornecimento de serviços públicos e que dependem da licitação para a manutenção dos seus ativos, ensejou a apresentação do projeto de Lei n° 3969/12 que será alvo de análise neste trabalho por trazer em seu bojo pontos essenciais para o alcance do objetivo do presente que é verificar a possibilidade de uma empresa em recuperação judicial contratar com o Poder Público.

O artigo 47 da Lei n° 11.101/05 estabelece quais os fatores que o juiz deverá observar para a manutenção da função social da empresa a fim de possibilitar uma recuperação judicial eficaz. No tocante a contratação de empresas recuperandas com o poder público, a legislação vigente não traz nenhum requisito para sua permissão, só estabelece que deva ser apresentada certidão negativa de falência ou concordata para habilitação em processo administrativo licitatório, conforme a redação do artigo 31, II da Lei n° 8.666/93, in verbis:

Art. 31.  A documentação relativa à qualificação econômico-financeira limitar-se-á a:

(...)

II - certidão negativa de falência ou concordata expedida pelo distribuidor da sede da pessoa jurídica, ou de execução patrimonial, expedida no domicílio da pessoa física.

Ademais, pretende-se fixar quais os critérios de que o magistrado deverá se valer para determinar a possibilidade de empresas em recuperação judicial participarem de licitação e averiguar se é admissível utilizar os termos dos dispositivos legais acima mencionados de forma extensiva.

Uma vez estabelecida essa possibilidade, busca-se analisar como será a aplicação dos critérios de viabilidade de recuperação e o atendimento do princípio da preservação da empresa em relação à ordem econômica e a superação do cenário de crise.

A elaboração da presente pesquisa foi fundamentada nos dispositivos da Lei de Recuperação Judicial e Falência n° 11.101/05, na Constituição Federal de 1988, no Código de Processo Civil – Lei n° 5.869/73, na Lei de Licitação n° 8.666/93, no Projeto de Lei n° 3.969/12 e também nas jurisprudências mais relevantes.

Levando em consideração que o tema é recente e ainda não há bases sólidas para orientar de forma plena a sua aplicação, justifica-se esta escolha, com o objetivo de contribuir para a melhor aplicação do instituto, em cumprimento aos princípios constitucionais e infraconstitucionais que estabelecem a observância de uma ordem econômica fundada na preservação da empresa pautadas como expressão de sua função social e nos princípios fundamentais e basilares do atual Código Civil.

 

1. A RECUPERAÇÃO JUDICIAL

 

No atual cenário econômico nacional em que estão inseridas as atividades empresariais e diante da sua latente instabilidade, torna-se necessário estabelecer mecanismos que possibilitam a manutenção e superação de umestado de crise, haja vista, ser de extrema importância o equilíbrio dessas atividades.

 Segundo Campinho (2012) a situação da crise econômico-financeira suportada pela sociedade empresária coaduna em um efeito patológico do funcionamento do crédito pelo desequilíbrio instalado entre o ativo e o passivo do devedor.

A recuperação judicial é o instituto resguardado pela Lei n° 11.101/2005 para possibilitar a reabilitação de uma empresa que enfrenta um período de anormalidade financeira entre seus ativos e passivos a fim de se manter ativa no mercado, preservar os empregos e a sua função social.

Nesse sentido, Campinho pondera sobre a viabilização de superação do estado de crise motivado no interesse da preservação da empresa:

“O instituto da recuperação vem desenhado justamente com o objetivo de promover a viabilização da superação desse estado de crise, motivado por um interesse na preservação da empresa desenvolvida pelo devedor. Enfatize-se a figura da empresa sob a ótica de uma unidade econômica que interessa manter, como um centro de equilíbrio econômico-social. É reconhecidamente, fonte produtora de bens, serviços, empregos e tributos que garantem o desenvolvimento econômico e social de um país. A sua manutenção consiste em conservar o “ativo social” por ela gerado. A empresa não interessa apenas a seu titular – o empresário –, mas a diversos outros atores do palco econômico, como os trabalhadores, investidores, fornecedores, instituições de crédito, ao Estado, e, em suma, aos agentes econômicos em geral. Por isso é que a solução para a crise da empresa passa por um estágio de equilíbrio dos interesses públicos, coletivos e privados que nela convivem”. (CAMPINHO, 2012, p.126)

Destarte, a recuperação judicial deve propiciar a reabilitação da empresa em crise através do equilíbrio dos interesses públicos e privados inseridos nesse processo.

No Brasil, o procedimento de recuperação das empresas foi introduzido em 2005 com o advento da Lei de Falências, mesmo que tardiamente em comparação com o Direito Internacional, que traz este instituto em seu bojo desde 1934 pelos Estados Unidos, sendo introduzido na França em 1967, aparecendo na Itália no fim do ano 1970 e em Portugal no ano de 1976 com a criação da declaração da empresa em situação economicamente difícil.

Outros países, no fim do século passado, introduziram mudanças no direito falimentar com o objetivo de criar mecanismos mais eficientes de preservação das empresas viáveis diante das crises, quais sejam: Áustria (1982), Reino Unido (1986), Colômbia (1989), Irlanda (1990), Austrália (1992), Espanha (1992) e Argentina (1994).

Ainda em sede de direito comparado exemplifica-se, abaixo, a diversidade da aplicação do instituto da recuperação judicial, (COELHO, 2011, p.117):

“Na Alemanha, as medidas de reorganização do direito alemão claramente não têm natureza preventiva, posto que pressupõem a quebra da empresa.(...)Nos Estados Unidos, o Poder Judiciário costuma intervir apenas para garantir o tratamento justo e equitativo entre as diversas classes dos credores.(...) No Japão, os mecanismos de recuperação são mais comumente empregados aos que são voltados exclusivamente às pequenas e médias empresas do que aos destinados às grandes.(...) No Brasil, a lei contempla duas medidas judiciais com o objetivo de evitar que a crise na empresa acarrete a falência de quem a explora. De um lado, a recuperação judicial; de outro, a homologação judicial de acordo de recuperação extrajudicial”.

 

Cada ordenamento procura seus próprios caminhos para a solução da difícil questão da recuperação das empresas em período de crise. Porém, todos compartilham de um único objetivo que é a superação do estado crítico de uma atividade empresarial e a preservação da atividade econômica, dos postos de trabalho e do interesse dos credores

Segundo Coelho (2011, p.118), se a empresa alcançar o status de recuperada, poderá cumprir sua função social e seguir suas atividades com solidez e cumpridora de suas obrigações civis, empresariais, tributárias, trabalhistas, entre outras.

Ademais, é pacificado o entendimento pelo Superior Tribunal de Justiça -STJ, da aplicação da recuperação judicial como meio de manutenção da empresa que atravessa um período de debilidade econômica por ser de interesse público. Senão vejamos:

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. VIOLAÇÃO DO ART. 535, II, DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. PREQUESTIONAMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL DE EMPRESA. FALÊNCIA. INTERESSE PÚBLICO. DESISTÊNCIA. POSSIBILIDADE. 1. A recuperação judicial visa a continuidade de empresa em crise econômico-financeira. Tem por fonte a função social da empresa, desempenhada pela atividade produtiva, buscando-se manter empregos, sem abalos à ordem econômica. Ela pressupõe um plano de recuperação judicial, que deverá ser aprovado pelo Juiz, vinculando todos os credores; todavia, descumprindo-se as obrigações assumidas no plano, qualquer credor poderá requerer a falência. 2. Tal como é lícito a qualquer credor formular o pedido de falência, também o é desistir do pedido antes de decretada a quebra, ainda no campo da recuperação judicial, pois, enquanto perdura a recuperação judicial, os interesses prevalecentes são os privados, os interesses patrimoniais dos credores, embasados pelo interesse social de que a empresa se mantenha.

3. Recurso especial conhecido em parte e provido. (REsp 1408973/SP, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, Rel. p/ Acórdão Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 11/03/2014, DJe 13/06/2014).grifo nosso

 

A recuperação judicial pressupõe a reabilitação da empresa economicamente produtiva primando por sua preservação e manutenção dos seus ativos para que alcance novamente o equilíbrio financeiro e atenda a contento os interesses dos credores e da sociedade.

                                                                                      

  1.  PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA

A preservação da empresa se faz necessária por diversos motivos, tais quais: manutenção de empregos; contribuição do PIB; afastamento da criminalidade; entre outros.

Nesse sentido, o artigo 47 da Lei n° 11.101/2005 demonstra qual a finalidade da Recuperação Judicial:

  “Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.”

A viabilização da superação da situação de crise econômico-financeira permeia o princípio da preservação da empresa aplicado pelo Poder Judiciário nos casos concretos para traçar a conduta das empresas em fase de recuperação judicial.

Pelo princípio da preservação da empresa o interesse social e coletivo prevalece sobre os interesses individuais, pois tem como objetivo preservar as organizações produtivas, diante do prejuízo econômico e social que poderia acarretar com o ensejo de um processo de falência. Assim, a quebra de uma empresa pode ocasionar aos empresários, trabalhadores, fornecedores, consumidores, bem como à sociedade civil prejuízos imensuráveis na ordem civil, penal, empresarial, tributária entre outros.

O princípio em tela, mesmo que implícito, é abarcado pelo ordenamento Constitucional:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

I - soberania nacional;

II - propriedade privada;

III - função social da propriedade;

IV - livre concorrência;

V - defesa do consumidor;

VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; 

 VII - redução das desigualdades regionais e sociais;

VIII - busca do pleno emprego;

IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. 

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

Nos moldes do artigo 170 da Constituição Federal, transcrito acima, depreende-se a preocupação da Carta Magna em preservar a ordem socioeconômica, bem como os meios produtivos.

Com o advento da Lei de Recuperação da Empresa n° 11.101/05, fica comprovada a importância que a empresa representa para a sociedade no sentido de restabelecer as condições econômico-financeiras em um momento de dificuldade, pois quando uma empresa cumpre com sua função social não é de interesse do Estado sua falência, mas sim sua manutenção, recuperação e preservação que deverá ocorrer de forma imediata.

Corroborando com esse entendimento, Campinho assevera que a recuperação judicial vai sempre pressupor a empresa viável:

A recuperação vai sempre pressupor a empresa viável, que passa por um estado de crise temporária e superável pela vontade dos credores. Um dos requisitos para se preferir a recuperação judicial à falência é justamente a confiança dos credores na demonstração de que a empresa se afigura ativa, produzindo meios capazes de superar a sua debilidade financeira. Haverá uma natural seleção entre aqueles agentes econômicos viáveis e capazes, que merecem apoio, e aqueles que dever ser alijados do convívio no mercado. Nessa ordem de fatores é que na prática, acreditamos, ter-se-á mais processos de falência do que de recuperação, mas a vocação da lei deve repousar, sempre, na prevalência do conceito recuperatório sobre o liquidatório. Conceitualmente, a recuperação é a regra e a falência é a execeção. Esse é o espírito a conduzir a exegesse dos preceitos da Lei n. 11.101/2005. (CAMPINHO, 2012, p 127).

No entanto, para a aplicação do art. 47 da Lei n°. 11.101/05, deve-se efetuar uma analise do caso concreto, cabendo ao operador do direito ponderar sobre a manutenção da unidade produtiva em detrimento dos credores e dos impactos dessa decisão na sociedade civil, pois as empresas que são tecnologicamente atrasadas ou possuem organização administrativa precária devem mesmo ser encerradas para o bem da economia, pois o instituto da recuperação da empresa tem sentido para corrigir disfunções do sistema econômico.

Diante da complexidade da extensão dos seus efeitos é que o exame da viabilidade da recuperação da empresa deve ser apreciado pelo Judiciário, não podendo homologar qualquer recuperação judicial.

Portanto, para apreciação do pedido de recuperação judicial, alguns aspectos devem ser levados em conta, como a importância social da empresa, o volume ativo e passivo, o tempo de existência, a mão de obra, a tecnologia aplicada e seu porte econômico, conforme determinação do art. 48 da Lei n° 11.101/2005:

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Art. 48. Poderá requerer recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos e que atenda aos seguintes requisitos, cumulativamente:

        I – não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes;

        II – não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial;

        III – não ter, há menos de 8 (oito) anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial de que trata a Seção V deste Capítulo;

        III - não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial de que trata a Seção V deste Capítulo.

        IV – não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos nesta Lei.

        § 1o  A recuperação judicial também poderá ser requerida pelo cônjuge sobrevivente, herdeiros do devedor, inventariante ou sócio remanescente.

Todos os créditos existentes na data do pedido, mesmo que ainda não vencidos, estarão sujeitos à recuperação judicial. Os credores do devedor em recuperação judicial poderão conservar seus direitos e privilégios contra os fiadores, coobrigados e obrigados de regresso.

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2.  EXIGÊNCIA DE CERTIDÃO NEGATIVA - ARTIGO 31, II, DA LEI N° 8.666/93.

 

Para habilitarem-se em um processo de licitação as empresas precisam demonstrar qualificação econômica suficiente para arcar com as responsabilidades da contratação com o poder público.

Nestes termos, o artigo 31 da Lei n° 8.666/93 esclarece qual a documentação necessária para apresentação, exigindo em seu inciso II, a certidão negativa de falência ou concordata.

Em um cenário de recuperação judicial, as empresas que têm como principal fonte de receita o oferecimento de mão de obra serviços e a contratação com o poder publico, deparam-se com uma barreira no seu processo de restabelecimento econômico por fragilizar a manutenção de seus ativos diante do perigo da impossibilidade de participar de licitação e de apresentar a certidão acima citada, pois, hodiernamente os editais de licitação preveem a exigência de apresentação de certidão negativa que englobe as situações de recuperação judicial fazendo uma interpretação extensiva ao instituto da concordata.

Embora o rol do artigo 31 da Lei 8.666/93 seja taxativo, a apresentação da certidão negativa de falência ou concordata exigida pela inteligência do inciso II do mesmo códex é suficiente para ensejar a discussão da possibilidade de empresas em recuperação judicial participarem ou não de processos licitatórios.

O conflito entre a real comprovação da qualificação econômico-financeira da licitante e a capacidade de manutenção dos ativos e da sua função social, deve ser analisado no caso concreto a fim de determinar a melhor aplicação da Lei n° 11.101/2005 frente aos interesses do Poder Público e da sociedade civil.

 

3. EMPRESAS RECUPERANDAS E A CONTRATAÇÃO COM O PODER PÚBLICO.

 

Superada a definição do princípio da preservação da empresa e da exigência do artigo 31, II, da Lei n° 8.666/93 para habilitação de empresas em processo licitatório, constata-se o conflito entre o Poder Público e as empresas em recuperação judicial perante a impossibilidade de apresentar a totalidade das certidões demandadas, tais como, certidão de falência ou concordata ou certidão negativa de débitos tributários.

Ocorre que, quando a empresa recuperanda tem como principal fonte de receitas a contratação com entes públicos, a proibição da manutenção de seus contratos ou da participação em novas licitações acarretaria na sua imediata convolação em falência por não coseguir manter sua capacidade produtiva, gerando como consequência o desemprego e o impacto negativo na ordem econômica e social.

Por outro lado, é exigida, pelo Poder Público, a comprovação da capacidade financeira da licitante, por ser necessário garantir que a empresa honrará com a responsabilidade e com os riscos do serviço contratado.

Com o entendimento de que é preciso primar pela importância da manutenção da atividade produtiva e dos empregos e, pelo alcance social do instituto da recuperação judicial, o Juízo da 5ª Vara Cível e de Acidentes do Trabalho do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, da Comarca de Manaus, deferiu o pedido da empresa recuperanda, dispensando a certidão negativa de recuperação judicial para fins de contratação com o poder público. Vejamos:

“... conforme já decidido anteriormente, a excepcionalidade do caso e os escopos da recuperação de empresas justificam a dispensa da apresentação das certidões negativas de débitos pela recuperanda. É certo que o art. 52, da LRF exige a apresentação de certidões negativas para contratação com o poder público. Mas também é certo que ainda não existe lei específica que permita um parcelamento especial das dívidas fiscais, conforme estabelece o art. 68 da LRF. Daí que, diante da lacuna legislativa, é razoável dispensar-se a recuperanda da apresentação de certidões negativas de débitos, inclusive fiscais e trabalhistas, para contratação com o Poder Público, sob pena de inviabilização dos escopos do processo, cujas conseqüências sociais são das mais relevantes e merecedoras de proteção jurídica. E mais. Também não se afigura regular que o Poder Público estabeleça como requisito econômico-financeiro para participação em licitações a apresentação de certidão negativa de recuperação judicial pela empresa interessada. Isso porque, o art. 31, inc. II da Lei nº 8.666/93 estabelece exigência de certidão negativa de falência ou concordata. Ocorre que não existe a figura jurídica da concordata e não é correto afirmar que a concordata tenha simplesmente sido substituída pela figura da recuperação da empresa trazida pela Lei nº 11.101/05. Ademais, não faz sentido que o Estado promova e incentive a recuperação das empresas, criando instituto inovador e de grande alcance social no qual se coloca em destaque a importância da manutenção da atividade produtiva e dos empregos, e, e de outro lado, limite as empresas em recuperação judicial de participar de certamos públicos. Me parece evidente, que após o advento da Lei nº 11.101/05 (com a extinção da figura da concordata), não mais subsiste a exigência de apresentação de certidão negativa como condição de participação de licitações, sendo mesmo ilegal o edital que a exige em relação à recuperação judicial. Diante do exposto, defiro o pedido, oficiando-se aos órgãos públicos indicados a fim de informa-lhes de que a recuperanda está dispensada de apresentação de certidões negativas de débitos, inclusive fiscais e trabalhistas, bem como de certidão negativa de recuperação judicial para fins de contratação, bem como está devidamente autorizada a receber normalmente pelos serviços prestados”. (TJAM – Ato de 1° Grau, processo n° 0211083.24.2012.8.04.0001, Juiz de Direito Dr. Rosselberto Himenes, 5ª Vara Cível, Julgado em 26/09/2013).

A problemática entre a preservação da empresa para manutenção da sua função social e o Poder Discricionário da Administração Pública é cada vez mais presente nos processos de recuperação judicial sendo pertinente a análise dos julgados nos casos concretos a fim de delinear os parâmetros para solução dos casos correlatos.

 

  1. PROJETO DE LEI N° 3.969/2012

 

Aos dias vinte e nove do mês de maio de 2012, o Deputado Carlos Bezerra do PMDB/MT apresentou o Projeto de Lei n° 3969 que altera o artigo 31 da Lei n° 8.666 /1993 e artigo 52 da Lei n° 11.101/2005 para permitir a participação, em licitações, de empresas em processo de recuperação judicial.

Se o projeto acima citado for aprovado, o art. 31 da Lei n° 8.666/1993 e o art. 52 da Lei n° 11.101/2005 passarão a ter a seguinte redação:

“Art. 31. A documentação relativa à qualificação econômico-financeira limitar-se-á a:

(...)

§7° Será admitida nas licitações a participação de empresas em processo de recuperação judicial concedida na forma na Lei n° 11.101, de 9 de Fevereiro de 2005 desde que atendidos os requisitos para habilitação no edital.”

“Art. 52. Estando em termos a documentação exigida no art. 51 desta Lei, o juiz deferirá o processamento da recuperação judicial e, no mesmo ato:

(...)

II – determinará a dispensa da apresentação de certidões negativas para que o devedor exerça suas atividades, exceto para recebimento de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, observando o disposto no art. 69 desta lei;”

Como justificativa do Projeto, o Deputado Carlos Bezerra explica que em razão do que dispõe o art. 31, inciso II, da lei de licitações, Lei nº 8.666/1993, os editais de licitação vêm exigindo que a certidão negativa englobe também as situações de recuperação judicial de que trata a nova lei de falência, Lei nº 11.101/2005 e que essa exigência é amparada pelo entendimento de que a recuperação judicial é sucessora da extinta concordata.

 No entanto, ainda em sede de defesa, o autor do projeto esclarece que, trata-se de institutos jurídicos completamente distintos, enquanto que a concordata podia ser considerada um favor legal, concedido judicialmente mediante requerimento do empresário, com o objetivo de prorrogar o vencimento ou mesmo obter a remissão de seus débitos, visando evitar ou, conforme a situação, suspender a falência da empresa; a recuperação judicial objetiva viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

Diante do exposto, o Deputado Carlos Bezerra pontua ser inadiável atualizar o texto da Lei de Licitações, bem assim a própria Lei de Falência, cujo art. 52 prevê, com caráter excepcional, a emissão de certidão negativa para que o devedor possa contratar com o Poder Público, sendo que o procedimento ideal seria suprimir de vez o termo concordata da Lei de Licitações, para que não remanesça a equivocada equiparação dos institutos da Concordata e da Recuperação Judicial.

A proposição do projeto é submetida e distribuída à apreciação conclusiva pelas Comissões de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio; à Comissão Finanças e Tributação, que também se pronunciará sobre o mérito e à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.

Aos dias vinte e nove do mês de setembro de 2012, o relator Deputado Espiridião Amin da Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio – CDEIC proferiu relatório rejeitando a proposição do Projeto de Lei em defesa do interesse público, e da preservação da isonomia no ambiente empresarial, não entendendo ser uma proposta adequada, pelos riscos inerentes a ela.

Segundo o relator “a proposta rejeitada não se trata de mera questão financeira, mas de potencial relevância dos prejuízos à população em decorrência do período em que bens e serviços não são disponibilizados da forma prevista”, constituindo em um risco a contratação de serviços ou entrega de bens de empresas em recuperação judicial.

Em relação à isonomia, diz o deputado que “pela redação da proposição em análise, as empresas em geral continuariam obrigadas a comprovar entre outros aspectos, a regularidade das obrigações fiscais e trabalhistas e sua boa situação financeira. Assim, impede-se a participação de empresas que apresentem frágeis indicadores econômico-financeiros nas licitações, embora se permita que empresas em manifesta crise econômica ou financeira, desde que em recuperação judicial, participem desse processo”.

No entanto, o relatório do Deputado Espiridião Amin não fora apreciado, sendo designado o Relator Deputado João Maia que no dia 13/03/2013 julgou oportuno e apropriado o entendimento do primeiro relatório apresentado e votou pela rejeição do Projeto de Lei n° 3.969/2012, sendo esse aprovado por unanimidade no dia 05/06/2013.

Aos dias seis de junho de 2013, o projeto foi recebido pela Comissão de Finanças e Tributação – CFT.

Aos dias vinte e cinco de outubro de 2013, o relator Deputado Guilherme Campos apresentou parecer pela não implicação da matéria em aumento de despesa ou diminuição da receita ou da despesa públicas, não cabendo pronunciamento quanto aos aspectos orçamentário e financeiro públicos, e, quanto ao mérito, votou pela aprovação do Projeto de Lei n°3.969/2012.

Segundo o relator da CFT, a matéria tratada no projeto, ao permitir a participação, em licitações, de empresas em processo de recuperação judicial, não apresenta repercussão nos Orçamentos da União, eis que se reveste de caráter essencialmente normativo, sem impacto direto ou indireto quanto a quantitativos orçamentário ou financeiro públicos da União.

Quanto ao mérito, o Deputado Guilherme Campos apresenta posições diferentes às do relator antecedente Deputado João Maia, pois parte do pressuposto que a recuperação judicial tem características bastante distintas da concordata.

Ademais, quando uma empresa é enquadrada na condição de recuperanda, a finalidade é, efetivamente, mantê-la em funcionamento com o objetivo de saneá-la. Nestas circunstâncias, se o plano aprovado pelo novo regime está sendo cumprido e a interessada está cumprindo suas obrigações, não deve ser penalizada.

Portanto, impedi-la de participar em processos licitatórios equivaleria a impor-lhe condições mais restritivas que as aplicáveis às concorrentes, o que não contribui para restabelecer seu modo de operação pleno.

No dia 31/01/2015, o Projeto de Lei foi arquivado antes da análise do relatório apresentado pelo Deputado Guilherme Campos.

Aos dias vinte e seis de junho de 2015, o projeto foi desarquivado atendendo o requerimento do seu autor Deputado Carlos Bezerra, nos termos art. 105, parágrafo único, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados.

Atualmente o projeto está aguardando a designação de relator na Comissão de Finanças e Tributação – CFT que deverá apresentar relatório e voto pela sua aprovação ou rejeição, ato contínuo deverá ser apreciado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.

 

  1. PRECEDENTE NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.

 

No dia 18/12/2014, antes do desarquivamento do PL n° 3.969/2012, a 2ª turma do STJ,  decidiu, por maioria, que uma empresa em recuperação judicial, do ramo de soluções de tecnologia com o foco comercial dirigido ao setor público pode participar de licitações públicas, in verbis:

AGRAVO REGIMENTAL EM MEDIDA CAUTELAR. LIMINAR DEFERIDA PARA CONFERIR EFEITO SUSPENSIVO AO RECURSO ESPECIAL ADMITIDO. LICITAÇÕES E CONTRATOS. NECESSIDADE DE EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL APRESENTAR CERTIDÃO PREVISTA NO ART. 31, II, DA LEI 8.666/93. QUESTÃO INÉDITA. ATIVIDADE EMPRESARIAL. RENDA TOTALMENTE OBTIDA POR CONTRATOS COM ENTES PÚBLICOS. PERICULUM IN MORA INVERSO EVIDENCIADO. QUESTÃO INÉDITA. INEXISTÊNCIA DOS REQUISITOS ENSEJADORES DO DEFERIMENTO DA MEDIDA. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO. LIMINAR CASSADA. EXTINÇÃO DA MEDIDA CAUTELAR SEM JULGAMENTO DE MÉRITO.1.  A jurisprudência pacífica desta Corte Superior de Justiça é no sentido de que a concessão de provimento liminar em medidas cautelares reclama a satisfação cumulativa dos requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora. O primeiro consubstancia-se  no fato de o direito alegado no recurso ser plausível e encontrar amparo em entendimentos deste Superior Tribunal e o segundo remonta-se à possibilidade de perecimento do direito caso a medida não seja deferida.2. O Tribunal de origem exarou decisão no sentido de permitir que a agravante, pessoa jurídica em recuperação judicial, continuasse a participar de licitações públicas, "sem apresentação da certidão negativa de recuperação judicial" salientando, para tanto, que essa "possui todas as certidões negativas ínsitas no art. 31 da Lei nº 8.666/93, sendo certo que, por estar em recuperação judicial, não seria capaz de apresentar apenas a certidão negativa de falência ou concordata." 3. Quanto ao fumus boni iuris - possibilidade de  empresa em recuperação judicial ser dispensada de apresentação da certidão ínsita no inciso II, do art. 31, da Lei nº 8.666/93, considerando os fins do instituto elencados no art. 47 da Lei nº 11.101/2005 - para fins de participação em certames, verifica-se que esta Corte Superior de Justiça não possui posicionamento específico quanto ao tema.4. Nos feitos que contam como parte pessoas jurídicas em processo de recuperação judicial, a jurisprudência do STJ tem-se orientado no sentido de se viabilizar procedimentos aptos a auxiliar a empresa nessa fase. A propósito, cita-se o REsp 1187404/MT - feito no qual foi relativizada a obrigatoriedade de  apresentação de documentos, por parte de empresas sujeitas à Lei nº 11.101/2005, para fins obtenção de parcelamento tributário. Restou consignado que: "em uma exegese teleológica da nova Lei de Falências, visando conferir operacionalidade à recuperação judicial, é desnecessário comprovação de regularidade tributária, nos termos do art. 57 da Lei n.11.101/2005 e do art. 191-A do CTN, diante da inexistência de lei específica a disciplinar o parcelamento da dívida fiscal e previdenciária de empresas em recuperação judicial. (REsp 1187404/MT, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO.) 5. O fato de o pleito deduzido no especial não encontrar amparo em qualquer precedente desta Corte, somando à tese adotada, em situações similares, no sentido de relativizar as exigências documentais, previstas em lei, para que empresas em recuperação judicia possam lograr êxito em seu plano recuperatório, afastam, da espécie, o fumus boni iuris.6. Não resta evidenciada a alegação de ser o  provimento assegurado pela instância a quo genérico com efeito  erga omnes. O Tribunal a quo  não autorizou a recorrida a participar sumariamente de toda e qualquer licitação sem apresentação de quaisquer documentos previstos na lei de regência. Afastou a apresentação de uma certidão: a certidão negativa de falência ou concordata expedida pelo distribuidor da sede da pessoa jurídica.7. O periculum in mora não foi demonstrado, pois o agravado não foi capaz de demonstrar o perecimento de seu direito. Aliás, ao contrário, visualiza-se na espécie, possível ocorrência de periculum in mora inverso, pois, tendo a agravante focado sua atividade empresarial em contratos com os entes públicos, constituindo-se em 100 % de sua fonte de receitas, a subsistência da liminar em tela poderá comprometer a sua existência.8. Agravo regimental provido, cassando a liminar anteriormente deferida e julgando extinta, sem julgamento de mérito, a presente Medida Cautelar” (AgRg na MC 23.499/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, Rel. p/ Acórdão Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/12/2014, DJe 19/12/2014).

 

O entendimento da maioria dos relatores que ensejou a decisão de permitir a participação em licitação da empresa recuperanda foi de que a antiga concordata é instituto diferente da recuperação judicial e que não há previsão legal para a exigibilidade da certidão de recuperação judicial no procedimento licitatório.

Observa-se ainda, que a recuperanda em tela não é devedora fiscal nem tributária e focou sua atividade em contratos com os entes públicos, de modo que, a proibição de licitar comprometeria a existência da empresa.

No entanto, a decisão pela possibilidade de participação de empresas em recuperação judicial em licitação não foi unânime tendo votos contrários que desencadearam questões relevantes quanto à afronta do princípio da legalidade por obrigar o ente público a dispensar documentos que a lei exige e o risco que enfrentará a administração pública em contratar com empresas que poderão não cumprir ou suportar a totalidade de suas obrigações nos prazos definidos.

Apesar de tramitar na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n° 3.960/2012 que vislumbra a permissão de participação, em licitações, de empresas em processo de recuperação judicial, não há no ordenamento pátrio lei que proíba expressamente uma empresa em recuperação judicial de participar de licitação, portanto, a decisão do STJ não implica em uma imposição à administração pública e sim uma liberdade à empresa que deverá ser analisada em cada caso diante da viabilidade de recuperação da empresa devidamente comprovada.

CONCLUSÃO

 

Além dos fundamentos que regem a ordem econômica nacional e os princípios expressos no art. 170 da Constituição Federal, é importante que haja o reconhecimento do instituto da preservação de empresa como princípio constitucional implícito na norma jurídica.

Esse princípio não é focado no interesse individual da pessoa do empresário, e sim em salvaguardar o interesse de toda a coletividade envolvida pela atividade empresarial, pois essa é a ferramenta que proporciona a manutenção da vida social e, é tão somente a partir do seu pleno desenvolvimento que se alcança a função social da empresa.

Defender a manutenção da capacidade produtiva da empresa não quer dizer que todas as sociedades empresárias mereçam ser recuperadas, pois é defesa a preservação, pelo ordenamento jurídico, de empresas que descumpram sua função social tornando-se nociva a sua manutenção.

A Empresa, o Estado e a Sociedade não existem isoladamente, devendo relacionar-se de forma harmoniosa, visando garantir a preservação dos interesses coletivos e, sobretudo, da dignidade da pessoa humana.

O Judiciário deve ser criterioso ao definir qual empresa deve ser recuperada, pois para salvá-la da crise, essa deve encontrar uma solução de mercado e se isso não ocorrer, o melhor é a determinação da falência com o redirecionamento dos recursos materiais e humanos para outras atividades econômicas produtivas.

Nesse diapasão, somente as empresas viáveis devem ser objeto de recuperação judicial, devendo mostrar que tem condições de devolver à sociedade brasileira o sacrifício feito para salvá-las, pois é essa coletividade social que arca com o ônus da recuperação. Por isso, justifica-se o exame da viabilidade pelo Judiciário, em função dos requisitos de importância social, mão de obra e tecnologia empregadas, o volume do ativo e passivo, o tempo de existência da empresa e seu porte econômico.

Deferido o processamento da recuperação judicial e a empresa cumprindo as suas obrigações, entende-se que ela está apta para desenvolver suas atividades produtivas normalmente e se restabelecer no mercado.

As empresas que possuem como principal fonte de renda o fornecimento de serviço público e a contratação com o Poder Público enfrentam o empecilho da apresentação das certidões negativas exigidas, hodiernamente, pela Administração Pública nos editais de licitação, pois utilizam de interpretação extensiva do art. 31, inciso II, da Lei n° 8.666/1993, relacionando a recuperação judicial com o instituo da concordata.

Diante do conflito entre o interesse público, a isonomia empresarial e a preservação da empresa, foi apresentado pelo Deputado Carlos Bezerra o Projeto de Lei n° 3.969/2012 que pretende viabilizar a participação das empresas em recuperação judicial em licitação alterando o art. 31 da Lei n° 8.666/1993 e o art. 52 da Lei n° 11.101/2005.

Desde sua apresentação, foram apresentados 3 (três) relatórios: 2 (dois) pela Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio – CDEIC, e 1 (um) pela Comissão de Finanças e Tributação - CFT, sendo rejeitado pela primeira e aprovado pela segunda.

Como justificativa da rejeição os relatores da CDEIC entendem que os riscos acarreados pela decisão de permitir que empresas recuperandas contratem com o poder público é superior às benesses que essa poderia trazer indo de encontro aos princípios do interesse público e da isonomia empresarial.

Contrariando o entendimento dos relatores antecedentes o relator da CFT votou pela aprovação do projeto esclarecendo que o instituto da recuperação judicial difere-se do instituto da concordata e que o deferimento do plano de recuperação judicial remete à possibilidade da recuperanda em contratar com o Poder Público por estar ativa em sua capacidade produtiva.

Nesse ínterim, no dia 18/12/2014 o Superior Tribunal de Justiça decidiu que uma empresa em recuperação judicial pode participar de licitação uma vez que a antiga concordata é instituto diferente da recuperação judicial e que não há previsão legal para a exigibilidade da certidão de recuperação judicial no procedimento licitatório.

Esse precedente deve ser entendido como uma liberdade da empresa em participar de licitação e não uma afronta ao princípio da legalidade, pois tal medida só é cabível a empresas que apesar estarem em recuperação judicial demonstrem capacidade produtiva de arcar com os prazos e riscos da contratação com o Poder Público.

Diante do exposto, conclui-se que há uma tendência por parte dos legisladores em solucionar o conflito de interesses entre o Poder Público e as recuperandas e que apesar desse embate, ambos primam pela manutenção: da função social, das fontes produtivas rentáveis e do equilíbrio econômico.

Por fim, insta mencionar que a pesquisa não buscou esgotar o tema, mas, contribuir para o conhecimento jurídico.

 

REFERÊNCIAS

 

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BRASIL. Lei no 11.101, de 9 de fevereiro 2005. Brasília, DF: Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/>. Acesso em: 26/04/2015.

 

BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Brasília, DF: Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/>. Acesso em: 26/04/2015.

 

BRASIL. Lei no  5.869, de 11 de janeiro de 1973. Brasília, DF: Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/>. Acesso em: 26/04/2015.

     

CAMPINHO, Sérgio. Falência e Recuperação de Empresa. O novo Regime da Insolvência Empresarial. 6. Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2012.

 

COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. Direito de Empresa. 24. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

 

COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários a Lei de Falências  de Recuperação de Empresas. 8. Ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

 

MAMED, Gladston. Direito Societário: Sociedades Simples e Empresárias. 6. Ed. São Paulo: Atlas, 2012.

 

NEGRÃO, Ricardo. Aspectos objetivos da lei de recuperação de empresas e de falências: Lei n° 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. 4. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

 

NONES, Nelson. Sobre o Princípio da Preservação da Empresa. Disponível em < http://proxy.furb.br/ojs/index.php/juridica/article/view/841> Acesso em: 14 mar.2015.

 

OLIVEIRA, André Luis Saad. O princípio da preservação da empresa manifestado no Código Civil sob uma perspectiva societária. Disponível em < http://www.castelobranco.br/sistema/novoenfoque/files/04/REVISTA_ELETRONICA_DE_DIREITO_DA_UCB-O_PRINCIPIO_DA_PRESERVACAO_DA_EMPRESA_MANIFESTADO_NO_CODIGO_CIVIL_SOB_UMA_PERSPECTIVA_SOCIETARIA.pdf> Acesso em: 3 mar.2015.

 

RAMOS, André Luiz Santa Crus. Direito Empresarial Esquematizado. 4. Ed. São Paulo: Método.

 

REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Falimentar. 17. Ed. São Paulo: Saraiva, 1998.

 

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SIMÃO FILHO, Adalberto. Direito empresarial II. Direito societário contemporâneo.       São Paulo: Saraiva, 2012.

 

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[1]  Substantivo feminino que expressa a qualidade do que é ético e moral, caracterizando alguém que age dessa forma. A ética pretende dar um fundamento às exigências morais (ética pura e normativa), estabelecendo por si mesma as leis que terão de determinar a conduta moral da vida pessoal e coletiva. Neste sentido, o seu papel é muitas vezes demonstrar de que maneira é possível superar o relativismo ético. A palavra ética deriva do grego “ethos”, que corresponde ao conjunto de hábitos de valores de determinada sociedade.

[2] Característica ou particularidade do que é sociável; sociabilidade. Instinto ou habilidade social. (Et. Social + (I)dade. O Código Civil de 2.002, em sintonia com a Constituição Federal de 1.988, busca a justiça social e regional e acima de tudo a dignidade da pessoa humana. A propriedade não é mais absoluto ''pode ser desapropriada, CC/2.002 art. 1.228 § 1º e § 3º´´. O contrato passa a ter função social, é defeso conter elementos que estabeleçam vantagens exageradas de uma parte em prejuízo a outra. Deve conter regras implícitas ou explícitas que promovam o bem comum, o equilíbrio contratual, a justiça social, igualdade material, sempre buscando a materialização da dignidade da pessoa humana.

[3] Este princípio busca a razoabilidade do Direito. O CC/2.002, estabeleceu a técnica Legislativa peculiar, utilizando as chamadas Cláusulas Gerais ou Normas Abertas, Normas Civis em branco. Elas diferem-se das normas casuísticas, pois o Juiz e o Operador do Direito podem analisar e aplicar a norma de forma individualizada, diferentemente das normas casuísticas, onde o Juiz apenas deveria aplicar a Lei sem ferir a sensibilidade e particularidade dos casos. As Cláusulas Gerais, não pretendem solucionar ou dar a resposta de todas as lides, todavia que estas respostas são construídas pela jurisprudência.

[4] O Instituto a disposição do devedor empresário para recuperar judicialmente, quando ainda em vigor o DL 7661/1945, era a concordata, em sua forma preventiva ou suspensiva. Por tal medida, o empresário poderia conseguir uma remissão parcial de suas dividas, uma dilatação nos prazos de vencimentos ou, ainda, as duas coisas de uma só vez. Acontece que tal desconto  remissão e a dilatação de prazos eram engessados pelo diploma regulador, pois este previa que tal desconto poderia ser no máximo de 50%(cinqüenta por cento) e o prazo, obedecidas às amortizações anteriores impostas legalmente, dilatado apenas até dóis anos. Além do quê, a concordata, fosse ela suspensiva ou preventiva, somente afetava os créditos quirografários.

 

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Sobre a autora
Renata Priscila Benevides de Sousa

Advogada - Especialista em Direito Civil e Processo Civil.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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