A maioridade penal e suas implicações

30/09/2015 às 15:33
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Traçar um perfil da maioridade em suas mais variadas situações trás à atualidade um aspecto polêmico e controvertido, com realce das correntes pró e contra a redução da imputabilidade penal.

"A melhor maneira de prever o futuro é criá-lo" Peter F. Drucker

Traçar um perfil da maioridade em suas mais variadas situações trás à atualidade um aspecto polêmico e controvertido, com realce das correntes pró e contra a redução da imputabilidade penal

Os reflexos decorrentes da alteração da idade que venham a afetar o cidadão nos aspectos comportamentais sociais, econômicos e financeiros, já em um enfoque interdisciplinar, com as repercussões pertinentes às variadas áreas do ordenamento jurídico é o que buscaremos nas próximas linhas, dentro da simples visão que o trabalho propõe.

Remonta à época da renúncia de Dom Pedro I ao trono de Imperador do Brasil, por volta de 1831, o início do episódio mais conhecido como o "golpe da maioridade". Pressionado pela ala liberal e setores da elite, Dom Pedro I deixou o poder em meio a enorme crise institucional, passando o Brasil a ser governado por uma regência escolhida pela Assembléia Geral, porquanto o príncipe herdeiro – Dom Pedro II – tinha apenas 6 anos de idade.

Dom Pedro II tornou-se então imperador, com apenas 14 anos de idade, fato marcante não só pelo ineditismo da época, em que o direito era ditado pelas Ordenações Filipinas e, portanto, ainda sob a influência lusitana, mas também porque o fato veio contribuir para a mudança de rumos do poder político do Brasil dos idos de 1840.

O Brasil adotou no Código Penal de 1890 os limites de 09 a 14 anos. Até os 09 anos, o infrator era considerado inimputável. Entre 09 e 14, o juiz verificava se o infrator havia agido com discernimento, podendo ser considerado criminoso. O Código de Menores de 1927 consignava 3 limites de idade: com 14 anos de idade o infrator era inimputável; de 14 até 16 anos de idade ainda era considerado irresponsável, mas instaurava-se um processo para apurar o fato com possibilidade de cerceamento de liberdade; finalmente entre 16 e 18 anos de idade, o menor poderia ser considerado responsável, sofrendo pena. A Lei Federal 6.691 de 1979, o chamado Código de Menores, reafirmou o teor do C.P.B quando classificou o menor de 18 anos como absolutamente inimputável.

Em outros países a idade mínima para a responsabilidade criminal é variável, sendo de 07 anos na Austrália, Egito, Kuwait, Suíça e Trinidad e Tobago; 08 anos na Líbia; 09 anos no Iraque; 10 anos na Malásia; 12 anos no Equador, Israel e Líbano; 13 na Espanha, 14 na Armênia, Áustria, China, Alemanha, Itália, Japão e Coréia do Sul; 15 na Dinamarca, Finlândia e Noruega; 16 anos na Argentina, Chile e Cuba; 17 anos na Polônia e 18 na Colômbia e em Luxemburgo[1]. 

Atualmente a maioridade penal no Brasil é atingida aos dezoito anos, o que significa dizer que o jovem, antes de completar essa idade, é considerado inimputável, sujeitando-se a uma penalidade mais branda. De acordo com o artigo 228 da Constituição Federal, "são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial". Idêntica previsão legal encontra-se no artigo 27 do Código Penal. As normas de legislação especial mencionadas pela Carta Magna estão consubstanciadas na Lei 8.069/90, também conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), cujo artigo 104 fixa a idade de dezoito anos como limite para a inimputabilidade do menor.

O Legislador manteve-se fiel ao princípio de que a pessoa menor de dezoito anos não possui desenvolvimento mental completo para compreender o caráter ilícito de seus atos, ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, erigindo, inclusive, o dogma constitucional (CF, art. 228). Adotou-se o sistema biológico, em que é considerada tão-somente a idade do agente, independentemente da sua capacidade psíquica.

Entretanto, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é considerado tolerante demais com a delinqüência e portanto não cumpriria sua função de intimidar os jovens que pensam em transgredir a lei. Além disso, supõe-se que o número de crianças e adolescentes infratores esteja aumentando vertiginosamente, e que essa tendência só poderá ser revertida com a adoção de medidas repressivas. 

É verdade que ao criar as medidas sócio-educativas, o legislador tentou dar um tratamento diferenciado aos menores de 18 anos, reconhecendo neles a condição peculiar de pessoas em desenvolvimento. Nessa linha, as medidas deveriam ser aplicadas para recuperar e reintegrar o jovem à comunidade, o que lamentavelmente não ocorre, pois ao serem executadas transformam-se em verdadeiras penas, completamente inócuas, ineficazes, gerando a impunidade, tão reclamada e combatida por todos. O sistema é falho, principalmente o da execução destas medidas, para não dizer falido, mas o menor, um ser em desenvolvimento, que necessita do auxílio de todos para ser criado, educado e formado, é quem sofre as conseqüências da falta de todos aqueles que de fato e de direito são os verdadeiros culpados pela sua situação de risco.

No processo de sua execução, esta é a verdade, as medidas transformam-se em castigos, revoltam os menores, os maiores, a sociedade, não recuperam ninguém, a exemplo do que ocorre no sistema penitenciário adotado para os adultos.

Um dos pontos mais criticados do ECA é o limite máximo de três anos de internação, não importa qual tenha sido o delito cometido. O ECA estabelece, no parágrafo 3º do artigo 121, que "em nenhuma hipótese o período de internação excederá a três anos", e, no parágrafo 5º: "a libertação será compulsória aos 21 anos de idade". Desta forma, o adolescente que cometeu um crime pode ficar no máximo três anos privado de liberdade, podendo sair antes desse período. Além disso, quando sair não carregará consigo nenhum registro criminal, ou seja, terá sua ficha criminal absolutamente limpa. Sem dúvida tal fato é um descompasso com a realidade, já que gera uma sensação de impunidade na sociedade, fazendo com que se imagine que o crime compensa. 

Alguns países, como os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, consideram a gravidade do delito mais importante do que a idade do autor. Esse princípio permite à justiça norte-americana aplicar até a pena de morte a crianças, o que não viria ao caso no Brasil. A maioria dos países da Europa e das Américas, porém, adota legislação especial para os cidadãos menores de 18 anos. 

Em verdade, hoje se constata evolução crescente do número de adolescentes na prática de atitudes criminosas, os quais já não mais se limitam ao cometimento de pequenos delitos. A imprensa noticia com freqüência o envolvimento de menores em crimes hediondos, como homicídio qualificado, tráfico de entorpecentes, estupro, extorsão mediante seqüestro, latrocínio etc.

Dessa forma, reduz-se o espaço para a ingenuidade, e com maior razão no que concerne aos adolescentes. Aliás, estes estão mais afeitos a essas inovações. Em algumas situações, há inversão da ordem natural, sendo comum, por exemplo, filhos orientarem os pais sobre assuntos da informática. Indiscutível, pois, o desenvolvimento psíquico-intelectual do adolescente nessa faixa etária. Como, então, considerar essas pessoas inimputáveis?

Neste sentido se pronunciou o então Presidente da Ordem dos Advogados do Estado de São Paulo, Luíz Flávio Borges D'Urso “poderão haver pessoas com a mesma idade cronológica contudo, com capacidade de entendimento diversas, a ensejar responsabilização também diferenciada. Trata-se do critério bio-etário ou bio-psicológico”.

Faz surgir então, novamente, o debate sobre a questão da redução da maioridade penal. O debate é atual, pois a violência e o envolvimento de menores de dezoito anos tem aumentado. Há respeitáveis vozes defendendo a diminuição da maioridade penal, entretanto grande parte dessa corrente a condiciona à comprovação do desenvolvimento intelectual e emocional do adolescente entre 16 e 18 anos [2]. Adoção do sistema biopsicológico (ou biopsicológico normativo ou misto), onde as pessoas nessa faixa etária necessariamente serão submetidas a avaliação psiquiátrica e psicológica para aferir o seu grau de amadurecimento. 

O grande inconveniente dessa opção está na necessidade de perícia psicológica e psiquiátrica em todo menor entre 16 e 18 anos que venha a cometer infração penal. Ter-se-ia de providenciar perícia médico-psicológica para apurar a imputabilidade ou inimputabilidade, mesmo em se cuidando de delito de bagatela. Ora, isso atrasaria sobremaneira a instrução do processo, congestionaria a rede pública de saúde, obstaria por completo a entrega da prestação jurisdicional além do ônus considerável ao Estado.

Talvez mais justo e socialmente adequado para os dias atuais seria a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, sem necessidade de avaliação do grau de desenvolvimento psíquico-emocional do menor. Adoção do critério puramente biológico, porém a partir do décimo sexto aniversário do adolescente, uma vez completados, a pessoa sujeitar-se-ia às regras do Código Penal e leis esparsas pertinentes. Não haveria qualquer subjetivismo. A fim de corroborar esse ponto de vista, novamente trago à colação a abalizada lição do mestre MIGUEL REALE [3] , verbis:

“Tendo o agente ciência de sua impunidade, está dando justo motivo à imperiosa mudança na idade limite da imputabilidade penal, que deve efetivamente começar aos dezesseis anos, inclusive, devido à precocidade da consciência delitual resultante dos acelerados processos de comunicação que caracterizam nosso tempo.”

Em "O menor delinqüente", artigo do Professor Leon Frejda Szklarowsky afirma que:

"não se justifica que o menor de dezoito anos e maior de quatorze anos possa cometer os delitos mais hediondos e graves, nada lhe acontecendo senão a simples sujeição às normas da legislação especial. Vale dizer: punição zero"[4]. 

Não podemos assistir de braços cruzados a escalada de violência, onde menores de 18 anos praticam os mais hediondos crimes e já integram organizações delituosas, sendo inteiramente capazes de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento. O Estatuto da Criança e do Adolescente, por benevolente que é, não tem intimidado os menores. Como forma de ajustamento à realidade social e de criar meios para enfrentar a criminalidade com eficácia, impõe-se seja considerado imputável qualquer homem ou mulher a partir dos dezesseis anos de idade[5]. 

Não há dúvida, diante dos avanços verificados na sociedade e do progresso intelectual vivido pelo jovem da atualidade, que o mesmo já se encontra maduro em grande parte dos sentidos, de modo a entender claramente o caráter ilícito de sua conduta e a determinar-se de acordo com esse entendimento.

No entanto, lamentavelmente não podemos esquecer a existência um grande abismo entre a aptidão à maioridade plena, ou seja, estar apto a assumir a responsabilidade por um crime praticado, e a estrutura de que dispõe o sistema penitenciário brasileiro para albergar criminosos, hoje corrompido, cruel, anti-educativo e, o que é mais grave, dissociado do princípio basilar do estado de direito[6]. 

Em síntese, o mais ajustado seria contrabalancear os dois lados, daqueles que defendem e dos que se opõe, sendo compreensível a resistência quanto ao rebaixamento da maioridade penal, em função do sistema penal arcaico e rudimentar que ainda vivenciamos. Outrossim, a violência inescrupulosa de alguns jovens nos dias atuais é ponto crucial para analisarmos melhor sua postura perante o grupo social que compartilhamos. 

Trata-se de uma escolha a ser tomada pela sociedade, que por desfortúnio, aguarda a implantação de políticas governamentais que solucionem o problema em sua "raiz", reduzindo-se, desde logo, o excesso de impunidade e de violência no país.

Notas do texto:

[1] FIGUEIREDO, Luiz Carlos Vieira de. Redução da maioridade penal . Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 58, ago. 2002. 

[2] A esse respeito PEC nº 20, de 1999, de autoria do Senador José Roberto Arruda.

[3] Ob. Cit., p. 161.

[4] SILVA, S.M., Imputabilidade penal e a redução da idade de 18 para 16 anos, Internet, Jus Navegandi.

[5] JORGE, Éder. Redução da maioridade penal . Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n. 60, nov. 2002. 

[6] PEREIRA, João Batista Costa. A maioridade: uma visão interdisciplinar . Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n. 60, nov. 2002. 
 

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Dyanndra Lisita Celico Destri

Advogada e Sócia-Diretora D Consulting Group - Consultoria Estratégica especializada na Formatação, Expansão e Gestão de Franquias.

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