Disciplina prisional: falta grave no curso da execução penal e prescrição

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08/10/2015 às 13:26
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A Lei 7.210/84 impõe ao sentenciado deveres, muitos deles de natureza disciplinar, podendo seu descumprimento implicar em sansões, repercutindo no regular cumprimento da pena. Em que pese imposição de tais deveres, silenciou com relação à prescrição.

INTRODUÇÃO

Dentre os deveres dos apenados que se encontram em cumprimento de pena privativa de liberdade, a Lei 7.210/1984, dispõe como obrigação primeira, a disciplina prisional, conforme pode ser percebido em uma rápida leitura ao art. 39 do referido diploma legal.

Da mesma forma que trata como dever do condenado a mantença da disciplina prisional, estatui quais são as transgressões disciplinares e a respectiva sanção a ser aplicada, obviamente, após a devida apuração em processo administrativo disciplinar, observado o devido processo legal, bem como os princípios da ampla defesa e do contraditório.

Após a conclusão do procedimento administrativo, com seu trânsito em julgado, este deverá ser encaminhado ao Juiz das execuções penais, para que homologue ou não a decisão da administração penitenciária, por óbvio, após a manifestação do Ministério Público e da defesa do reeducando.

O reconhecimento judicial do cometimento da falta disciplinar de natureza grave, repercute de forma nefasta no regular cumprimento da reprimenda por parte do apenado, uma vez que além da punição disciplinar (isolamento celular, suspensão do direito de visitas, e etc.), a qual poderá ser aplicada independentemente do reconhecimento judicial, o lapso temporal para concessão progressão de regime prisional será interrompido (conforme decidiu a Terceira Sessão do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do EREsp. 1.176.486-SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 28/3/2012), desprezando o tempo cumprido até então, e reiniciando com o saldo remanescente.

A problemática reside no fato da lei de execuções silenciar quanto ao prazo prescricional para que o estado apure e aplique a sanção correspondente, criando uma lacuna que obrigatoriamente deverá ser suprimida pelo operador do direito, haja vista que não haveria qualquer sentido o estado poder, a qualquer tempo, punir uma falta administrativa, o que criaria enorme insegurança jurídica, e ainda, seria absurdamente desproporcional, uma vez que somente em delitos pontuais, taxativamente previstos na Constituição Federal é que não há prazo para que o Estado apure e puna (art. 109 do Código Penal), ou seja, a regra é a prescrição.

Ante a ausência normativa, deverá o julgador resolver a questão posta, atentando para os postulados acima referidos, e assim, surge a analogia, fonte integrativa do direito, como resposta.

Ocorre que a jurisprudência[1] dominante vem utilizando, por analogia, o menor lapso temporal previsto no art. 109 do Código Penal[2], como prazo prescricional das faltas disciplinares de natureza grave cometidas no curso da execução da pena privativa de liberdade, o que viola frontalmente o princípio da proporcionalidade, uma vez que falta disciplinar não pode ser equiparada a nenhum tipo penal, sob risco de estar-se aplicando a analogia in malam partem, haja vista que tal exercício por parte do julgador não pode, em hipótese alguma causar qualquer prejuízo ao réu, neste caso, ao apenado. Surge assim, a necessidade de se encontrar um lapso prescricional que obedeça aos princípios da proporcionalidade e da mínima exposição ao cárcere, todos estes, manifestações da princípio da dignidade da pessoa humana.  


UTILIZAÇÃO ANALÓGICA DO CÓDIGO PENAL

Conforme dito anteriormente, equivocadamente a jurisprudência dominante, inclusive nos Tribunais Superiores, utiliza o menor lapso temporal previsto no Código Penal, que era de 2 (dois) anos, passando para 3 (três) desde a vigência da Lei 12.234/2010, que alterou o art. 109, VI do CP.

Todavia, tal solução não é o melhor caminho, conforme restará demonstrado.

2.1.A analogia no direito penal

A analogia é método de aplicação da norma penal, onde em razão da ausência de norma especifica, é permitido ao julgador a utilização de outra nos casos em que ocorram situações de similitude.

Bitencourt[3], citando Bettiol, explica que a analogia, “consiste na extensão de uma norma jurídica de um caso previsto a um caso não previsto com fundamento na semelhança entre os dois casos, porque o princípio informador da norma que deve ser estendida abraça em si também o caso não expressamente nem implicitamente previsto”.

Conclui-se então que a analogia somente poderá suprimir uma lacuna normativa, quando estiverem presentes casos semelhantes.

Entretanto há de se distinguir a utilização do instituto para integração de normas penais incriminadoras, que crie novos crimes ou novas penas, estas vedadas pelo princípio da reserva legal (nullum crimen nulla poena sine praevia lege), de sua utilização para normas penais não incriminadoras (o que ocorre, por exemplo, com as causas extintivas de punibilidade), estas sim, não alcançadas por aquela vedação.

Outrossim, deve-se observar que tal exercício de aplicação da norma penal, somente será possível quando da operação restar algum benefício ao jurisdicionado. Novamente invoca-se o mestre Bitencourt:

Dessa forma, as normas penais não incriminadoras, que não são alcançadas pelo princípio nullum crimem nulla poena sine lege, podem perfeitamente ter suas lacunas integradas ou complementadas pela analogia, desde que, em hipótese alguma, agravem a situação do infrator. Trata-se, nesses casos, da conhecida analogia in bonam partem [4].

Neste diapasão, para que seja possível a utilização da analogia como fonte do direito, é necessário que coexistam dois requisitos, quais sejam:  a) exista semelhança entre as situações. O que no caso do presente estudo, não o é, haja vista de um lado estar uma conduta tipificada e tida como crime, e de outra, uma mera infração administrativa, não podendo em hipótese alguma haver equiparação; e b) a integração seja para beneficiar, ou seja, melhorar a situação do agente.  

No mesmo sentido, Damásio de Jesus:

Considerada a analogia, numa noção geral, como a aplicação de uma regra de direito reguladora de determinadas relações a outras relações que tem afinidade com aquelas, mas para as quais não foi estabelecida, pode-se dizer que este processo tem por fundamento a identidade da ratio legis, com inspiração no princípio de que, onde existe a mesma razão de decidir, é de aplicar-se o mesmo dispositivo de lei: ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio. [5]

Constata-se, portanto, desarrazoada a equiparação de infração disciplinar administrativa a qualquer conduta típica, ademais, o lapso prescricional previsto no art. 109, VI do Código Penal, refere-se aos crimes punidos com pena máxima de até 01 (um) ano, ou seja, estar-se-ia dando o mesmo tratamento que é dispensado a dezenas de delitos (por exemplo, lesão corporal, omissão de socorro, maus tratos, dentre muitos outros) para uma transgressão disciplinar.

Ainda há de se ponderar, que com a edição da Lei 12.234/2010 elevou-se de sobremaneira o menor lapso temporal previsto no Código Penal, aumentando-o em metade (salta de 2, para 3 anos), tornando tal aplicação analógica desproporcional e irrazoável. Até porque, o prazo disposto no art. 109, VI, NÃO É O MENOR LAPSO PRESCRICIONAL PREVISTO NO CÓDIGO PENAL.

O art. 114 do Código Penal dispõe:

Art. 114 - A prescrição da pena de multa ocorrerá: (Redação dada pela Lei nº 9.268, de 1º.4.1996)

I - em 2 (dois) anos, quando a multa for a única cominada ou aplicada; (Incluído pela Lei nº 9.268, de 1º.4.1996). [6]

Ora, o próprio comando normativo invocado pelos que defendem a utilização do “menor lapso prescricional previsto no CP”, concebe como menor prazo o art. 114, I e não o art. 109, VI, clarividenciando uma enorme contradição, o que nos leva a concluir que a mantença do entendimento majoritário seria chancelar a analogia in mallam partem, instituto absolutamente vedado pela Constituição Federal Brasileira, garantista em sua essência.

2.2. Alternativas

Pululam pelos tribunais pátrios entendimentos diversos ao anteriormente esposado, (ainda minoritários, verdade) aplicando a norma análoga de forma muito mais proporcional e razoável, atentando para os princípios gerais do direito penal e da execução penal.

2.2.1. Aplicação do lapso prescricional previsto no art. 142, III da Lei 8.112/1990

Dentre as alternativas criadas pela doutrina e jurisprudência, encontra-se a aplicação do Estatuto dos Servidores Civis da União, que prevê um prazo de 180 (cento e oitenta) dias para prescrição das faltas em que a penalidade cominada é advertência.

Este é o entendimento esposado por um dos maiores penalistas brasileiros da atualidade, Guilherme de Souza Nucci:

o contorno da falta grave do condenado atinge diretamente a execução penal, cuidando-se, pois, de fato relevante, impossível de ser regulado por regimento interno de presídio. O caminho correto, partindo-se para a analogia, visto que a Lei de Execução Penal é omissa a respeito, deve voltar-se à prescrição das faltas administrativas em geral. Tomando-se por base o disposto pela Lei 8.112/90, disciplinando o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais, tem-se o prazo de 180 dias, quando a penalidade é advertência (a mais branda), nos termos do art. 142, III (...)[7]

No mesmo sentido têm decidido algumas Câmaras de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo:

Agravo em Execução. Pleito preliminar de oitiva do reeducando em juízo, no mérito requer absolvição da falta grave. Decurso de mais de 180 dias entre a instauração do procedimento disciplinar e a prolação de decisão pelo magistrado 'a quo'. Aplicação analógica do Estatuto dos Servidores da União prevendo prazo prescricional de 180 dias. Prescrição reconhecida de ofício. Recurso provido.

(TJ-SP , Relator: Guilherme de Souza Nucci, Data de Julgamento: 16/12/2014, 16ª Câmara de Direito Criminal).

AGRAVO EM EXECUÇÃO Falta Grave Abandono do regime semiaberto em 02/01/2013 e recaptura em 11/01/2013 Pleiteia o reconhecimento da prescrição da infração disciplinar, nos termos do art. 142, III da Lei 8.112/90. Subsidiariamente, requer a anulação da decisão recorrida, ante a ausência de oitiva judicial do sentenciado, nos termos do art. 118, § 2º, da LEP PRESCRIÇÃO Aplicação analógica do Estatuto dos Servidores da União Prazo de 180 dias Operou-se a prescrição entre a data da instauração da sindicância e a decisão judicial que reconheceu a falta grave, nos termos do artigo 142, inciso III e § 2º da Lei nº 8.112/90. Agravo provido.

(TJ-SP - EP: 00210413820148260000 SP 0021041-38.2014.8.26.0000, Relator: Paulo Rossi, Data de Julgamento: 11/06/2014, 12ª Câmara de Direito Criminal, Data de Publicação: 18/06/2014)

Explica o Iminente Relator Paulo Rossi, no voto relativo ao acórdão acima citado:

Ante a inexistência de previsão na legislação específica, resolvia-se por analogia, aplicando-se o disposto nos artigos 107, inciso IV e 109, inciso VI do Código Penal.

Todavia, a aplicação do Código Penal ainda não é a melhor solução, haja vista que o prazo de 03 anos (alterado pela Lei n.º 12.234/2010) para a apuração de infração disciplinar em sede de execução penal, convenha-se, é lapso deveras expressivo, sobretudo quando se tem claro não serem poucas as reprimendas corporais que sequer alcançam esse patamar. E infração administrativa não pode ser alçada à importância de crime.

Dessa forma, ponderando-se que não se pode contrabalançar em pé de igualdade o delito e a infração disciplinar, adota-se, na hipótese, pelo maior espectro conferido aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade (...)

2.2.2. Aplicação da prescrição ânua

Os Decretos Presidenciais concessivos de indulto e comutação de penas, promulgados anualmente no dia de Natal, concede àqueles que preenchem os requisitos estabelecidos, o perdão da pena (total ou parcial).

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Dentre os requisitos necessários, encontra-se o bom comportamento carcerário, aferido através da inexistência de reconhecimento de falta disciplinar de natureza grave no período de 12 (doze) meses que antecedem a publicação do Decreto. A título de exemplo veja-se o Decreto 8380/2014, o qual dispõe:

Art. 5º A declaração do indulto e da comutação de penas previstos neste Decreto fica condicionada à inexistência de aplicação de sanção, reconhecida pelo juízo competente, em audiência de justificação, garantido o direito ao contraditório e à ampla defesa, por falta disciplinar de natureza grave, prevista na Lei de Execução Penal, cometida nos doze meses de cumprimento da pena, contados retroativamente à data de publicação deste Decreto [8].

Neste raciocínio, o bom comportamento carcerário é auferido pelos últimos 12 meses, assim não poderia se falar em apuração de uma falta decorrido tal período. E ainda, sendo a LEP silente o CP não poderia ser aplicado analogicamente quando existe legislação especifica, neste caso, os Decretos Natalinos.

Para Perícles Batista da Silva:

Inexiste óbice, do ponto de vista jurídico, à aplicação desta analogia.

De fato, não subsiste a tese de que a prescrição é matéria de ordem pública que deveria ser tratada por lei em sentido estrito e não por meio de um ato normativo infralegal.

Mesmo porque o Decreto de Indulto/Comutação ora analisado trata especificamente da matéria prescrição.

E nem se alegue que o Código Penal, por possuir natureza de lei ordinária, deve prevalecer por ser norma hierarquicamente superior em relação ao Decreto Presidencial, tendo em vista que não há hierarquia normativa para a aplicação da analogia, devendo a questão ser resolvida, mediante o estabelecimento de parâmetro consentâneo com os ditames da proporcionalidade e razoabilidade[9].

Este entendimento vem sendo aplicado por alguns tribunais, Brasil a fora.

AGRAVO EM EXECUÇÃO - LEI Nº 12.234/10 - PRAZO PRESCRICIONAL PARA APURAÇÃO DE FALTA GRAVE - ANALOGIA COM O PRAZO DO DECRETO DE INDULTO - FALTA PRESCRITA - RECURSO PROVIDO. - A entrada em vigor da Lei nº 12.234/10 tornou excessivamente rigorosa aos reeducandos a aplicação analógica do art. 109, VI, do CP, às faltas graves, sendo mais razoável a aplicação, de forma analógica, do prazo de um ano previsto no decreto de indulto.” - TJMG - Agravo Execução Penal 1.0079.09.970180-1/001 - 0575121-23.2012.8. 13.0000, Relator(a) Des.(a) Eduardo Brum, Julgamento 30/05/2012. No mesmo sentido: TJMG – Agravo em Execução nº 0550948-66.2011.8.13.0000 - Relator: Des.(a) HERBERT CARNEIRO Data do Julgamento: 30/11/2011 - Data da Publicação: 14/12/2011; TJMG – PROC. 0709673-56.2011.8.13.0000 - RELATOR: DES. NELSON MISSIAS DE MORAIS – J. 23.-2.12; TJMG – Ag. Execução Penal – Proc. 1.0024.05.794101-5/001 – J. 02.05.2012.

AGRAVO EM EXECUÇÃO - LEI Nº 12.234/10 - PRAZO PRESCRICIONAL PARA APURAÇÃO DE FALTA GRAVE - ANALOGIA COM O PRAZO DO DECRETO DE INDULTO - FALTA PRESCRITA - RECURSO PROVIDO. - A entrada em vigor da Lei nº 12.234/10 tornou excessivamente rigorosa aos reeducandos a aplicação analógica do art. 109, VI, do CP, às faltas graves, sendo mais razoável a aplicação, de forma analógica, do prazo de um ano previsto no decreto de indulto."

(TJMG - Agravo Execução Penal 1.0079.09.970180-1/001 - 0575121-23.2012.8.13.0000, Relator (a) Des.(a) Eduardo Brum, Julgamento 30/05/2012).

Sustentam os defensores desta tese, que se para a pena ser extinta, o que ocorre com a sentença que reconhece o indulto, é necessário o decurso de 12 meses, pelo principio da razoabilidade e da proporcionalidade também para falta grave deve-se utilizar tal prazo.

Explica Rodrigo Duque Estrada Roig[10] que, “em nome dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, que as infrações disciplinares são um minus em relação às infrações penais e por esta razão devem possuir um prazo igualmente inferior.”

2.2.3. Dos prazos fixados em regulamentos estaduais

Objetivando preencher a lacuna da legislação federal, alguns regulamentos estaduais passaram a fixar prazos prescricionais para apuração e punição da falta disciplinar de natureza grave, utilizando como base legal a competência concorrente, estabelecida pelo art. 24, I Constituição Federal, para legislar em matéria penitenciária.

Neste passo, é de se verificar que o direito penitenciário é autônomo, e como a própria Constituição Federal estatui, a competência para legislar em matéria penitenciária é concorrente. Assim, deverá a união estabelecer regras gerais aplicáveis em todos os casos, e, de forma suplementar, os Estados Membros poderão legislar a respeito do que silenciou o legislador federal.

Acerca da autonomia do Direito Penitenciário, Adeildo Nunes[11] explica que:

 “Observando-se que o Direito Penitenciário está constitucionalizado (art. 24, I, CF/88), que existe Lei específica sobre a matéria (Lei Federal 7.210/84) e que é disciplina nas principais faculdades de Direito do país, pode-se afirmar sua autonomia como ramo do Direito Público Interno, na área das ciências criminais, que regula os direitos e deveres do preso e do interno, as atribuições e competência de cada um dos órgãos de execução e o processo de execução da pena e da medida de segurança.”

Nesse sentido, entendendo a plena autonomia de um Direito Penitenciário, e a competência concorrente dos Estados Membros para legislar sobre a matéria, decidiram alguns tribunais da seguinte forma:

AGE Nº 70.057.504.979AG/M 2.120 - S 19.12.2013 - P 153 AGRAVO DA EXECUÇÃO (ART. 197 DA LEP). PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR PARA APURAÇÃO DE FALTA GRAVE. NÃO CONCLUSÃO DO PAD EM TEMPO HÁBIL PELO DIRETOR DA CASA PRISIONAL. VULNERAÇÃO DE DEVER LEGAL E REGULAMENTAR DO SEU OFÍCIO ADMINISTRATIVO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE DO APENADO EM FACE DE PRESCRIÇÃO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. DECISÃO MANTIDA. COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL CONCORRENTE DA UNIÃO E DOS ESTADOS PARA LEGISLAR SOBRE DIREITO PENITENCIÁRIO, ÂMBITO EM QUE À UNIÃO INCUMBE FIXAR AS REGRAS GERAIS (NACIONAIS) FEDERATIVAS E AOS ESTADOS EXERCER A SUA COMPETÊNCIA CONCORRENTE SUPLEMENTAR SOBRE A MATÉRIA. INTELIGÊNCIA DO ART. 24, INC. I (3ª HIP.), E §§ 1º A 4º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, DOS ARTS. 47 E 59 DA LEP E DOS ARTS. 36 E 37 DO RDP/RS. 1.A não conclusão do prévio e obrigatório procedimento administrativo disciplinar em tempo hábil que assegure a ampla defesa e o contraditório ao apenado, pelo diretor da Casa Prisional, para averiguar a conduta faltosa a ele imputada, caracteriza vício omissivo e vulnera as regras dos artigos 47 e 59 da LEP (Lei nº 7.210/84), bem assim as prescrições regulamentares do Regimento Disciplinar Penitenciário do Estado do Rio Grande do Sul (Decreto nº 47.592/2010). 2. Ademais disto, a não conclusão em tempo hábil do prévio procedimento administrativo disciplinar para apuração da falta grave imputada ao apenado, pelo diretor da Casa Prisional, conduz o caso sob exame à prescrição (ou decadência) administrativa, consoante prescrito, modo expresso, no art. 37 do Regulamento Disciplinar Penitenciário do Estado do Rio Grande do Sul. 3.Nos termos do art. 24, inc. I (3ª hip.), e §§ 1º e 2º, da Constituição Federal, a iniciativa legislativa pertinente às regras de "direito penitenciário" é da competência concorrente entre a União, os Estados e o Distrito Federal, âmbito em que à União incumbe a edição das regras gerais (nacionais) federativas (CF, art. 24, § 1º), ao passo que aos Estados é atribuído o exercício da competência concorrente suplementar na matéria (CF, art. 24, § 2º). No âmbito das competências constitucionais concorrentes sobre "direito penitenciário", a União estabeleceu as regras gerais (nacionais) federativas nos lindes da LEP - Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84), todavia não editando regras sobre decadência e prescrição de processos administrativos disciplinares e de procedimentos judiciais sumarizados para a apuração de falta grave imputada a apenado recolhido ao sistema penitenciário dos Estados e da União. Diante desta omissão, o Estado do Rio Grande do Sul exerceu a sua competência constitucional suplementar na matéria e editou o Regimento Disciplinar Penitenciário do RS (Decreto nº 47.594/2010), regulamentando a prescrição (ou decadência) administrativa para a instauração de PAD, pelo Diretor de Casa Prisional, para a apuração de falta grave imputada a apenado do sistema penitenciário gaúcho. O lapso temporal previsto no Regimento Disciplinar Penitenciário do Estado do Rio Grande do Sul para a instauração e conclusão do procedimento administrativo disciplinar à apuração da falta grave não foi observado. AGRAVO IMPROVIDO. (Agravo Nº 70057504979, Sexta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Aymoré Roque Pottes de Mello, Julgado em 19/12/2013)

(TJ-RS, Relator: Aymoré Roque Pottes de Mello, Data de Julgamento: 19/12/2013, Sexta Câmara Criminal)

Por outro lado, os tribunais superiores entendem de modo diverso.

Habeas corpus. 2. Execução penal. Falta grave (fuga). 3. PAD não homologado, ao fundamento de não ter sido observado o prazo máximo de conclusão previsto no Regimento Disciplinar Penitenciário do Estado do Rio Grande do Sul (prazo de 30 dias). 4. A jurisprudência do STF é no sentido de que, diante da ausência de norma específica quanto à prescrição da infração disciplinar, utiliza-se, por analogia, o Código Penal (HC 92.000/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, DJe 30.11.2007). 5. Quanto ao prazo de 30 dias para o encerramento do PAD, esta Corte já considerou que compete privativamente à União legislar sobre direito penal (HC 97.611/RS, Rel. Min. Eros Grau, 2ª Turma, DJe 7.8.2009). 6. Ordem denegada.

(STF - HC: 114422 RS, Relator: Min. GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 06/05/2014, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-100 DIVULG 26-05-2014 PUBLIC 27-05-2014)

Percebe-se, portanto, que a controvérsia consiste no que tange ao entendimento da matéria discutida. Enquanto que para o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul entende o Direito Penitenciário como ramo autônomo, e portando reconhece a incidência do art. 24, I da Constituição Federa; o Supremo Tribunal Federal afirma que regulamentar a prescrição da falta disciplinar seria de competência privativa da união por se tratar de matéria penal.

Esclarece em seu voto, o Desembargador Relator do Agravo em Execução Nº 70057504979, da Sexta Câmara Criminal, do Tribunal de Justiça do RS, Aymoré Roque Pottes de Mello:

Acresce que, no pertinente à prescrição do processo administrativo disciplinar para a apuração de falta grave imputada a apenado recolhido preso a estabelecimento penitenciário estadual ou federal, deve prevalecer o princípio da especialidade das competências constitucionalmente estabelecidas, âmbito em que a prescrição no âmbito da execução criminal diz respeito ao campo das competências concorrentes entre a UniãoEstados e Distrito Federal para legislar sobre direito penitenciário, consoante prescrito, modo expresso, no art. 24inc. I2 (direito penitenciário), e §§ 1º a 4º, da Constituição Federal. 

No âmbito das competências concorrentes sobre direito penitenciário, a União estabeleceu, na forma prescrita no § 1º do art. 24 da Constituição Federal, as regras gerais (nacionais) federativas nos quadrantes da Lei de Execução Penal em vigor (Lei Federal nº 7.210/84), todavia não dispondo sobre os prazos prescricionais e decadenciais aplicáveis ao processo administrativo disciplinar (PAD) da alçada da Administração Penitenciária e ao procedimento judicial sumarizado da competência do Juízo da Execução Penal para a apuração de falta grave imputada a apenado recolhido preso ao sistema penitenciário estadual ou federal. (Grifos originais).

Ademais, da própria leitura da Lei 7.210/84 e das decisões dos próprios tribunais superiores, conclui-se que, o Estado Membro ao estabelecer prazo prescricional e/ou decadencial para apuração e punição da falta disciplinar de natureza grave, o faz inteiramente em sua estrita seara de competência.

Os artigos 47, 59 e 60 da Lei de Execuções Penais estatuem, respectivamente, o seguinte:

Art. 47. O poder disciplinar, na execução da pena privativa de liberdade, será exercido pela autoridade administrativa conforme as disposições regulamentares.

[...]

Art. 59. Praticada a falta disciplinar, deverá ser instaurado o procedimento para sua apuração, conforme regulamento, assegurado o direito de defesa.

Parágrafo único. A decisão será motivada.

Art. 60. A autoridade administrativa poderá decretar o isolamento preventivo do faltoso pelo prazo de até dez dias. A inclusão do preso no regime disciplinar diferenciado, no interesse da disciplina e da averiguação do fato, dependerá de despacho do juiz competente.   

Parágrafo único. O tempo de isolamento ou inclusão preventiva no regime disciplinar diferenciado será computado no período de cumprimento da sanção disciplinar.

Observa-se que, a Lei Federal apenas estatuiu regras gerais, asseverando que o poder disciplinar será exercido conforme disposição regulamentar e o procedimento de apuração, da mesma forma, se dará conforme regulamento. Ou seja, os Estados Membros, atuando em sua competência concorrente, deverão regulamentar mediante ato normativo, a disciplina prisional, inclusive o seu procedimento de apuração de faltas, tendo como único limitador aquilo que o legislador federal já houvera normatizado, atuando assim de forma suplementar conforme disposição constitucional.

  Assim, tomando conhecimento da suposta prática de infração disciplinar de natureza grave, o diretor do estabelecimento prisional através de portaria, determinará a instauração do PAD, e neste mesmo ato se manifestará acerta de isolamento celular cautelar, o qual não poderá exceder 10 (dez) dias.

O Superior Tribunal de Justiça pacificou entendimento no sentindo de considerar imprescindível a realização do Procedimento Administrativo Disciplinar para que seja reconhecida a prática de falta disciplinar de natureza grave.

Súmula 533: Para o reconhecimento da prática de falta disciplinar no âmbito da execução penal, é imprescindível a instauração de procedimento administrativo pelo diretor do estabelecimento prisional, assegurado o direito de defesa, a ser realizado por advogado constituído ou defensor público nomeado.

Assim, uma vez reconhecida a competência estadual para normatizar o Procedimento Administrativo Disciplinar, inclusive sendo considerado imprescindível pelas cortes superiores de justiça, não há que se falar em invasão de competência, por parte dos Estados Membros quando normatizam a prescrição para apurar e punir faltas disciplinares de natureza grave.

Além do mais, o art. 49 da Lei de Execução Penal, ao dispor que compete a norma local especificar as faltas leves e médias, o faz no exato sentido da norma, qual seja, classificar, descrever quais condutas serão consideradas como infrações médias e levas.

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Sobre o autor
Yuri Azevedo Herculano

Advogado. Professor. Especialista em Direito e Processo Penal. Membro Conselheiro do Conselho Penitenciário de Pernambuco.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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