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Prova do elemento subjetivo especial dos tipos penais associativos

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31/10/2017 às 14:30
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2. SOCIEDADE DO CRIME EXAURIDA

Aqui, trata-se daquela confraria de delinquentes que já perpetrou (de forma consumada ou tentada) pelo menos um dos crimes visados pela associação. Atinge-se assim imediatamente a etapa do exaurimento na linha do tempo do iter criminis, quanto ao crime associativo correspondente.

A verificação do elemento subjetivo especial dos tipos penais associativos, in casu, é menos dificultosa, já que estamos diante de uma sociedade do crime que já produziu resultados naturalísticos.

Em regra, o mero fato de a sociedade cometer um crime não é suficiente para se concluir pela existência do elemento subjetivo especial de quaisquer dos tipos penais associativos, já que sua finalidade deve ser o cometimento de uma série indeterminada de crimes, consolidando assim sua estabilidade e permanência. No entanto, isso não deixa de ser um indicativo de um suposto caráter criminoso do grupo.

Diz-se, “em regra”, sem se ignorar as exceções que de fato existem, senão vejamos o crime de associação para o tráfico (art. 35, caput, da Lei no 11.343/06), a qual excepcionalmente pode se formar para cometer, reiteradamente ou não, qualquer dos  crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34.

Assim, em regra, caso o Ministério Público queira ter sucesso e garantir um decreto condenatório, deverá provar que o sodalício não tinha o escopo de perpetrar apenas um crime ou um número exato de crimes, mas sim uma imprecisa sequência, uma série indeterminada.

Todos os meios de obtenção de provas e meios de provas ressaltados para as Sociedades do Crime Exauríveis podem ser utilizados aqui, tais como interceptações telefônicas, escutas ambientais, delação premiada, afastamento de sigilo financeiro, acareação, depoimento, confissão etc.

Porém, especialmente aqui, temos alguns indícios especiais, entre os quais o mais notável é a serialidade de crimes perpetrados, principalmente quando cometidos ao longo de um período considerável, conjugado com o encerramento não espontâneo da sociedade, o que geralmente acontece quando ela é desmantelada pelo poder público.

Destarte, se a sociedade comete vários crimes em série, e, enquanto cometia mais um deles, ou se preparava para cometê-lo, vem a ser desbaratada pelo poder público, isso certamente, à luz da experiência jurisprudencial, será interpretado como um indício de “elemento subjetivo especial” pertinente aos delitos em tela, indício esse através do qual se poderá dedutivamente conseguir uma prova.

 Com mais razão ainda, também certamente será interpretado como um indício de algum dos elementos subjetivos especiais próprios dos tipos penais associativos a permanência das atividades delinquenciais da sociedade mesmo após o poder público tomar medidas para dissolvê-la, como o sequestro de bens e a prisão de membros.

Nesse diapasão, a jurisprudência:

“Habeas corpus. crimes contra o patrimônio. roubo duplamente majorado. latrocínio. tentativa. receptação. formação de quadrilha ou bando armado. concurso material. prisão preventiva. manutenção.

Colhem-se dos autos relevantes indícios da materialidade e autoria dos delitos em desfavor da paciente, pois detida, juntamente com os demais agentes criminosos, tripulando o veículo objeto de receptação e instantes após a realização dos crimes de roubo e latrocínio tentado (...).” (RIO GRANDE DO SUL, 2012)

Temos no excerto do julgamento desse Habeas Corpus, supostamente, uma identificação do elemento subjetivo especial do tipo associativo em questão  a partir da constatação de que vários crimes tinham sido cometidos pela societas, aliado ao fato de que o poder público interferiu no seu funcionamento, encerrando suas atividades delinquenciais, as quais, supostamente, prosseguiriam indefinidamente.

Nessa esteira também Joaquim Barbosa, então Ministro do STF:

“A série indeterminada de crimes ficou evidenciada pela forma de atuação do grupo e pelo volume de crimes praticados. O objetivo do grupo era conseguir recursos públicos, mediante desvios variados para utilização na corrupção de parlamentares e de servidores, tudo com a finalidade última de manutenção do projeto de poder estabelecido pelo partido vencedor das eleições de 2002. Para tanto, o número de crimes de peculato e corrupção, dentre outros, não estava antecipadamente definido, era efetivamente indeterminado.

 Se não fosse a delação feita por um dos corrompidos, muitos outros delitos continuariam a ser praticados. (...)

O que se exige para diferenciar a quadrilha do concurso de agentes comum é que a associação entre os autores e partícipes não termine com a consumação da prática delituosa.

Essa associação permanece como uma estrutura estável, que voltará seguramente a delinquir, a praticar os crimes para os quais ela se organizou. E no caso ela só não continuou a praticar porque um dos envolvidos a denunciou.” (BRASIL, 2014)

No entanto, essa constatação não pode ser automática, reitere-se, como se apenas pela pluralidade de crimes cometidos ao longo do tempo e encerramento não espontâneo da Sociedade já pudéssemos concluir pela configuração de algum dos elementos subjetivos especiais próprios dos tipos penais associativos.

O que se deve é averiguar todas as circunstâncias do caso concreto para se ter certeza da real intenção dos associados de cometer uma série indeterminada de crimes, evitando assim que o mecanismo lógico de dedução a que nos referimos no início do texto se revele uma falácia, a qual poderia gerar conclusões falsas, capazes de indevidamente integrar o acervo probatório dos autos.

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CONCLUSÃO

O estudo sobre a prova do elemento subjetivo especial dos delitos associativos é demasiado complexo e longo, não se pretendendo neste artigo abordar o tema em suas minúcias. Todavia, eis uma visão panorâmica aqui do tratamento do tema pela doutrina e jurisprudência.

Do exposto, podemos concluir que através dos meios de obtenção de prova previstos em lei e dos meios de prova é possível se conseguir importantes elementos informativos ou provas relacionadas aos delitos associativos, elementos e provas essas que podem ser valoradas como indícios, os quais podem por sua vez ser submetidos a uma lógica dedutiva apreciada pelo magistrado que os transformará numa prova judicial do elemento subjetivo especial do tipo de quaisquer dos delitos associativos. Resta dizer que a manifestação prática dos delitos associativos são as “sociedades do crime”, as quais foram divididas aqui em Sociedades do Crime Exauríveis e Sociedades do Crime Exauridas, levando-se em conta as etapas cronológicas do desenvolvimento do delito [3].


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão da Ação Penal 470/MG. Relator: Joaquim Barbosa. Publicado em 22/04/2013. Disponível em: <ftp://ftp.stf.jus.br/ap470/InteiroTeor_AP470.pdf>. Acessado em 07/11/2017.

______. Supremo Tribunal Federal. Embargos Infringentes da Ação Penal 470/MG.  Relator: Luiz Fux. Voto do Joaquim Barbosa. Publicado em 28/02/2014. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=4vvk_DMoqfQ>. Acessado em 13/11/2017.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – Volume I, 6ª Edição, 2006, Editora Impetus.

HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal. Volume IX. Rio de Janeiro: Forense, 1959.

LORDELO, João Paulo. Teoria Geral da Prova. 2015. Disponível em: <https://docs.wixstatic.com/ugd/256fe5_52404321c9aa4e5f8f89e2b312c98481.pdf>. Acessado em 07/11/2017.

MATOS FILHO, Renato de Souza. Meu Nome Não É Johnny: sobre a adequação típica do crime de associação para o tráfico de drogas. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIX, n. 152, set 2016. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=17882&revista_caderno=3>. Acessado em 07/11/2017. 

MATOS FILHO, Renato de Souza. Societas Sceleris: um estudo teleológico. Monografia de conclusão do curso de graduação em Direito apresentada à Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte. 2014.

PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal. 16ª edição. São Paulo. Atlas. 2012.

PARANÁ. Tribunal de Justiça. Relator: Jefferson Alberto Johnsson. Data: 16/08/2012. Processo: Apelação Criminal Nº 890.604-1. 5ª Vara Criminal Da Comarca De Londrina. 

RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça. Relator: Eneas Cotta. Data de publicação: 21/11/1997. Segunda Câmara Criminal. Apelação: APL 295 RJ 1994.050.00295.

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Relator: Naele Ochoa Piazzeta. Data de Publicação:16/02/2012. Sétima Câmara Criminal. Habeas Corpus: 70046485710 RS.


NOTAS

 [1] O termo latino “societas sceleris” (sociedade do crime) tem sido muito usado na jurisprudência do STF para se referir aos delitos associativos, senão vejamos a Ação Penal 470/MG, vulgo Ação do Mensalão, folha 52890, por exemplo. Trata-se de termo em latim oriundo do Direito Penal Romano. Ver também: Arrivabene, Ariovaldo. Dicionário de Latim Forense. Lawbook Editora. 2ª Edição. 2004.

[2] Os dois conceitos foram cunhados pelo próprio autor deste artigo.

[3] Este artigo científico foi desenvolvido a partir dos estudos para a elaboração da Monografia de conclusão do curso de graduação em Direito do autor, a qual foi apresentada à Universidade Federal de Minas Gerais, tendo sido avaliada com nota máxima por todos os membros da Banca Examinadora. 

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Sobre o autor
Renato de Souza Matos Filho

Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Especialista em Direito Penal e Processual Penal. É autor do livro "Crimes associativos: Sociedades e organizações criminosas".

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MATOS FILHO, Renato Souza. Prova do elemento subjetivo especial dos tipos penais associativos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5235, 31 out. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/43500. Acesso em: 24 abr. 2024.

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