Ausência de hierarquia entre advogados e magistrados à luz do art. 6º da Lei 8.906/94

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4. DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA

Farta sem dúvida é a doutrina e a jurisprudência no sentido de assegurar tal ausência de hierarquia entre Advogados e Magistrados, contudo, poucas são as medidas de reparação do dano causado e ínfimo o caráter educativo das medidas. Magistrados, Advogados, Membros do MP, Delegados, todos acadêmicos de direito, diferenciando-se apenas na escolha da atuação, todos essenciais para a manutenção do Estado democrático de direito. Corroborando a ideia LOBO (1994. p. 27)19, que disserta:

No ordenamento brasileiro, são três os figurantes indispensáveis a administração da justiça: o Advogado, o Juiz e o promotor. O primeiro postula, o segundo julga e o terceiro fiscaliza a aplicação da lei. Cada um desempenha seu papel, de modo paritário, sem hierarquia. Pode-se dizer, metaforicamente, que o Juiz simboliza o Estado, o promotor, a lei e o Advogado, o povo. Todos os demais são auxiliares coadjuvantes.

Neste diapasão, não há e nem pode haver, hierarquia entre Magistrados, Advogados e membros do ministério público, não só como cidadãos, mas também em relação a seu próprio “múnus”, uma vez que seus papéis estão diametralmente ligados ao interesse da coletividade.

Todavia, o descumprimento a esse preceito constitucional é pratica reiterada no dia a dia forense, Paulo Luiz Neto Lôbo20 assevera que, no mundo inteiro há respeito e cordialidade entre os profissionais de direito, sendo injustificável a prepotência de alguns juízes, que, indubitavelmente, prejudicam a própria administração da Justiça, ad litteram:

Os profissionais do direito têm a mesma formação (bacharéis em direito) e atuam em nível de igualdade no desempenho de seus distintos e inter-relacionados misteres. No mundo inteiro mantêm estreitas relações desrespeito e de cordialidade. Na Espanha tratam-se mutuamente por companheiros. Na Inglaterra, os juízes são selecionados entre os Advogados que atuam nos tribunais (barristers), e mesmo depois de nomeados permanecem como membros da respectiva Ordem de Advogados (Inns of Courts).

Vejamos a resposta dada pelo Conselho Nacional de Justiça ao Pedido de Providência nº 1.465, formulado por um Juiz do Rio Grande do Norte21:

1) NÃO PODE o Magistrado reservar período durante o expediente forense para dedicar-se com exclusividade, em seu gabinete de trabalho, à prolação de despachos, decisões e sentenças, omitindo-se de receber profissional Advogado quando procurado para tratar de assunto relacionado a interesse de cliente. A condicionante de só atender ao Advogado quando se tratar de medida que reclame providencia urgente apenas pode ser invocada pelo Juiz em situação excepcional, fora do horário normal de funcionamento do foro, e jamais pode estar limitada pelo juízo de conveniência do Escrivão ou Diretor de Secretaria, máxime em uma Vara Criminal, onde o bem jurídico maior da liberdade está em discussão.

2) O Magistrado é SEMPRE OBRIGADO a receber Advogados em seu gabinete de trabalho, a qualquer momento durante o expediente forense, independentemente da urgência do assunto, e independentemente de estar em meio à elaboração de qualquer despacho, decisão ou sentença, ou mesmo em meio a uma reunião de trabalho. Essa obrigação se constitui em um dever funcional previsto na LOMAN e a sua não observância poderá implicar em responsabilização administrativa.

Dê-se ciência da presente decisão ao Consulente e ao Corregedor Geral da Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, autoridade administrativa responsável pela observância do estrito cumprimento dos deveres funcionais dos Magistrados de 1º grau vinculados ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte.

Brasília, 04 de junho de 2007.

Conselheiro MARCUS FAVER

Portanto, configura-se como ilegal a emissão de portaria, regimento, comportamento negativo ou simples determinação que estabeleça limites a esse direito, impedindo ou dificultando o acesso do Advogado a essas repartições. De igual modo, a realização de sessão secreta em quaisquer das esferas (Legislativo, Executivo ou Judiciário) viola essa prerrogativa e fere o direito a ampla defesa.

Paulo Lôbo22 assevera (2009 ):

Em reforço da atuação independente do Advogado, e da ausência de relação de hierarquia com autoridades públicas, os incisos VII e VIII impedem qualquer laço de subordinação com Magistrados. Inexistindo vínculo hierárquico, o Advogado pode permanecer em pé ou sentado ou retirar-se de qualquer dependência quando o desejar. Não lhe pode ser determinado pelo Magistrado qual o local que deva ocupar, quando isto importar desprestígio para a classe ou imposição arbitrária. Observadas as regras legais e éticas de convivência profissional harmônica e reciprocamente respeitosa, o Advogado pode dirigir-se diretamente ao Magistrado sem horário marcado, nos seus ambientes de trabalho, naturalmente sem prejuízo da ordem de chegada de outros colegas. Se os Magistrados criam dificuldades para receber os Advogados, infringem expressa disposição de lei, cometendo abuso de autoridade e sujeitando-se, também, a punição disciplinar a ele aplicável. Cabe ao Advogado e à OAB contra ele representarem, inclusive à Corregedoria competente.

O preceito do art. 6º complementa o princípio da indispensabilidade do Advogado à administração da Justiça, previsto no art. 2º, ressaltando a isonomia de tratamento entre o Advogado, o Juiz e o promotor de justiça. Cada figurante tem um papel a desempenhar: um postula, outro fiscaliza a aplicação da lei e o outro julga. As funções são distintas, mas não se estabelece entre elas relação de hierarquia e subordinação. Os profissionais do direito possuem a mesma formação (bacharéis em direito) e atuam em nível de igualdade nos seus distintos e inter-relacionados misteres.

No sentido do Estatuto, decidiu o STJ que a Advocacia é serviço público, igual aos demais prestados pelo Estado, e, por suposto, “o direito de ingresso e atendimento em repartições públicas pode ser exercido em qualquer horário, desde que esteja presente qualquer servidor da repartição. A circunstância de se encontrar no recinto da repartição – no horário de expediente ou fora dele – basta para impor ao serventuário a obrigação de atender o Advogado. A recusa ao atendimento constituirá ato ilícito. Não pode o Juiz vedar ou dificultar o atendimento a Advogado em horário reservado a expediente interno” (RMS 1275–RJ, RT, 687:187). Mas o mesmo Superior Tribunal de Justiça decidiu (RMS 3258-2, DJU 06/06/1994 que “não constitui nenhuma ilegalidade a restrição de acesso dos Advogados e das respectivas partes além do balcão destinado ao atendimento, observados, contudo, o direito livre e irrestrito aos autos, papéis e documentos específicos inerentes ao mandato.

Agora vejamos diversas decisões atinentes ao tema:

Advogado. Responsabilidade. Limites. Apuração. Segundo o artigo 32 da Lei 8906/94 (Estatuto) o Advogado só é responsável pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa e em caso de lide temerária, será solidariamente responsável com seu cliente, desde que coligado com este para lesar a parte contrária. De resto, o poder de punir disciplinarmente os Advogados compete exclusivamente à OAB (Estatuto, art. 70). Não fosse assim, ficaria comprometida a igualdade hierárquica entre Juiz e Advogado (art. 6º).

(TRT-2 MS nº 12429200300002000 SP 12429-2003-000-02-00-0. Relator: José Carlos da Silva Arouca, j. 14/12/2004, DJ. 25/02/2005).

Ofensa perpetrada por Juiz a Advogado no exercício da profissão. Direito a desagravo. É de ser mantida a decisão do Conselho Seccional que concede o direito ao desagravo, quando patente nos autos as ofensas perpetradas por Juiz a Advogado, no exercício da profissão (inciso XVII e § 5º do art. 7º da Lei nº 8.906/94), considerando a sua indispensabilidade à administração da justiça (art. 133. da Lei Maior). (Rec. 0022/2002/PCA-RJ. Rel. Cons. Edson Ulisses de Melo (SE), j. 09/09/02, v.u., DJ 18/10/02, p. 687, S1) Decidiu o STJ que a Advocacia é serviço público, igual aos demais prestados pelo Estado, e, assim, “o direito de ingresso e atendimento em repartições públicas pode ser exercido em qualquer horário, desde que esteja presente qualquer servidor da repartição”.

Ementa 056/2002/PCA.

“Não pode o Juiz vedar ou dificultar o atendimento a Advogado em horário reservado a expediente interno”

(RMS 1275–RJ, RT, 687:187).

“É ilegal qualquer ato normativo que exija petição fundamentada como condição para retirada de autos para cópia por Advogado inscrito na OAB, ressalvados os casos de sigilo, os em que haja transcurso de prazo comum em secretaria e os que aguardem determinada providência ou ato processual e não possam sair da secretaria temporariamente. E, mais, há risco de dano irreparável caso não concedida a medida”.

(CNJ - Procedimento de Controle Administrativo 0004477-42.2013.2.00.0000).

"É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa."

(Súmula Vinculante 14).

"ADVOGADO. INVESTIGAÇÃO SIGILOSA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. SIGILO INOPONÍVEL AO PATRONO DO SUSPEITO OU INVESTIGADO. INTERVENÇÃO NOS AUTOS. ELEMENTOS DOCUMENTADOS. ACESSO AMPLO. ASSISTÊNCIA TÉCNICA AO CLIENTE OU CONSTITUINTE. PRERROGATIVA PROFISSIONAL GARANTIDA. RESGUARDO DA EFICÁCIA DAS INVESTIGAÇÕES EM CURSO OU POR FAZER. DESNECESSIDADE DE CONSTAREM DOS AUTOS DO PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO. HC CONCEDIDO. INTELIGÊNCIA DO ART. 5°, LXIII, DA CF, ART. 20. DO CPP, ART. 7º, XIV, DA LEI N. 8.906/94, ART. 16. DO CPPM, E ART. 26. DA LEI N. 6.368/76 PRECEDENTES. É direito do Advogado, suscetível de ser garantido por habeas corpus, o de, em tutela ou no interesse do cliente envolvido nas investigações, ter acesso amplo aos elementos que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária ou por órgão do Ministério Público, digam respeito ao constituinte.".

(HC 88.190, rel. min. Cezar Peluso, julgamento em 29-8-2006, DJ de 6-10-2006.) No mesmo sentido: Rcl 8.529-MC, rel. min. Ricardo Lewandowski, decisão monocrática, julgamento em 30-6-2009, DJE de 3-8-2009).

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HABEAS CORPUS: INVIABILIDADE: INCIDÊNCIA DA SÚMULA 691 ("NÃO COMPETE AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL CONHECER DE "HABEAS CORPUS" IMPETRADO CONTRA DECISÃO DO RELATOR QUE, EM "HABEAS CORPUS" REQUERIDO A TRIBUNAL SUPERIOR, INDEFERE A LIMINAR"). INQUÉRITO POLICIAL: INOPONIBILIDADE AO ADVOGADO DO INDICIADO DO DIREITO DE VISTA DOS AUTOS DO INQUÉRITO POLICIAL.(...) Do plexo de direitos dos quais é titular o indiciado – interessado primário no procedimento administrativo do inquérito policial -, é corolário e instrumento a prerrogativa do Advogado de acesso aos autos respectivos, explicitamente outorgada pelo Estatuto da Advocacia (L. 8906/94, art. 7º, XIV), da qual - ao contrário do que previu em hipóteses assemelhadas - não se excluíram os inquéritos que correm em sigilo: a irrestrita amplitude do preceito legal resolve em favor da prerrogativa do defensor o eventual conflito dela com os interesses do sigilo das investigações, de modo a fazer impertinente o apelo ao princípio da proporcionalidade. (...) A oponibilidade ao defensor constituído esvaziaria uma garantia constitucional do indiciado (CF, art. 5º, LXIII), que lhe assegura, quando preso, e pelo menos lhe faculta, quando solto, a assistência técnica do Advogado, que este não lhe poderá prestar se lhe é sonegado o acesso aos autos do inquérito sobre o objeto do qual haja o investigado de prestar declarações. O direito do indiciado, por seu Advogado, tem por objeto as informações já introduzidas nos autos do inquérito, não as relativas à decretação e às vicissitudes da execução de diligências em curso (cf. L. 9296, atinente às interceptações telefônicas, de possível extensão a outras diligências); dispõe, em consequência a autoridade policial de meios legítimos para obviar inconvenientes que o conhecimento pelo indiciado e seu defensor dos autos do inquérito policial possa acarretar à eficácia do procedimento investigatório.

(HC 90.232/AM, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, DJ 2.3.2007, grifos nossos).

“Constitui direito do Advogado, assegurado por lei, receber os autos dos processos judiciais ou administrativos, mesmo sem procuração, pelo prazo de dez dias, quando se tratar de autos findos”

(STF, RT, 678:194).

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CABIMENTO. OMISSÃO. OBSCURIDADE. CONTRADIÇÃO. NÃO-OCORRÊNCIA DOS ALUDIDOS DEFEITOS. 1. O acórdão impugnado contém fundamentação suficiente para demonstrar que é obstado ao Poder Público impor restrições que violem prerrogativa da classe dos Advogados, explicitada em texto legal. Assim, a causa foi apreciada de modo adequado, e o mero inconformismo com a conclusão do julgado não enseja a utilização da via de embargos de declaração, que é limitada às hipóteses elencadas no art. 535. do CPC. 2. Quanto à mencionada contrariedade ao princípio da eficiência, a orientação das Turmas que integram o Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que a alegação de ofensa ao art. 37, caput, da CF/88, é meramente reflexa (ou indireta), quando condicionada à verificação da legislação infraconstitucional (RE 204.915/PI, 1ª Turma, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 16.6.2000; RE-AgR 455.283/PR, 2ª Turma, Rel. Min. Eros Grau, DJ de 5.5.2006). Ademais, o princípio em comento — que constitui "dever constitucional da Administração" (CARVALHO FILHO, José dos Santos. "Manual de Direito Administrativo", 12ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 21) — não serve de fundamento para restringir prerrogativas legais dos administrados, que também emanam, ainda que de forma mediata, do Texto Constitucional. 3. Embargos de declaração rejeitados.

(EDcl no RMS 21.524/SP, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 11/09/2007, DJ 18/10/2007 p. 263).

“O sigilo profissional previsto no citado inciso XIX, que acoberta o Advogado, no entendimento do STJ é o sigilo relacionado à qualidade de testemunha, não se aplicando quando o Advogado é acusado em ação penal de prática de crime”.

(RT, 718:473, 1995).

“A imunidade profissional do Advogado não compreende o desacato, pois conflita com a autoridade do Magistrado na condução da atividade jurisdicional”.

(ADI 1.127, rel. p/ o ac. min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 17-5-2006, Plenário, DJE de 11-6-2010).

“O controle das salas especiais para Advogados é prerrogativa da Administração forense”.

(ADI 1.127, rel. p/ o ac. min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 17-5-2006, Plenário, DJE de 11-6-2010).

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Sobre a autora
Islanny Oliveira

Advogada<br>Atuante nas áreas de DIREITO DO CONSUMIDOR, TRABALHISTAS, ELEITORAL, PREVIDENCIÁRIO, FAMÍLIA, CAUSAS CÍVEIS.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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