Jurisprudências defensivas

15/10/2015 às 16:29
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Este artigo trata da polêmica que cerca as chamadas jurisprudências defensivas, impedem a uniformização do direito patrio, trata-se de uma barreira procedimental, especificamente quando analisadas sob a luz da Sumula nº 418 do Superior Tribunal de Justiça

1.   INTRODUÇÃO

Dentre as diversas funções dos Tribunais Superiores está a uniformização e a proteção do Direito pátrio, estando disposto tal premissa na Constituição Federal e em leis federais infraconstitucionais. Tal função define estes tribunais, e traz diversas prerrogativas e responsabilidades imprescindíveis para o acesso à justiça, e, portanto, ao exercício do Direito.

Apesar de destinados a resguardar normas jurídicas de natureza bem diversas, ambos tem como missão proteger do Direito objetivo na homogeneidade de sua interpretação e aplicação.

Por conta do número enorme de processos que entram para o julgamento dos Tribunais Superiores todos os dias, têm se utilizado de forma irracional e ampliado o leque de aplicação de entendimentos jurisprudenciais e súmulas que significam óbices ao conhecimento dos recursos extraordinários, impedindo que tanto o Superior Tribunal de Justiça quanto o Supremo Tribunal Federal uniformizem o Direito pátrio, garantindo a isonomia, afastando os anacronismos legais e implementando políticas sociais.

A essa barreira procedimental dá-se o nome de “jurisprudência defensiva”, tema sobre o qual versará o presente trabalho.

2.   SOBRE A JURISPRUDÊNCIA DEFENSIVA

De acordo com o professor Luis Dellore, a jurisprudência defensiva é a "exacerbação na análise dos requisitos de admissibilidade dos recursos".

Por outro lado, segundo afirmou o ministro Humberto Gomes de Barros, então presidente do Superior Tribunal de Justiça, a jurisprudência defensiva é “consistente na criação de entraves e pretextos para impedir a chegada e o conhecimento dos recursos que lhe são dirigidos”. A medida deveria ser adotada pelo Superior Tribunal de Justiça, disse então o ministro, “para fugir do ‘aviltante destino’ de transformar-se em terceira instância”.

A “jurisprudência defensiva” também pode ser caracterizada como um excesso de rigorismo processual e procedimental; são julgados que se utilizam indiscriminadamente e estendem a aplicação de entendimentos jurisprudenciais, sumulados ou não, que contenham alguma parte que se refira ao conhecimento dos recursos.

A jurisprudência defensiva tem como objetivo principal reduzir o número de processos julgados pelos Tribunais Superiores, deixando de entregar uma prestação jurisdicional plena. É óbvio que o Juízo de Admissibilidade tem uma importância extrema no processo como todo, mas tal juízo de admissibilidade precisa ser claro e racional, não afrontando o acesso à justiça.

Além disso, há diversos enunciados sumulares e jurisprudência utilizados pela chamada “jurisprudência defensiva” que não são em si incorretos. Eles foram criados a partir de exigências legítimas, que finalizam atingir a função precípua dos recursos extraordinários de uniformização do Direito objetivo. Mas são em larga escala distorcidos nos julgamentos realizados pelos Tribunais Superiores, ou tem sua aplicação alargada para atingir casos aos quais não deveriam ser aplicados.

Pelo exposto, a jurisprudência defensiva não se importa se é possível retirar do contexto recursal a questão federal debatida, essa é uma das características que demonstra que essa jurisprudência não espera uniformizar uma tese de Direito objetivo, que é importante para toda a sociedade. Essa jurisprudência irá se importar com as técnicas e o formalismo excessivo, procurando solucionar os recursos de forma rápida e, diversas vezes, de forma nada eficaz, sem resolver a questão de fato.

Lembrando que, a celeridade processual é de extrema importância no processo, mas tal celeridade não pode justificar abusos, impor restrições indevidas e barrar o acesso à justiça do jurisdicionado.

Conforme ensina José Carlos Barbosa Moreira:

“A essa luz, o que se espera da lei e de seus aplicadores é um tratamento cuidadoso e equilibrado da matéria, que não imponha sacrifício excessivo a um dos valores em jogo, em homenagem ao outro. Para usar palavras mais claras: negar conhecimento a recurso é atitude correta - e atualmente recomendável - toda vez que esteja clara a ausência de qualquer dos requisitos de admissibilidade. Não devem os tribunais, contudo, exagerar na dose; por exemplo, arvorando em motivos de não conhecimento circunstâncias de que o texto legal não cogita, nem mesmo implicitamente, agravando sem razão consistente exigências por ele feitas, ou apressando-se a interpretar em desfavor do recorrer dúvidas suscetíveis de suprimento. Cumpre ter em mente que da opção entre conhecer ou não conhecer de um recurso podem advir consequências da maior importância prática: por exemplo, se alguém apela da sentença meramente terminativa, o conhecimento da apelação é pressuposto necessário (embora não suficiente) do processamento da atividade cognitiva do tribunal, no sentido de julgar desde logo o mérito, não examinando no primeiro grau de jurisdição (art. 515, § 3.º, acrescentado pela Lei 10.352, de 26.12.2001) - desfecho preferível na medida em que importe, como não raro ocorrerá, a eliminação definitiva do litígio” (Barbosa Moreira, 2007, p. 270).

Portanto, diversos juristas de notável importância perguntam-se se tais tribunais estão mesmo exercendo sua função em zelar pela uniformidade na interpretação da lei federal infraconstitucional, pois com a implantação dessas súmulas impeditivas de recursos e jurisprudências defensivas, que, em muitas vezes, impedem a pessoa de pleitear direitos legítimos, podem afrontar diretamente do Princípio constitucional do Acesso à Justiça. 

Por isso, a “jurisprudência defensiva” é claramente contrária à função essencial dos Tribunais Superiores, e mais do que isso, do próprio processo, que deve servir de meio para a realização da Justiça. Além disso, ela não consegue resolver o problema do excesso de processos nos Tribunais Superiores, pelo contrario, resulta em prestação jurisdicional deficiente.

Por fim, o julgado selecionado pelo grupo mostra um exemplo claro de jurisprudência defensiva, seus aspectos e o que ela resulta. 

3.   SÚMULA IMPEDITIVA DE RECURSO

Com a Lei 11.276/2006 foi introduzido ao Código de Processo Civil, em seu art. 518, o parágrafo primeiro onde institui a denominada súmula impeditiva de recursos, atribuindo ao juiz uma nova condição de admissibilidade do recurso de apelação, possibilitando que se denegue o seguimento do recurso se a sentença estiver em conformidade com súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça.

Há discussão sobre a constitucionalidade da súmula impeditiva de recursos, tendo em vista o princípio do duplo grau de jurisdição e ainda, a existência de possível usurpação da finalidade da súmula vinculante.

Como já explicado anteriormente, há um grave problema nos Tribunais Superiores, que é grande quantidade de processos, que não conseguem ser julgados de maneira rápida e eficaz. Contudo, tal problema não pode, de maneira alguma, ser a justificativa da criação tanto de jurisprudências defensivas, quanto da elaboração de súmulas impeditivas. A título exemplificativo há a Súmula 115 do Superior Tribunal de Justiça, que dispõe que: “Na instância especial é inexistente recurso interposto por advogado sem procuração nos autos.”. Portanto, não se pode juntar procuração posterior, contrariando claramente os artigos 13 e 37 do Código de Processo Civil, como veremos em julgado analisado posteriormente.

Outro exemplo é a obrigação de o recorrente ratificar o recurso interposto após o julgamento dos embargos de declaração da parte contrária. Esse entendimento resultou, inclusive, na edição da Súmula 418 do Superior Tribunal de Justiça, que dispõe que: “É inadmissível o recurso especial interposto antes da publicação do acórdão dos embargos de declaração, sem posterior ratificação”. Esta súmula é inadmissível, pois a fluência do prazo recursal pode dar-se de forma diferente para as partes, de modo que o prazo para uma delas pode ter se esgotado e para a outra nem se iniciado e o recurso típico interposto é ato processual existente, válido e eficaz, entre outras explicações que demonstram que não há como ser aceito tal entendimento que dispõe a Súmula 418.

Há diversas súmulas que podem ser usadas a título de exemplo, porém utilizaremos apenas essas duas. Como pôde ser visto, estas súmulas representam como são utilizadas as súmulas impeditivas de recursos para justificar de maneira eficaz a jurisprudência defensiva. As súmula impeditivas de recurso podem ajudar a desafogar o sistema, quando forem razoáveis, porém há diversos casos, como os expostos, em que estas súmulas bloqueiam o acesso à justiça e trazem insegurança à pessoa que deseja pleitear o seu direito. Tal análise leva a discussão de dois modos que levam ao bloqueio do acesso à justiça, ambos que devem ser considerados inaceitáveis, são eles o bloqueio por conta de súmula impeditiva de recurso e o bloqueio do acesso à justiça por conta da demora processual. Ambos acabam impedindo que o jurisdicionado tenha um acesso à justiça pleno, como deveria ser feito. Contudo, é inaceitável que as súmulas impeditivas sejam elaboradas para maior celeridade processual, sem observar se todas as garantias constitucionais estão sendo respeitadas e se não há clara afronta à lei. A justiça deve ser eficaz, porém para que seja, devem ser usados mecanismos que criem um meio termo, algo equilibrado, sem precisar que nenhuma garantia constitucional seja afrontada, buscando um processo tanto célere quanto eficaz.

4.   ACORDÃO MODELO

AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 1.291.778 - RS (2011/0129310-8)

RELATOR : MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES

AGRAVANTE : RIO GRANDE ENERGIA S/A

ADVOGADO : JOSÉ EDGARD DA CUNHA BUENO FILHO

AGRAVADO : CERÂMICA SANTA ROSA LTDA

ADVOGADO : RAFAEL HÖHER E OUTRO(S)

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL INTERPOSTO POR

ADVOGADO SEM PROCURAÇÃO NOS AUTOS. RECURSO

INEXISTENTE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 115/STJ.

1. Nos termos da Súmula 115/STJ, "Na instância especial é inexistente recurso interposto por advogado sem procuração nos autos".

2. Na espécie, constata-se a ausência da procuração originária outorgada ao advogado substabelecente, constando, apenas, o substabelecimento outorgado ao subscritor do recurso de agravo regimental. Assim, não demonstrando o recorrente a cadeia de procuração, a fim de aferir a sua capacidade postulatória para o presente feito, não merece ser conhecido o referido recurso.

3. Agravo regimental não conhecido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos esses autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEGUNDA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas, o seguinte resultado de julgamento:

"A Turma, por unanimidade, não conheceu do agravo regimental, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a), sem destaque e em bloco."

A Sra. Ministra Eliana Calmon, os Srs. Ministros Castro Meira e Humberto Martins votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Herman Benjamin.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Mauro Cambpell Marques.

Brasília (DF), 13 de agosto de 2013.

5. ANÁLISE DO ACÓRDÃO

  • A AUSÊNCIA DE PROCURAÇÃO
  • Posições a serem sustentadas acerca do assunto:

Artigo 37 do Código de Processo Civil: pressuposto de existência: diz que sem instrumento de mandato, o advogado da recorrente não poderia ser admitido a postular em juízo e, consequentemente, todos os atos praticados nos autos serão tidos como inexistentes. Ainda, somente será possível que  advogado procure, em juízo, em nome da parte, sem instrumento de mandato, em casos urgentes ou para evitar decadência ou prescrição. A procuração deverá, então, ser juntada no prazo máximo de 15 dias da propositura da ação e os atos não ratificados devem ser considerados inexistentes, quando não se tratar de apreciação de recurso por instância especial, conforme o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, conforme a Súmula 115 do mesmo Tribunal: “Na instância especial, é inexistente recurso interposto por advogado sem procuração nos autos”.

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Rigidez prejudicial às partes: tal posicionamento poderá acarretar consequências prejudiciais às partes, que ficam obrigadas a duplicar ações e atos processuais perfeitos, e ao próprio Poder Judiciário, que, por uma questão eminentemente formal, não essencial, deverá reapreciar processos e peças idênticos aos anteriores.

  • Este tópico é a evidente explicação que retrata a representatividade do acórdão escolhido quanto à aplicação da Jurisprudência Defensiva pelos Tribunais Superiores.

Artigo 13 do Código de Processo Civil: pressuposto de validade: verificada a incapacidade processual ou irregularidade de representação das partes, o processo será suspenso pelo magistrado, fixando este o prazo para que o defeito seja sanado. Apenas em caso de descumprimento, haverá será decretada a revelia, extinção ou exclusão processual.

Para parte da doutrina, a irregularidade prevista no referido artigo 13 não abrangeria a ausência de representação, enquanto, para outra, a ausência seria uma mera espécie de irregularidade.

Este último entendimento, por ser mais flexível, claramente acarretaria em menores prejuízos para as partes e para o Poder Judiciário, pois mesmo que aumentasse a quantidade de processos a serem analisados, seria evitado o desgaste desnecessário a ensejos a atos processuais duplicados. Contudo, caso compreenda-se que ausência e irregularidades são conceitos distintos, verifica-se verdadeira lacuna legal. Afinal, as consequências jurídicas para as hipóteses de ausência de representação, em causas que não envolvessem urgência ou impedimento de decadência ou prescrição, não estariam previstas em qualquer dispositivo normativo.

Artigo 662 do Código de Processo Civil: os atos praticados por advogado, sem instrumento de mandato, após a vigência do Código Civil de 2002 que dispõe sobre o assunto, passaram a ser considerados ineficazes, podendo tal ineficácia ser afastada pela mera juntada do instrumento de mandato acompanhado de ratificação expressa dos atos ou pela prática de ato inequívoco da parte neste sentido.

Este último posicionamento, por outro lado, também é compatível com o artigo 2º, parágrafo 1º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, e com as recentes alterações da Constituição da República, com a Emenda 45, que elevaram os princípios da razoável duração do processo e da celeridade a status constitucional (art. 5º, LXXVIII), bem como, converge com princípio da instrumentalidade das formas, previsto no artigo 244 do Código de Processo Civil, que determina que: “Quando a lei prescrever determinada forma, sem cominação de nulidade, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade.”

Desta forma, as modificações doutrinárias e entendimentos atuais acerca do assunto tratado tornam evidentemente mais flexíveis as regras quanto no que se trata de ausência de juntada de instrumentos de mandato aos autos, inclusive em instâncias superiores, tornando a procuração ad judicia pressuposto de eficácia a ser sanado a qualquer momento. Assim, são ressaltados os princípios constitucionais da celeridade e da razoável duração do processo, sendo que estes, certamente acarretam inegáveis benefícios às partes, aos procuradores e ao próprio Poder Judiciário, diferentemente do disposto na Súmula 115 do STJ, atualmente aplicada, conforme disposto em acórdão exemplificativo.

6. CONCLUSÃO

Ao analisar o acordão escolhido observa-se que, houve sim a preocupação do legislador em garantir ao jurisdicionado meios para que exercesse seu direito de acesso à justiça. Porém não é isso o que vemos nas decisões de nossos tribunais superiores.

Estamos falando da formalidade processual, esta que não foi elaborada com a finalidade de dificultar ao cidadão que peça justiça ao Estado, justamente o oposto, a formalidade esta presente para garantir a segurança e o desenvolvimento adequado do processo, infelizmente não é desse modo que é vista.

O sistema recursal brasileiro não é matéria das mais fáceis dentro do processo civil, somamos a isto o fato de alguns magistrados exagerarem na aplicação do formalismo processual e temos como resultado uma causa impeditiva de acesso à justiça.

Pegando como exemplo o acordão escolhido pelo grupo, foi apontado que existem opções fornecidas pelo legislador para que a falta de formalidade seja sanada, fica evidente que no caso apresentado aqui houve aplicação exagerada da exigência de formalidade e total desconsideração das alternativas que poderiam sanar o vicio e dar seguimento ao recurso.

Finalizando, ressalto o que considero de suma importância, o formalismo processual não se faz presente para agredir o jurisdicionado, na realidade a intenção é dar maior segurança, previsibilidade e ordem ao procedimento. Cabe aos magistrados dos tribunais superiores refletirem a respeito da exigência das normas formais do processo. Em alguns casos, ao invés de buscar a celeridade processual de forma, entendo que devem ser maleáveis, afinal, o importante é a solução do litigio e não o encerramento do processo.

7.    BIBLIOGRAFIA

  1. Jorge, Flávio Cheim. REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE DOS RECURSOS: ENTRE A RELATIVIZAÇÃO E AS RESTRIÇÕES INDEVIDAS (JURISPRUDÊNCIA DEFENSIVA). Revista de Processo.
  2. Sausen, Dalton. REFLEXÕES SOBRE A JUSTIÇA ATUAL: A INSUFICIÊNCIA/AUSÊNCIA DOS CRITÉRIOS DE JUSTIÇA ALMEJADOS E OS INSTRUMENTOS DE ESTANDARDIZAÇÃO E BLOQUEIO DE ACESSO À JUSTIÇA. Revista de Processo.
  3. http://www.conjur.com.br/2013-jul-29/processo-fim-jurisprudencia-defensiva-utopia
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