Análise comparativa dos crimes de homicídio culposo na direção de veículo automotor agravado por rachas e crime de racha agravado por homicídio, após a Lei 12.971/2014

17/10/2015 às 22:27
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O presente trabalho busca encontrar uma possível solução para a controvérsia jurídica surgida após a entrada em vigor da Lei 12.971/2014, tal controvérsia diz respeito aos crimes previstos nos art. 302 §2º e art. 308 §2º do Código de Trânsito Brasileiro.

ANÁLISE COMPARATIVA DOS CRIMES DE HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR AGRAVADO POR “RACHAS”, ART 302 §2º CTB E CRIME DE “RACHA” AGRAVADO POR HOMICÍDIO, ART 308 §2º DO CTB, APÓS A LEI 12.971/2014.

Denis Henrique da Silva[1]

RESUMO

O presente trabalho busca encontrar uma possível solução para a controvérsia jurídica surgida após a entrada em vigor da Lei 12.971/2014, tal controvérsia diz respeito aos crimes previstos nos art. 302 §2º e art. 308 §2º do Código de Trânsito Brasileiro. O art. 302 §2º prevê o crime de Homicídio culposo na direção de veículo automotor, agravado em razão do autor estar disputado corridas não autorizadas, “rachas”, já o art. 308 §2º prevê o crime de Praticar corridas não autorizadas, “rachas” em via pública, qualificado em razão do resultado morte de alguém. Uma breve análise dos dois dispositivos citados nos leva a entender que em ambos os casos temos a mesma conduta, porém descrita de modo contrário, ocorre que as penas cominadas as condutas são muito diferentes, no art. 302 §2º as penas variam de 2 (dois) a 4 (quatro) anos de reclusão e no art. 308 §2º as penas vão de 5 (cinco) a 10 (dez) anos de reclusão. A incerteza sobre qual a forma correta de interpretar os citados dispositivos pode causar uma grande insegurança jurídica, capaz de trazer resultados danosos a sociedade.

Palavras-Chave: Racha, Homicídio, Trânsito, Código de Trânsito Brasileiro.

Introdução

O presente trabalho busca esclarecer a polêmica jurídica trazida após a edição da Lei 12.971/2014. Tal lei altera dispositivos da Lei 5.301/97, Código de Trânsito Brasileiro – CTB. A polêmica surgida versa sobre a nova redação dos art. 302 §2º e art. 308 §2º do CTB, após a entrada em vigor da Lei 12.971/2014.

Da forma como está descrito atualmente, temos no art. 302 §2º o crime de homicídio culposo na direção de veículo automotor agravado pela prática de corridas não autorizadas em via pública, “rachas”, e no art. 308 §2º temos o crime de “racha”, agravado pelo resultado morte.

Uma breve análise dos dois dispositivos nos leva a crer que existe um aparente conflito de normas, dentro da mesma lei, onde aparentemente as duas condutas são a mesma, porém descritas de forma diferente. Para tornar a situação ainda mais complexa, vemos que existe uma grande diferença entre as penas cominadas para cada uma das condutas, no art. 302 §2º a pena é de 2 (dois) a 4 (quatro) anos de reclusão e no art. 308 §2º a pena é de 5 (cinco) a 10 (dez) anos de reclusão.

Para tentar elucidar a situação, inicialmente veremos um histórico da legislação de trânsito no país até chegar aos dias atuais, passando pelos diversos diplomas legais que já versaram sobre o tema no país.

Analisaremos o atual Código de Trânsito Brasileiro – CTB, e a previsão constitucional da privatividade da União em legislar sobre o tema. Veremos também que o CTB se baseia principalmente na busca pela segurança dos usuários das vias terrestres e na fluidez do trânsito.

Passando a análise propriamente dita da Lei 12.971/2014, veremos que a citada lei trouxe profundos reflexos na legislação de trânsito no país. Os principais reflexos são sentidos no que se refere aos crimes de trânsito e no reforço dado às sanções aos citados crimes, uma vez que a nóvel legislação buscou dar mais segurança aos usuários das vias e apenar com mais severidade os crimes de trânsito.

A polêmica sobre a interpretação dos dispositivos legais apresentados será analisada sob a ótica dos juristas Guilherme Nucci, Luiz Flávio Gomes e Márcio André Lopes Cavalcante, onde cada um apresenta interessante forma de interpretar o problema posto.

Por fim será analisada uma proposta legislativa de solução do problema, o Projeto de Lei 7.623/2014 em tramitação na Câmara dos Deputados que busca acabar com a polêmica sobre o assunto, existente desde a entrada em vigor da Lei 12.971/2014.

Histórico da legislação de trânsito no Brasil

De acordo com a obra 100 Anos de Legislação de Trânsito no Brasil, a primeira legislação a tratar do assunto trânsito que se tem notícia no país é o Decreto nº 8.324, de 27 de outubro, de 1910, o qual tratava do Serviço Subvencionado de Transporte de Automóveis. Em seus 39 artigos, são apresentadas as primeiras normas objetivando disciplinar o trânsito de automóveis nas vias do país. Ao ler o texto, vemos que se trata de uma norma que é o embrião das legislações de trânsito que virão posteriormente no país.

Segundo Juliver Modesto de Araújo, apud Geraldo de Faria Lemos Pinheiro, em sua obra "Código de Trânsito Brasileiro Interpretado" (co-autor Dorival Ribeiro, Editora Juarez de Oliveira), o primeiro Código Nacional de Trânsito foi instituído pelo Decreto-lei nº 2.994, de 28/01/41, porém o diploma legal vigorou por pouco tempo e logo foi revogado pelo Decreto-lei nº 3.651, de 25/09/41. Em 21/09/66 entrou em vigor a Lei nº 5.108, Código Nacional de Trânsito, cujo Regulamento foi aprovado pelo Decreto nº 62.127, de 16/01/68 e assim, substituiu o diploma anterior que disciplinava o trânsito no país, estabelecendo novas regras para o assunto. Durante os anos seguintes ocorreram algumas alterações no Código Nacional de Trânsito e na década de 1970 chegou a ocorrer uma tentativa frustrada de substituição do referido Código.

Em 1991 o Vice-Presidente da República, estando no exercício da Presidência, expediu Decreto com o objetivo de criar Comissão Especial para a elaboração do anteprojeto do Código de Trânsito Brasileiro, que viria a substituir o Código Nacional de Trânsito em vigor na época e que já carecia de mudanças para poder melhor disciplinar o tema, em razão das muitas mudanças na sociedade do país desde a entrada em vigor do Código Nacional de Trânsito.

Após os trabalhos da Comissão, o projeto foi encaminhado pelo Poder Executivo em 24/05/93, para tramitar na Câmara dos Deputados na condição de “Projeto de Código”. Após os trabalhos de deliberação e votação, o projeto foi aprovado.

No dia 23/09/97, foi publicada a Lei nº 9.503/97, que, instituiu o atual Código de Trânsito Brasileiro - CTB, tendo o texto legal entrado em vigor em 22/01/98. Desde então ocorreram várias alterações, por meio de diversas leis, sempre buscando de alguma forma melhorar a legislação para poder dar mais segurança aos usuários das vias e fluidez para o trânsito.

Código de Trânsito Brasileiro

A cada dia que passa, vemos aumentar nas cidades a frota de veículos automotores. As condições sociais e econômicas levam cada vez mais os cidadãos a recorrerem aos veículos automotores como meio de locomoção de forma mais prática, rápida e confortável.

Percebendo o fenômeno do aumento da frota de veículos automotores no país, o legislador constituinte quis dar relevância constitucional para o tema, ao estabelecer o inciso XI do Art. 22 na Constituição Federal:

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

(...)

XI - trânsito e transporte:

O entendimento acima é facilmente interpretado como a busca de dar ao país um único diploma legal capaz de disciplinar o assunto, afinal se tivéssemos diversas legislações estaduais ou municipais relativas ao tema trânsito, poderia ocorrer uma grande confusão em que os condutores teriam sérias dúvidas sobre qual legislação seguir e tais dívidas poderiam gerar um clima de insegurança viária no país.

Observando o fenômeno do aumento cada vez da frota de veículos e a disposição constitucional sobre a privatividade da União em legislar sobre o tema trânsito, foi promulgada a lei 5.903/97, que estabelece o Código de Trânsito Brasileiro - CTB. Desde sua entrada em vigor, o CTB tem gerado seus efeitos na regulamentação do trânsito nas vias terrestres abertas a circulação de veículos. Em seus atuais 341 artigos disciplina o Trânsito de veículos automotores no país, estabelecendo regras de circulação, infrações administrativas e crimes diversos.

Logo em seu art. 1º, o CTB nos mostra qual a sua aplicabilidade:

Art. 1º O trânsito de qualquer natureza nas vias terrestres do território nacional, abertas à circulação, rege-se por este Código.

Muito embora o legislador tenha usado a expressão “vias abertas a circulação”, é possível entender que a expressão é sinônimo da expressão "vias públicas", pois vias particulares não estão abertas a circulação por qualquer um a qualquer hora. Assim, é possível entender que as regras de trânsito, previstas no CTB somente tem aplicabilidade em vias públicas ou abertas a livre circulação por qualquer um. Desta forma, o Código de Trânsito Brasileiro não se aplica a vias particulares ou áreas internas fechadas, como propriedades privadas, estacionamentos de supermercados, shoppings etc, muito embora as regras estabelecidas no CTB possam ser usadas, nesses locais, como referência. Este entendimento é corroborado pela doutrina de Honorato.

Desse modo aplicam-se as regras de trânsito a todas as pessoas, veículos e animais que utilizem vias terrestres, sejam estas vias públicas, praias abertas à circulação pública ou vias internas pertencentes à condomínios fechados. No entanto, entendo que a Legislação de Trânsito não incide em relação a fatos praticados no interior de propriedades privadas, restando, assim, afastados de sua aplicação os estacionamentos privados e as propriedades particulares, tanto urbanas como as rurais. O fundamento dessa afirmação encontra-se no fato de a propriedade privada encontrar-se fora do conceito de “via terrestre”. (HONORATO, 2000).

No mesmo sentido, Marcelo José Araújo apresenta sua lição exemplificando a aplicação do CTB somente em vias públicas.

Muitas pessoas que têm carros potentes e velozes gostariam de utilizar o potencial esportivo de suas máquinas, mas conscientes do dever de obedecerem às regras de trânsito devem conter seu ímpeto quando circulam nas vias. Por esse motivo está cada vez mais difundido o uso de pistas de autódromos, ou mesmo off road para o pessoal da lama, para que as pessoas utilizem seus próprios veículos e extravasem suas vontades. É comum até mesmo o arremate de motos e jipes em leilões, na condição de sucatas, para que sejam utilizados apenas em trilhas de fazendas. O Art. 1º do Código de Trânsito estabelece que suas regras se aplicam nas vias terrestres abertas à circulação, ou seja, nas vias públicas. Portanto, autódromos e áreas particulares estariam isentas de tais regras, de forma que habilitação dos condutores, registro e licenciamento dos veículos não seriam exigíveis, cabendo ao organizador responsável pelo local estabelecer as regras de segurança compatíveis com o uso, sob pena de ser responsabilizado por eventual omissão, mas na área cível ou criminal. Mesmo acidentes que possam vir a ocorrer, tendo como consequência lesões ou morte, entendemos que o homicídio ou lesão seriam aquelas tipificadas no Código Penal, e não no Código de Trânsito. (ARAÚJO, 2013).

Para evitar qualquer tipo de dúvida sobre o assunto, foi elaborado o estudo “Noção Jurídica de Via: Em busca de uma definição”, que em seu corpo, entendeu que “via é toda superfície terrestre, pavimentada ou não, em geral situada em espaço público, de uso comum do povo, destinada à circulação de veículos, pessoas ou animais, por ato inequívoco do poder público, anterior ou concorrente à referida utilização, cujo uso deve ser passível de regulamentação pela autoridade de trânsito com circunscrição sobre ela".

Quando de sua entrada em vigor, o CTB promoveu profundas alterações nas regras relativas ao trânsito de veículos automotores no país, além disso, o trânsito passou a ser tratado e fiscalizado com um rigor a mais e houve campanhas de conscientização. A novidade legislativa trazida e o novo rigor fiscalizatório além das campanhas educativas fizeram com que no final da década de 90, entre os anos de 97 a 2000 a curva referente ao número de acidentes com mortes no trânsito brasileiro que subia de forma crescente nos períodos anteriores mudasse de sentido, iniciando uma tendência de queda.

A partir do ano de 2001 a curva novamente se tornou ascendente, indicando o crescente número de acidentes de trânsito e de mortes decorrentes de tais acidentes. Em 2005 o número de mortes já retornava aos patamares de 97 e partir da daí segue uma sequência ascendente até os dias atuais. Diversas campanhas de conscientização têm sido feitas com o objetivo de frear o crescente número de acidentes e mortes nas vias do país, mas não tem obtido êxito.

De acordo com o SIM – Sistema de Informação de Mortalidade do Ministério da Saúde, no ano de 2010 o número de mortes no trânsito no país já chegou a marca de 41000, um número assustador de mortes anuais, evidenciando a necessidade de uma mudança de atitudes de toda a sociedade. De acordo com projeções do SIM, em 2015 o número de mortes no trânsito no país deve ultrapassar os 50000, fazendo com que os acidentes de trânsito sejam a principal causa de mortes por eventos externos no país.

A Organização das Nações Unidas verificando o fenômeno crescente da violência no trânsito, que ocorre em escala mundial, em Assembleia Geral, aprovou a Resolução A/64/L44 em 2 de março de 2010, que declarou o período de 2011 a 2020 como a Década Mundial de Ações para Segurança no Trânsito. A iniciativa visa estimular esforços para conter e reverter a tendência crescente de fatalidades e ferimentos graves em acidentes no trânsito em todo o mundo. Segundo estimativas do ONU, Atualmente, tais acidentes já representam um custo global de US$ 518 bilhões/ano e se nada for feito, a Organização Mundial da Saúde, OMS estima que deveremos ter 1,9 milhão de mortes no trânsito em 2020 e 2,4 milhões em 2030, número de proporções assustadoras.

Segundo CASTRO, Henrique H. M. (2014, apud PINTO, Lucia Bocardo Batista; PINTO, Ronaldo Batista. Trânsito. In: CUNHA, Rogério Sanches; GOMES, Luiz Flávio. Legislação criminal especial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 967).

O número de acidentes de trânsito em nosso país assume o caráter de verdadeira calamidade pública. Ao cabo das férias escolares, a cada final de semana prolongado, as estatísticas traçam um perfil aterrorizante da situação nas estradas. São milhares de vítimas da imprudência. Mortos e feridos que engrossam melancólica lista, ceifando vidas de inocentes, com prejuízos irreparáveis de ordem emocional e mesmo para o Estado. (CASTRO, 2014).

Os motivos geradores da calamidade são muitos como a pavimentação ruim, falta de fiscalização, ruas e rodovias mal sinalizadas, veículos sem condições de tráfego, combinação de álcool e direção, motoristas inabilitados, imprudência e irresponsabilidade de condutores, e confiança na impunidade, devido a uma cultura nacional de impunidade devido a leis que muitas vezes são falhas ou não atendem realmente a necessidade de seu sentido original.

Ciente da situação, o legislador percebeu a necessidade de uma mudança de rumos e de um aperfeiçoamento do Código de Trânsito Brasileiro objetivando promover efetividade o que prescreve o art. 1º, §2º do CTB:

Art 1º (...)

§ 2º O trânsito, em condições seguras, é um direito de todos e dever dos órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito, a estes cabendo, no âmbito das respectivas competências, adotar as medidas destinadas a assegurar esse direito.

Logo no início do CTB vemos o que Juliver modesto de Araújo descreve como “Princípio da Universalidade do Direito ao Trânsito Seguro”, uma vez que cria um direito aplicável a todos, indistintamente. A observância do princípio acima não representa uma obrigação pura e simples, pois a segurança do trânsito depende, da participação de diversos fatores, não sendo possível esperar que apenas os órgãos e entidades de trânsito se responsabilizem pela garantia desse direito.

Dentro do mesmo contexto, é importante frisar que o condutor deve guiar seu veículo com atenção e manter sempre cuidados relativos à segurança no trânsito, como bem preceitua o art. 28 do CTB:

Art. 28. O condutor deverá, a todo momento, ter domínio de seu veículo, dirigindo-o com atenção e cuidados indispensáveis à segurança do trânsito.

Demonstrando a preocupação do legislador, assim como em outros artigos, de impor a participação do usuário da via na garantia do trânsito seguro, chegando, até mesmo, a estabelecer uma regra para gradação da responsabilidade, nos termos do § 2º do artigo 29 do CTB:

Art. 29 (...)

§1º(...)

§2º Respeitadas às normas de circulação e conduta estabelecidas neste artigo, em ordem decrescente, os veículos de maior porte serão sempre responsáveis pela segurança dos menores, os motorizados pelos não motorizados e, juntos, pela incolumidade dos pedestres.

Uma criteriosa leitura do § 2º do artigo 1º do CTB nos lembra à previsão constitucional referente à segurança pública, de acordo com o art. 144 da CF/88:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

Vejamos que o legislador constituinte foi imitado neste aspecto pelo legislador de trânsito, preocupando-se em citar expressamente, que, apesar de ser um direito, a segurança pública é de responsabilidade de todos.

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A segurança do trânsito é, inegavelmente, a maior preocupação e o norte que guia a aplicação do CTB, devendo-se lembrar de que foram exatamente os índices alarmantes de acidentes com veículos automotores e sua correspondente mortalidade que motivaram as mudanças na legislação de trânsito brasileira, de forma a fazer com que o assunto seja tratado de forma mais rigorosa.

Como a segurança de todos os cidadãos é tutelada pela Constituição Federal no art. 5º, caput:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

Vemos que há evidente interesse estatal no adequado funcionamento do sistema viário e na observância dos direitos dos usuários, garantindo a todos segurança quando da utilização das vias terrestres.

Lei 12.971/2014

Observando a calamidade que estava se tornado o trânsito no país, o legislador percebeu a necessidade de realizar melhoramentos no Código de Trânsito Brasileiro buscando promover efetivamente a segurança no trânsito. Nesse sentido, foi editada a Lei 12.971/14, que altera a Lei 9.503/97 com o objetivo de contribuir para a segurança no trânsito e assegurar punições mais severas àqueles que praticam crimes na direção de veículo automotor.

A Lei 12.971/14 publicada em 12 de maio de 2014 e em vigor desde primeiro de novembro de 2014, promoveu algumas alterações no CTB, no que se refere à parte administrativa e na parte penal da Lei 9.503/97. No que se refere aos crimes de trânsito foram alterados os arts. 302, 303, 306 e 308 do Código de Trânsito Brasileiro, aumentando o rigor das punições crimes de trânsito.

Dentre as modificações trazidas pela Lei 12.971/2014 destacamos que no caput do artigo 302 do CTB e seu parágrafo primeiro tiveram mantidas as redações bem como a reprimenda prevista em seu preceito secundário, detenção de 2 (dois) a 4 (quatro) anos. Com relação às figuras qualificadas, foi criado o §2° no art. 302, o qual qualifica o tipo quando o condutor comete homicídio culposo por estar dirigindo embriagado ou o agente está praticando corrida não autorizada na via pública, “racha”. Nesse ponto a lei simplesmente manteve o mesmo quantum da pena do caput, alterando apenas o tipo do regime de prisão que deixará de ser detenção passando para reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos e sanções acessórias.

Como é sabido, os regimes de reclusão e detenção tem pouca diferença prática, pois enquanto a reclusão permite que o réu inicie o cumprimento da pena no regime fechado a detenção só permite que o réu inicie sua pena em regime semiaberto. Ocorre que para se determinar o regime inicial de cumprimento de pena, o aplicador do direito deverá levar em consideração o tempo previsto no tipo penal, assim, no caso do homicídio culposo do art. 302 do CTB jamais será possível à aplicação do regime fechado ao réu, ainda que condenado à pena máxima do homicídio qualificado do § 2° (2 a 4 anos de reclusão), uma vez que o quantum previsto permitirá a substituição da prisão por penas restritivas de direitos conforme o art. 44 do Código Penal  ou suspensão da pena privativa – sursis penal - art. 77 do mesmo diploma legal.

Apesar de ter buscado dar um tratamento mais severo às condutas qualificadas do tipo de homicídio culposo, as previsões legais jamais terão como consequência a prisão do réu, mesmo em circunstâncias onde se vê o desrespeito e a imprudência imperarem, quando autores dirigem com imprudência, cometendo “rachas” ou sob efeito de substancias que diminuem a capacidade psicomotora.

O art. 308 do CTB descreve uma figura típica que a doutrina penal qualifica como crime preterdoloso, em que há dolo na conduta antecedente e culpa na consequente, ou seja, primeiro o agente tem a intenção de agir cometendo uma conduta de risco, imprimindo dolosamente uma velocidade ao disputar uma corrida não autorizada “racha” (mas não tem a intenção de causar dano), depois, por sua imprudência, termina provocando o resultado danoso evidenciado em lesões ou homicídio.

Assim, veja que o crime tipificado no art. 308 do CTB é um crime de perigo, onde a lei criminaliza apenas a conduta de expor a sociedade aos possíveis riscos que podem surgir da prática do “racha”, o dano, por sua vez, advém de um resultado não querido e nem esperado pelo agente, que acaba provocando lesões graves ou homicídio, segundo a nova redação prevista para os parágrafos do artigo.

Desse modo, o crime previsto no art. 302 §2° do CTB (homicídio culposo qualificado pelo “racha”) que é um crime de dano, deveria ser grafado com uma consequência jurídica mais severa que aquela prevista no art. 308 §2° do CTB (“racha” com resultado morte), que é um crime de perigo real, o que tecnicamente deveria impor a absorção do tipo menos grave pelo tipo mais grave, segundo o princípio da consunção ou absorção. Galvão explica melhor o princípio.

O principio da consunção, também denominado princípio da absorção, pode ser sintetizado na seguinte fórmula: a caracterização do crime-fim absorve a hipótese do crime-meio. Lamentavelmente, é comum observar a erronia de alguns operadores do direito ao resumir o princípio na fórmula: o crime mais grave absorve o crime menos grave. Não é essa a essência do princípio. Jescheck esclarece que ocorre consunção quando o conteúdo de injusto e de culpabilidade de uma ação típica alcança, incluindo-o, o de outro tipo penal, de sorte que a condenação baseada em um único tipo já expressa, de forma exaustiva, o desvalor de todo o processo – lex consumens derogat legi consuptae.   

Nas palavras de Hungria, uma norma se deve reconhecer consumida por outra quando o crime previsto por aquela não passa de uma fase de realização do crime previsto por esta, ou é uma necessária ou normal forma de transição para o último (crime progressivo). O crime previsto pela norma consuntiva representa a etapa mais avançada na efetivação do malefício, aplicando-se, então, o princípio de que major absorbet minorem. Os fatos, aqui, também não se acham em relação de species a genus, mas de minus a plus, da parte a todo, de meio a fim. (GALVÃO, 2013).

4.1 Homicídio Culposo no Trânsito

O crime de homicídio culposo, praticado na direção de veículo automotor, previsto no caput do art. 302 do CTB se manteve inalterado após a lei 12.971/2014, tendo sido mantidos a descrição da conduta e a reprimenda correspondente, assim descrito:

Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor:

Penas - detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Em seguida vemos que as causas de aumento de pena também não foram alteradas, houve apenas o deslocamento do antigo parágrafo único para o §1º, a fim de dar espaço para a inovação legislativa contida no §2º.

Art. 302. (...)

§1º. No homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) à metade, se o agente:

I - não possuir Permissão para Dirigir ou Carteira de Habilitação;

II - praticá-lo em faixa de pedestres ou na calçada;

III - deixar de prestar socorro, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à vítima do acidente;

IV - no exercício de sua profissão ou atividade, estiver conduzindo veículo de transporte de passageiros.

A Lei 12.971/14 inovou ao criar uma modalidade qualificada no §2º para os casos em que o agente conduz veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência, ou participa, em via, de corrida, disputa ou competição automobilística ou ainda de exibição ou demonstração de perícia em manobra de veículo automotor, não autorizada pela autoridade competente.

Art. 302. (...)

§ 2º Se o agente conduz veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência ou participa, em via, de corrida, disputa ou competição automobilística ou ainda de exibição ou demonstração de perícia em manobra de veículo automotor, não autorizada pela autoridade competente:

Penas - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Como citado anteriormente, vemos que o objetivo da Lei 12.971/2014 é dar mais segurança aos usuários das vias terrestres, e dar uma sanção mais dura àqueles que cometem crimes na direção de veículos automotores. Dentro dessa lógica, foi elaborado pelo legislador o novel art. 308 e seus parágrafos que inovam no contexto legislativo.

Art. 308.  Participar, na direção de veículo automotor, em via pública, de corrida, disputa ou competição automobilística não autorizada pela autoridade competente, gerando situação de risco à incolumidade pública ou privada.

Penas - detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor

§ 1o Se da prática do crime previsto no caput resultar lesão corporal de natureza grave, e as circunstâncias demonstrarem que o agente não quis o resultado nem assumiu o risco de produzi-lo, a pena privativa de liberdade é de reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, sem prejuízo das outras penas previstas neste artigo

§ 2o Se da prática do crime previsto no caput resultar morte, e as circunstâncias demonstrarem que o agente não quis o resultado nem assumiu o risco de produzi-lo, a pena privativa de liberdade é de reclusão de 5 (cinco) a 10 (dez) anos, sem prejuízo das outras penas previstas neste artigo.

 Surge um problema ao se comparar o art. 302, §2º com o art. 308, §2º do CTB. O problema surge porque a qualificadora do homicídio culposo de trânsito art. 302 §2º e a qualificadora da disputa automobilística não autorizada art. 308 §2º aparentemente tratam da mesma situação fática. A situação real é: o agente pratica um “racha” e em razão do “racha” ocorre o resultado morte de alguém, diante disso temos a dúvida: se trata de um crime de homicídio no trânsito agravado em razão do agente estar realizando um “racha” (competição automobilística não autorizada), ou se trata de um crime de “racha” (participar de competição automobilística não autorizada) qualificado pelo resultado morte?

Se o limite entre as duas situações acima é tênue, o mesmo não ocorre em relação aos preceitos secundários referentes a cada uma das condutas descritas. Vemos que no art. 302 §2º a pena é de 2 (dois) a 4 (quatro) de reclusão, já no art. 308 §2º as penas variam entre 5 (cinco) a 10 (anos) de reclusão.

Da antinomia

Nucci analisou os dispositivos legais da seguinte maneira. O propósito do legislador ao elaborar a Lei 12.971/2014 era aperfeiçoar o Código de Trânsito Brasileiro para dar mais segurança aos usuários de vias terrestres, porém, o texto em vigor criou um aparente conflito de normas entre o §2º do art. 302 e o §2º do art. 308 que pode até mesmo comprometer o objetivo inicial da reforma.

Vemos que o primeiro dispositivo legal se trata de crime de dano, embora culposo e o segundo é crime de perigo, com dolo de perigo. Desse modo, se o agente praticar “racha” na via pública e matar alguém, desaparece o crime de perigo e surge a punição pelo dano causado (homicídio), restando após debater o elemento subjetivo se dolo ou culpa.

Quanto ao art. 308 e seu §2º, a redação dada ao dispositivo acabou por incluir entre seus parágrafos, as figuras qualificados do §2º do art. 302. No art. 308 §2º temos um crime de perigo, a hipótese de ocorrer o resultado qualificador é por meio de culpa, identificando assim, o clássico delito preterdoloso: dolo no “racha” e culpa no resultado morte. De certo que o legislador deixou claro que se do “racha” resultar morte, por culpa “e as circunstâncias demonstrarem que o agente não quis o resultado (culpa) nem assumiu o risco de produzi-lo (dolo eventual)”.

Das situações descritas, segundo Nucci, há um evidente conflito pois aquele que pratica homicídio culposo em “racha”, recebe pena de reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos e quem pratica “racha” que resulta em morte recebe pena de 5 (cinco) a 10 (dez) anos de reclusão.

O mesmo Nucci soluciona o aparente conflito da seguinte maneira:

a) o crime de dano deve absorver o crime de perigo, logo quem alcança o resultado morte deve responder pelo homicídio culposo qualificado;

b) o delito de perigo, com resultado dano (morte), com pena superior jamais poderá ser aplicado, pois a figura típica central e básica do caput do art. 308 é o perigo, que sempre cede à figura central e básica do caput do art. 302, que é de dano, contendo qualificadora idêntica ao caput do art. 308;

c) aplica-se a consunção: homicídio qualificado pelo “racha” absorve o “racha”, que leva à morte;

d) aplica-se ainda o principio constitucional da proporcionalidade, associado ao principio constitucional da prevalência do interesse do réu: se há duas penas (art. 302 §2º e art. 308 §2º), editadas pela mesma lei, na mesma data, para os mesmos fatos, aplica-se a mais benéfica, que é o art. 302 §2º.

Para bem ilustrar o fato, Nucci traça um paralelo, a título de exemplo: o crime de incêndio art. 250 CP é de perigo, cometido com o dolo de perigo. Porém, pode ocorrer o resultado morte a título culposo, devendo o agente responder pelo resultado qualificado art. 258 CP. Entretanto, se o agente matar alguém mediante emprego de fogo, responde por homicídio qualificado art. 121 § 2º III CP. É completamente inviável que haja dupla punição pelo mesmo fato, ferindo assim o principio de que ninguém será duplamente punido pela mesma situação fática. Situação similar ocorre hoje no Código de Trânsito Brasileiro onde quem matar alguém durante a prática de “racha” responde por homicídio culposo ou doloso, conforme o caso, jamais por “racha” seguido de morte.

Formas de interpretar o caso

Começaram a surgir algumas tentativas de interpretar a atual legislação em vigor. Uma primeira forma de interpretação seria bastante simples: as condutas descritas no §2º do art. 302 e 2º do art. 308 do CTB são as mesmas, porém descritas de modo inverso. Existe grande diferença entre o quantum em das penas dos citados dispositivos, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos de reclusão no primeiro e de 5 (cinco) a 10 (dez) anos de reclusão no segundo. Desse modo a situação deve ser interpretada de acordo com o interesse do réu de modo que diante de um homicídio culposo na direção de veículo automotor enquanto o condutor participava de “racha”, o agente deverá ser punido na forma do §2º do art. 302 do CTB, cuja pena é mais branda e o § 2º do art. 308 do CTB, cuja pena é mais severa será inaplicável a qualquer hipótese. Neste sentido já temos o posicionamento do jurista Luiz Flávio Gomes.

O problema: aqui no art. 308 o resultado morte provocado culposamente aparece como qualificadora do delito de participação em “racha”. Já no art. 302 (homicídio culposo), é a participação em “racha” que o torna qualificado (mais grave). No delito de participação em “racha”, é a morte que o qualifica. No delito de homicídio, é a participação no racha que o qualifica. Mas tudo isso é a mesma coisa! O mesmo fato foi descrito duas vezes. Na primeira situação (art. 302), a descrição legal foi de trás para frente (morte em virtude do “racha”); na segunda (art. 308), da frente para trás (“racha” e depois a morte). Para não haver nenhuma dúvida (talvez essa tenha sido a preocupação do emérito legislador), descreveu-se o mesmo fato duas vezes. Seria uma mera excrescência legis (o que já é bastante reprovável), se não fosse o seguinte detalhe: No art. 302 (homicídio culposo em razão de “racha”) a pena é de reclusão de dois a quatro anos; no art. 308 (“racha com resultado morte decorrente de culpa”) a pena é de cinco a dez anos de reclusão! Mesmo fato, com penas diferentes (juridicamente falando, sempre se aplica a norma mais favorável ao réu, ou seja, deve incidir a pena mais branda – in dubio pro libertate). (GOMES, 2014).

Contudo, a corrente defendida pelo professor e Juiz Federal Márcio André Lopes Cavalcante traz solução diferente e muito interessante, que merece ser analisada.

Considerando que não se pode negar vigência (transformar em “letra morta”) o § 2º do art. 308 do CTB, atualmente em vigor, tendo em vista que a interpretação entre os dispositivos de uma mesma lei deve ser sistêmica, será possível construir a seguinte distinção:

• Se o condutor, durante o “racha”, causou a morte de alguém agindo com culpa INCONSCIENTE: aplica-se o § 2º do art. 302 do CTB;

• Se o condutor, durante o “racha”, causou a morte de alguém agindo com culpa CONSCIENTE: aplica-se o § 2º do art. 308 do CTB. (CAVALCANTE, 2014).

A nova intepretação trazida nos leva a uma nova visão em que o dispositivo atualmente em vigor não é deixado de lado, tornando-se “letra morta”. Aqui se busca preservar o texto de lei, de maneira que nenhuma construção entre em contradição com a norma legal, estando esta corrente mais de acordo com o modus operandi do método dogmático.

Com relação ao modus operandi do método dogmático merecem ser apontadas as lições de Eugênio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli:

Frente a um conjunto de disposições legais, o jurista comporta-se como físico: deve tomar os dados, analisá-los, estabelecer as semelhanças e diferenças e reduzir o material com que opera a um conceito único. Com essas unidades elabora uma construção lógica, que é uma teoria, em que cada uma dessas unidades ou dogmas, encontra o seu lugar e sua explicação. Cumprida esta tarefa, deve formular uma hipótese, a fim de averiguar se essa teoria funciona de conformidade com o texto legal, isto é, se não há elementos que se encontram sem explicação, ou seja, se alguma parte do todo se contradiz. Este último passo é exigido porque nenhuma construção pode entrar em contradição com o texto legal. Esse é o processo de verificação. A construção não só não pode não deve ser contraditada pelos textos, mas tampouco pode ser ela mesma contraditória. Em síntese, o jurista, como qualquer cientista, deve elaborar um sistema não contraditório de proposições cujo valor de verdade deve ser verdadeiro e que expliquem os fatos de seu horizonte de projeção científico. (ZAFFARONI e PIERANGELI, 2011).

Para entender bem esta intepretação, analisaremos Culpa Consciente e Culpa Inconsciente na visão de Capez. 

  • Culpa inconsciente: é a culpa sem previsão, em que o agente não prevê o que era previsível.

Obs: De acordo com a lei penal, não existe diferença de tratamento penal entre a culpa com previsão e a inconsciente, “pois tanto vale não ter consciência da anormalidade da própria conduta, quanto estar consciente dela, mas confiando, sinceramente, em que o resultado lesivo não sobrevirá́” (Exposição de Motivos do CP de 1940). Além disso, não há diferença quanto à cominação da pena abstratamente no tipo. Entretanto, parece-nos que no momento da dosagem da pena, o grau de culpabilidade (circunstância judicial prevista no art. 59, caput, do CP), deva o juiz, na primeira fase da dosimetria, elevar um pouco mais a sanção de quem age com a culpa consciente, dada a maior censurabilidade desse comportamento.

  • Culpa consciente ou com previsão: é aquela em que o agente prevê o resultado, embora não o aceite. Há no agente a representação da possibilidade do resultado, mas ele a afasta, de pronto, por entender que a evitará e que sua habilidade impedirá o evento lesivo previsto.

Obs: A culpa consciente difere do dolo eventual, porque neste o agente prevê o resultado, mas não se importa que ele ocorra (“se eu continuar dirigindo assim, posso vir a matar alguém, mas não importa; se acontecer, tudo bem, eu vou prosseguir”). Na culpa consciente, embora prevendo o que possa vir a acontecer, o agente repudia essa possibilidade (“se eu continuar dirigindo assim, posso vir a matar alguém, mas estou certo de que isso, embora possível, não ocorrerá”). O traço distintivo entre ambos, portanto, é que no dolo eventual o agente diz: “não importa”, enquanto na culpa consciente supõe: “é possível, mas não vai acontecer de forma alguma”.

Proposta legislativa de solução do problema

Analisando a questão proposta, os legisladores resolveram encontrar uma solução legislativa para o tema. O Deputado Arolde de Oliveira em 2014 apresentou Projeto de Lei que tramita na Câmara dos Deputados sobre o nº 7.623/2014. A justificativa apresentada para o projeto nos trás que a reforma no CTB trazida pela Lei 12.971/14, principalmente no que se refere ao crime de “racha” está eivada de patentes equívocos na redação dos artigos modificados, situação que gera um conflito aparente de normas, que pode levar o operador do direito a optar por uma ou outra tipificação legal, uma vez que são atribuídas consequências legais diversas a fatos análogos, mais precisamente nas tipificações qualificadas dos art. 302 e art. 308 do CTB. Segue abaixo o inteiro teor do Projeto de Lei nº 7.623/2014 para ser analisado.

 O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º A Lei 5.503, de 23 de setembro de 1997 – Código de Trânsito Brasileiro, passa a vigorar com as seguintes alterações:

Art. 302. ..................................................................

Penas - detenção, de 2 (dois) a 7 (sete) anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

§ 1º No homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) à metade, se o agente:

I - não possuir Permissão para Dirigir ou Carteira de Habilitação;

II - praticá-lo em faixa de pedestres ou na calçada;

III - deixar de prestar socorro, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à vítima do acidente;

IV - no exercício de sua profissão ou atividade, estiver conduzindo veículo de transporte de passageiros.

.............................................................................................

Culpa gravíssima

§2º Se as circunstâncias do fato demonstrarem que o crime não foi doloso, mas que o agente previu o resultado e acreditou sinceramente poder afastá-lo, agindo com especial ousadia, a pena será de 4 (quatro) a 8 (oito) anos de reclusão, sem prejuízo das outras penas previstas neste artigo.

§ 3º Se o agente produz o resultado do caput na condução veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência ou participa, em via, de corrida, disputa ou competição automobilística ou ainda de exibição ou demonstração de perícia em manobra de veículo automotor, não autorizada pela autoridade competente:

Penas - reclusão, de 5 (cinco) a 10 (dez) anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.”

Art. 303. .............................................................................................

§ 1º .............................................................................................

Culpa gravíssima

§2º Se as circunstâncias do fato demonstrarem que o crime não foi doloso, mas que o agente previu o resultado e acreditou sinceramente poder afastá-lo, agindo com especial ousadia, a pena será de 1 (um) a 5 (cinco) anos de prisão, sem prejuízo das outras penas previstas neste artigo.

Art. 308. Participar, na direção de veículo automotor, em via pública, de corrida, disputa ou competição automobilística não autorizada pela autoridade competente, gerando situação de risco à incolumidade pública ou privada:

Penas - detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

§ 1º A pena será de 2 (dois) a 4 (quatro) anos de prisão, sem prejuízo das outras sanções previstas no caput, se o agente pratica o fato:

I – antes das 2h (duas) horas da madrugada;

II – na proximidade de locais de constante ou transitória circulação elevada de pessoas, como instituições de ensino em geral, creches, hospitais, eventos esportivos ou de entretenimento, ou quaisquer outros em que haja grande adensamento de pessoas;

III – em circunstâncias que possam indicar que houve prévio ajuste ou organização premeditada.

§ 2º Se da prática do crime previsto no caput resultar lesão corporal de natureza grave, e as circunstâncias demonstrarem que o agente não quis o resultado nem assumiu o risco de produzi-lo, a pena privativa de liberdade é de reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, sem prejuízo das outras penas previstas neste artigo.

Art. 2º Esta Lei entrará em vigor no 1o (primeiro) dia do 2o (segundo) mês após a sua publicação.

Caso aprovado, estaremos novamente, diante de uma inovação legislativa que trará profundos reflexos no mundo jurídico. Afinal o dispositivo que viria a ser o §2º do art. 302 iria nos apresenta a figura da Culpa gravíssima, que é praticamente uma definição do que é culpa consciente. Segundo Capez, Culpa consciente pode ser entendida como aquela em que o agente prevê o resultado, embora não o aceite. O agente acredita que existe a possibilidade do resultado, mas de pronto, entende que o evitará e que sua habilidade impedirá o evento lesivo previsto. Um tipo penal claramente derivado da atual doutrina sobre o assunto.

O atual §2º do art. 302 seria deslocado para o §3º do art. 302 para assim disciplinar a conduta daqueles que cometem o crime de homicídio culposo, qualificado pelo uso de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência ou participação em via de corrida, disputa ou competição automobilística não autorizada “racha” ou ainda de demonstração de perícia em manobra de veículo automotor, não autorizada pela autoridade competente. Porém, a grande diferença aqui estaria no preceito secundário aplicado ao crime de homicídio culposo na direção de veiculo automotor qualificado, que passaria para a ser de reclusão de 5 (cinco) a 10 (dez) anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor, mesma pena do atual §2º do art. 308.

O art. 308 juntamente com seus parágrafos seria totalmente novo. O caput do art. 308 irá descrever um crime de “racha”, como um crime de perigo, onde o núcleo do tipo prevê a necessidade de gerar perigo a incolumidade pública ou privada, no ato da disputa do “racha”. Capez nos traz que nos crimes de perigo, para a consumação do crime, basta a possibilidade do dano, ou seja, a exposição do bem a perigo de dano.

O §1º do art. 308 começa com as formas qualificadas do crime de “racha”. A primeira forma diz respeito ao horário em que ocorre o crime, semelhante à qualificadora do horário noturno do crime de furto, porém aqui está claramente descrito um horário em que começa a ocorrer a qualificação do crime de “racha”. O legislador provavelmente imaginou que antes de 2h (duas) horas, as ruas das cidades estão repletas de movimento e que quando o agente resolve cometer o crime de “racha” antes de tal horário, existe uma maior possibilidade de que durante o “racha”, venha a vitimar algum usuário da via.

Se a primeira forma qualificada observa o horário em que o crime e cometido, a segunda observa o local, aumentando a pena do agente quando o crime é cometido em local de grande movimente, seja o movimento constante ou transitório. Tal medida também busca a proteção do usuário da via, pois o cometimento do crime de “racha” em local movimentado potencializa em muito a possibilidade de ocorrerem vítimas.

A terceira qualificadora busca dar maior severidade ao tratamento dado aqueles que praticam “rachas” através de prévio agendamento.

No §2º do art. 308 encontraríamos outra qualificadora do crime de “racha”, porém diferentemente do atual texto que prevê a qualificação do crime de “racha” pelo resultado morte, teremos a qualificação pelo resultado lesão corporal grave.

Considerações Finais

A questão que este trabalho buscou responder é como deveria ser a interpretação das condutas descritas no §2º do art 302. e §2º do art 308. do CTB  no caso concreto. Para chegar a uma conclusão, foram analisadas as teorias dos juristas Guilherme Nucci, Luiz Flávio Gomes e Márcio André Lopes Cavalcante.

Nucci entende que as condutas descritas não são as mesmas, e que o crime previsto no §2º do art 302. Homicídio culposo na direção de veículo automotor, agravado em razão do agente praticar “racha” é um crime de dano, agravado pelo modo como o dano ocorre, ao passo que o crime previsto no §2º do art 308. Praticar “racha”, agravado pelo resultado morte culposa, é crime de perigo, agravado pelo dano, sendo este último é o clássico crime preterdoloso.

Luiz Flávio Gomes interpreta a situação verificando que as duas condutas descritas se tratam da mesma situação fática e que não há como haver duas punições diferentes pelo mesmo fato. Além disso, existe o fato da grande disparidade de penas previstas para os crimes citados. Assim, deve ser invocado o princípio do in dubio pro reu e utilizar apenas a conduta mais benéfica ao réu, quanto ao outro dispositivo legal seria um dispositivo inaplicável.

Por último vemos a teoria de Márcio André Lopes Cavalcante. Segundo o grande jurista, não se pode tornar “letra morta” uma lei que está em plena vigência, e que é lei especial para disciplinar o assunto trânsito, apesar do aparente conflito. Assim é necessário encontrar aplicabilidade aos dispositivos legais em estudo. A aplicabilidade encontrada por Cavalcante é no sentido que quando o condutor, durante o “racha”, causou a morte de alguém agindo com culpa inconsciente aplica-se o § 2º do art. 302 do CTB e se o condutor, durante o “racha”, causou a morte de alguém agindo com culpa consciente aplica-se o § 2º do art. 308 do CTB.

Comparando as teorias vemos que é complicado adotar a ideia de Nucci pois a clara interpretação gramatical mostra que a situação descrita nos dois dispositivos legais é a mesma porém descrita em ordem inversa.

Partindo do pressuposto que as condutas são as mesmas, analisamos a ideia de Luiz Flávio Gomes. Concordamos que o principio do in dubio pro reu é de grande importância, em nosso ordenamento jurídico porém não podemos beneficiar o réu a custas de jogar no lixo um dispositivo legal em plena vigência. Estaríamos entrando em um perigoso campo em que para conceder benefício ao réu simplesmente iríamos jogar fora um dispositivo legal em vigor.

Assim, nos parece mais acertada a interpretação de Cavalcante, que encontra aplicabilidade aos dois dispositivos legais em estudo e não ignora a vigência do dispositivo legal em vigor. A ideia de tornar sem efeito o dispositivo legal em vigor somente poderia ocorrer por meio do poder legislativo.

Mesmo adotando o posicionamento no sentido de que acompanho a odeia de Cavalcante, entendemos que ainda há muita polêmica sobre o assunto e que a melhor forma de acabar com as polêmicas seria a ação do poder legislativo, elaborando uma legislação que possa corrigir as distorções que o atual texto legal possui. Para isso, se torna imperiosa a votação do Projeto de Lei 7.623/2014 que em seu texto pode esclarecer e tornar mais fácil a interpretação dos citados dispositivos legais.

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[1]Policial militar, Graduando no curso de Direito pela UNIPAC Bom Despacho.

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Sobre o autor
Denis Henrique da Silva

Policial Militar de Minas Gerais e graduando pela UNIPAC - Bom Despacho - Bom Despacho/MG.

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