Resumo: Este artigo visa propor a explanação do perfil político adotado por uma das figuras mais controversas que já esteve à frente do governo brasileiro. Getúlio Vargas foi um Presidente capaz de despertar ao mesmo tempo o clamor público por suas realizações em prol da população e o ódio dos adversários talvez pelo mesmo motivo, chamado pelos opositores de pai dos pobres, trouxe ao ordenamento do país inovações que sequer eram cogitadas à época, como, por exemplo, a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e o Código Penal em vigor atualmente. É também na sua gestão que ocorram as censuras da imprensa e das publicações contra o governo, assim como a criminalização do direito a greve. Alçado ao poder por meio de sua liderança civil na revolução de 1930 que depõe o Presidente ainda em exercício Washington Luís, pondo fim a hegemonia criada pelo acordo firmado entre mineiros e paulistas na chamada política do Café com Leite. Vargas permanece por quase duas décadas a frente do Catete, durante sua trajetória o regime governamental passa de democrático a ditatorial, quando decide realizar o fechamento do Congresso Nacional em 1937. O menino que cresce ouvindo as narrativas bélicas do pai, veterano da guerra do Paraguai, tenta seguir a carreira militar, esta é interrompida ao aderir ao motim que se inicia na escola preparatória de cadetes. Sua vida voltada a politica tem inicio com sua eleição para deputado estadual, à época era formado em Direito e atuava como advogado na cidade gaúcha em que nascera: São Borja. A base politica que lhe pautava era o caudilhismo rio-grandense que o influenciara desde a infância pela preferência paterna, combinada com a formação filosófica positivista que empregaria na sua gerência, o governo de Getúlio Dornelles Vargas é marcado pelo populismo e pelo nacionalismo, como definiria Max Weber, e seria um exemplo típico de um líder carismático.
Palavras-chave: Getúlio Vargas. Revolução de 1930. Era Vargas. Constituição de 1937. Regime de exceção.
INTRODUÇÃO
Na década de 1930 o país, que até então tinha seu Governo Federal regido pela politica do Café com Leite, conhece o fim da denominada República Velha por meio do golpe de estado inerente da revolução orquestrada pelas lideranças dos estados de Minas Gerais, Paraíba e Rio Grande do Sul. Entre aqueles que lideram a revolta encontrava-se aquele que permaneceria no poder pelo maior período da história política nacional: Getúlio Dornelles Vargas.
O Gaúcho, filho de Manuel do Nascimento Vargas – ex-combatente da guerra do Paraguai – e de Cândida Dornelles Vargas, cresceu sob as vertentes republicanas de Júlio de Castilhos, à época presidente do Rio Grande do Sul, advindas da preferência política paterna que, mais tarde é complementada pela educação filosófica positivista. Vargas era advogado e teve sua iniciação na vida politica sendo eleito Deputado Estadual.
O propósito de tal estudo é explanar o perfil politico adotado pela figura enigmática que comandara o país por quase duas décadas, apontando seu modelo de gerencia que o alçou ao poder e da mesma forma o retirara dele, assim como, o desenvolvimento social que proporcionara ao povo brasileiro enquanto a Presidência da República esteve sob seu controle. Visa contribuir com a análise de um período controverso da história nacional, onde, apesar da implantação de uma ditadura ocorre uma espécie de politica voltada ao bem estar da população.
1. DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA
A trajetória política nacional é estigmatizada por oscilações em seus regimes governamentais. Ao longo de sua história podem ser apontadas evoluções em seu desenvolvimento político-social, entretanto ocorreram momentos em que tal desenvolvimento conheceu não apenas restrições, como também, retroagiu completamente. A Colônia, regida pela monarquia com seu poder moderador que lhe dava pleno controle sobre os demais, passa a uma República tendo a representação como forma de eleger seus governantes.
Ditaduras camufladas com democracias puramente fictas, mantidas apenas de maneira formal como pretexto para esconder a opressão que ocorria nos bastidores do Poder. Ditaduras propriamente ditas que reduziram a representação cidadã a mero detalhe burocrático. Ou até mesmo a hegemonia politica mantida no período dominado pelo acordo do Café com Leite, onde a Presidência da República era trocada entre mineiros e paulistas.
É no fim desse período, marcado por uma revolução comandada por mineiros, paraibanos e gaúchos, quando o então Presidente Washington Luís não indica um sucessor mineiro como deveria ocorrer por força moral do acordo, levando as eleições o paulista Júlio Prestes como candidato oficial do Catete. A Revolução de 1930 que culmina em um golpe de estado depondo Washington Luís do poder e cassando o futuro mandato do então eleito Prestes, alça ao poder o gaúcho Getúlio Vargas.
Vargas se tronaria a partir de então o líder a permanecer o mais longo período da história política brasileira à frente do Palácio do Catete, sede do Governo Federal, à época localizada no Rio de janeiro. A constituição de 1934, redigida para dar parâmetros de governo a seu mandato quando eleito indiretamente pela Assembleia Constituinte é substituída pela de 1937, que passa a ser conhecida popularmente como a Constituição Polaca por ser inspirada na constituição polonesa. Apesar das censuras impostas pela Carta Magna que instala o regime ditatorial que dura até o fim de seu primeiro mandato são elaboradas sob sua vigência, legislações trabalhistas, a CLT que ainda pauta as relações empregatícias, como também o atual código penal.
1.1 Getúlio Dornelles Vargas
Terceiro rebento de um casal formado por um veterano da Guerra do Paraguai e a filha de um Major que atuara na mesma guerra – Manuel do Nascimento Vargas e Cândida Dornelles Vargas – era descrito por aqueles que o conheciam como sendo uma criança calada que preferia ouvir a falar. Lira Neto expõe no primeiro volume da trilogia dedica à biografia do líder gaúcho que:
[...] cresceu uma criança calada, dada a longos silêncios, trancafiado em seu próprio mundo, ao qual poucos tinham acesso. Preferia ouvir a falar. Quando provocado, respondia de forma evasiva, quase arisca [...]. O menino Getúlio, contavam, era uma espécie de “bagual caborteiro” – o que no vocabulário dos pampas significava o potro difícil de domar. Um arredio. (NETO, 2012, p. 35-36,).
Nascido em 19 de abril de 1882, na cidade gaúcha de São Borja, cresceu ouvindo as histórias das proezas bélicas que o pai contava, tendo como uma das brincadeiras favoritas batalhas travadas entre os soldados confeccionados com os ossos dos bois abatidos na fazenda, onde reproduzia os embates lembrados pelo General. Isso o levaria a desejar o ingresso no exército anos mais tarde.
Getúlio, a exemplo dos irmãos mais velhos, fora enviado a Ouro Preto para a conclusão dos estudos secundários a fim de ingressar no ensino superior posteriormente como os consanguíneos. Entretanto, se vê retornando ao Rio Grande do Sul após o envolvimento dos irmãos no assassinato do estudante paulista Carlos de Almeida Padro.
É no ano seguinte ao seu retorno, aos dezesseis anos, que o garoto decide ingressar na carreira militar, atuando por um ano como soldado galgando, com esforço, posições até poder ostentar a patente de segundo-sargento do batalhão de São Borja. Posto este que lhe garantia o direito de requerer sua matricula para integrar o corpo discente da Escola Preparatória e de Tática de Rio Pardo, porém apenas no ano em que completaria dezoito anos que a tão almejada vaga surge. Para adequar-se a faixa etária que o exército exigia, Getúlio rasura a documentação original alterando a data de nascimento em um ano. Mudando o ano 1882 para 1883, data que adotaria como sendo a verídica a partir de então.
A veia revolucionária, presente na personalidade do futuro líder civil da Revolução de 1930, apresenta-se quando já se encontrava matriculado no terceiro e ultimo ano de sua preparação na Escola de Rio Pardo. Ao levantar o braço e decidir aderir ao motim promovido pelos demais colegas em apoio àqueles que haviam sido expulsos vê o fim de sua carreira militar.
[...] A relação de punidos chegou a 129 alunos, sendo 31 expulsos e 98 presos, o que significava mais da metade do contingente. Dessa vez, na lista de expulsos da Escola Preparatória e de Tática de Rio Pardo, estava o nome de Getúlio Dornelles Vargas. ( NETO, 2012, p. 69-70).
Após a expulsão os cadetes, rebaixados a soldados rasos sem nenhuma regalia pelos anos de formação, são espalhados pelos batalhões gaúchos. Resta então a Vargas a colocação no 25° batalhão de infantaria situado na capital gaúcha. Desiludido pela realidade da vida militar combina o ultimo ano de cumprimento de serviço militar obrigatório a um programa intensivo de estudos.
À época, uma das características marcantes daqueles que almejavam uma forma de conseguir uma posição de destaque social e algum cargo de mando no país era o bacharelato. E Getúlio não pensava diferente, com auxilio dos recursos financeiros enviados pelos pais matricula-se na Escola Brasileira. Na dupla jornada de soldado e estudante, passava o dia na escola e a noite se apresentava no quartel, se preparando para prestar os exames necessários para a admissão na Faculdade Livre de Direito.
Fora aprovado com um “simplesmente” nos exames prestados, sendo aceito como ouvinte antes de ter a matrícula regulamentada para assistir as aulas ministradas das disciplinas de Filosofia do Direito e Direito Romano, pedindo assim, baixa do exercito com a alegação de sofrer de epilepsia para receber dispensa da junta medica. Entretanto, enquanto aguardava seu desligamento, recebe a noticia de que o país estava sofrendo a ameaça de uma nova guerra.
Getúlio é enviado para o Mato Grosso com os demais colegas de infantaria para defender contra a Bolívia a pose do estado do Acre. O episódio apenas serviu para que se desanimasse ainda mais com a carreira que pretendera seguir. Como as batalhas deram lugar à discussão de governantes, o já desalentado gaúcho pede dispensa definitiva do exército. Assim que se encontra novamente em solo rio-grandense envia dois artigos escritos de próprio punho à redação do jornal O Independente, os quais demonstravam a indignação que sentia quanto ao tempo que passara no campo de batalha.
Assim, aos 21 anos, frequentava há três meses como ouvinte as salas de aula da Faculdade de Direito, revelando aos novos colegas duas habilidades realmente surpreendentes para alguém que sempre fora calado e esquivo. Getúlio se demonstrava um distinto orador e um galanteador contumaz. Nas palavras de NETO (2012), “[...] o jovem sorridente de São Borja começaria a experimentar duas paixões simultâneas: a queda irresistível pelas mulheres e o ardor indisfarçado pela politica”.
Formado bacharel em Direito após declarar apoio expresso ao lideres republicanos durante os anos de faculdade, recebe como recompensa o cargo de promotor público em Porto Alegre. Com a hegemonia republicana reinando absoluta sobre o estado, o Ministério Público rio-grandense atuava como filial do palácio do governo e aquele cargo significava uma porta escancarada para o ingresso nos salões do poder.
Vargas retorna a São Borja, após permanecer por quase um ano no exercício da promotoria na capital, para auxiliar o pai na politica local. No ano seguinte é eleito pela primeira vez para ocupar o cargo de Deputado Estadual pelo Partido Republicano do Rio grande do Sul, o PRR. Trocando assim, definitivamente, a carreira pública no Direito pela política.
O verdadeiro trabalho dos deputados à época, previsto pela Constituição castilhista, era meramente burocrático. Quando se findava o período de tais atribuições na Assembleia, Getúlio retornava para a cidade natal, onde passava a maior parte do tempo. Improvisando seu escritório em uma das salas da frente da casa que os pais possuíam no centro da cidade, atuava como advogado.
Aos 28 anos, abandonando a vida boemia que levava até aquele momento - àquela altura, muitos dos rapazes já haviam se tornado chefes de família -, o Doutor Vargas se casa com a menina Darcy Sarmanho, na ocasião com quinze anos, sem que ocorresse cerimonia religiosa. O próprio Getúlio não era católico e um de seus livros de cabeceira nesse período era o Gesú non è mai esistito do livre-pensador italiano Emilio Bossi.
Eleito como o deputado mais votado do estado para um segundo mandato renuncia ao cargo como forma de protesto contra a manipulação do então presidente gaúcho Borges de Medeiros, que obriga dois deputados eleitos em outra cidade a recusarem seus cargos para que fossem levados a ocupação dos indicados pelo tio. Fato esse que apenas demonstrava a tática do líder do PRR em dividir seus subordinados e não somá-los para preservar a autonomia e poder do governo estatal.
Piorando ainda mais o quadro politico em que se encontrava a família Vargas, Viriato, irmão mais velho de Getúlio, contrata os serviços de dois homens para dar cabo à vida de seu desafeto e também delator de seus ilícitos a Borges. Isso apenas facilitara a completa desgraça junto ao líder, vedando qualquer indicação que fizessem para os cargos da administração municipal. Entretanto, Borges de Medeiros se vê encurralado pela crise que afetara o país, o que poderia gerar uma reforma nas constituições estaduais, mudando sua estratégia. Dá o poder de indicação novamente aos Vargas e a divisão dos cargos da administração seriam divididos entre as duas facções são-borjenses: Vargas e Escobar. Oferecendo a Getúlio o cargo de Chefe da Polícia Estadual, o qual foi recusado.
Passados todos os incidentes políticos e pessoais que o assolaram, encontra-se novamente entre os representantes do governo na Assembleia Legislativa Estadual, onde já começa a demonstrar à época seu descontentamento quanto aos parlamentos, quando a oposição inicia sua participação conseguindo três das trinta cadeiras da Assembleia.
Para o deputado Getúlio Dornelles Vargas, cuja trajetória vinha sendo plasmada na mais autentica tradição caudilhista do Rio Grande do Sul, os parlamentos eram “anárquicos” por natureza e, por isso mesmo, incapazes de responder pelos rumos de um país ou mesmo de funções genuinamente legislativas. A condução do governo e a elaboração das leis, conforme ele mesmo propunha deveriam ser “produto de um único cérebro”. (NETO, 2012 p. 155).
Por indicação do até então soberano líder republicano, Getúlio é eleito para ocupar o cargo de Deputado Federal, antes de assumir sua nova função manipula o resultado das eleições de 1922 para que Borges de Medeiros continue a frente do Palácio do governo rio-grandense. Presidente da Comissão de Constituição e Poderes da Assembleia dos Representantes não ousou informar ao Presidente do estado que esse havia perdido o pleito.
Os deputados se entreolharam, se acovardaram e viram que não havia outro remédio senão representar também a farsa. Voltaram para a Assembleia com o rabo entre as pernas, fecharam-se a sete chaves e trataram de fazer a alquimia de costume para não decepcionar o Sátrapa.
[...]
- Eu não esperava que o doutor Getúlio se prestasse a essa indignidade.
[...]
- Ora o doutor Getúlio! O que ele quer é fazer sua carreira politica na maciota. Vai ser agora deputado federal. (VERÍSSIMO, 1961, p. 299).
Após tal fato a oposição na admite que Borges de Medeiros seja reeleito, contestado à veracidade da apuração dos votos realizada pela Assembleia. A população revoltada com a gerência do atual governo se une ao candidato da bancada federalista para promover as mudanças que deseja na maneira de condução do estado. Getúlio, aos quarenta anos, vê-se trocando o termo e gravata usados na Assembleia, pelo uniforme de soldado que há muito havia abandonado.
Sem que fosse necessário um confronto direito, Vargas é enfim mandado ao Rio de Janeiro para assumir sua cadeira na Câmara Federal. Borges de Medeiros o usaria como conciliador entre o governo estadual e o presidente da República. A farda e arma são novamente substituídas pela oratória.
Para conter a guerra civil que se instalara no estado com a revolução contra a hegemonia Borgista é estabelecido um acordo entre Borges de Medeiros e os revolucionários modificando a até então inviolável Constituição castilhistas, cedendo garantias as oposições minoritárias, que até então eram sobrepostas pela vontade do governo. Assim, o então líder republicano permanecia à frente do comando rio-grandense apenas por aquele mandato, sendo substituído por outro nome nas próximas eleições.
Nesse momento Getúlio havia sido eleito para um mandato de quatro anos, tendo sua atuação na Câmara Federal nesse período colocado seu nome no topo da lista dos candidatos a aspirante ao cargo de presidente do estado do Rio Grande do Sul. Como expõe NETO (2012), “a desconcertante cordialidade com a qual Lusardo foi recepcionado naquele primeiro de junho de 1924 era prenúncio de que o novo mandato de Getúlio seria marcado pelo signo da negociação e pelo aplainamento de arestas”.
Enquanto ainda deputado federal, o gaúcho conhece a Coluna Prestes, liderada por Luís Carlos Prestes, que percorria o país convocando os jovens soldados para aderir à marcha revolucionaria que assolou o Brasil em 1924 iniciando-se por São Paulo e espalhando-se pelos demais estados. Getúlio, demonstrando-se contra a revolução armada em plenário, definiu a luta de tal Coluna como uma corrida cangaceiros.
Com a eleição de Washington Luís para a Presidência da República em substituição ao mineiro Arthur Bernardes, o mesmo de quem tiraria a posse com o golpe de estado proveniente da revolução de 1930, o então deputado federal e líder da bancada gaúcha é nomeado para o cargo de Ministro da Fazenda. Ao montar sua equipe de trabalho nomearia o cunhado como oficial de gabinete, chamando também, diretamente de Porto Alegre, o escritor e critico João Pinto da Silva. Teria inicio ali uma das características que marcariam o modo getulista de administrar, “ele adorava se cercar de intelectuais e artistas e, por esse motivo, partidários ainda o iriam aclamar como um mecenas comparável a Cosme de Médici” (NETO, p. 244, 2012).
Atuando como Ministro da Fazenda no Rio de Janeiro, Getúlio com a sua costumeira habilidade politica, consegue apoio do presidente da República para sua candidatura ao governo do Rio Grande do Sul. Borges de Medeiros, seu antecessor, decide indicá-lo juntamente com seu ex-colega da Faculdade de Direito João Neves da Fontoura, sugerindo uma busca pela renovação do Partido Republicano.
Apoiado até mesmo pelos oposicionistas do governo republicano que vigorara até aquele momento, Getúlio Dornelles Vargas concorreria como candidato único a Presidência do estado, sendo eleito no dia 25 de novembro de 1927 para a gerência do Rio Grande do Sul, recebendo apenas três votos contrários, os quais foram direcionados a Assis Brasil mesmo não tendo sido inscrito como candidato oficial.
É nesse período que o Governo Federal em atividade começa a demonstrar que está perdendo a popularidade, tornando-se alvo de denuncias de nepotismo, isso ocorre quando o novo ministro da fazenda, que vem a ocupar o lugar de Vargas na pasta, alça a seu antigo posto de deputado federal o primo do então Presidente. Como à época as decisões eram tomadas ao bel-prazer dos governantes, a imprensa é censurada pela chamada “Lei Celerada”, a qual previa penalidades a ilícitos ideológicos contra a administração federal e até mesmo em níveis estaduais.
O novo Presidente rio-grandense demonstraria já na escolha de seu secretariado a autonomia com que pretendia gerir o estado, rompendo com as ordens que Borges de Medeiros ditava. Todas as indicações feitas pelo líder do Partido Republicano foram ignoradas por Getúlio, que indica como seus auxiliares nas secretarias estaduais membros da jovem guarda do partido.
Getúlio Vargas imprime sua forma conciliadora à política gaúcha, pregando o respeito ao resultado das eleições mesmo que favorecessem os opositores. A popularidade que adquirira junto ao povo e até mesmo a oposição, se devia a maneira amável e sempre cordial com que tratava a todos. Sem fazer distinção, sorria para a população, para os soldados que faziam sua guarda e para as mucamas. Ainda mantinha os mesmos hábitos de antes, parava para conversar com os velhos amigos e continuava a pregar a moralidade em sua administração. O presidente do Rio Grande do Sul caíra nas graças da imprensa, da população e da própria oposição.
Durante sua gestão, Getúlio, se valendo de sua personalidade enigmática, de fácil tato e adaptação do discurso ao que requer o momento em que se encontra, uni adversários e aliados com a politica de conciliação que implantou. Dentre as suas contribuições ao desenvolvimento político-econômico do Rio Grande do Sul, enquanto presidente do estado pode ser apontada a criação do Banco do Estado do Rio Grande d Sul (BERGS), este fundando com auxilio de um empréstimo efetuado junto a um banco norte-americano que serviu para dar apoio financeiro aos produtores rurais. Assim como a perseguição a jogatina gaúcha, a criação de sindicatos para que exercessem a representação classicista junto ao governo durante as negociações.
Uma das marcas que a política aplicada por Vargas apresenta, além da sua fácil adaptação favorecendo sua popularidade, é a do estado intervencionista. Para ele o estado deveria agir de maneira a realizar o estimulo, a valorização e as correções necessárias nas associações.
“Ao estado cabe estimular o surgimento dessa mentalidade associativa, valorizá-la com a sua autoridade, corrigindo lhe as insuficiências, exercendo sobre ela certo controle, para lhe evitar os excessos”, explicava Getúlio, reforçando o caráter intervencionista de sua administração. (VARGAS apud NETO, 2012, p. 289).
A figura política que permaneceria pelo maior período à frente do Governo Federal e que viria a se suicidar em 1954 pode ser considerado um exemplo típico do líder carismático caraterizado pelo sociólogo alemão Max Weber. Na seara política em que atuava, costumava deixar suas decisões em aberto, uma maneira de esperar o momento oportuno para tomar suas deliberações. Lira Neto salienta no segundo volume de sua obra:
[...] Dotado de hábil pragmatismo e de impressionante paciência histórica, preferia deixar suas opções politicas sempre em aberto, na expectativa de que o tempo oferecesse a oportunidade propicia para deliberações mais seguras ou até mesmo para futuras conciliações, por mais improváveis que estas aparentassem ser no momento. (NETO, 2013, p. 24).
Para Weber a dominação carismática se dá em inicio, com o rompimento de um velho padrão e a implantação de um novo. Isso ocorre quando Getúlio assume a presidência rio-grandense. Sua maneira de agir, sempre amável e simpático, contribui para que caísse na graças populares até mesmo durante sua gerência ditatorial.
O carisma é a grande força revolucionária nas épocas com forte vinculação à tradição [...] O carisma destrói [...] em suas formas de manifestação mais sublimes regra e tradição e inverte todos os conceitos sacrais. Ao invés da piedade em relação àquilo que é, desde sempre, considerado comum, e por isso sacral, ele força a sujeição interna sob aquilo que nunca antes existiu, sob o absolutamente singular, e por isso divino. Nesse sentido puramente empírico e neutro, é, porém, o poder especificamente criativo e revolucionário da história (Weber, 1991, p. 161).
Em sua forma genuína, a dominação carismática é de caráter especificamente extracotidiano e representa uma relação social estritamente pessoal, ligada à validade carismática de determinadas qualidades pessoais e à prova destas. Quando esta relação não é puramente efêmera, mas assume o caráter de uma relação permanente — “comunidade” de correligionários, guerreiros ou discípulos, ou associação de partido, ou associação política ou hierocrática — a dominação carismática, que, por assim dizer, somente in statu nascendi existiu em pureza típico-ideal, tem de modificar substancialmente seu caráter: tradicionaliza-se ou racionaliza-se (legaliza-se), ou ambas as coisas, em vários aspectos (Weber, 1991, p. 161).
1.2 Fim da República velha: Revolução de 1930
Quando o acordo entre mineiros e paulistas ameaça esmorecer com a quebra da convenção pelo então presidente Washington Luís que ao invés de indicar um sucessor mineiro como seu candidato, indicaria o presidente paulista que com apoio do Palácio do Catete acabaria por ser eleito. Tal acerto, a chamada politica do café com leite, previa a alternância do poder entre os dois estados. Nesse momento, à frente do governo rio-grandense, Getúlio Vargas decidi se manter afastada das deliberações politicas nacionais com o pretexto de se dedicar a situação regional.
Mesmo tentando manter-se imparcial o maior tempo possível, a assinatura do pacto do hotel gloria pelo vice-presidente rio-grandense e deputado federal Joao neves da Fontoura e a pressão advinda do Catete, Getúlio se vê em um dilema. De um lado existia a fidelidade ao governante paulista pelo apoio em questões administrativas e, de outro, a proposta de Minas que respaldaria uma candidatura gaúcha a presidência da Republica. Depois de muito deliberar e com a anuência do líder supremo do PRR, decide manter o acordo com Minas e se lança como candidato.
Contrariado, Washington Luís tenta dissuadir o gaúcho para renunciasse a sua candidatura. À época a federação era formada por vinte estados-membros, dentre estes, dezoito forma consultados sobre a sucessão presidencial por considerar desnecessária a opinião rio-grandense e mineira. Júlio Prestes receberia o apoio incondicional de dezessete estado, a Paraíba se manteve em silêncio. Getúlio cogitou desistir da empreitada, entretanto ocorreria à indisposição com Minas e o acordo apenas poderia ser quebrado de comum acordo entre ambos, assim como os gaúchos não aceitariam mais uma retirada.
Tudo o que se fazia necessário para consolidar definitivamente uma posição rio-grandense quanto à sucessão presidencial era a certeza da incorporação dos adversários a questão de maneira positiva. Este artigo é conquistado com um acordo firmado entre republicanos e libertadores em que Getúlio, se eleito, cumpriria os requisitos estipulados pelos novos aliados, conseguindo assim a anuência do líder do Partido Libertador forma a chamada gente única rio-grandense. Com a adesão, além de Minas Gerais, dos dissidentes de São Paulo e do Distrito Federal e também do estado paraibano, forma-se a Aliança Liberal, que teria como chapa concorrente a presidência da República Getúlio Vargas e João Pessoa.
Como forma de represália contra seus opositores, Washington Luís começa a despedir de cargos que lhe competem os adversários para por em seus lugares pessoas de confiança do governo federal, assim também como a negação de empréstimos para os estados que ousaram desafiar sua vontade. Buscando uma forma de pacificação e para evitar tais retaliações contra o estado, Vargas decide firmar um acordo com o governo federal, que no fim não seria seguido risca por nenhuma das partes. A Aliança Liberal, mesmo contra a vontade de Getúlio, começa a negociação com os componentes do movimento tenentista para o caso de ocorrer uma revolução armada.
Em fins de 1929, a corrente mais radical e mais jovem da Aliança Liberal, que incluía nomes como João Neves da Fontoura, Osvaldo Aranha e Virgílio de Melo Franco, passou a admitir a ideia de um movimento armado em caso de derrota nas urnas, e para isso buscou se aproximar dos tenentes revolucionários, exilados ou não. Contrário à ideia de uma revolução, Vargas comprometeu-se com Washington Luís a não fazer propaganda fora de seu estado e a apoiar o governo federal no caso da vitória de Júlio Prestes. Da mesma forma, Washington Luís prometeu reconhecer Vargas caso este fosse eleito, bem como os candidatos do PRR ao Congresso, e ainda, no caso da vitória de Júlio Prestes, restabelecer relações com o Rio Grande do Sul. Nenhuma dessas promessas seria cumprida à risca. (D’ARAÚJO, 2011, p. 27).
Com a disputa levadas as urnas, A chapa liberal é derrotada pelo candidato oficial do governo. Para dar cumprimento ao acordo firmado com Catete, sua primeira reação é permanecer acomodado com o resultado que a consulta popular, mesmo que marcada por acusações de fraude, entretanto, seus aliados não aceitam essa condição. Assim, em 3 de outubro de 1930 com a anuência de Getúlio Vargas a revolução foi desencadeada simultaneamente nos estados formadores Aliança liberal.
Às três e meia da madrugada do dia 3 de outubro de 1930, Getúlio Vargas, insone, sentado à mesa de trabalho, amparava o queixo sobre as mãos. O olhar parecia perdido, estacionado em algum ponto indefinido à sua frente.
Getúlio estava tão absorto nos próprios pensamentos que não se apercebeu dos passos e, depois, da entrada de Oswaldo Aranha e Virgílio de Melo Franco ao gabinete. [...] Antes de cumprimentar Aranha E Virgílio, puxou o relógio de algibeira e perguntou:
“É pra hoje?”
“É pra hoje”, confirmou Aranha.
Eles já estavam em pleno Dia D. (NETO, 2012, p. 466).
Um país economicamente abalado, dominado por oligarquias estaduais que priorizavam o desenvolvimento local, leis que reprimiam a liberdade de expressão para cobrir opiniões contrarias, retaliações federais àqueles que fossem contra seu domínio, fraudes eleitorais institucionalizadas e aceitas como se fosse comum são os marcos da queda da República Velha. Contribuindo para o agravamento do quadro já existente, a crise econômica do ano de 1929, o movimento dos tenentes e uma classe operaria descontente com o processo de industrialização estimulado pela Primeira Guerra mundial, traziam o descontentamento com a situação atual favorecendo uma revolução. O assassinato de João Pessoa da chapa da Aliança Liberal foi o estopim para deflagrar o movimento militar que se iniciou no Rio Grande Do Sul.
O Objetivo da revolução de 1930 promovida pela junta militar era transferir o governo vigente para um provisório que exerceria tal papel até que o novo texto constitucional fosse promulgado em 1934 dando novas bases estruturais ao país. O futuro Presidente provisório da República, alçado pelo golpe de estado de 1930, seria o líder civil da revolução: Getúlio Dornelles Vargas.
A Revolução de 1930 foi objeto de várias interpretações. Alguns a classificaram como uma revolução burguesa, outros como uma revolução das classes médias, e outros apenas como um golpe militar. Independentemente do caráter que se lhe queira atribuir, foi certamente um ponto de inflexão na política brasileira. Seu efeito disruptivo ficaria evidente logo no início do novo governo. (D’ARAÚJO, 2011, p. 28).
1.2 Getúlio Presidente da República – Governo provisório (1930 – 34)
Pressionado pelas dimensões que a revolução tomara em todo o território nacional, Washington Luís renuncia a presidência. Com isso as lideranças militares tomam o poder instituindo o governo provisório, anulando o resultado das eleições que deram a vitória ao candidato oficial Júlio Prestes. Vargas assume o cargo em 3 de novembro de 1930 quando a junta militar o reconhece como Chefe do governo provisório da republica.
Como era de se prever, já no inicio o governo de Getúlio rompe com as bases estruturantes da primeira República, a forma federativa e descentralizada dá lugar a centralização e o intervencionismo estatal. Atuando por meio de decretos, determina o fechamento do congresso nacional para que fosse ocupado por novos representantes nas eleições posteriores, em âmbito estadual decreta também o encerramento das seções legislativas das câmaras estaduais assim como os senados – à época os estados também possui o sistema bicameral no legislativo –, e os estados recebem interventores.
[...] Com menos de dois meses no poder, Getúlio decretara a primeira de suas muitas leis trabalhistas, ao estabelecer que as empresas instaladas no aos teriam que reservar dois terços dos postos de trabalho a cidadãos brasileiros, o que controlaria a entrada e a participação da mão de obra imigrante no país. Era uma medida em defesa do operariado nacional, no momento em que o mundo ainda vivia os efeitos da crise econômica e do desemprego em massa decorrentes da quebra da bolsa de Nova York em 1929. (NETO, 2013, p. 32).
Com a sua já conhecida ambiguidade, ou em outras palavras, sua facilidade em se adaptar de acordo com o quadro politico que se apresentava no momento, Vargas usava do apoio popular para promover medidas que rompessem com os interesses políticos contrários aos das oligarquias derrotadas, mas também soube mesclar os interesses das diversas classes que compunham a sociedade. Por razão da centralização estatal, a esfera administrativa também sofreu alterações nesse sentido, gerando a obrigação de criação de novas instituições estatais que serviriam para dar vida às mudanças que ocorriam. Nos dias que seguiram à sua ascensão à presidência, ainda no inicio de sua chefatura federal, criou os ministérios da Educação e do Trabalho, Indústria e Comércio em conformidade com o plano da Aliança Liberal e seu discurso de posse.
Para pô-lo em prática, em 11 de novembro assinou o Decreto 19.398, dando configuração legal ao governo provisório que chefiava. Amparado por esse instrumento, assumiu plenos poderes, dissolveu o Congresso Nacional e demais órgãos legislativos até a eleição de uma Assembleia Constituinte e nomeou interventores para os estados. (D’ARAÚJO, 2011, p. 28-29).
Uma das preocupações iniciais do programa de governo apresentado por Getúlio era a modernização do ensino e o amparo aos trabalhadores, quanto a segunda preocupação, em março de 1931 é assinado o Decreto 19.770 regulamentando a sindicalização das classes patronais tendo os sindicatos reconhecimento do Ministério do trabalho. Bem como a proteção aos cafeicultores com a criação do Conselho Nacional do Café em maio do mesmo ano. Na esfera administrativa foi estipulado o contingente de 2/3 de empregados nacionais em estabelecimentos industriais e comerciais, com a assinatura do Decreto 20.291 em agosto.
Em material educacional, nesse período começava-se a pensar na qualificação profissional baseada em técnicas aprendidas e postas em pratica no decorrer do curso, a conhecida escola tecnicista proporcionava ao país a força trabalhista especializada de que necessitava para reorganizar os moldes trabalhistas que vinha empregando. Era o momento da técnica praticada se sobressair a teoria.
Também em nome da racionalização do sistema produtivo, Getúlio delineou uma reforma geral do ensino, tarefa confiada ao ministro da educação o mineiro Francisco Campos. Em linhas gerais, a reforma educacional professava que o bacharelismo, marca cultural do país até então, deveria ser superado pela disseminação de cursos técnicos profissionalizantes, que funcionavam como celeiros de mão de obra qualificada e apta a assumir as funções requeridas pela nova lógica da máquina burocrática estatal. (NETO, 2013, p. 85).
Nos anos seguintes, ainda à frente do governo provisórios, foram efetivadas outras mudanças no cenário politico por meio das legislações aprovadas em forma de decretos também em no âmbito eleitoral. Em fevereiro de 1932, através do Decreto 21.076, foi adotado o voto secreto, assim como direito ao sufrágio às mulheres é concedido. Entretanto, a trajetória de Getúlio em seus primeiros anos no Catete não foram de todo positivos.
O conteúdo do novo código eleitoral se revelou extremamente avançado em relação à legislação anterior. Pela primeira vez na história do país se previa o voto secreto, a participação das mulheres nas urnas e a organização de uma Justiça Eleitoral independente. Com esta última, ficava extinta a famigerada Comissão de Verificação de Poderes do Congresso, o comitê formado por deputados e senadores governistas encarregados de validar os votos, autorizar a expedição de diplomas eleitorais e, sempre que fosse o caso, barrar a eleição de oposicionistas. Seria o fim definitivo, portanto, das eleições a “bico de pena”. (NETO, 2013, p. 27-28).
Na área cafeeira, principal meio de produção econômica paulista, a regulamentação da produção com a adoção de novas tarifas que visavam controlar a situação de alta demanda e baixa procura, previa coibir a pratica de queima de estoques que existiam em demasia. Para dar mais intensidade a intervenção estatal que vinha promovendo, é criado o Conselho Nacional do Café. Nas palavras de Lira Neto:
Para evitar os recorrentes surtos de superprodução e controlar a oferta, além de simplesmente mandar queimar boa parte dos estoques, o Governo Provisório passou a cobrar entre outros gravames, mil-réis sobre cada nova pé de café plantado. Com o objetivo de ampliar a intervenção estatal sobre a lavoura paulista, fundou o Conselho Nacional do Café, esvaziando muitas funções do Instituto do Café de São Paulo. (NETO, 2013, p. 75).
A revolução unira forças divergentes entre si e com diferentes propósitos, isso tornou frequentes os conflitos entre os grupos de que formavam as bases dos revolucionários. Um desses conflitos tomou uma proporção maior do que a esperada dando início a uma guerra civil em São Paulo no ano 1932 que chegou a se prolongar por 3 meses antes da formação da Assembleia Constituinte prevista para o ano seguinte.
Terminada a luta em São Paulo, iniciaram-se os preparativos para a reconstitucionalização: a comissão encarregada de elaborar o anteprojeto constitucional foi convocada e organizaram-se partidos políticos. Na data prevista realizaram-se as eleições, e em 15 de novembro de 1933 instalou-se enfim a Assembleia Nacional Constituinte, que, após sete meses de trabalho, promulgou a nova Constituição, em 16 de julho de 1934. (D’ARAÚJO, 2011, p. 30).
1.4 Condução ao segundo mandato: Governo Constitucional (1934-37)
O texto constitucional promulgado em 16 de julho de 1934, apesar de sua curta vigência, abalou os ideais de liberalismo econômico e democracia liberal que pregava o antecessor. A Carta Magna de 1934 foi fortemente influenciada pela Constituição de Weimar – texto alemão de 1919 –, influência essa expressa na apresentação dos direitos humanos de segunda geração e uma perspectiva de um Estado social de direito. Assim como também recebeu influência fascista, esta indicada na adoção do voto direto para escolha dos Deputados e a possibilidade do voto indireto exercido pela representação classista do Parlamento.
A Constituição da Nova República trazia como características a manutenção do regime representativa na forma de governo, da tripartição dos poderes e da República Federativa. O país continuava sendo laico, entretanto admitia-se o casamento religioso com efeitos civis desde que o culto não contrariasse a ordem pública ou os bons costumes, tal como, o ensino religioso em escolas públicas passara a ser facultativo.
No tocante aos direitos ou garantias aos cidadãos, são constitucionalizados o voto feminino igualando-o ao masculino e voto secreto, ambos assegurados pelo código eleitoral de 1932. São incorporados novos títulos de acordo com o caráter social da nova Constituição como o titulo da família, educação e cultura. É no texto de 1934 que ocorre a previsão com primazia do mandado de segurança e da ação popular.
No dia seguinte a promulgação da Carta Maior, Getúlio é eleito de forma indireta a uma segundo mandato que compreendia o período de 1934 a 1938. A reeleição era vedada constitucionalmente impedindo a recondução de um mesmo presidente por mais de uma vez ao cargo.
Em 17 de julho de 1934, um dia depois da promulgação da nova Carta, Vargas foi eleito indiretamente presidente constitucional da República, enquanto a assembleia se transformava em Congresso ordinário. Ainda no mesmo mês, em manifesto à nação, avaliou o governo provisório – referido como “ditadura” – que chefiara nos últimos quatro anos, afirmando que se preocupara em garantir a unidade nacional, “mantendo-se equidistante entre as paixões extremistas”, e procurara “articular o aparelho da administração pública”. Declarou ter cumprido seus compromissos externos sem recorrer a novos endividamentos, ter realizado obras voltadas para a irrigação e os transportes, ter produzido uma legislação social “moderníssima” e renovado as forças armadas. O país, segundo ele, estava pronto para o reerguimento econômico. (D’ARAÚJO, 2011, p. 31).
Por meio da intervenção estatal na economia de maneira direta foram criadas instituições que visavam a proteção das áreas a que pertenciam. Nesse sentido o Conselho Nacional do Café deu lugar ao Departamento Nacional do Café ainda em 1933, assim como a criação do Instituto do Açúcar e do Álcool. No ano seguinte é implantado o Conselho Federal do Comércio Exterior, que fora considerado por muitos um, dos primeiros órgãos de planejamentos governamentais do país.
A área trabalhista também recebeu a atenção do governo, bem como a social. Foram criados institutos de aposentadoria e pensões para os trabalhadores marítimos, comerciários e bancários. Com a assinatura do Decreto 24.694 de 12 de julho de 1934, que procurava adequar a organização sindical à nova Constituição, permitiu uma maior autonomia aos sindicatos. Para completar o quadro politico da reconstitucionalização em outubro de 1934 deveriam ser eleitos os deputados federais e estaduais. Os deputados estaduais seriam responsáveis pela elaboração das Constituições estaduais e pela eleição dos governadores e senadores.
Durante o período em que Vargas governou constitucionalmente o país, tornou-se mais visível a atuação de movimentos de massa de âmbito nacional, com conotações ideológicas radicais. De um lado, situava-se a Ação Integralista Brasileira, de outro, surgiu a Aliança Nacional Libertadora apoiada pelo Partido Comunista. O fechamento da Aliança, determinado pelo governo com base na Lei de Segurança Nacional, de abril de 1935, bem como a prisão de alguns de seus partidários, precipitou as conspirações que levaram à Revolta Comunista deflagrada em novembro seguinte em Natal, Recife e Rio de Janeiro. Os levantes foram rapidamente dominados, e a repressão que se seguiu foi rigorosa, resultando em milhares de prisões. O medo do comunismo aglutinou forças em torno de Vargas, que, por seu lado, apontava a doutrina como exótica e desintegradora, contrária aos interesses do trabalhador brasileiro.
1.5 Ditadura getulista: O Estado Novo (1937-45)
De acordo com a constituição que vigorava desde 1934 quando reconduzido indiretamente a um segundo mandato, a reeleição era vedada. Isso impedia que a mesma pessoa continua-se à frente do poder máximo da república. Assim Getúlio Vargas deveria findar em 1938, sem existir a possibilidade de ser reeleito. Entretanto durante o período de sua chefatura, começava-se a perceber um antagonismo entre a direita fascista e o movimento de esquerda.
Tais conflitos se davam pelo fato de pregarem ideologias diferentes. A direita fascista defendia um Estado autoritário por meio da Ação Integralista Brasileira (AIB), enquanto com a formação da Aliança Nacional Libertadora (ANL) em 1935, o movimento comunista de esquerda pregava ideais socialistas, comunistas e sindicais. O Governo fecha a ANL em julho de 1935 considerando-o ilegal, decisão essa subsidiada pela “Lei de Segurança Nacional”, tendo como estopim da crise foi o manifesto lançado por Luís Carlos Prestes.
A Intentona Comunista tinha como objetivo derrubar Getúlio Vargas da presidência e instalar o socialismo no Brasil. Em novembro de 1935, natal, Recife e Rio de Janeiro através de uma insurreição politico-militar, contando com o apoio do Partido Comunista Brasileiro e de ex-tenentes, denominados como militares comunistas, formam a base dos novos revolucionários. Para combater tal movimento, o Governo declarou estado de sitio e deflagra a repressão ao comunismo contando com apoio da Polícia Especial.
Com apoio do Congresso Nacional, o estado de guerra é decretado. Em setembro de 1937 o Estado-Maior do exército descobre um plano comunista para a tomada do poder, esse foi o estopim para que o golpe fosse decretado pelo governo como uma forma de salvação contra o comunismo que assolava o país.
Assim, em 10 de novembro de 1937, amparado pelo chefe do Estado-Maior do exercito e pelo Ministro da Guerra – os generais Góis Monteiro e Eurico Gaspar Dutra -, bem como a decretação de um novo estado de guerra pelo Congresso Nacional, Getúlio Dornelles Vargas dá o golpe ditatorial. Com isso o poder fica centralizado e Congresso Nacional é fechado.
Tinha inicio ali o que Vargas denominaria de “nascer de uma nova era” com a outorgação da Constituição de 1937 que trazia claras influências de ideais autoritários e fascistas. Estava instalada a ditadura ou o chamado Estado Novo. O projeto da carta de 1937 fora de Francisco Campos, em razão da influência advinda da Constituição polonesa fascista de 1935, acabara apelidada de “Polaca”.
A instalação do regime ditatorial, além de fechar o parlamento, manteve o amplo domínio do judiciário, a federação sofreu um abalo pela nomeação de interventores, bem como os direitos fundamentais foram enfraquecidos principalmente em razão da atividade desenvolvida pela Polícia Especial e pelo DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda. E os partidos políticos foram dissolvidos pelo Decreto-lei n. 37, de dois de dezembro de 1937.
A partir de 1938, sempre empenhado em cultivar o vínculo com as forças armadas, principal sustentáculo do governo, Vargas deu início a um programa de propaganda política e de festas cívicas de modo a engrandecer seu nome e fortalecer o espírito de nacionalidade. Tal tarefa, assim como a censura à imprensa escrita e falada, cabia ao Departamento Nacional de Propaganda (DNP), que em dezembro de 1939 daria lugar ao Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). No plano externo, a despeito de alguns poucos desentendimentos, eram evidentes as simpatias dentro do governo em relação aos governos da Alemanha e Itália. (D’ARAÚJO, 2011, p. 33).
A Carta Magna de 1937 apresentava como características a manutenção da República, do Estado Federal sem a possibilidade de secessão do pacto federativo, o país continuava sendo laico, leigo ou não confessional. No que tange a organização dos Poderes fora mantido formalmente a tripartição de Montesquieu, porém o parlamento mesmo sendo bicameral não possuía como uma das casas que o formavam anteriormente: o Senado. Em seu lugar fora instaurado o Conselho Federal, que seria respaldado pelo Presidente da República e o pelo Conselho de Economia Nacional na execução legislativa.
Em âmbito municipal e estadual a Constituição dissolveu por completo as câmaras, assembleias e senados para que ocorresse uma nova eleição de componentes, que a integrariam. Isso aconteceria no fim da formação do parlamento nacional, enquanto isso cabia ao Presidente atuar por meio de decretos-leis com vigências em todo o território legislando sobre matérias de competência legislativa da união. Contudo, na prática, o poder legislativo nunca existiu.
O mesmo ocorreu com o judiciário que perdera autonomia até mesmo de declarar inconstitucional uma lei que o presidente da República, autoridade máxima e suprema do Estado, acreditasse ser necessário ao bem estar do povo ou defesa nacional de alta monta.
Antigas conquistas de direitos foram suprimidas pelo caráter autoritário do texto de 1937, nele não houveram as previsões de mandados de segurança ou de ação popular. Bem como, não se tratou dos princípios da irretroatividade as leis e reserva legal. Com o intuito de manter a ordem, a paz e a segurança pública era permitida a censura prévia dos meios de comunicação, restringindo o direito a manifestação do pensamento.
É nesse período que ocorre a decretação do estado de emergência suspendendo os direitos e garantias individuais que seria revogado apenas em novembro de 1945. A greve e o lock-out foram proibidos por serem consideradas ações antissociais, nocivos ao trabalho e ao capital e incompatíveis com os superiores interesses de produção nacional.
Da mesma forma, o art. 173 subsidiado pela Lei Constitucional n. 7 de 30 de setembro de 1942, previa a possibilidade de declaração de estado de guerra, podendo ser restringidos os direitos fundamentais, bem como a realização de julgamento contra a estrutura das instalações, a segurança do Estado e dos cidadãos pela Junta Militar ou pelo Tribunal de Segurança Nacional.
Como instrumento de repressão a qualquer ato contrário a ideologia governamental, a tortura era utilizada para tais fins. Essa situação pode ser simbolizada pela entrega de Olga Benário, mulher de Luís Carlos Prestes, ao governo alemão à época sob a titularidade de Adolf Hitler. Olga seria assassinada em um dos campos de concentração nazista na Alemanha.
Mesmo com o regime extremamente autoritário, a atuação centralizadora do Estado na esfera econômica constatou-se grande crescimento. Com a nacionalização formal da economia combinado com o controle sobre certas áreas estratégias da produção, como, por exemplo, a mineração, o aço e o petróleo que configurou uma expansão capitalista. Nessa época foram criadas algumas empresas estatais como a Companhia Hidroelétrica de São Francisco em 1945.
Na área trabalhista também houve avanços visando garantir o apoio popular, do período podem ser lembrados alguns direitos sociais como o salários mínimo, bem como a Consolidação das Leis Trabalhistas, a CLT, de 1943 e vigente até os dias atuais. Entretanto não coube a constituição a garantia de tais direitos.
[...] a Constituição não desempenhou papel algum substituída pelo mando personalista, intuitivo, autoritário. Governo de fato, de suporte policial e militar, sem submissão sequer formal à Lei Maior, que não teve vigência efetiva, salvo quanto aos dispositivos que outorgavam ao Chefe de Executivo poderes excepcionais. (BARROSO, 2006, p. 24).
Entretanto, após 15 anos à frente do Executivo, a Era Vargas se encaminhava para o declínio. Durante a Segunda Guerra Mundial, o Governo brasileiro declarou ofensiva contra os países do Eixo ao entrar no conflito ao lado dos aliados, tendo como marco a criação da Força Expedicionária Brasileira – FEB.
Esse fato contribui para que Getúlio perdesse importante apoio devido as contradições politicas que apresentava, pois ao aderir ao grupo dos aliados esperava-se que fascismo fosse banido do território brasileiro, sem a possibilidade logica de se manter uma Constituição autoritária baseada no modelo fascista. Assim, diversos documentos como o Manifesto dos Mineiros foram assinados em todo país forçando-o a assinar o Ato Adicional em 1945, Lei Constitucional n. 9, de fevereiro de 1945, que convocava eleições presidenciais caracterizando a bancarrota do Estado Novo.
Durante a campanha eleitoral surgiu o movimento denominado “quererismo”, que significava “queremos Getúlio”, levava o crer que Vargas, com o apoio do partido comunista legalizado, iria continuar no poder. Contudo, fatos precipitaram o fim do Estado Novo. Em outubro de 1945, Getúlio tenta substituir o chefe de polícia do Distrito Federal por seu irmão Benjamim Vargas e, ainda, nomeou João Alberto para prefeito do Rio de Janeiro demonstrando sua vontade de permanecer no posto máximo da República.
Esses fatos culminaram na deposição de Getúlio Vargas da presidência, pelos Generais Gaspar Dutra e Góis Monteiro. Deposto pelas mesmas Forças Armadas que o alçaram ao poder por meio da revolução de 1930. A partir de então o Executivo passara ser exercido pelo presidente do STF o Ministro José Linhares que governara até 1946.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Getúlio Dornelles Vargas, Presidente empoçado por meio das forças das armas após uma revolução da qual fora líder civil, permanecendo quinze anos à frente do Palácio do Catete, pode ser caracterizado como uma figura politica dúbia. Desde o inicio de sua carreira, mostrava-se adepto às adaptações que o momento lhe exigia. Isso lhe permitiu reunir forças politicas dispares para ter completo apoio.
Apesar de implantar um regime autoritário com seu golpe ditatorial em 1937, sua gestão fora marcada pela defesa do nacionalismo e populismo. Prova essa a criação dos Ministérios antes esquecidos pelas oligarquias, a legalização dos direitos sociais e trabalhistas, como, por exemplo, o salario mínimo. Feitos esses que lhe renderam o apelido de “Pai dos pobres” pelos adversários.
Vargas é um exemplo clássico de líder carismático que o sociólogo alemão Max Weber definira. Com sua politica de reconciliação uniu forças adversarias e que antes estavam em permanente conflito, mudando completamente o quadro politico do momento transformando-o em outro. O modelo paternalista da ditadura de Vargas agradava a uns do mesmo modo que gerava criticas de outro. Fora uma das figuras mais controversas da historia politica nacional, sendo aclamado e ao mesmo tempo odiado.
REFERÊNCIAS
BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da Constituição brasileira. 8 ed. Rio de Janeiro, 2006.
D’ARAÚJO, Maria Celina. Perfis políticos: Getúlio Vargas. Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados – Centro de documentação e informação. Brasília, 2011.
MARCONI, M. de A.; LAKATOS, E. M. metodologia do trabalho cientifico. 5 ed. rev. Ampl. São Paulo: Atlas, 2001.
NETO, Lira. Getúlio: dos anos de formação à conquista do poder (1882-1930). São Paulo: Companhia das letras, 2012.
___ Getúlio: Do governo provisório à ditadura do Estado Novo (1930-1945). São Paulo: Companhia das letras, 2013.
VERISSIMO, Érico. O tempo e o vento: o arquipélago. Editora o Globo: São Paulo, 1961.
WEBER, Max. Economia e sociedade. Brasília: ed. UNB, 1991 (vol. 1).