Uma breve apresentação acerca do Conselho Nacional de Justiça

22/10/2015 às 18:48
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O objetivo do presente texto é servir para uma introdução ao estudo do CNJ criado pelo art. 103-B na Constituição de 1988 por meio da EC n. 45/2004.

I – INTRODUÇÃO

O objetivo do presente texto é apenas servir para uma introdução didática ao estudo do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que aparece, para a História Constitucional brasileira, através da inserção do art. 103-B na Constituição de 1988 por meio da Emenda Constitucional n. 45, de 2004.

Contudo, temos apenas no dia 14 de junho de 2005 a sua primeira instalação e o início de suas funções.

Deve ser lembrado que ao tempo da Carta autoritária de 1967, na redação dada pela Emenda Constitucional 07, de 1977, havia a previsão do Conselho Nacional da Magistratura como órgão do Poder Judiciário. Tal órgão era composto por sete ministros do Supremo Tribunal Federal, e eram escolhidos pelos próprios ministros, com atribuição era nitidamente correcional dos atos praticados pelos Magistrados em geral (arts. 112 e 120 da Carta de 1967, na redação da EC n. 07/1977).

Com a Constituição de 1988, aboliu-se o Conselho Nacional da Magistratura, no intuito de se garantir o autogoverno aos tribunais, os quais passaram a ter competência exclusiva para processar e julgar seus magistrados em casos de infrações disciplinares.

A pretensão aqui é apenas trazer a lume aspectos gerais e mais importantes da disciplina constitucional desse órgão que integra do Poder Judiciário brasileiro, destacando posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais, sem, contudo, esperar esgotar a discussão.

II – NATUREZA JURÍDICA E FUNÇÃO DO CNJ NA CONSTITUIÇÃO DE 1988

Apresenta natureza jurídica de órgão administrativo de caráter nacional, ocupado do controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e a fiscalização dos juízes no cumprimento de seus deveres funcionais.[1]

Funciona, portanto, como um mecanismo constitucional de controle ético-disciplinar de magistrados e servidores do Judiciário sem, contudo, afetar a imparcialidade funcional dos mesmos do desempenho da atividade jurisdicional. De modo igual, o CNJ não ter por escopo interferir negativamente na autonomia funcional e/ou financeira do Judiciário brasileiro.[2]

Uma coisa que precisa ficar, logo de início, bem clara é que o CNJ não pode ser considerado como um controle externo do Poder Judiciário. Ora, se assim o fosse, ter-se-ia flagrante inconstitucionalidade por violação à cláusula pétrea da separação dos Poderes, bem como um desrespeito à Constituição que garante aos Tribunais autonomia administrativa, financeira e orçamentária (art. 96, 99, §§ e 168 da CR/88).

O CNJ integra a estrutura do próprio Poder Judiciário, sendo então, uma forma de atuação interna. Por isso mesmo, o STF rechaçou (por 7 x 4 votos) a alegação de inconstitucionalidade formulada pela Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) ao tempo do julgamento da ADI n. 3.367 (julgada em 2005), conforme Informativo n. 383 do STF.  

III – COMPOSIÇÃO E SELEÇÃO DOS MEMBROS DO CNJ CONFORME A CONSTITUIÇÃO DE 1988

Na forma do art. 103-B da Constituição de 1988, o Conselho Nacional de Justiça compõe-se de 15 (quinze) membros com mandato de 2 (dois) anos, admitida apenas 1 (uma) recondução.

Seu preenchimento, dar-se-á da seguinte forma:

  • o Presidente do Supremo Tribunal Federal;
  • um Ministro do Superior Tribunal de Justiça, indicado pelo respectivo tribunal;
  • um Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, indicado pelo respectivo tribunal;
  • um desembargador de Tribunal de Justiça, indicado pelo Supremo Tribunal Federal;
  • um juiz estadual, indicado pelo Supremo Tribunal Federal;
  • um juiz de Tribunal Regional Federal, indicado pelo Superior Tribunal de Justiça;
  • um juiz federal, indicado pelo Superior Tribunal de Justiça; um juiz de Tribunal Regional do Trabalho, indicado pelo Tribunal Superior do Trabalho;
  • um juiz do trabalho, indicado pelo Tribunal Superior do Trabalho;
  • um membro do Ministério Público da União, indicado pelo Procurador-Geral da República;
  • um membro do Ministério Público estadual, escolhido pelo Procurador-Geral da República dentre os nomes indicados pelo órgão competente de cada instituição estadual;
  • dois advogados, indicados pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
  • dois cidadãos, de notável saber jurídico e reputação ilibada, indicados um pela Câmara dos Deputados e outro pelo Senado Federal.

Dessa forma, podemos perceber que: (1) houve uma preocupação constitucional em respeitar o princípio federativo, de modo a propiciar indicação de membros tanto do Judiciário Federal quanto do Judiciário Estadual; (2) o CNJ apresenta uma composição plural, recebendo tanto por membros da magistratura, quanto por membros do Ministério Público, por advogados e por cidadãos (com saber jurídico).

O Conselho será presidido pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal e, nas suas ausências e impedimentos, pelo Vice-Presidente do Supremo Tribunal Federal (art. 103-B, § 1º, CR/88).

Dessa forma, podemos dizer que apenas o Presidente do Supremo Tribunal Federal será membro obrigatório, também chamado de membro nato, não dependendo de escolha política para sua nomeação.

Vale lembrar que a EC n. 61/2009 retira a previsão de que o Ministro do STF, que presidiria o CNJ, votaria apenas em caso de empate (voto de minerva). Com isso, deixou-se a questão para regulamentação no Regimento Interno, conforme consta em seu art. 5.º (Res. n. 67, de 2009).[3]

Todos os demais serão nomeados pelo Presidente da República, mas antes, deverão passar por sabatina do Senado Federal e aprovação pelo quórum de maioria absoluta (art. 103-B, §2º, CR/88).

Aqui uma observação importante: a Resolução n. 7/2005 do Senado Federal exige a observância de que a indicação de nomes a serem sabatinados sejam acompanhada no prazo de 15 dias improrrogáveis dos seguintes documentos:

I – curriculum vitae do indicado no qual conste, detalhadamente, sua qualificação, formação acadêmica e experiência profissional;

II – informação do indicado de que não é cônjuge, companheiro ou parente, em linha reta ou colateral, até terceiro grau inclusive, de membro ou servidor do Poder ou instituição responsável por sua indicação, salvo, no caso de servidor, se for ocupante de cargo de provimento efetivo e, observada esta condição, não servir junto à autoridade a que esteja vinculado pelo parentesco antes mencionado;

III – declaração sobre eventual cumprimento de sanções criminais ou administrativo-disciplinares, bem como acerca da existência de procedimentos dessa natureza instaurados contra o indicado;  

IV – declaração do indicado de que não é membro do Congresso Nacional, do Poder Legislativo dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, ou cônjuge, companheiro ou parente, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive, de membro desses Poderes;

V – se o indicado for magistrado ou membro do Ministério

Público, declaração de que renuncia ao direito de concorrer à promoção por merecimento ou a integrar lista para ingresso em qualquer Tribunal, durante o mandato e até 2 (dois) anos após o seu término;

VI – para os demais integrantes, indicados pela Câmara dos Deputados, pelo Senado Federal e pela Ordem dos Advogados do Brasil, declaração de que renuncia ao direito de integrar lista para concorrer ao ingresso em qualquer Tribunal, durante o mandato e até 2 (dois) anos após o seu término.

Lembra Novelino[4] que até a Emenda Constitucional n. 61/2009, vigorava um limite de idade, que foi com esta abolido. Tal limitação impedia a nomeação de membros com menos de 35 anos ou mais do que 66 anos.

Caso o Presidente da República não realize tais indicações, a escolha caberá ao Presidente do Supremo Tribunal Federal.  (art. 103-B, § 3º, CR/88).

IV – COMPETÊNCIAS E ATRIBUIÇÕES

Segundo o §4º do art. 103-B da CR/88, são atribuições do Conselho Nacional de Justiça:

I - zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências;

II - zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União;

III - receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa;

IV - representar ao Ministério Público, no caso de crime contra a administração pública ou de abuso de autoridade;

V - rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano;

VI - elaborar semestralmente relatório estatístico sobre processos e sentenças prolatadas, por unidade da Federação, nos diferentes órgãos do Poder Judiciário;

VII - elaborar relatório anual, propondo as providências que julgar necessárias, sobre a situação do Poder Judiciário no País e as atividades do Conselho, o qual deve integrar mensagem do Presidente do Supremo Tribunal Federal a ser remetida ao Congresso Nacional, por ocasião da abertura da sessão legislativa.

Essas atribuições, podem ser reorganizadas, como faz Lenza,[5] de forma didática para demarcar os alvos de atuação do CNJ, quais sejam:

  • Política Judiciária: zelar pela autonomia do Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura; para tanto, expedindo atos normativos e recomendações.
  • Gestão do Judiciário: definição do planejamento estratégico, por meio de planos de metas e programas de avaliação institucional do Judiciário;
  • Prestação de Serviços ao cidadão: recebimento de reclamações, petições e representações contra membros ou órgãos do Judiciário, incluindo aqui serviços auxiliares e serventias notariais e de registro.
  • Moralidade: julgamento de processos disciplinares, com presença dos princípios do devido processo legal, cabendo determinas, inclusive, medidas como remoção, disponibilidade ou até aposentadoria com subsídios proporcionais ao tempo de serviço, além de aplicar outras sanções administrativas disciplinares.
  • Eficiência dos serviços judiciais: busca pela melhoria e pela celeridade das práticas do Judiciário, além de elaboração semestral de relatório com estatísticas de todo o país que deverá ser publicado e disponibilizado para consulta pública.  

Importante lembrar, como faz Novelino,[6] que as competências previstas no § 4º do art. 103-B da Constituição de 1988, segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal,[7] não podem ser tomadas como exaustivas (numerus clausus), sendo, portanto, meramente exemplificativas (numerus apertus) podendo o Estatuto da Magistratura conferir outras atribuições.

Uma importante função do CNJ será a competência para expedir “atos regulamentares”, prevista no art. 103-B, § 4º, I da CR/88.

Além disso, na forma do § 5º da CR/88, o Ministro do Superior Tribunal de Justiça exercerá a função de Ministro-Corregedor. Desse modo, ele ficará excluído da distribuição de processos no Tribunal, competindo-lhe, além das atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura, as seguintes:

(1) receber as reclamações e denúncias, de qualquer interessado, relativas aos magistrados e aos serviços judiciários;

(2) exercer funções executivas do Conselho, de inspeção e de correição geral; e

(3) requisitar e designar magistrados, delegando-lhes atribuições, e requisitar servidores de juízos ou tribunais, inclusive nos Estados, Distrito Federal e Territórios.

Na operacionalização de suas atividades, serão registrados, na forma do art. 43 do Regimento Interno do CNJ as seguintes classes processuais:

I - Inspeção;

II - Correição;

III - Sindicância;

IV - Reclamação Disciplinar;

V - Processo Administrativo Disciplinar;

VI - Representação por Excesso de Prazo;

VII - Avocação;

VIII - Revisão Disciplinar;

IX - Consulta;

X - Procedimento de Controle Administrativo;

XI - Pedido de Providências;

XII - Arguição de Suspeição e Impedimento;

XIII - Acompanhamento de Cumprimento de Decisão;

XIV - Comissão;

XV - Restauração de Autos;

XVI - Reclamação para Garantia das Decisões;

XVII - Ato Normativo;

XVIII - Nota Técnica;

XIX - Termo de Compromisso;

XX - Convênios e Contratos;

XXI - Parecer de Mérito sobre Anteprojeto de Lei.

Vale lembrar, ainda, que junto ao Conselho oficiarão o Procurador-Geral da República e o Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (art. 103-B, § 6º CR/88). Lembrar Masson,[8] que já se pronunciou o STF no sentido de afirmar que ausência dos mesmos nas sessões do CNJ não acarreta nulidade das mesmas.[9]

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Um grande debate tem sido travado acerca da competência disciplinar e correicional. O STF[10] já decidiu que tal competência não precisa observar uma lógica de subsidiariedade, de modo que poderá ser originária e concorrente ao do referido órgão disciplinar para instaurar procedimentos administrativos disciplinares em face de juízes, conforme conteúdo da Resolução do CNJ n. 135/2011.

Nessa mesma linha de entendimento, o STF decidiu que o CNJ não dispõe de competências para: (1)  fiscalizar, reexaminar e suspender os efeitos de atos de conteúdo jurisdicional em geral emanados de juízes e de Tribunais;[11] (2) apreciar a constitucionalidade de atos administrativos, limitando-se apenas do exame de sua legalidade;[12] e (3) interferir em acordo judicial.[13]

Estabeleceu-se, ainda o entendimento de que o CNJ não tem competência sobre o STF, mas apenas aos órgãos e juízos situados abaixo dele.[14] Por tal razão, os atos e as decisões do CNJ estão sujeitos ao controle judicial realizado pelo STF na forma do art. 102, I, r e art. 103-B, § 4º da CR/88.[15]

Para concluir, portanto, percebe-se que o CNJ tem grande importância na dinâmica do Poder Judiciário, exercendo um trabalho de relevantíssimo interesse público, compreendido neste: o planejamento estratégico e proposição de políticas judiciárias; modernização tecnológica do Judiciário; ampliação do acesso à jurisdição.[16]

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

MASSON, Nathalia. Manual de Direito Constitucional. Salvador: Juspodivm, 2013.

NOVELINO, Marcelo. Manual de Direito Constitucional. 9 ed. São Paulo: Método, 2014.


[1] NOVELINO, Marcelo. Manual de Direito Constitucional. 9 ed. São Paulo: Método, 2014, p. 1.048.  

[2] STF – ADI 3.367/DF, rel. Min. Cezar Peluso, DJ 13.04.2005.

[3] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 975.

[4] NOVELINO, Marcelo. Manual de Direito Constitucional. 9 ed. São Paulo: Método, 2014, p. 1.049.

[5] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 980-981.

[6] NOVELINO, Marcelo. Manual de Direito Constitucional. 9 ed. São Paulo: Método, 2014, p. 1.050.

[7] STF – MS 28.712-MC, rel. Min. Celso de Mello, DJ 06.05.2010.

[8] MASSON, Nathalia. Manual de Direito Constitucional. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 812.

[9] STF - MS 25.879/DF. Rel. Min Sepúlveda Pertence.

[10] STF - ADI 4.638, rel. Min. Marco Aurelio.

[11] STF – MS 28.611, rel. Min. Celso de Mello, DJ 14.10.2010.

[12] STF – MS 28.872-AR, rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ 24.02.2011.

[13] STF – MS 27.708, rel. Min. Marco Aurélio, DJ 28.10.2009.

[14] NOVELINO, Marcelo. Manual de Direito Constitucional. 9 ed. São Paulo: Método, 2014, p. 1.051.

[15] STF – ADI 3.367/DF, rel. Min. Cezar Peluso, DJ 13.04.2005. Em mesmo sentido, STF – MS (MC) 28.712/DF, rel. Min. Celso de Mello, DJ 11.05.2010.

[16]   LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 980.

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Sobre o autor
Flávio Quinaud Pedron

Doutor e mestre em Direito pela UFMG. Professor Adjunto da PUC-Minas e do IBMEC. Advogado.

Informações sobre o texto

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