Direitos reais de garantia: breve análise sobre penhor, hipoteca e anticrese

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26/10/2015 às 20:06
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6 HIPOTECA

6.1 Caracterização e natureza jurídica

O que distingue a hipoteca dos outros direitos reais de garantia, é que a posse do bem, oferecido como garantia, continua com a figura do devedor, o qual pode perceber-lhes os frutos. Considerando essa importante característica e considerando que esse instituto normalmente recai sobre um bem imóvel, embora possa incidir sobre aeronaves e navios, podemos defini-la como uma garantia real em que o devedor confere um direito ao credor sobre um bem imóvel de sua propriedade ou de outrem, para que o mesmo responda pelo resgate da dívida.

Assim, entendemos que a hipoteca possui dois elementos essenciais: a dívida que uma pessoa contrai com a outra e a garantia que um devedor ou um terceiro oferece para assegurar o pagamento.

As características principais da hipoteca são o direito de sequela e o direito de preferência, aquele nada mais é do que o direito de perseguir o bem, sendo este o direito que o credor hipotecário tem sobre os demais credores de receber o seu crédito.

Cumpre observar que a hipoteca, como os demais direitos reais de garantia, é mero acessório de uma obrigação principal, pois uma vez resgatada tal obrigação, ela se extingue.

Além disso, a hipoteca trata-se de um direito indivisível, como bem ensina Orlando Gomes:

 (...)o ônus real grava a coisa na sua totalidade e em todas as suas pares, pouco importando que seja dividida ou que a dívida seja amortizada. Assim, o devedor que tenha pago parte da dívida não obtém redução proporcional da garantia hipotecária; o bem hipotecado continua a garantir o pagamento do saldo sem qualquer diminuição, tal como gravado ao se constituir a relação (GOMES, Orlando, 2006, p. 411).

Destarte, esse instituto não implica tradição, haja vista que sua pretensão é a de que o bem permaneça na posse do devedor para que ele possa retirar os frutos da coisa e pagar a dívida. Deste modo, a hipoteca não impede o real aproveitamento da coisa, continuando o devedor a exercer todos os direitos de proprietário, retirando todas as utilidades do bem, exercendo todos os poderes da propriedade e todas as vantagens, podendo até mesmo alienar a coisa e dar em garantia novamente.

Observa-se dois princípios importantes que regem a hipoteca. O princípio da especialização, o qual significa que todo o registro deve recair sobre um bem especificado, com descrição minuciosa e o quantum o devedor hipotecário está devendo. E o princípio da publicidade, que nada mais é do que o registro como veículo da publicidade imobiliária, de forma a proteger terceiros interessados em adquirir o bem ou que pretendam se utilizar dele de qualquer forma, bastando assim, o registro do título constitutivo no Cartório de Registro de Imóveis correspondente.

Face ao exposto, podemos concluir que o objetivo da hipoteca, assim como os demais direitos reais de garantia, é assegurar o pagamento da obrigação principal.

6.2 Objeto da hipoteca

O objeto deve ser da propriedade do devedor ou de terceiro, que dá imóvel seu para garantir a obrigação contraída pelo devedor.

A hipoteca, então, recai em bens imóveis e alienáveis, podendo ser corpóreos ou incorpóreos. Assim, são hipotecáveis os imóveis e seus acessórios, o domínio direito e o domínio útil e os navios e aeronaves, estradas de ferro, minas e pedreiras.

Pode, assim, a hipoteca recair sobre o domínio pleno (do proprietário), bem como sobre o domínio útil (do enfiteuta) e o domínio direto e eminente (do enfiteulicador ou senhorio direto na enfiteuse).

Importante lembrar, que o imóvel hipotecado pode ser alienado e se houver cláusula que proíba a alienação, ela será nula. Além disso, o bem pode ser hipotecado mais de uma vez a devedores diferentes. No entanto, deve-se sempre observar o direito de preferência.

É de suma importância frisar que a lei estabelece que só poderá hipotecar aquele que pode alienar; então, somente quem é dono poderá hipotecar. Com isso, se a hipoteca for constituída por quem não seja proprietário, anula-se, com exceção, do possuidor de boa-fé que revalidará a garantia pela aquisição ulterior de domínio.

6.3 Constituição da hipoteca

A constituição da hipoteca pode ser convencional, legal ou judicial. A convencional nasce do acordo de vontades através de contrato e constituindo-se mediante escritura pública, desde que o valor exceda a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.

Ressalta-se que por usucapião não há de se falar em hipoteca, por faltar um fundamental requisito, a transmissão da posse.

Já, conforme Arnaldo Rizzardo (2011): “A hipoteca legal é instituída pela lei, independentemente da vontade das partes interessadas.” Não havendo título executivo.

Na hipoteca judicial o título é a sentença judicial. Porém, o credor deve inscrevê-la no registro imobiliário para poder excluir os imóveis especializados, penhorando-os em poder de quem os adquiriu posteriormente.

As espécies hipotecárias serão melhores analisadas no transcorrer do seguinte trabalho.

6.4 Pluralidade de hipotecas e insolvência do devedor

A pluralidade de hipotecas está disposta no art. 1.476 no atual Código Civil.

“Art. 1.476, CC. O dono do imóvel hipotecado pode constituir outra hipoteca sobre ele, mediante novo título, em favor do mesmo ou de outro credor”.

É comum a instituição de outra hipoteca, desde que inexista cláusula impeditiva na primeira. Se ocorrer a pluralidade, obviamente que a vantagem é do primeiro credor. Os outros só exercerão o chamado direito de preferência depois de ter ele recebido o valor da sua dívida.

Paga a primeira dívida, o segundo credor sucede na ordem de preferência, e assim, sucessivamente. Essa preferência é resultado da prioridade que se estabelece na ordem de inscrição das hipotecas.

Se o preço obtido com a venda judicial promovida pelo primeiro credor bastar apenas para pagar a dívida, o credor subipotecário passará à condição de quirografário.

Porém, é permitido ao subipotecário, a remição da primeira hipoteca, sub-rogando-se nos direitos do credor a quem satisfez. Essa hipótese só é permitida quando a dívida garantida pela primeira hipoteca estiver vencida.

Vencida a primeira dívida, o credor da segunda, se também estiver vencida a sua, pode promover a execução.

O credor da primeira hipoteca pode ser o credor subipotecário, sendo assim, indispensável novo título.

Por fim, importante frisar que não se considera insolvente o devedor que faltar ao pagamento das obrigações posteriores a primeira. Isto é, se constatado o vencimento do prazo da dívida da primeira hipoteca, para prevalecer aquele direito quanto aos demais credores, não permite-se ao primeiro credor a defesa da hipoteca por meio de embargos de terceiros.

6.5 Remição dos bens

Nas palavras de Luciano de Camargo Penteado (2008): “O direito de remição consiste na possibilidade de desonerar o bem do vínculo real. A remição, etimologicamente, está relacionada ao cancelamento, a um ato de perdão.”

Em outras palavras, a remição é um direito concedido a certas pessoas de liberar o imóvel onerado, mediante pagamento da quantia devida.

A remição do imóvel hipotecado pode ser realizada pelo credor de hipoteca sucessiva, pelo adquirente do imóvel hipotecado ou pelo próprio devedor.

O credor de hipoteca sucessiva pode remir o bem, sendo pressuposto desse direito o vencimento da primeira dívida hipotecária. O credor da segunda hipoteca pode remir parcialmente o imóvel, para que sua garantia se torne a primeira, devendo depositar em juízo o valor da dívida, citando o credor da primeira hipoteca para receber a importância e o devedor para pagá-la. Não havendo o pagamento, ocorre sub-rogação nos direitos da hipoteca anterior. Ocorrendo a remição em processo de execução pendente, o credor que faz a remição deve depositar também o que corresponde as despesas judiciais. Este ato libera o bem da primeira hipoteca, passando a ter preferência a segunda hipoteca, mediante o exercício da remição.

Também o adquirente do imóvel que está hipotecado pode pagar a dívida e libertar o imóvel que adquiriu, devendo exercer esse direito no prazo de 30 dias, notificando judicialmente o seu contrato ao credor hipotecário e propondo, no mínimo, o preço por que adquiriu o imóvel. O credor hipotecário pode opor-se, requerendo seja o imóvel licitado. Se não requerer e pago o preço, o imóvel ficará livre de hipoteca.

Outra figura de remição é admitida em favor do próprio devedor. Depois de realizada a primeira praça, porém, antes de assinada a carta de arrematação ou de adjudicação, o devedor pode pagar a dívida, acrescida das despesas e para conservar a propriedade do imóvel. Esse direito defere-se também ao cônjuge, descendentes e ascendentes.

6.6 Efeitos da hipoteca

O principal efeito da hipoteca é o de vincular um bem imóvel ao cumprimento de uma obrigação. Porém, outras consequências decorrem, relativamente às pessoas envolvidas e aos bens onerados.

Quanto a pessoa do devedor, ele conserva todos os direitos sobre o bem, mas não pode praticar atos que desvalorizem o mesmo, deteriorando ou destruindo. Proposta ação executiva, o bem dado em garantia é retirado do devedor e entregue ao depositário judicial.

Com relação ao credor hipotecário o efeito mais importante diz respeito à permanência do imóvel na garantia da obrigação. O não pagamento da dívida determina a excussão da hipoteca, mediante processo de execução. Vencida a obrigação, pode o credor vender ou trocar judicialmente o bem objeto da garantia e pagar-se de seu crédito, sempre com preferência sobre qualquer outro credor.

O maior efeito produzido diante de terceiros é a oponibilidade erga omnes. Em face do registro, qualquer alienação fará referência à alienação existente.

Quanto aos bens gravados, a hipoteca adere ao imóvel, acompanhando-o sempre, não importando a transferência de domínio. Até não ser paga a dívida, perdura o ônus, independentemente de ocorrerem transformações no imóvel. No entanto, com o perecimento ou destruição da coisa, a hipoteca será extinta.

Para finalizar, a hipoteca se considera garantia igualmente dos acessórios da dívida, ficando assegurados todos os encargos até o implemento total.

6.7 Espécies

6.7.1 Hipoteca convencional

Também chamadas de hipoteca voluntárias, surgem naturalmente com o contrato, trata-se de garantia de créditos estabelecida por vontade dos interessados, credor e devedor, pois são suscetíveis de ônus real todas as obrigações de caráter econômico, preenchendo a finalidade precípua da hipoteca. Os bens inalienáveis não podem ser objeto de hipoteca, bens públicos por sua vez, quando sua natureza o permitir necessitam de autorização legislativa, e os bens de menores e incapazes somente podem ser gravados por autorização judicial provada efetiva necessidade, os emancipados estão livres para os atos da vida civil inclusive para estabelecer o gravame.

6.7.2 Hipoteca legal

A norma legal é que a constitui, e a vontade das partes é colocada me um plano inferior. A lei intervém com o objetivo de acautelar casos especiais, com maior necessidade de proteção, em vista de pessoas que tem seu interesse em jogo.

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As hipóteses de concessão estão aduzidas no art. 1489 do Código Civil.

A hipoteca legal se realiza em dois momentos: conforme aduz Rizzardo, o primeiro corresponde ao fato que justifica seu aparecimento. Importante, por conseguinte, a materialização da hipoteca, com a individualização dos bens que se tornarão objeto da garantia real e o posterior registro imobiliário. Tal individualização se faz em juízo, em que se exige uma sentença discriminativa dos bens gravados. Vale ressaltar, que pelo art. 1497 do Código Civil, sem o devido registro, não surge ônus real e não vale a hipoteca contra terceiros.

O procedimento jurídico é contemplado pelo art. 1205 do Código de Processo Civil, bem como os seguintes que especificam cálculos da responsabilidade que será garantida pela hipoteca legal; previsão de realização de perícia, como também a especificação do prazo de 5 dias para a manifestação sobre o laudo. Após, todos os tramites processuais, pelo paragrafo único do art. 1207 do CPC, será proferida sentença na qual “constarão expressamente o valor da hipoteca e os bens do responsável, com a especificação do nome, situação e características”.

6.7.3 Hipoteca judicial

Nas palavras de Rizzardo, “a hipoteca judiciária nasce da sentença proferida pelo juiz, podendo ser considerada como espécie da hipoteca legal. Vem a ser um direito real concedido ao exequente sobre bens do executado”.

Os requisitos para a constituição dessa espécie de hipoteca, ressaltados também por Rizzardo apud Caio Mário da Silva Pereira.

a) Uma sentença condenando a entregar coisa ou quantia, ou a ressarcir perdas e danos. A sentença deve constituir-se de pronunciamento jurisdicional e não administrativo.

b) Não, importa necessariamente a liquidez, em face do art. 466 e paragrafo único do Código de Processo Civil: “a sentença que condenar o réu no pagamento de uma prestação, consistente em dinheiro ou em coisa, valerá como título constitutivo de hipoteca judiciária, cuja inscrição será ordenada pelo juiz na forma prescrita na Lei de Registros Públicos.

c) Também não se exige o transito em julgado, como se infere do inc.III do paragrafo único do art. 466,CPC.

d) É necessária a especialização, com a indicação dos bens, tantos quantos bastem para instituir a garantia, descrevendo a área, as benfeitorias, metragens, confrontações, matrícula, localização, etc. ( RIZZARDO apud CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, 2006).

Vale ressaltar que a sentença vale como titulo constitutivo da hipoteca judiciária.

6.8 Execução da dívidaO credor que teve garantia hipotecária para o seu crédito, e não vê a obrigação satisfeita, necessita executar para que o bem seja transformado em dinheiro e posterior cumprimento da dívida. O procedimento da execução vem ditado pelo Código de Processo Civil, nos artigos 566 e seguintes.

6.9 Registro da hipoteca

  As hipotecas serão registradas no cartório do lugar do imóvel, ou no caso de o título se referir a mais de um, no local de cada um deles. Cabe aos interessados providenciar o registro.

Lembra Rizzardo, que vale o critério de prioridade de registro, respeitando assim, o direito de preferencia, que se verifica segundo a chegada do pedido de registro ao cartório em ordem crescente.

6.10 Extinção da hipoteca

As causas de extinção da hipoteca estão elencadas no art. 1499 do Código Civil. “A hipoteca extingue-se: I - pela extinção da obrigação principal; II - pelo perecimento da coisa; III - pela resolução da propriedade; IV - pela renúncia do credor; V - pela remição; VI - pela arrematação ou adjudicação.”

Sendo a extinção da obrigação principal a causa mais comum, tendo a hipoteca caráter de direito acessório. A arrematação e a adjudicação, que são atos finais do processo executório, extinguem a hipoteca. Devem ser obedecidos os princípios processuais a eles relativos.

Salienta-se que há outros meios técnicos que fazem desaparecer a obrigação. Na sub-rogação, por exemplo, o ônus transfere-se a novo credor. Na novação, se as partes não forem expressas, extinta a divida anterior, extingue-se a hipoteca. A dação em pagamento também extingue, porque faz desaparecer a obrigação.

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