Da aplicabilidade do princípio da insignificância no crime de descaminho

11/11/2015 às 15:56
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É sabido que o princípio da insignificância jurídica tem ampla utilização no sentido de afastar do Direito Penal aqueles fatos que não acarretam relevante lesão a determinado bem jurídico.

  • DA APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.

É sabido que o princípio da insignificância jurídica tem ampla utilização no sentido de afastar do Direito Penal aqueles fatos que não acarretam relevante lesão a determinado bem jurídico. Sendo assim, sua aplicação se assenta na ideia de que o Direito Penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultados que não representem, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social.

Na linha da orientação jurisprudencial tem-se reconhecido a arguição do aludido princípio nos casos de Crime de Descaminho, desde que presente os quatro critérios elencados pelo Supremo Tribunal Federal, e cujo valor do tributo apurado com o devido seja inferior ao patamar de R$ 10.000, com fulcro no art. 20 da lei 10.522/2002. Nesse contexto notemos o seguinte entendimento:

RECURSO ESPECIAL. DESCAMINHO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. VALOR DO TRIBUTO ILUDIDO. PARÂMETRO DE R$ 10.000,00. INAPLICABILIDADE DA PORTARIA N. 75/2012 DO MINISTÉRIO DA FAZENDA. 1. O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial Representativo de Controvérsia n. 1.112.748/TO, curvou-se ao entendimento firmado no Supremo Tribunal Federal, no sentido de que incide o princípio da insignificância no crime de descaminho quando o valor do tributo iludido não ultrapassar o montante de R$ 10.000, 00, de acordo com o disposto no art. 20 da Lei n. 10.522/2002. Ressalva pessoal do relator. 2. A partir da Lei n. 10.522/2002, o Ministro da Fazenda não tem mais autorização para, por meio de portaria, alterar o valor para arquivamento sem baixa na distribuição. Tal alteração somente poderá ser realizada por meio de lei. 3. O valor estabelecido pela Portaria n. 75/2012 do Ministério da Fazenda não retroage para alcançar delitos de descaminho praticados em data anterior à sua vigência. 4. Recurso especial provido. [1]

Dessa forma podemos perceber que o caso em tela se encontra em conformidade com tal entendimento jurisprudencial, visto que de acordo com a denúncia, a conduta em tese perpetrada pela acusada importou numa dívida tributária no valor de R$ 9.000,00 (nove mil reais), proveniente da importância de mercadorias, não excedendo assim o limite imposto, sendo, portanto, perfeitamente cabível a arguição do Princípio da Insignificância ou Bagatela.

 Temos ainda parte de outro posicionamento do mesmo Tribunal, que difere do anterior ao afastar a arguição desse Princípio:

RECURSO ESPECIAL Nº 1.459.942 - MG (2014/0140605-9) RELATOR: MINISTRO LEOPOLDO DE ARRUDA RAPOSO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/PE) RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS RECORRIDO: WASHINGTON LUIZ DE CASTRO FILHO ADVOGADO: ADELINA BASSI DECISÃO. [...]. No recurso especial, o recorrente pugna para que não seja aplicado o princípio da insignificância ao caso em concreto, haja vista a habitualidade delitiva do recorrido na prática do crime de descaminho. Instado a se manifestar, o Ministério Público Federal opinou pelo provimento do recurso especial (e-STJ fls. 308/310). É o relatório. Decido. A insurgência merece prosperar. Infere-se dos autos que o recorrido evadiu R$ 2.733,34 (dois mil, setecentos e trinta e três reais e trinta e quatro centavos) com a prática do crime de descaminho previsto no art. 334 do Código Penal. A denúncia foi rejeitada e depois o recurso em sentido estrito improvido, por entender o Tribunal a quo que é aplicável o princípio da insignificância ao caso, pois o montante evadido é inferior ao patamar de R$ 10.000,00 (dez mil reais). PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. DESCAMINHO. DESNECESSIDADE DO LANÇAMENTO DEFINITIVO. SÚMULA VINCULANTE 24 - STF. MERCADORIA DE PEQUENO VALOR. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. 1. Pela sua natureza, o descaminho prescinde da apuração do débito tributário para sua consumação. Não há necessidade do lançamento definitivo do débito tributário, como ocorre nos crimes tipificados no art. 10 da Lei 8.137/1990. O perdimento da mercadoria não afasta a persecução penal pelo descaminho. 2. A súmula vinculante n. 24 - STF ("Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. VI, incisos 1 a IV, da Lei 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo.") não alude ao crime de descaminho. 3. "A análise quanto à incidência, ou não, do princípio da insignificância na espécie deve considerar o valor objetivamente fixado pela Administração Pública para o arquivamento, sem baixa na distribuição, dos autos das ações fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União (art. 20 da Lei ni. 10.522/02), que hoje equivale à quantia de R$ 10.000,00, e não o valor relativo ao cancelamento do crédito fiscal (art. 18 da Lei n. 10.522/02), equivalente a R$ 100,00" (Cf. STF - HC 96.309-9/RS, Rei. Min. Cármen Lúcia, 1ª Turma do STF, unânime, julgado em 24/3/2009, DJe n. 75, publicado em 24/4/2009; e HC 96.374-9/PR, ReI. Min. ElIen Gracie, 2a Turma do STF, unânime, julgado em 31/3/2009, DJe n. 75, e publicado em 24/4/2009.) De acordo com recente julgado, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça rendeu-se ao entendimento firmado no Supremo Tribunal Federal no sentido de que incide o princípio da insignificância no crime de descaminho quando o valor dos tributos iludidos não ultrapassar o montante de R$ 10.000,00, de acordo com o disposto no art. 20 da Lei n. 10.522/2002 (REsp 1401424/PR, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Terceira Seção, DJe 02/12/2014). Não obstante, apesar de o valor desviado ser inferior a R$ 10.000, 00, inquestionável que o recorrido praticou reiteradas vezes a evasão dos tributos com a prática do crime de descaminho, conforme se comprovou pelos documentos de e-STJ fls. 39/45; 68/69 e 81/86. Conforme entendimento pacífico desta Corte, apesar de não configurar reincidência, a existência de outras ações penais, inquéritos policiais em curso ou procedimentos administrativos fiscais são suficientes para caracterizar a habitualidade delitiva e, consequentemente, afastar a incidência do princípio da insignificância[...]. [2]

Torna-se interessante a análise da decisão em destaque para entendermos que a aplicação de tal princípio ainda dependerá do exame de cada caso em concreto. No julgado acima mesmo o valor do imposto sendo inferior ao estabelecido, constatou-se a existência de certa habitualidade delitiva, motivo pelo qual afasta a insignificância.

O que não ocorre no caso em questão, porquanto a Senhora XXX, ora denunciada, é primária e possui bons antecedentes, não configurando qualquer tipo de reiteração ou reincidência, por isso, não há plausibilidade em tratar como delinquente ou movimentar todo o sistema judiciário contra alguém que traz de uma viagem mercadorias no valor R$ 9.000,00 (nove mil reais). Assim, não há porque ocupar o judiciário com questões que certamente só lhe causarão alto custo.

O Superior Tribunal de Justiça, reafirma a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância em vários julgados. Nesse sentido, vejamos decisão que esse Tribunal firmou sobre a matéria em análise:

[...]. As considerações ora expostas levam-me a reconhecer, por isso mesmo, que os fundamentos em que se apoia a presente impetração revelam a ausência, na espécie, de justa causa para a válida instauração de persecução penal contra os pacientes, eis que as circunstâncias em torno do evento alegadamente delituoso autorizam a aplicação, ao caso, do princípio da insignificância. Sendo assim, pelas razões expostas, e tendo em vista, ainda, julgamentos proferidos no âmbito desta Suprema Corte (HC 112.508/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 120.728/PR, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 121.655-MC/PR, Rel. Min. LUIZ FUX – HC 121.711/PR, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 121.887/PR, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), defiro o pedido de “habeas corpus”, para restabelecer a sentença emanada do Juízo Federal da 1ª Vara Federal de Cascavel/PR (Processo-crime nº 5002079- -97.2010.4.04.7005/PR), que absolveu os ora pacientes, nos termos do art. 397, inciso III, do Código de Processo Penal. Comunique-se, com urgência, encaminhando-se cópia da presente decisão ao E. Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.452.591-AgRg/PR), ao E. Tribunal Regional Federal da 4ª Região (Apelação Criminal nº 5002079- -97.2010.4.04.7005/PR) e ao Juízo Federal da 1ª Vara Federal de Cascavel/PR (Processo-crime nº 5002079-97.2010.4.04.7005/PR). Arquivem-se os presentes autos. Publique-se. Brasília, 03 de agosto de 2015. Ministro CELSO DE MELLO Relator.[3]

Por fim, podemos ainda destacar o entendimento do Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ do Supremo Tribunal de Justiça:

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.313.375 - RJ (2012/0065833-0) RELATOR: MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL RECORRIDO: PABLO MARTINS BOURGUIGNON ADVOGADO: CARLOS EDUARDO SANTOS WANDERLEY - DEFENSOR PÚBLICO DECISÃO O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL [...]. Levando-se em consideração, portanto, o que ficou assentado por este Tribunal Superior, concluo que, no caso, como o valor apurado a título de tributos iludidos (R$ 6.477,825) não ultrapassa o mínimo previsto na Lei n. 10.522/2002, vigente à época da prática delitiva, é possível a incidência do princípio da insignificância. Dessa forma, verifico que o Tribunal de origem, ao manter a aplicação do princípio da insignificância, decidiu em consonância com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, incidindo na espécie, o enunciado da Súmula n. 83 do STJ, in verbis: "Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida". III. Dispositivo À vista do exposto, com fundamento no art. 557, caput, do Código de Processo Civil, c/c o art. 3º do Código de Processo Penal, nego seguimento ao recurso especial. Publique-se e intimem-se. Brasília (DF), 1º de julho de 2015. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ.[4]

Dessa forma, levando-se em consideração ao entendimento aparentemente consolidado na Jurisprudência Pátria, pela análise de inúmeros precedentes tanto do STF como do STJ, considera-se mais do que reconhecido nesse caso a insignificância da conduta, desconstituindo qualquer fundamento de acusação da prática de crime de descaminho.


[1] STJ - REsp: 1400392 PR 2013/0287147-3, Relator: Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Data de Julgamento: 04/09/2014, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/11/2014.

[2] STJ - REsp: 1459942 MG 2014/0140605-9, Relator: Ministro LEOPOLDO DE ARRUDA RAPOSO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/PE), Data de Publicação: DJ 05/05/2015.

[3] STF - HC: 128257 PR - PARANÁ 0002623-26.2015.1.00.0000, Relator: Min. CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 03/08/2015, Data de Publicação: DJe-154 06/08/2015.

[4] STJ - REsp: 1313375 RJ 2012/0065833-0, Relator: Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Data de Publicação: DJ 03/08/2015.

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Sobre a autora
Helloá Rodrigues Cidrão

Bacharel em Direito pela Faculdade Paraíso do Ceará - UNIFAP-CE Estagiária do TJCE na 1ª vara criminal da Comarca de CratoCE. Pós- graduada em Ciências Criminais pela CERS.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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