Sangue e afeto: o reconhecimento da multiparentalidade e seus efeitos jurídicos

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16/11/2015 às 11:50
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RESUMO 

A mutação hermenêutica vivenciada pelo direito privado é substancial e patente. Esta conclusão se evidencia ao percorrermos os caminhos traçados pelos tribunais brasileiros em suas decisões. O Código Civil de 1916, formulado a partir de inspirações de natureza liberal é o ponto de partida. O absolutismo do contrato e da propriedade privada assume o comando de uma visão patrimonialista e despersonalizada que termina por caracterizar a atividade do julgador da época. Do mesmo modo, as decisões no campo do direito de família centralizam-se na ideia do casamento como único modelo de entidade familiar e por isso com exclusiva proteção estatal, caracterizando-se como unidade de produção e chefiado pelo marido na consecução do seu fim primeiro, a procriação. As constituições brasileiras até então não haviam volvido seus olhos para as relações privadas, limitando-se a assegurar liberdades individuais e estruturar politicamente o Estado. A Constituição Federal de 1988, chamada de cidadã, promove então uma oxigenação social no cenário jurídico nacional, elencando como fundamentos da República, a dignidade da pessoa humana e descortinando um novo horizonte para a edição do Código Civil de 2002. Estes marcos legislativos são as balizas do presente trabalho, pois a partir de seus preceitos, os julgadores exerceram a atividade jurisdicional, aplicando o direito em cada época. Dentre as transformações aqui mencionadas, calha destacar a democratização da família e o alargamento de seu conceito, frutos do que se tem chamado de constitucionalização do direito civil. Sob este aspecto, a repersonalização do direito tem garantido a cada um dos integrantes do núcleo familiar, o reconhecimento de valores individuais e humanos, substituindo o sujeito de direitos e obrigações pela pessoa humana em sua perspectiva ontológica. É assim, que o afeto enquanto valor jurídico desponta como elemento essencial da nova conjuntura familiar, especialmente no que tange à parentalidade. Nesta toada, objetiva-se traçar um panorama geral acerca do comportamento jurisprudencial brasileiro sobre o fenômeno da multiparentalidade e o reconhecimento de seus efeitos jurídicos. Para tanto, apoiaremos o texto em revisão bibliográfica especializada, com a utilização de método descritivo-exploratório amparado nas decisões acerca do tema.

Palavras chaves: multiparentalidade, direito de família, socioafetividade, dignidade da pessoa humana.

ABSTRACT

The hermeneutics mutation experienced by private law is substantial and patent. This conclusion is evident when we walk the paths outlined by Brazilian courts in their decisions.  The Brazilian Civil Code of 1916, created based on liberal inspirations is the starting point. The absolutism of the contract and private property takes command of a patrimonial and depersonalized vision that finishes characterizing the activity of the trier of the time. Similarly, decisions in the field of family law are centered on the idea of marriage as a unique model of family entity and, therefore, with exclusive state protection, which is characterized as an unit production headed by the husband in the achieving of his first order, procreation. Brazilian constitutions up till then had not loped his eyes to private relations, but they just guaranteed individual freedoms and political structure the State. The Federal Constitution of 1988, called citizen Constitution, promotes a social oxygenation in the national legal scenario, listing as foundations of the Republic, the dignity of the human person and unveiling a new horizon for the edition of the Civil Code of 2002. These legislative frameworks are goals of this work, because from its precepts, the judges exercised judicial activity applying the law in every epoch. Among the changes mentioned here, is useful to highlight the democratization of the family and the extension of the concept of family, as a result of what has been called constitutionalization of civil law. In this aspect, the repersonalization of the law has guaranteed to each member of the family unit, the recognition of individual and human values​​, replacing the subject of rights and obligations for the human person in his ontological perspective. Thus, the affection while legal value emerges as an essential element of the new family situation, especially in regard to parenting. In this sense, the objective is to describe a general overview on the Brazilian judicial behavior on the phenomenon of multiple-parenting and the recognition of its legal effects. To do so, we will support the text in specialized literature review, with the use of the descriptive and

Key-words: Multiple parenting; Family Law; Socioaffective; Human Dignity.

INTRODUÇÃO

O Direito perfilhou dois rebentos, a saber, a Lei e a Jurisprudência. A primeira, por ser a primogênita, traçou seu caminho imponente, acreditando ser autossuficiente. A segunda, voraz em conhecer o mundo, suplantou sua irmã, adaptando-se às pessoas e a realidade à sua volta. Hodiernamente, ambas andam juntas, de mãos dadas, mas a segunda, curiosa e perspicaz, sempre insiste em dar o primeiro passo, em desbravar novos caminhos. Nesta marcha, a caçula não abandona sua irmã mais velha. Antes, prepara-lhe o caminho para que seus passos sejam firmes na direção do alvo traçado pelo seu pai: o encontro materno, o abraço com a Justiça.

O apólogo retrodescrito registra de forma alegórica, a vanguarda do precedente judicial na aplicabilidade do direito em detrimento dos instrumentos legais, os quais, por vezes, constituem-se em verdadeiras amarras justificadas, a bem da verdade, pelos critérios formais oriundos do processo legislativo, mas também por olvidar que a estabilização das relações sociais é o fim primordial desta criação cultural.

O Direito enquanto ciência pode ser compreendido a partir de suas fontes. Neste desiderato, podemos dividir o mundo em dois grandes sistemas jurídicos, quais sejam, o civil law e o common law. O sistema do civil law tem sua origem no direito romano, que renasceu especialmente na Itália e na Alemanha a partir do século XIII, subsidiando o conhecimento jurídico de praticamente todo o continente europeu. Neste sistema, a ideia de um direito escrito e materializado significava segurança jurídica e coesão do ordenamento, sendo, portanto, a lei, tida como fonte primária do direito, o que serviu de base teórica posteriormente para o positivismo jurídico desenvolvido em todo o século XIX.

De outra banda, o sistema jurídico do common law, adotado nos países de origem anglo-saxônica baseia-se nas decisões tomadas com base no costume, de onde originam-se os chamados leading cases, que são usados para orientar a tomada de decisões em casos análogos, formando-se o que se convencionou chamar de jurisprudência.

No entanto, com a insuficiência destes sistemas jurídicos de forma autônoma, cada um deles abre suas portas para absorver elementos um do outro, na busca pela realização concreta dos ideais de justiça, necessários à paz social. O pós-positivismo, também chamado de neo-constitucionalismo fora o resultado dessa simbiose, posto somente entender como válida, a lei que se conforma com os valores insculpidos na Constituição, notadamente, quando conformada aos direitos fundamentais.

O entendimento consagrado na doutrina tradicional de que o juiz apenas declarava a vontade do legislador tem sido substituído por uma visão mais ampla, onde o julgador é quem concretiza a lei, a partir de uma atividade jurisdicional criativa, de modo a encontrar a solução que mais se encaixe nos princípios e diretrizes constitucionais.

No campo do Direito Civil, outro não é o caminho trilhado pelos tribunais brasileiros, especialmente a partir do fenômeno de sua constitucionalização, que afastou a divisão estanque e tradicional entre o público e o privado, para interpretar as relações entre os particulares e os conflitos daí advindos, a partir da base axiológica que fundamenta a norma fundamental. A dignidade da pessoa humana, a solidariedade social e a igualdade substancial como valores insculpidos expressamente na Constituição marcam decisivamente a mudança do Direito Civil contemporâneo.

Pode-se dizer que o direito de família, dentre os ramos do direito civil, protagonizou esta alteração importante de entendimento, haja vista as profundas modificações estruturais pelas quais passou o núcleo familiar nos últimos anos. O desaparecimento da figura do chefe de família e seu pátrio poder para dar lugar a igualdade entre homem e mulher na administração do lar conjugal, bem como a igualdade jurídica entre filhos havidos ou não na constância do casamento deflagraram outras tantas variações que vem se sucedendo desde o final do século XX até os nosso dias, denotando uma evolução extraordinária dos institutos privados.

Contudo, a ampliação conceitual do instituto da família é, sem dúvidas, a mais considerável de todas as mudanças ocorridas neste âmbito. O reconhecimento expresso da união estável e da família monoparental, através dos parágrafos terceiro e quarto do artigo 226 da Constituição Federal de 1988, extinguindo a exclusividade do modelo de família matrimonial, ensejou uma abertura, antes inexistente, para o reconhecimento de diversas espécies de núcleos familiares que estavam fadados a invisibilidade, ou então, serem vistos como meras sociedades de fato, sendo assim reconhecidos apenas quando litigavam por questões patrimoniais.

Esta pluralização da família decorre de um processo de funcionalização que atingiu todo o direito privado, alterando seu arcabouço e promovendo uma revisitação de sua base teleológica.

Concomitantemente a esta democratização da entidade familiar, a redescoberta de sua finalidade como sendo a de propiciar a felicidade pessoal de cada um de seus membros, dá azo a uma repersonalização. Sob esta ótica, a família não é um fim em si mesmo, mas um instrumento para o desenvolvimento existencial do individuo que a integra.

Portanto, a proteção estatal exclusiva conferida ao modelo tradicional de família, composto de mãe, pai e filhos unidos por laços sanguíneos, é agora estendida às novas formações que se estruturam baseadas no afeto, valor este que fora elevado a principio contemporâneo na seara familiarista.

Tal entendimento, aliado à pluralidade das formações familiares, tem ocupado lugar de destaque nas denominadas famílias recompostas, que originadas, em sua grande maioria, a partir do esfacelamento do casamento, têm alicerce especialmente na socioafetividade.

Destarte, o afeto exsurge como elemento nuclear da família contemporânea, sendo elevado ao status de princípio jurídico, que se materializa em outros princípios explicitados na Constituição Federal como o princípio da dignidade da pessoa humana, da solidariedade, da convivência familiar, da isonomia entre os cônjuges e da igualdade entre os filhos.

O Código Civil de 2002, por sua vez, em seu artigo 1.593, reconhece que “o parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem”, abraçando o entendimento de que a verdade biológica não é exclusiva, devendo ser reconhecido também o vinculo socioafetivo.

Todos estes indícios legais nos direcionam para a adoção de um critério hermenêutico que reconheça o fenômeno da multiparentalidade, como expressão da valorização do afeto nas relações familiares, espraiando seus efeitos, inclusive, na esfera patrimonial. Ou seja, o direito enquanto ciência começa a reconhecer a possibilidade jurídica do individuo ter várias mães ou vários pais que a ele se vinculem por laços não biológicos.

No entanto, a jornada está apenas começando, haja vista os entraves legais, culturais e burocráticos que persistem em dificultar a realização da justiça no caso concreto. Ademais, os efeitos do reconhecimento da pluriparentalidade são inúmeros e vão desde a alteração nas linhas sucessórias até ao dever de prestar alimentos, perpassando por situações que envolvem a responsabilidade civil dos pais pelos atos dos filhos e o suprimento da incapacidade dos menores.

É neste palmilhar que construiremos o presente artigo, tendo como enfoque a multiparentalidade como resultado do relevo do vinculo socioafetivo nas relações familiares e especialmente, a construção jurisprudencial brasileira acerca do tema.

Para tanto, iniciaremos esta empreitada discorrendo no primeiro capitulo sobre o valor jurídico dos vínculos sanguíneo e socioafetivo, destacando o último como preponderante para o reconhecimento da pluralidade de pais. O segundo capítulo será reservado para discorrer sobre a multiparentalidade em seu aspecto conceitual, bem como sobre as implicações jurídicas geradas a partir da sua validação judicial. Saliente-se, por fim, que os tópicos aqui descritos serão abordados em consonância com o posicionamento adotado recentemente pelos tribunais pátrios, demonstrando, destarte, a evolução jurisprudencial em torno da temática, mas também, trazendo a lume as questões emblemáticas pendentes de resolução, que certamente serão dissolvidas com o amadurecimento e discussão do assunto.

1 A NOVA FAMÍLIA E A AFETIVIDADE COMO FUNDAMENTO DO PARENTESCO

A reinvenção hodierna do núcleo familiar não se reflete apenas em sua composição. Embora tenhamos experimentado, ao longo das últimas décadas, uma crescente distensão no conceito de família em seu aspecto externo, ou seja, como esta se apresenta socialmente, é preciso investigar a importância do elemento interno que vincula seus integrantes. O reconhecimento da pluralidade das formações familiares (monoparentais, anaparentais, reconstituídas, homoafetivas, entre outras) é apenas o reflexo de uma revolução visceral, que vai além da quebra do estereótipo cultural criado pelo casamento.

Esta pluralização conceitual contemporânea baseia-se necessariamente na busca humana pela felicidade, paradigma que ultrapassa as barreiras sociais, culturais e religiosas, e que, neste particular, se materializa naquilo que denominamos de afeto.

A experiência multifacetária da entidade familiar explica-se, portanto, a partir do acolhimento da afetividade como mola propulsora dos relacionamentos. Isto significa dizer que a procriação e a construção de um patrimônio comum que antes motivavam as uniões têm sido substituídas pela busca da realização individual, numa concepção nitidamente eudemonista[2].

O afeto exsurge então como material essencial na construção da nova família, sendo o amor, a compreensão mútua e a igualdade, marcas evidentes da sua presença, na organização dos vínculos relacionais humanos.

Importa salientar que toda esta revolução deu-se no campo concreto das relações intersubjetivas e a legislação afeita ao direito de família não foi capaz de acompanhar este desenvolvimento de forma tempestiva (CALDERÓN, 2013).

A doutrina familiarista brasileira, sensível a toda esta transformação, desenvolveu-se progressivamente no sentido de reconhecer a afetividade como sendo o sustentáculo coevo da família, que se liberta de um pensamento engessado para uma nova realidade fática e jurídica.

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Foi assim com a união estável antes do seu reconhecimento constitucional. As relações livres ou não institucionalizadas, pelo casamento, a despeito de se basearem no afeto, foram condenadas como amorais e caracterizadas como concubinato, e os filhos advindos destas uniões, como espúrios, afastando toda e qualquer proteção jurídica que lhes pudesse ser conferida (BARBOZA, 2009).

Inegavelmente, a Constituição Federal de 1988 fora uma tábua axiológica em todo o processo de repaginação do Direito de Família no Brasil, haja vista que a principiologia sob a qual foi calcada, nos remete a enaltecer a igualdade em todos os âmbitos da vida do cidadão. E mais, ao fundamentar o modelo republicano na dignidade da pessoa humana afastou todo e qualquer pensamento discriminatório dominante na sociedade da época. Por isso, enxergar o direito privado sob esta ótica constitucionalizada nos permite alargar a tutela de novos grupos familiares.

A construção doutrinária em torno da afetividade elevou-a, com fulcro nesta interpretação publicista hodierna, a princípio orientador e fundamental do direito de família, que encontra suas raízes especialmente na solidariedade e na igualdade.

LÔBO (2011, p. 71) afirma categoricamente que

o princípio da afetividade está implícito na Constituição. Encontram-se na Constituição fundamentos essenciais do princípio, constitutivos dessa aguda evolução social da família brasileira, além dos já referidos: a) todos os filhos são iguais, independentemente de sua origem (art. 227, §6°); b) a adoção como escolha afetiva, alçou-se integralmente ao plano da igualdade de direitos (art. 227, §§ 5° e 6°); c) a comunidade formada por qualquer dos pais e seus constituintes, incluindo-se os adotivos, tem a mesma dignidade de família constitucionalmente protegida (art. 226,§4°); d) a convivência familiar (e não a origem biológica) é prioridade absoluta assegurada à criança e ao adolescente (art. 227).

É nesta toada que o Princípio Jurídico da Afetividade, constituindo-se verdadeira baliza orientadora das relações familiares contemporâneas, também ganha relevância para reconfigurar as relações parentais.

HIRONAKA (2006) apud CALDERÓN (2013, p. 210) ensina que independentemente de estarmos tratando de uma relação de conjugalidade ou parentalidade, o afeto está na base da constituição familiar.

Frise-se que a diferença nestas relações é que, tratando-se de conjugalidade, não há parentesco entre os cônjuges, a teor do que dispõe o artigo 1.593 do Código Civil Brasileiro, enquanto que, nas relações parentais, sobressai o elemento sanguíneo.

No entanto, CASSETTARI (2014, p. 12), ao conceituar a afetividade, afirma ser nítido que tal conceito liga-se à ideia de parentesco, nos fazendo concluir então que o afeto encaixou-se plenamente em todas as questões atinentes ao direito de família, assumindo também exata centralidade.

Mas nem sempre foi assim. Determinar a paternidade de forma cientifica gerou abissal avanço nas lides em que se buscava conhecer a ascendência paterna, ante o fato de ser extremamente difícil a obtenção de prova cabal da relação sexual ocorrida entre a genitora e o suposto pai. A descoberta do exame de DNA contribuiu fortemente para mitigar a força da presunção pater is est quem justae nuptiae demonstrant, ou simplesmente pater is est, expressão proveniente do Direito Romano, que imputa ao marido a paternidade do filho concebido na constância do matrimonio, e que se encontra reproduzida, inclusive no atual código civil.

 Foi uma alvissareira fase que permitiu desarraigar-se da letra fria da lei e basear-se nos fatos, de modo a amparar o filho como descendente de sangue.

 A verdade biológica rompe com a verdade presumida, descortinando um novo momento processual que agora se baseava praticamente na prova pericial, a realização do exame genético, mas, sobretudo, beneficiando inúmeros filhos que pleiteavam o reconhecimento de suas paternidades, muitas vezes sem êxito.

Ocorre que, é de larga sabença que o vinculo biológico não tem o condão por si só de gerar amor numa relação parental. A prova disto é que em várias demandas investigatórias de paternidade, o exame de DNA promove o conhecimento do pai, mas este não reconhece afetivamente seu filho, o que nos leva a concluir que as relações parentais são construídas através da qualidade de convivência, capaz de gerar sentimentos de cuidado, proteção e afeto.

Segundo PERLINGIERI (2007, p. 244), o merecimento de tutela da família não diz respeito exclusivamente às relações de sangue, mas, sobretudo, àquelas afetivas que se traduzem em uma comunhão espiritual e de vida.

Percebe-se que, no campo da parentalidade, a afetividade ampliou as possibilidades, afastando a exclusividade, pelo menos aparente, do vinculo biológico.

Por óbvio que o elo afetivo não exclui os ligamentos biológicos, matrimoniais ou registrais, haja vista que este novel espectro da família tem caráter nitidamente inclusivo, possibilitando a coexistência de diversos vínculos.

Este entendimento de que a afetividade pode conviver com outros critérios é captada a partir da ideia de que a condição humana é um modo de ser-no-mundo-genético, de ser-no-mundo-(des)afetivo e de ser-no-mundo-ontológico e não apenas no dualismo cartesiano corpo-mente (WELTER, 2009, p. 52).

É que estas variações sofridas pela família no tempo e no espaço revelam sua natureza cultural, afastando a concepção de que sua constituição seria fruto da natureza. Aliás, é importante destacar que nas civilizações primitivas, o parentesco não se baseava nos laços de sangue, mas no poder do pater familias como era o caso da família romana que abarcava todos os agregados como a clientela, os escravos, inclusive o gado, haja vista seu viés estritamente patrimonial.

Por isso é que, no que concerne ao estabelecimento da paternidade, a conclusão não é outra, senão a de que o vinculo consanguíneo ocupa papel subsidiário, levando-se em conta que a figura do verdadeiro pai associa-se ao desempenho de verdadeiro ofício que se exerce de forma abnegada em proveito da prole.

Corrobora VILLELA (1997, p. 85):

Não é a derivação bioquímica que aponta para a figura do pai, senão o amor, o desvelo, o serviço com que alguém se entrega ao bem da criança. Permita-se repetir aquilo que tenho dito tantas vezes: a verdadeira paternidade não é um fato da biologia, mas um fato da cultura. Está antes no devotamento e no serviço do que na procedência do sêmen.

Esta constatação nos leva a concluir que os genitores não são pais pura e simplesmente por que geraram seus filhos, mas principalmente pela formação de um estado paterno-filial baseado no afeto. Este status é provado pela utilização do nome dos pais, através do trato e da fama ostentados pelo que se diz filho, sendo, portanto, chamado pela doutrina clássica de posse de estado de filho.

Destarte, antes de tudo, a condição de ser pai ou mãe deriva do exercício fático dos deveres oriundo do poder familiar, quais sejam, educação, dignidade, respeito, convivência familiar salutar, segurança, dentre outros.

Nesta senda, abstrai-se que mesmo nos casos de parentesco constatado através do vinculo biológico, é mister a presença do afeto, figurando este como pressuposto para caracterização da verdadeira paternidade.

2 A PLURALIDADE DE PAIS: O FENOMENO DA MULTIPARENTALIDADE E SEUS EFEITOS JURÍDICOS

A evolução por que passou o direito de família demonstrada alhures nos legou a possibilidade de traçarmos três critérios de filiação, a saber, o critério jurídico ou legal, o critério biológico e o critério socioafetivo (FARIAS e ROSENVALD, 2014).

A herança romana influenciou fortemente os códigos privados brasileiros, haja vista a reprodução da presunção quase absoluta de que o pai seria o marido da genitora, ou seja, a condição de filho estava diretamente ligada à hipótese de seu nascimento ter ocorrido na constância do matrimonio.

O aparecimento do exame de DNA nos anos 80 fora de suma importância para mitigar a presunção de paternidade, baseando-se a filiação a partir deste momento na constatação cientifica e biológica.

No entanto, como frisado linhas atrás, a complexidade das relações familiares e parentais não pode estar presa a um só critério, posto baseada na essência do afeto, o que leva a doutrina mais abalizada a proclamar que ser pai ou mãe pressupõe uma função e não uma condição genética (PEREIRA, 1999).

A máxima popular de que “pai não é aquele que faz e sim aquele que cria” ganha contornos jurídicos a partir desta concepção de que a paternidade/maternidade são construções erigidas a partir da convivência. É um elo que não se forma instantaneamente e concomitantemente ao encontro do óvulo com o espermatozoide e sim, a partir de um ato volitivo de amor.

Com o desenvolvimento doutrinário acerca da filiação socioafetiva, a jurisprudência brasileira num primeiro momento, a reconhecia, mas excluía o vinculo registral ou biológico, inadmitindo a coexistência dos critérios. Veja esta decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (2007):

APELAÇÃO CÍVEL. RECURSO ADESIVO. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE CUMULADA COM ANULAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. ADOÇÃO À BRASILEIRA E PATERNIDADE SOCIOAFETIVA CARACTERIZADAS. ALIMENTOS A SEREM PAGOS PELO PAI BIOLÓGICO. IMPOSSIBILIDADE. Caracterizadas a adoção à brasileira e a paternidade socioafetiva, o que impede a anulação do registro de nascimento do autor, descabe a fixação de pensão alimentícia a ser paga pelo pai biológico, uma vez que, ao prevalecer a paternidade socioafetiva, ela apaga a paternidade biológica, não podendo co-existir duas paternidades para a mesma pessoa. Agravo retido provido, à unanimidade. Apelação provida, por maioria. Recurso adesivo desprovido, à unanimidade. (grifo nosso).

Todavia, importa esclarecer que não se trata de estabelecer uma segmentação hierárquica entre os critérios, haja vista que é no caso concreto que se verificará, a necessidade da utilização de cada um deles para o estabelecimento da filiação.

Isto posto, é de se indagar sobre a possibilidade jurídica de reconhecimento dos vínculos biológico e socioafetivo de forma simultânea em relação à mesma pessoa, o que geraria o fenômeno da multiparentalidade. Ou seja, a possibilidade do individuo ter dois pais ou duas mães e quais os efeitos jurídicos decorrentes deste acolhimento.

Para CASSETTARI (2014) esta hipótese é viável em várias oportunidades, tais como quando for possível somar a parentalidade biológica à socioafetiva, sem exclusão de qualquer delas, ou mesmo nos casos de adoção homoafetiva, ou em reprodução assistida entre casais homoafetivos.

Outrora, as decisões judiciais já rechaçaram a tese da multiparentalidade alegando impossibilidade jurídica do pedido, a teor do que se abstrai do julgado abaixo ementado, oriundo do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (2009):

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. EFEITOS MERAMENTE PATRIMONIAIS. AUSÊNCIA DE INTERESSE DO AUTOR EM VER DESCONSTITUÍDA A PATERNIDADE REGISTRAL. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. Considerando que o autor, embora alegue a existência de paternidade socioafetiva, não pretende afastar o liame parental em relação ao pai biológico, o pedido configura-se juridicamente impossível, na medida em que ninguém poderá ser filho de dois pais. Impossibilidade jurídica do pedido reconhecida de ofício. Processo extinto. Recurso prejudicado. (grifo nosso)

 Frise-se que o direito é o protetor das relações jurídicas na sociedade, devendo estar atento às variações sucedidas no núcleo familiar, assumindo um caráter proativo. Decidir com base na impossibilidade jurídica da pluriparentalidade apenas sob a alegativa de que ninguém pode ter dois pais ou duas mães não atende os anseios de uma coletividade diversificada.

No entanto, nos dias de hoje, os tribunais pátrios cada vez mais vêm se manifestando de forma favorável ao reconhecimento da dupla maternidade e paternidade, fundamentando suas decisões nos direitos da personalidade, bem como no principio da proteção integral da criança e do adolescente.

Para tanto, corrobora a decisão emanada do Tribunal de Justiça do Acre (2014):

Trata-se de pedido de homologação de acordo que visa declarar a paternidade biológica de A. em relação à adolescente A. Q., com inclusão de seu nome e dos ascendentes paternos no assento de nascimento da menor, preservando-se a relação paterno-filial registral exercida por P. A matéria em debate versa sobre a viabilidade jurídica e fática da pluriparentalidade ou multiparentalidade. A convenção firmada em juízo merece ser chancelada. Nessa linha de pensamento, estou plenamente convencido da viabilidade jurídica do pleito homologatório do acordo celebrado no termo de fl. 34, reconhecendo a coexistência da paternidade biológica e socioafetiva da menor, com todos os efeitos jurídicos decorrentes. Isso posto, HOMOLOGO o pacto firmado judicialmente, para reconhecer que A. S. DA S. É o pai biológico de A. Q. DA S. E S., sem prejuízo e concomitantemente com a paternidade registral e afetiva de P. C. DA S., mantendo-se inalterado o nome da adolescente. Também homologo o acordo celebrado entre pai e filha biológicos quanto aos alimentos. Após o trânsito em julgado, expeça-se mandado para averbação dos nomes do genitor e dos avós biológicos no assento de nascimento da adolescente, preservando-se a paternidade registral e socioafetiva, arquivando-se o caderno processual (art. 10, inc. II, do CC/02). Sem custas processuais por serem os requerentes beneficiários da AJG, devendo, porém, arcar com honorários advocatícios em favor da Defensoria Pública, que arbitro em R$ 724,00, proporcionalmente, ficando sua exigibilidade suspensa, na forma do art. 12, da Lei nº 1.060/50.

Esta mudança de entendimento jurisprudencial reflete o dinamismo da atividade jurídica que deve ter por escopo validar aquilo que já é realidade no mundo fático.

O influxo da atividade jurisprudencial tem gerado importantes alterações legislativas que contribuem para o desenvolvimento do regime filial e, consequentemente, para a ampliação da tutela do direito à identidade da pessoa humana.

O Código Civil Brasileiro dispõe em seu art. 1.593 que o parentesco pode advir da consanguinidade ou de outra origem, abraçando a parentalidade socioafetiva.

De outra banda, a Lei nº 11.924, de 2009 alterou a Lei dos Registros Públicos em seu art. 57, paragrafo 8º para autorizar o enteado ou a enteada, a proceder à averbação no registro de seus nascimentos, caso haja razão ponderável, do nome de família de seu padrasto ou de sua madrasta, com a expressa concordância destes, sem prejuízo de seus apelidos de família.

Estes dispositivos legais corroboram com a linha de entendimento que vem sendo adotada pelas cortes brasileiras, no sentido de não apenas substituir o vinculo biológico pelo socioafetivo, mas de admitir, quando de fato pertinente, a coexistência de ambos.

No entanto, a multiparentalidade ou pluriparentalidade não está adstrita à possibilidade de inclusão dos nomes dos pais biológicos e socioafetivos de forma simultânea no registro civil de nascimento. É preciso atentar que, além dos efeitos pessoais gerados pelo seu acolhimento, há consequências patrimoniais derivadas do reconhecimento desta circunstancia, como a assunção da qualidade de herdeiro por parte do filho e o pensionamento alimentício por parte dos pais, dentre outros.

Em razão disto, alguns doutrinadores observam a necessidade de analisar a questão sobre o complexo viés dos efeitos jurídicos patrimoniais gerados pelo reconhecimento da multiparentalidade, que é exemplo, a multi-hereditariedade, como é o caso de FARIAS e ROSENVALD, (2014, p. 624):

O tema, portanto, exige cuidados e ponderações de ordem prática, uma vez que, admitida a pluriparentalidade, estar-se-ia tolerando, por igual a plurihereditariedade, gerando inconvenientes explícitos, como uma estranha possibilidade de filiação para atender meramente a interesses patrimoniais. Mais ainda: uma pessoa poderia herdar várias vezes, de seus diferentes pais. É que seria possível ao filho socioafetivo buscar a determinação de sua filiação biológica, apenas para fins sucessórios, reclamando a herança de seu genitor, muito embora não mantenha com ele qualquer vinculação, ou, sequer, aproximação.

Contrariando este pensamento, há vozes importantes que defendem a concessão de todos os efeitos jurídicos gerados pelo reconhecimento das paternidades genética e socioafetiva, de forma simultânea, pois do contrário, estar-se-ia violando a condição tridimensional do ser humano (WELTER, 2009). É que segundo este mesmo autor, se a pessoa humana pode ser vista sob várias perspectivas, quais sejam, genética, afetiva e ontológica, e se todas elas compõem o ser do individuo, deve-se manter incólumes as duas paternidades, com o acréscimo de todos os direitos, já que ambas fazem parte do fluxo da existência humana.

 Segundo novel decisão oriunda do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (2014), acolhendo-se a multiparentalidade, as linhas de parentesco também devem ser estendidas, ou seja, se o individuo possuir dois pais e duas mães, terá oito avós e o numero de tios e irmãos que estes pais/mães possuírem.

 Quanto ao nome, este possui natureza jurídica de direito da personalidade, posto ser através dele que a pessoa é designada na sociedade. Por ser um efeito de natureza extrapatrimonial, os tribunais brasileiros parecem uníssonos quanto à possibilidade de inclusão dos patronímicos dos pais biológicos e socioafetivos na certidão de registro civil. Vejamos ementa oriunda do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (2012):

Maternidade Socioafetiva. Preservação da Maternidade Biológica. Respeito à memória da mãe biológica, falecida em decorrência do parto, e de sua família - Enteado criado como filho desde dois anos de idade. Filiação socioafetiva que tem amparo no art. 1.593 do Código Civil e decorre da posse do estado de filho, fruto de longa e estável convivência, aliado ao afeto e considerações mútuos, e sua manifestação pública, de forma a não deixar dúvida, a quem não conhece, de que se trata de parentes - A formação da família moderna não consanguínea tem sua base na afetividade e nos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade. Recurso provido.

O Código Civil em seu artigo 1.696 estabelece que o direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes. Tal preceito está intrinsecamente vinculado ao Princípio da solidariedade familiar. Com isto, a pluriparentalidade amplia a possibilidade de assistência material a quem dela necessitar, estendendo o pensionamento alimentar a todos que figurem como pais, inclusive aos avós, sejam eles consanguíneos ou socioafetivos.

No que tange ao direito sucessório, o mesmo raciocínio deve nortear as decisões judiciais, ou seja, acolhendo-se a multiparentalidade, admite-se a multi-hereditariedade, possibilitando que o filho herde de tantos pais quantos tiver.

CASSETTARI (2014) conclui que o reconhecimento da parentalidade socioafetiva deve ser consensual, baseada no afeto mutuo. Sendo assim, nada obsta a que, coexistindo as paternidades/maternidades biológica e afetiva, decorram efeitos patrimoniais sucessórios, posto que originados de livre manifestação de vontade dos interessados.

O campo eficacial do reconhecimento da pluriparentalidade é fértil, e deve ser discutido no âmbito jurisprudencial e doutrinário, até que a lei absorva este fenômeno social. Até que isto ocorra, a atividade jurisdicional vai desempenhando seu papel de desenhar o direito conforme as mutações geradas pela vida em sociedade.

Sabe-se que o direito deve reluzir e tutelar o ser humano em todos os âmbitos de sua existência. Portanto, se é possível que no mundo dos fatos, alguém tenha vários pais ou várias mães, sejam eles do sangue ou do coração, não cabe ao Judiciário relutar em proteger-lhes como família. 

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

A visão linear da vida em família ficou para trás. É preciso, portanto, abrir os olhos para um novo tempo, onde a diversidade de modelos existenciais determina o compasso da caminhada humana. Por isso, adotar juridicamente os novos arranjos familiares é acolhê-los sob o manto da dignidade de seus membros, o que se coaduna com as balizas constitucionais da liberdade, igualdade e solidariedade.

Pois bem. Descortinar este cenário das novas formações familiares é conhecer e reconhecer juridicamente a figura da multiparentalidade como efeito da validação da socioafetividade enquanto critério de parentesco.

Cada um tem a sua historia e na complexidade da vida, o inusitado para alguns é apenas uma face da simplicidade para outros. Se viver contém em si um universo plúrimo de circunstancias, é preciso que o Direito acompanhe esses diversos caminhos que a vida em família trilhou.

A multiparentalidade é uma verdade social já agasalhada pela doutrina civilista, e que tem sido abraçada pela jurisprudência, em nome dos princípios constitucionais da dignidade humana.

De fato, a conclusão a que se chega é que, cada vez mais, o direito civil vem se modificando para valorizar a pessoa e sua historia de vida, o que se tem chamado de repersonalização. É o Direito, enquanto ciência, se preocupando com as questões mais íntimas do individuo com a intenção de protegê-las e de lhes dar a tutela judicial necessária.

Percebe-se, outrossim, que os tribunais pátrios têm avançado no sentido de reconhecer a amplitude eficacial da multiparentalidade, o que demonstra a importância do precedente judicial na construção de decisões que melhorem a vida em sociedade.

Na verdade, o que temos é a reprodução do fenômeno jurídico em toda sua historia. Esta é a dinâmica: os fatos sociais vêm à tona, a jurisprudência os abraça, e mais tarde, a lei em sentido estrito os consagra.

In casu, mediante uma interpretação à luz da Constituição Federal, pode-se afirmar que temas como socioafetividade e multiparentalidade estão implícitos na legislação brasileira, necessitando apenas de subsunção por parte do julgador.

 A discussão acerca da classificação de um fato social como fato jurídico, ou seja, da juridicidade de seus efeitos é salutar e deve ser fomentada com vistas a evitar inserções distorcidas no ordenamento jurídico. No entanto, é preciso sensibilidade nesta aferição, para não incidirmos no erro de valorarmos mais a lei do que o homem, como se aquela fosse mais importante do que este. Se o direito é um instrumento para alcançar a justiça como valor, é preciso não perder de vista este prumo.

 

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Sobre o autor
Wesley Gomes Monteiro

Advogado e Professor Universitário. Mestrando em Direito pela PUC/Minas. Pós-graduado em Direito e Processo Tributário pela Faculdade Leão Sampaio em Juazeiro do Norte/CE, com MBA em Direito Civil e Processo Civil pela Escola Superior Aberta do Brasil - ESAB. Atualmente é Professor na Faculdade Paraíso do Ceara - FAP no eixo de Direito Privado, onde também coordena o Núcleo de Prática Jurídica - NPJ.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo apresentado no II Congresso do Instituto Brasileiro de Direito Civil - IBDCivil realizado em Curitiba - PR, no mês de julho de 2014, acerca da possibilidade jurídica do fenômeno da multiparentalidade.

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