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Possibilidade de compensação pecuniária pelo poder concedente na tradicional concessão de serviço público.

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21/11/2015 às 09:13
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3. Compensação financeira. Condicionantes para emprego.

Estando certa a possibilidade de que possa, dependendo do caso concreto, haver o compartilhamento dos riscos ordinários entre o Poder Concedente e a concessionário, convém trazer à baila o art. 17 da Lei nº 8.987, de 1995, cujo teor é o seguinte:

Art. 17. Considerar-se-á desclassificada a proposta que, para sua viabilização, necessite de vantagens ou subsídios que não estejam previamente autorizados em lei e à disposição de todos os concorrentes.

§ 1o Considerar-se-á, também, desclassificada a proposta de entidade estatal alheia à esfera político-administrativa do poder concedente que, para sua viabilização, necessite de vantagens ou subsídios do poder público controlador da referida entidade. (Renumerado do parágrafo único pela Lei nº 9.648, de 1998)

§ 2o Inclui-se nas vantagens ou subsídios de que trata este artigo, qualquer tipo de tratamento tributário diferenciado, ainda que em conseqüência da natureza jurídica do licitante, que comprometa a isonomia fiscal que deve prevalecer entre todos os concorrentes. (Incluído pela Lei nº 9.648, de 1998)

Procedendo a uma interpretação em sentido contrário do aludido preceito, percebe-se que a oferta de “vantagens ou subsídios” é possível ao participante do certame licitatório cujo escopo seja a delegação de concessão ordinária de serviço público, desde que autorizado previamente em lei e esteja à disposição de todos os concorrentes. Assim entende, por exemplo, Maria Silvia Zanella Di Pietro[15].

No tocante especificamente ao subsídio, convém transcrever as seguintes características lembradas por Marçal Justen Filho[16] em sua obra já tanto citada nesta sede:

Deve-se ter em vista que subsídio não equivale a gasto público nem desembolso estatal. Quando o Estado contrata um particular para executar sob regime de empreitada uma obra pública, pagar-lhe-á o valor devido. Subsídio não se confunde, então, com preço (...)

O subsídio configura-se como uma manifestação de liberalidade, em um certo sentido, na medida em que o Estado desembolsa valores sem contrapartida, visando a beneficiar determinados sujeitos ou atividades.

(...)

Pode concluir-se, então, que não se configura um subsídio pela mera transferência de recursos dos cofres públicos para a concessionária. Tem de haver um desembolso com cunho de liberalidade, sem contrapartida de uma prestação. (...)

Mas é essencial sublinhar que a concessão não transforma o serviço público numa atividade puramente privada, norteada pela pura racionalidade econômica. As utilidades fornecidas pelo concessionário apresentam um cunho de essencialidade inafastável, característica que dá identidade diferencial à questão e que conduz insuprimível qualidade de serviço público. Justamente por isso, tem de admitir-se a possibilidade de que a remuneração do concessionário seja integrada, ao menos parcialmente, por subsídios estatais. Isso se verificará sempre que a imposição de mecanismos de mercado acarretar a frustação do atendimento às necessidades fundamentais, especialmente para a parte da população mais pobre.

A sistemática do art. 17 da Lei Geral das Concessões de Serviço Público, bem delineada no edital e na lei que preveja o subsídio, satisfaz a possibilidade de estipular uma compensação ao participante do certame, garantindo-o, por exemplo, uma receita mínima, a qual seria planejada adequadamente pela parte técnica da Administração.

Vale lembrar, de qualquer modo, que normas financeiras deverão ser respeitadas a fim de amparar a subvenção econômica exposta neste tópico. A primeira norma é a que veda o próprio auxilio a empresas particulares, salvo se houver norma legal expressa em sentido contrário[17].

Dessa forma, a lei específica, já referida com o fito de amparar a subvenção econômica, seria a condição necessária para afastar o óbice apontado acima. Outrossim, a subvenção deverá respeitar o disposto no art. 26 da Lei de Responsabilidade Fiscal[18] (isto é, a subvenção tem que atender aos ditames da Lei de Diretrizes Orçamentárias e ser prevista no orçamento).

De outra banda, caso a compensação pecuniária pretendida configure diminuição de incidência tributária, ao contrário da entrega de recursos monetários diretamente à concessionária, consoante os argumentos expostos acima (sendo o subsídio, na verdade, um benefício na esfera tributária), torna-se imprescindível, além da natural existência de lei que preveja tal benesse (mercê do princípio da legalidade, tão caro na matéria tributária), o respeito aos ditames do art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal[19].


CONCLUSÃO

Como se explicitou anteriormente, a doutrina administrativa mais recente acolhe a exegese de que é possível estabelecer compartilhamento de riscos entre o Poder Concedente e a concessionária.

No caso concreto, apegando-se a tal tese, procurou evidenciar a possibilidade de usar a tradicional normatização de concessão de serviços públicos (Lei nº  8.987, de 1995) para possibilitar, em uma situação específica e com fundamento em valor jurídico relevante que tutele esse empreendimento, compensação financeira ao ente particular por riscos ordinários. Há a necessidade, contudo, de que lei preveja tal cenário.

Por fim, é de bom alvitre ainda trazer à tona a seguinte lição de Alexandre Santos de Aragão[20], a fim de que se possa inclusive afastar eventual insurgência sobre a similaridade do caso específico à concessão patrocinada prevista na Lei do PPP:

Não nos parece que qualquer modelo de concessão que implique em uma repartição de riscos (ou, por igualdade de razões, de modalidades de remuneração – tópico 12.10) diversa do modelo clássico deva necessariamente ser enquadrado na Leis das PPPs. Como visto, tanto o art. 37, XXI, CF, como o art. 9º, §2º, Lei nº 8.987/95, dão espaço suficiente para essa variação na modelagem das concessões de serviços públicos se dar dentro do marco da própria Lei nº 8.987/95. O enquadramento na Lei das PPPs será necessário somente no caso de se desejar conferir ao concessionário as garantias excepcionais de adimplência do poder concedente nele previstas (ex, através do FGP – Fundo de Garantia das PPPs).


REFERÊNCIAS

ARAGÃO, Alexandre S. Direito dos Serviços Públicos. 2a Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2008

_______. A evolução da proteção do equilíbrio econômico-financeiro nas concessões de serviços públicos e nas PPPs. Revista de Direito Administrativo. V. 263. Rio de Janeiro: maio/agosto-2013.

DI PIETRO, Maria Silvia Z. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas. 5a Ed. São Paulo: Atlas, 2005.

MELLO, Celso Antônio B. Curso de Direito Administrativo. 23a Ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 2a. Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.

JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria Geral das Concessões de Serviço Público.  São Paulo: Dialética, 2003.


Possibility of monetary compensation by Government in traditional public service concession.

ABSTRACT

This articles aims to demonstrate the possibility of Government provides monetary compensation in traditional public service concession governed by Brazilian law 8.987-1995, based on risks sharing. Initially, the article discusses about economic and financial balance in public service concessions. Then, the risk sharing between Public Administration and concessionarie is analyzed. Finally, the article 17 of Brazilian Law 8.987-1995 is studied, because of its importance to monetary compensation analyzed in this article.

Keywords: Law 8.987-1995; Public Service Concessions; Risks Sharing; Monetary Compensation.


Notas

[1] ARAGÃO, Alexandre Santos de. A evolução da proteção do equilíbrio econômico-financeiro nas concessões de serviços públicos e nas PPPs. Revista de Direito Administrativo. V. 263. Rio de Janeiro: maio/agosto-2013).

[2] Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas. 5a Ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 114.

[3] A fim de afastar o enriquecimento ilícito por parte da Administração.

[4] A fim de não permitir que um específico particular seja prejudicado em detrimento do restante dos cidadãos.

[5] Por todos, basta citar o conceito de concessão de serviço público formulado por Celso Antônio Bandeira de Mello, que bem explicita tal característica (Curso de Direito Administrativo. 23a Ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 682): “Concessão de serviço público é o instituto através do qual o Estado atribui o exercício de um serviço público a alguém que aceita prestá-lo em nome próprio, por sua conta e risco, nas condições fixadas e alteráveis unilateralmente pelo Poder Público, mas sob garantia contratual de um equilíbrio econômico-financeiro, remunerando-se pela própria exploração do serviço, em geral e basicamente mediante tarifas cobradas diretamente dos usuários do serviço.”

[6] Direito Administrativo Moderno. 2a. Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 232.

[7]  Maria Sílvia Zanella di Pietro (Op. Cit., p. 115 e seguintes), Celso Antônio Bandeira de Mello (Op. Cit., p. 716 e seguintes) e Alexandre Santos de Aragão (Direito dos Serviços Públicos. 2a Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 640 e seguintes).

[8] Op. Cit., p. 717-8.

[9] Teoria Geral das Concessões de Serviço Público.  São Paulo: Dialética, 2003, p. 333.

[10] Op. Cit. ,p. 93.

[11] Op. Cit. p. 647 e seguintes.

[12] Op. Cit., p. 613 e seguintes.

[13] Op. Cit., p. 93.

[14] Eis o resumo da polêmica por Hugo Nigro Mazzilli (Notas sobre o compromisso de ajustamento de conduta. Saraivajur. Disponível em: http://www.saraivajur.com.br/menuEsquerdo/doutrinaArtigosDetalhe.aspx?Doutrina=357):

“O compromisso de ajustamento de conduta foi introduzido no Direito brasileiro no início da década de 90, por meio dos arts. 211 da Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente — ECA) e 113 da Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor — CDC). Segundo esses dispositivos, os órgãos públicos legitimados à ação civil pública ou coletiva passaram a poder tomar do causador de danos a interesses difusos e coletivos o compromisso de que este venha a adequar sua conduta às exigências da lei, sob pena de cominações a serem ajustadas. Em caso de descumprimento das obrigações assumidas, esse compromisso passou a constituir título executivo extrajudicial.

Inicialmente, houve alguma contestação à vigência do compromisso de ajustamento de conduta, não dentro do ECA, mas sim do CDC. Isso se deu porque, quando da sanção do CDC, o Presidente da República vetou o § 3º do art. 82 (que introduzia o compromisso de ajustamento em matéria de relações de consumo), enquanto promulgava na íntegra o art. 113 do mesmo diploma legal (o qual introduziu o mesmo compromisso em matéria de quaisquer interesses transindividuais, e não apenas aqueles relacionados com a defesa do consumidor).

O argumento usado pelos que sustentaram o veto fundou-se no fato de que teria havido equívoco na promulgação do art. 113 em sua íntegra, pois era manifesta a vontade do Presidente de vetar o compromisso de ajustamento, intento este exteriorizado por expresso nas razões do veto a outro dispositivo da mesma lei (o parágrafo único do art. 92).

Esse argumento, ainda que verdadeiro no tocante à mens legislatoris, não é, porém, suficiente para induzir à existência do veto do instituto constante do art. 113, pois esse dispositivo foi regularmente sancionado e promulgado, em sua íntegra, como se pôde aferir do exame da publicação oficial da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, publicado no Diário Oficial da União do dia imediato, em edição extraordinária (...)”

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[15] Op. Cit., p. 125-6.

[16] Op. Cit., p. 335-8.

[17] Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964.

(...)

Art. 19. A Lei de Orçamento não consignará ajuda financeira, a qualquer título, a emprêsa de fins lucrativos, salvo quando se tratar de subvenções cuja concessão tenha sido expressamente autorizada em lei especial.

[18] Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000.

(...)

Art. 26. A destinação de recursos para, direta ou indiretamente, cobrir necessidades de pessoas físicas ou déficits de pessoas jurídicas deverá ser autorizada por lei específica, atender às condições estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias e estar prevista no orçamento ou em seus créditos adicionais.

§ 1o O disposto no caput aplica-se a toda a administração indireta, inclusive fundações públicas e empresas estatais, exceto, no exercício de suas atribuições precípuas, as instituições financeiras e o Banco Central do Brasil.

§ 2o Compreende-se incluída a concessão de empréstimos, financiamentos e refinanciamentos, inclusive as respectivas prorrogações e a composição de dívidas, a concessão de subvenções e a participação em constituição ou aumento de capital.

[19] Lei de Responsabilidade Fiscal

Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições:

I - demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias;

II - estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.

§ 1o A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado.

§ 2o Se o ato de concessão ou ampliação do incentivo ou benefício de que trata o caput deste artigo decorrer da condição contida no inciso II, o benefício só entrará em vigor quando implementadas as medidas referidas no mencionado inciso.

§ 3o O disposto neste artigo não se aplica:

I - às alterações das alíquotas dos impostos previstos nos incisos I, II, IV e V do art. 153 da Constituição, na forma do seu § 1o;

II - ao cancelamento de débito cujo montante seja inferior ao dos respectivos custos de cobrança.

[20] Direito dos Serviços Públicos. 2a Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 653.

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Sobre o autor
Fabiano de Figueirêdo Araujo

Mestre em Direito e Políticas Públicas pelo Centro Universitário de Brasília. Especialista em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas. Professor Universitário. Procurador da Fazenda Nacional

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAUJO, Fabiano Figueirêdo. Possibilidade de compensação pecuniária pelo poder concedente na tradicional concessão de serviço público.. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4525, 21 nov. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/44743. Acesso em: 28 mar. 2024.

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