Colaboração premiada ou delação premiada? Afinal, qual é a diferença?

22/11/2015 às 14:59
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Busca-se, por meio do presente artigo, esclarecer as divergências doutrinárias no que tange à nomenclatura do instituto da delação/colaboração premiada.

 

         É inegável que, após a entrada em vigor da Lei 12.850/13 – Lei que cuida das Organizações Criminosas –, a delação premiada tenha ganhado maior status, notoriedade. Entretanto, não seria acertado afirmar que, antes do referido diploma, tal figura não já não existisse no ordenamento jurídico pátrio.

         A bem da verdade, já em 1990, por meio da Lei dos Crimes Hediondos – 8.072 –, o legislador tratou da matéria, mais precisamente no art. 7º[1], que introduziu o parágrafo 4º no art. 159 do Código Penal, estabelecendo, ali, uma minorante.

         Após a Lei dos Crimes Hediondos, referido instituto teve guarida legal nas Leis: a) 9.034/95 – primeira lei a regulamentar as organizações criminosas, ainda que, por vacilo legislativo, não tivesse definido o conceito; b) 7.492/86 –  que define os crimes contra o sistema financeiro nacional, em específico, no art. 25, §2º, inserido pela Lei nº 9.080/95; 9.269/96, que ampliou as hipóteses de delação; c) 9.807/99 – Lei de Proteção às Testemunhas; d) 11.343/06 – Lei de Drogas; e) 12.683 – que deu nova redação ao §5º do art. 1º da Lei 9.613/98, que trata da lavagem de dinheiro.

Enfim, como exposto, tal instituo não é novidade no ordenamento jurídico brasileiro, ao contrário do que muitos – iniciantes nas ciências jurídicas – pensam.

De notar-se, entrementes, que, embora não seja tema inédito, não há pacificidade, mesmo na doutrina, de estabelecer se “delação premiada” e “colaboração premiada” são, ou não, expressões sinônimas.

Adiante-se, desde de já, que o tema gera considerável celeuma na doutrina pátria. Destarte, em que pese seja esposado ao longo do artigo qual expressão se mostra mais correta, o tema, repita-se, não é incontroverso.

Pois bem. Há quem entenda que as expressões são sinônimas, não tendo, assim, qualquer relevância prática a diferenciação terminológica. Nesse sentido, por exemplo, afirmam Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto que “O instituto da colaboração premiada, ainda que contando com nomenclatura diversa, sempre foi objeto de análise pela doutrina, tratado que é como “delação premiada (ou premial)”, “chamamento de corréu”, “confissão delatória” ou, segundo os mais críticos, “extorsão premiada” etc.”[2]

Vozes fortes na doutrina, a exemplo de Gustavo de Meringhi e Rejane Alves de Arruda, prelecionam que, “Embora a nova lei tenha utilizado a expressão “colaboração premiada”, a maior parte da doutrina emprega o termo “delação premiada, que podem ser considerados sinônimos para fins didáticos”[3]  

           Em que pese a autoridade dos citados autores, não perece correto afirmar serem as expressões sinônimas, haja vista que cada uma insinua uma situação particular, merecendo, portanto, a devida distinção.

Com efeito, delatar é uma forma de colaborar, mas nem sempre a colaboração advém de uma delação. Isto porque, como bem observa Renato Brasileiro, “O imputado, no curso da persecutio criminis, pode assumir a culpa sem incriminar terceiros, fornecendo, por exemplo, informações acerca da localização do produto do crime, caso que é tido como mero colaborador. ”[4]

Ora, neste caso, resta patente que o agente delituoso colaborou com a justiça, conquanto não tenha efetivamente delatado – denunciado, entregado – nenhum de seus comparsas.

Percebe-se, pois, que há diferença na colaboração para localização e recuperação, por exemplo, do produto do crime – sem que, para isso, se denunciem os demais agentes –, para a delação propriamente dita, que, além de o agente confessar o cometimento de determinada infração, ele expõe, informa, dá conhecimento da participação de outras pessoas envolvidas na empreitada antijurídica.

Nesta senda, reforçando, com maestria, o entendimento de que “delação premiada” e “colaboração premiada” são expressões diversas, confiram-se os escólios de Vladmir Aras que

 

Apresenta a colaboração premiada como gênero, da qual derivam 4 (quatro) subespécies, quais sejam:

a) delação premiada (também denominada de chamamento de corréu): além de confessar seu envolvimento na prática delituosa, o colaborador expõe as outras pessoas implicadas na infração penal, razão pela qual é denominado de agente revelador;

b) colaboração para libertação: o colaborador indica o lugar onde está mantida a vítima sequestrada, facilitando sua libertação;

c) colaboração para localização e recuperação de ativos: o colaborador fornece dados para a localização do produto ou proveito do delito e de bens eventualmente submetidos a esquemas de lavagem de capitai;

d) colaboração preventiva: o colaborador presta informações relevantes aos órgãos estatais responsáveis pela persecução penal de modo a evitar um crime, ou impedir a continuidade ou permanência de uma conduta ilícita. [5]

 

         Por derradeiro, não podem ser olvidados os ensinamentos de Luiz Flávio Gomes Marcelo Rodrigues da Silva acerca do tema em estudo. Para os autores, “a Lei 12.850/13 adotou a locução “colaboração premiada” como gênero, por ser mais amplo. Em razão dessa amplitude, trata-se de nomenclatura mais adequada que delação premiada, portanto.”[6]

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Conclui-se, portanto, que não se afigura coerente tratar situações diferentes como se iguais fossem. Não se trata, como alguns pregam, de mero eufemismo – que visa evitar impressões pejorativas à delação. Ao revés, cuida-se, em verdade, de uma diferenciação substancial, que merece ser empregada de modo a evitar a generalização de coisas que, por natureza, diferentes são.

 


[1] Art. 7º Ao art. 159 do Código Penal fica acrescido o seguinte parágrafo:

"Art. 159. ..............................................................

§ 4º Se o crime é cometido por quadrilha ou bando, o co-autor que denunciá-lo à autoridade, facilitando a libertação do seqüestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços."

[2] CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Crime Organizado – comentários à nova lei sobre o Crime Organizado – lei 12.850/13. Salvador: Juspodivm. 2013. p. 34.

[3] ARRUDA, Rejane Alves de. Org. Ricardo Souza Pereira. Organização Criminosa – comentário à lei 12.850/13, de 05 de agosto de 2013. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2013. p. 73.

[4] LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação penal especial comentada. 3. ed. Salvador: JusPodivm, 2015. p.525.

[5] ARAS, Vladmir. Lavagem de dinheiro: prevenção e controle penal. Organizadora: Carla Veríssimo de Carli. Porto Alegre: Editora Verbo Jurídico, 2011. p. 428.

[6] GOMES, Flávio Luiz; SILVA, Marcelo Rodrigues. Organizações criminosas e técnicas especiais de investigação. Salvador – BA: Juspodvm, 2015. p. 211.

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Sobre o autor
Filipe Maia Broeto Nunes

Advogado Criminalista e professor de Direito Penal e Processo Penal, em nível de graduação e pós-graduação. Professor Convidado da Pós-Graduação em Direito Penal e Processo Penal da PUC-Campinas. Mestre em Direito Penal (sobresaliente) com dupla titulação pela Escuela de Postgrado de Ciencias del Derecho/ESP e pela Universidad Católica de Cuyo – DQ/ARG. Mestrando em Direito Penal Econômico pela Faculdade de Direito da Universidade Internacional de La Rioja – UNIR/ESP e em Direito Penal Econômico e da Empresa pela pela Faculdade de Direito da Universidade Carlos III de Madrid - UC3M/ESP. Especialista em Direito Penal Econômico pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC/MG e também Especialista em Direito Penal Econômico pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra - FDUC/PT-IBCCRIM. Especialista em Ciências Penais pela Universidade Cândido Mendes - UCAM, em Processo Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra - FDUC/PT-IBCCRIM, em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes - UCAM e em Compliance Corporativo pelo Instituto de Direito Peruano e Internacional – IDEPEI e Plan A – Kanzlei für Strafrecht, Alemanha (Curso reconhecido pela World Compliance Association). Foi aluno do curso “crime doesn't pay: blanqueo, enriquecimiento ilícito y decomiso”, da Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca – USAL/ ESP, e do Módulo Internacional de "Temas Avançados de Direito Público e Privado", da Universidade de Santiago de Compostela USC/ESP. Membro da Câmara de Desagravo do Tribunal de Defesa das Prerrogativas da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Mato Grosso - OAB/MT; Membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - IBCCRIM; do Instituto Brasileiro de Direito Penal Econômico - IBDPE; do Instituto de Ciências Penais - ICP; da Comissão de Direito Penal e Processo Penal da OAB/MT; Membro efetivo do Instituto dos Advogados Mato-grossenses - IAMAT e Diretor da Comissão de Estudos Jurídicos da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas – Abracrim. Autor de livros e artigos jurídicos, no Brasil e no exterior. E-mail: [email protected].

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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