Quem é o agressor?

Discussões sobre variedades do polo ativo da violência doméstica ou familiar

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Muito se trata a respeito do sujeito passivo da violência doméstica ou familiar. O presente trabalho busca abordar tema menos frequente, qual seja, o da identificação do sujeito ativo "atípico" das agressões cometidas sob jurisdição da Lei Maria da Penha.

RESUMO:Muito tem se tratado a respeito do sujeito passivo da violência doméstica ou familiar. O presente trabalho busca abordar tema menos frequente, qual seja, o da identificação do sujeito ativo das agressões perseguidas pela Lei nº 11.340/06, conhecida como Lei Maria da Penha. Buscaremos analisar o diploma legal, como também enfocar pesquisa de jurisprudência e doutrina, para compreender e contextualizar uma visão ampliativa do sujeito ativo de maneira a cumprir o caráter teleológico pretendido pelo legislador.

Palavras chave: Sujeito ativo. Sujeito passivo. Violência doméstica.


INTRODUÇÃO: CONCEITO E CONSTITUCIONALIDADE           

Preceituando que a violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos, a Lei nº 11.340/06 estabeleceu em seu art. 5º, que se configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial.

No parágrafo único, sobretudo, ficou assentado que as relações pessoais enunciadas no preceito em tela independem de orientação sexual, o que o faz incidir em qualquer tipo de família ou união doméstica/afetiva, desde que a vítima seja mulher, como veremos seguidamente.

A proteção exacerbada da mulher vítima em relação ao sujeito ativo, sobretudo conexo ao gênero masculino, é questionada sob os parâmetros de constitucionalidade, por isso, há duas correntes:

Uma delas defende a inconstitucionalidade da lei fundamentada no fato de que haveria uma discriminação legislativa em relação ao homem, uma vez que violaria o artigo 226, §§ 5º e 8º, da Constituição Federal, no qual promoveu proteção equânime aos integrantes da família, conforme se vê:

Art. 226, § 5º - Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.

§ 8º - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.

Ato contrário, a Lei nº 11.340/06 protegeria somente uma parte dos sujeitos membros da família, afrontando, assim, diretamente a Carta Magna.

Hodiernamente, entretanto, essa corrente é minoritária. O TJ/MS que entendia pela inconstitucionalidade da lei passou a entendê-la constitucional, resultando no isolamento de eventual posição conservadora.

Dito isso, a constitucionalidade da norma é o entendimento predominante no âmbito dos tribunais, isso porque o ordenamento jurídico confere a repressão estatal sob dois tipos de tutela.

O primeiro, de caráter de norma geral, a qual não incide destinatário certo. O segundo, por sua vez, de primazia especial, a qual se envolve no desiderato de dirimir questões relacionadas a desigualdade, como por exemplo, a lei Maria da Penha - estatisticamente, a maioria das vítimas submetidas ao cometimento do gênero “violência” são as mulheres. Por isso e, somente sob essa vertente, isto é, pelo fato da norma prever o destinatário certo do tipo específico de violência, é que essas pessoas conseguem concretizar a igualdade prevista na Constituição Federal.

Quanto aos aludidos tipos específicos de violência, para efeito da norma, “violência doméstica” é aquela cometida no espaço doméstico, envolvendo pessoas que tenham ou não vínculo familiar, inclusive as agregadas ou fâmulos do grupo. Por exemplo, uma empregada doméstica ou uma babá estão sujeitas à violência doméstica que pode ser praticada pelo patrão, pela patroa ou por um filho, por exemplo. Pelo termo “violência familiar” entende-se aquela praticada entre pessoas unidas por vínculo familiar, conjugal, de parentesco ou por vontade expressa (como no caso da adoção). Estariam incluídos os conflitos entre pais e filhas, entre irmãos, companheiro e companheira, marido e mulher, ex-marido e ex-mulher, etc. Já a “relação íntima de afeto” é uma terceira via, além dos vínculos domésticos e familiares, a violência perseguida pela lei poderá ser aquela praticada “em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação”, como por exemplo, o caso de namorados. Portanto, a abrangência da lei necessita que fique caracterizado o vínculo de relação doméstica, familiar ou de afetividade, além da convivência, com ou sem coabitação.


1. SUJEITOS DA LEI

Muito tem sido discutido sobre os sujeitos ativo e passivo da violência doméstica. Algumas transformações sociais são transversais à temática, o que faz com que a polêmica envolva questões de gênero e de organização familiar que, em princípio, não deveriam fazer parte do debate.

Essa constatação faz o Direito buscar compreender e acompanhar os fatos sociais. Os princípios de esteio da violência doméstica e familiar como o da “dignidade da pessoa humana”, da “liberdade”, da “igualdade”, da “proporcionalidade” e da “razoabilidade”, resultantes, aos alarmantes registros de subsunção normativa, demostram que a celeuma há muito deixou de ser um problema de ordem privada, passando a premência tratativa como de questão de saúde pública. Por isso, a análise do caso concreto, através de jurisprudências, é um dos elementos capazes de informar o norte jurídico.

1.1 SUJEITO PASSIVO

A discussão sobre o sujeito passivo é mais antiga. Muito se falou sobre se a lei abrange casais homoafetivos ou se protege transexuais em situação de violência doméstica ou familiar. É importante delinear seu contexto geral, embora não seja este o elemento central do presente trabalho.

A lei nº 11.340/06 trouxe, ainda, a tratativa relacionada ao gênero masculino quando em situação de vítima, isto é, o art. 44 desta lei alterou o art. 129, § 9º, do CP, e falou em irmão e companheiro, abrangendo, dessa forma, homem e mulher:

Art. 129. § 9º Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade:

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.

Sob essa perspectiva, caso a vítima seja homem, este tem o Código Penal sob sua égide, do contrário, ou seja, caso o crime seja praticado em face da mulher, esta estará abrigada pelo Código Penal, além, é claro, pela própria lei Maria da Penha.

Cabe ressaltar, que respeitado a identidade de gênero e, usando o poder geral de cautela, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, de forma progressista, já aplicou medidas protetivas da Lei nº 11.340/06 também aos homens, em especial quando em situação de vulnerabilidade. Isso porque, justificadamente, a figura do transexual ganha relevo na modernidade, pois se refere à situação do indivíduo que possui uma identidade de gênero diferente da registrada ao nascimento e apresenta uma sensação de inquietude em relação ao seu sexo anatômico, manifestando o desiderato de ser aceito pelo sexo escolhido. Ato contínuo, como defendido por Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvalt, se o transexual fizer uma cirurgia, alterando o seu registro (inclusive com mudança de nome), trata-se em verdade de uma mulher, por isso, deve ser protegida também por esta lei especial.

Entretanto, como regra, a amplitude do conceito de sujeito passivo (DIAS, 2006) inclui as esposas, as companheiras, as amantes, mas, ainda também, as filhas, as netas, a mãe do agressor, avó, sogra ou qualquer outra parente que mantém, ou manteve, vínculo familiar com ele.

1.2 SUJEITO ATIVO

Parte da doutrina entende que a Lei nº 11.340/06 compreende o sujeito ativo da violência doméstica e familiar, apenas, o gênero masculino, isso porque em vários de seus dispositivos aparece o conceito taxativo “agressor”.

Por outro lado, entende-se que a definição de violência doméstica e familiar deve ser interpretada de maneira sistemática, sob pena de inviabilização da própria aplicação da norma, uma vez que o objeto de tutela da lei é a pessoa do sexo feminino - não importa se criança, adulta ou idosa – mas, desde que compreendida em situação de vulnerabilidade.

Coadunando com este último pensamento, a quinta turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça), no julgamento do HC 277.561-AL em 06 de novembro de 2014, afirmou ser possível à aplicação do texto legal em uma relação entre mãe e filha. O Colendo tribunal, assim, reacendeu o entendimento que o objeto protegido sob o baluarte normativo é a mulher em situação de hipossuficiência, não só em relação ao cônjuge ou companheiro, mas também qualquer outro familiar ou pessoa que conviva com a vítima, independentemente do gênero do agressor. Nesse sentido, o STJ:

CRIME DE AMEAÇA. LEI MARIA DA PENA. INCIDÊNCIA. RELAÇÃO FAMILIAR ENTRE FILHAS E A GENITORA. VULNERABILIDADE ATESTADA PELAS INSTÂNCIAS DE ORIGEM. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA PARA A DESCONSTITUIÇÃO DE TAL ENTENDIMENTO. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ELEITA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. WRIT NÃO CONHECIDO.

1. Nos termos do artigo 5º, inciso III, da Lei 11.340/2006, é possível a caracterização de violência doméstica e familiar nas relações entre filhas e mãe, desde que os fatos tenham sido praticados em razão da relação de intimidade e afeto existente.

2. Na hipótese dos autos, tanto o magistrado de origem quanto a autoridade apontada como coatora consignaram a existência da relação de vulnerabilidade a que estava sendo submetida a mãe em relação às filhas agressoras, circunstância que justifica a incidência da Lei Maria da Penha.

3. A desconstituição de tal entendimento demandaria revolvimento de matéria fático-probatória, providência que é vedada na via eleita.

4. Habeas corpus não conhecido.

(HC 277.561/AL, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 06/11/2014, DJe 13/11/2014)

Tratam os autos que, em 2005, a vítima, de 57 anos aproximadamente, após ficar viúva e estar abalada psicologicamente, outorgou poderes a uma de suas filhas para que administrasse seus bens. A outorgada contraiu diversas dívidas em nome da mãe que acabou por revogar os poderes concedidos quando teve ciência dos abusos ocorridos. A partir daí a relação entre mãe e filha tornou-se cada vez mais difícil, tendo início as ameaças.

A genitora, então, decidiu sair de sua residência. A pensão recebida encontrava-se parcialmente comprometida por prestações consignadas e o ponto comercial de sua propriedade havia sido tomado pela agressora.

O juiz singular competente aplicou algumas medidas protetivas constantes dos artigos 22 e 23 da Lei nº 11.340/06. A filha agressora recorreu através de Habeas Corpus que não foi conhecido por não restar verificado qualquer constrangimento ilegal passível de ser sanado mediante atuação da Corte Superior de Justiça.

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Para DIAS (2006):

"(...) Para ser considerada a violência como doméstica, o sujeito ativo tanto pode ser um homem como outra mulher. Basta estar caracterizado o vínculo de relação doméstica, de relação familiar ou de afetividade, pois o legislador deu prioridade à criação de mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica contra a mulher, sem importar o gênero do agressor (...). Os conflitos entre mães e filhas, sogras e noras, assim como os desentendimentos entre irmãs do mesmo modo estão ao abrigo da Lei Maria da Penha quando flagrado que a agressão tem motivação de ordem familiar”.

Outro julgado que destoa do modelo em que o agressor é companheiro da vítima é o HC 250.435/RJ:

HABEAS CORPUS IMPETRADO EM FACE DE RESOLUÇÃO DE CONFLITO DE COMPETÊNCIA. DESCABIMENTO. AUSÊNCIA DE AMEAÇA AO DIREITO AMBULATÓRIO. CRIME DE TORTURA, PRATICADO NO ÂMBITO DOMÉSTICO, CONTRA CRIANÇA DO SEXO FEMININO. ART. 5.º, INCISO I, DA LEI MARIA DA PENHA. COMPETÊNCIA DO JUIZADO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. MOTIVAÇÃO DE GÊNERO. REQUISITO REPUTADO COMO PREENCHIDO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. PRECEDENTES DESTA CORTE SUPERIOR QUE SE AMOLDAM À HIPÓTESE. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE FLAGRANTE QUE, EVENTUALMENTE, PUDESSE ENSEJAR A CONCESSÃO DAORDEM DE OFÍCIO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.

1.O writ constitucional do habeas corpus se destina a assegurar o direito de ir e vir do cidadão, portanto, não se presta para solucionar questão relativa à competência sem reflexo direto no direito ambulatório, sobretudo porque há previsão recursal para solucionar a questão, nos termos do art. 105, inciso III, da Constituição Federal. Precedente.

2.E, na espécie, não resta configurada ilegalidade manifesta que, eventualmente, ensejasse a concessão da ordem de habeas corpus de ofício.3.O Tribunal de origem, com o grau de discricionariedade próprio à espécie constatou estar preenchido o requisito de motivação de gênero, sendo impossível, à luz dos fatos narrados, infirmar-se essa ilação.

4.O delito em tese foi cometido contra criança do sexo feminino com abuso da condição de hipossuficiência, inferioridade física e econômica, pois a violência teria ocorrido dentro do âmbito doméstico e familiar. As Pacientes - tia e prima da vítima - foram acusadas de torturar vítima que detinham a guarda por decisão judicial.

5."Sujeito passivo da violência doméstica, objeto da referida lei, é a mulher. Sujeito ativo pode ser tanto o homem quanto a mulher, desde que fique caracterizado o vínculo de relação doméstica, familiar ou de afetividade."(CC nº. 88.027/MG, Relator Ministro OG. FERNANDES, DJ de 18/12/2008)

6.Habeas corpus não conhecido.

Os autos narravam que as pacientes foram denunciadas pela prática do crime de tortura contra sobrinha de quatro anos que estava sob sua guarda. O Juízo de Direito da 2ª Vara Criminal Regional de Santa Cruz/RJ se deu por incompetente, por ter sido o crime perpetrado com violência doméstica, sendo, no seu entendimento, abrangido pela Lei Maria da Penha. Por isso, remeteu a ação penal ao Juizado da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, que suscitou conflito negativo de competência.

As pacientes buscavam a competência do Juízo da 2ª Vara Criminal, em contrariedade à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, sob a afirmação de que o delito não foi motivado no fato de a vítima ser do gênero mulher e, por isso, não haveria como reconhecer a competência do Juizado Especial de Violência Doméstica e Familiar. Assim, buscavam que fosse reconhecido seu constrangimento ilegal e a suspensão do andamento do feito. O pedido liminar foi indeferido.

A subsunção do tipo penal especial, nessa toada, incidirá sempre na presença de violência baseada em relação íntima de afeto, motivação de gênero ou situação de vulnerabilidade, até mesmo quando sujeito ativo e passivo não convivam sob o mesmo ambiente residencial. Essa acepção pode ser extraída também dos termos do art. 5º da lei em exame, a saber:

Art. 5º. Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.

Nesse diapasão, considerando doutrina e jurisprudência, o gênero feminino também poderá incidir como autor da agressão perseguida pela Lei Maria da Penha quando, tanto presente numa relação homoafetiva, bem como nas circunstâncias de violência doméstica e familiar contra outra mulher em situação de fragilidade ou opressão relacionada a seu gênero.

Conforme Gomes e Bianchini (2006), o sujeito ativo da violência doméstica e familiar pode ser o homem ou a mulher. E, ainda, pode ter qualquer orientação sexual.  Em outras palavras, qualquer pessoa pode ser o sujeito ativo da violência; basta que esteja relacionada a uma mulher (necessariamente a vítima) por vínculo, familiar, doméstico ou meramente afetivo.

Como o fundamento de aplicação da Lei em estudo é a redução da opressão sofrida pela mulher, é necessária existência da situação de vulnerabilidade da vítima frente ao agressor ou que a violência seja praticada com motivação de gênero. Essa noção é acessória, mas indispensável, à identificação do sujeito ativo. É o que os tribunais têm decidido:

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PENAL. JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL E JUIZ DE DIREITO. CRIME COM VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA MULHER. AGRESSÕES MÚTUAS ENTRE NAMORADOS SEM CARACTERIZAÇÃO DE SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE DA MULHER. INAPLICABILIDADE DA LEI Nº 11.340/06. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL.

1. Delito de lesões corporais envolvendo agressões mútuas entre namorados não configura hipótese de incidência da Lei nº 11.340/06, que tem como objeto a mulher numa perspectiva de gênero e em condições de hipossuficiência ou vulnerabilidade.

2. Sujeito passivo da violência doméstica objeto da referida lei é a mulher. Sujeito ativo pode ser tanto o homem quanto a mulher, desde que fique caracterizado o vínculo de relação doméstica, familiar ou de afetividade, além da convivência, com ou sem coabitação.

2. No caso, não fica evidenciado que as agressões sofridas tenham como motivação a opressão à mulher, que é o fundamento de aplicação da Lei Maria da Penha. Sendo o motivo que deu origem às agressões mútuas o ciúme da namorada, não há qualquer motivação de gênero ou situação de vulnerabilidade que caracterize hipótese de incidência da Lei nº 11.340/06.

3. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito do Juizado Especial Criminal de Conselheiro Lafaiete/MG

(STJ, Relator: Ministro OG FERNANDES, Data de Julgamento: 05/12/2008, S3 - TERCEIRA SEÇÃO)

PROCESSO PENAL. CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO. JUIZADO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER E JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL. MAUS-TRATOS. MÃE E FILHA. VIOLÊNCIA DE GÊNERO NÃO DEMONSTRADA. COMPETÊNCIA DO JUÍZO SUSCITADO PARA PROCESSAR E JULGAR O FEITO.

1. A LEI 11.340/2006 É DE APLICAÇÃO RESTRITA E DEVE INCIDIR APENAS QUANDO A AÇÃO OU OMISSÃO QUE CONFIGUREM A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR POSSUAM MOTIVAÇÃO DE GÊNERO E HÁ UMA SITUAÇÃO DE INFERIORIDADE OU VULNERABILIDADE DA OFENDIDA EM RELAÇÃO AO AGRESSOR.

2. SE OS MAUS TRATOS INFLIGIDOS À CRIANÇA DO SEXO FEMININO DECORREM DA VULNERABILIDADE DECORRENTE DA CONDIÇÃO DE FILHA, EM FACE DA SUA CRIAÇÃO E EDUCAÇÃO, SEM QUALQUER CONOTAÇÃO MOTIVADA PELO GÊNERO MULHER, NÃO HÁ APLICAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA.

3. CONFLITO CONHECIDO PARA DECLARAR COMPETENTE O JUÍZO SUSCITADO.

(TJ-DF - CCR: 20130020148475 DF 0015698-26.2013.8.07.0000, Relator: JOÃO BATISTA TEIXEIRA, Data de Julgamento: 05/08/2013, Câmara Criminal, Data de Publicação: Publicado no DJE: 07/08/2013. Pág.: 76)

Em consonância com este mote, cabe ressaltar que a figura do sujeito ativo não compreende a subsunção do adolescente a este polo, isso porque a ele não se destina a prisão preventiva ou a aplicação das medidas protetivas de urgência, conforme arts. 20 e 22, respectivamente, da Lei nº 11.340/06.

A figura do adolescente infrator é tratada, de forma equânime, a tutela estatal direcionada aos sujeitos ensejadores de hipossuficiência, isto é, o ordenamento jurídico compara a vulnerabilidade da criança e/ou adolescente de igual forma a mulher agredida. Ao adolescente, ainda, é dispensado o princípio da “proteção integral”, a qual restaria ignorado caso lhe fosse aplicado medida protetiva como a de afastamento do lar. Ato contínuo, a composição de ato infracional que venha a ser praticado será resignada, sempre, a Vara da Infância e Juventude, incidindo os procedimentos especiais conferidos pelo ECRIAD - Lei nº 8.069/90.

Feito as observações, procedem outros julgados relativos a feição da qualidade “atípica” do sujeito operante na Lei Maria da Penha:

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. LEI "MARIA DA PENHA" (LEI Nº 11.340/06). COMPETÊNCIA PARA PROCESSAMENTO E JULGAMENTO DE AMEAÇA E/OU VIAS DE FATO DE FILHA CONTRA MAE. VIOLENCIA NÃO BASEADA EM GENERO. 1. O Juiz suscitante alega que a competência é do Juizado Especial Criminal, em razão da igualdade de gênero entre vítima e suposta agressora, ao passo que o suscitado aduziu que é da 4ª Vara Criminal, por se tratar de violência doméstica atinente à Lei Maria da Penha. 2. Não incide a Lei nº 11.340/06 em suposta ameaça e/ou vias de fato envolvendo filha e mãe pela ausência violência baseada no gênero. CONFLITO DE COMPETÊNCIA PROCEDENTE. (Conflito de Jurisdição Nº 70055137608, Primeira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Júlio Cesar Finger, Julgado em 10/07/2013)

(TJ-RS, Relator: Júlio Cesar Finger, Data de Julgamento: 10/07/2013, Primeira Câmara Criminal)

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA LESÃO CORPORAL DE ÂMBITO FAMILIAR - ART. 129 § 9º DO CP - CRIME SUPOSTAMENTE PRATICADO PELA FILHA CONTRA A MÃE - NÃO EVIDENCIADA SITUAÇÃO DE FRAGILIDADE OU VULNERABILIDADE PROVENIENTE DO GÊNERO MULHER INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO DE SUBORDINAÇÃO - A AGRESSÃO TERIA OCORRIDO APÓS UMA DISCUSSÃO POR MOTIVO BANAL, EM RAZÃO DE UM VIDRO DE ACETONA QUE A FILHA HAVIA PEGADO EMPRESTADO DA MÃE, QUE AO SABER, RETIROU DE SUAS MÃOS - INAPLICABILIDADE DA LEI 11.340/06 - COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA 32ª VARA CRIMINAL DA CAPITAL. Conflito negativo de competência suscitado pelo I Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Capital, apontando como competente o Juízo de Direito da 32ª Vara Criminal da Capital. Tratando-se de suposta lesão corporal de filha contra a mãe, no interior de sua residência, podemos falar que existe vínculo afetivo entre as envolvidas, porém, a violência não se deu em razão da vulnerabilidade da mãe, mas sim, em razão de uma discussão entre as duas, o que afasta o procedimento elencado na Lei Maria da Penha. Isto porque os fatos narrados na exordial não revelam uma relação de dominação-subordinação da mãe com sua filha. Também não restou evidenciada a situação de vulnerabilidade experimentada pela suposta ofendida, não havendo qualquer ligação com a violência que o legislador pretendeu coibir com o advento da Lei Maria da Penha. PROCEDÊNCIA DO CONFLITO, firmando-se a competência do Juízo Suscitado.

(TJ-RJ - CJ: 00468912620138190000 RJ 0046891-26.2013.8.19.0000, Relator: DES. MARIA SANDRA KAYAT DIREITO, Data de Julgamento: 14/01/2014, PRIMEIRA CAMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 17/02/2014 17:39)


2. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme BELO (2011), toda essa configuração de entendimentos, muitas vezes, díspares resultou em duas visões opostas quanto ao sujeito ativo da violência doméstica, uma de caráter restritivo, outra, ampliativo.

De acordo com a primeira visão, o sujeito ativo dos atos de violência contra a mulher amparados pela lei deve, necessariamente, ser uma pessoa do sexo masculino. Assim, ficaram excluídos do alcance da lei as situações em que a mulher homossexual é vitimada por sua própria companheira (com quem mantém relação íntima de afeto) e também os casos entre mãe e filha, como no exemplo da jurisprudência supra.

Na visão de caráter ampliativo, encontramos “a idéia de que sujeito ativo dos atos de violência doméstica e familiar contra a mulher pode ser tanto a pessoa do sexo masculino, quanto a do sexo feminino, desde que praticados tais atos de violência em um dos ambientes relacionados no art. 5° da Lei Maria da Penha” (BELO, 2011).

O posicionamento ampliativo vem sendo adotado majoritariamente, respeitados os outros critérios, como que o agente tenha com a vítima (que deve ser imprescindivelmente uma mulher) um vínculo baseado na ambiência doméstica, familiar ou de relação íntima de afeto, independentemente de orientação sexual do agente agressor ou da ofendida.

“Dois critérios cumulativos e simultâneos, ou seja, que devem estar presentes ao mesmo tempo: 1°) Figurar a mulher, ou transexual civilmente considerado como mulher, na condição de vítima; 2°) estarem a vítima, indicada no primeiro critério, e o agente agressor ligados por uma situação reveladora de violência doméstica ou familiar, assim definida pela própria lei, mais especificamente em seu art. 5°.

Desse modo, ausente que seja um dos critérios expostos e será inaplicável a Lei Maria da Penha ao caso concreto” (BELO, 2011).

Dessa maneira, buscamos compreender que o elastério teleológico da Lei depende da correta amplitude do polo ativo da agressão perseguida. Contudo, esse entendimento deve, necessariamente, estar articulado à verificação da existência da situação de vulnerabilidade da vítima frente ao seu agressor (quem quer seja) ou a violência sofrida ter ocorrido em razão da motivação de gênero, já que mitigar a opressão à mulher parece ser o fim último do aduzido diploma normativo.


REFERÊNCIAS

BELO, Eliseu Antônio da Silva. Sujeito ativo na violência doméstica e familiar contra a mulher. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2806, 8 mar. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/18630>. Acesso em: 22 nov. 2015.

DIAS, Maria Berenice. A violência doméstica na Justiça. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1178, 22 set. 2006. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/8959>. Acesso em: 22 nov. 2015.

GOMES, Luiz Flávio; BIANCHINI, Alice. Aspectos criminais da Lei de Violência contra a Mulher. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1169, 13 set. 2006. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/8916>. Acesso em: 22 nov. 2015.

ZANOTTI, Bruno. Enunciados aprovados no 1º Congresso Jurídico dos Delegados da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro. Penso Direito, Rio de Janeiro, 1º de dezembro de 2014. Disponível em:< http://pensodireito.com.br/03/ index.php/ component/k2/item/171-enunciados-aprovados-no-1%C2%BA-congresso-jur%C3%A Ddico-dos-delegados-da-pol%C3%ADcia-civil-do-estado-do-rio-de-janeiro>. Acesso em: 23 nov. 2015.

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Sobre os autores
Jorge Luís Windler

Direito UFES

Ricardo Abidala Keide

Graduando em Direito na UFES (6º Período)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Exteriorização de conhecimento advindo de pesquisa realizada junto a disciplina optativa "Lei Maria da Penha", fornecida pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), sob tempestividade relativa ao 2º semestre do corrente ano.

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