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A prisão para deportação no Brasil: cotejo com as normas da Convenção Americana de Direitos Humanos

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11/10/2016 às 16:42
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4.PRISÃO PARA DEPORTAÇÃO

As hipóteses legais acerca da deportação estão nos artigos 57 a 64 da lei 6.815/80, prevendo o artigo 61 que “o estrangeiro, enquanto não se efetivar a deportação, poderá ser recolhido à prisão por ordem do Ministro da Justiça, pelo prazo de sessenta dias.”

Tal artigo não foi integralmente recepcionado pela Constituição Federal de 1988. Não mais subsiste no ordenamento jurídico brasileiro a prisão determinada por quaisquer autoridades administrativas, salvo em crimes ou infrações propriamente militares.

O Ministro da Justiça, assim como os demais ministros, é subordinado hierarquicamente ao Presidente da República, chefe do poder executivo. A determinação de qualquer prisão após a Constituição de 1988 só pode emanar do poder judiciário, através de ordem fundamentada, inscrita em mandado judicial e, normalmente, executada pela polícia judiciária (seja Polícia Civil ou Polícia Federal), consoante artigo 5º da Constituição Federal, especificamente no inciso LXI:

“LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;” (BRASIL, 1988)

A literatura jurídica apontou possível revogação do instituto da prisão para deportação após a lei 12.403/2011, que revogou previsão expressa da prisão administrativa no Código de Processo Penal (ANDREATA, 2012), mas a jurisprudência brasileira demonstra persistência do instituto jurídico da prisão administrativa para deportação no ano de 2014  (BRASIL, 2014), com lastro legal na lei 6.815/80.

A entrada irregular de estrangeiro no país não constitui crime por parte do estrangeiro, sua prisão é cautelar, no interesse da medida administrativa de retirada compulsória. A prisão administrativa para deportação é meio para atingir o fim de retirar o estrangeiro irregular do país. O ato imputável ao estrangeiro é sua entrada ou estada irregular no Brasil e, para tal conduta, não há previsão em qualquer dispositivo de lei penal e, portanto, não há pena de prisão para a entrada ou estada irregular no Brasil.

A determinação legal para entrada ou estada irregular no Brasil é a deportação – retirada do estrangeiro do país – sendo a prisão um meio para execução da medida e não uma pena como conseqüência da conduta irregular do estrangeiro.

A restrição de liberdade no Brasil, seja de pessoa estrangeira ou nacional, é medida extrema. Não há ato estatal mais grave que a prisão no Brasil, aplicável pelo Estado contra o cidadão, salvo, unicamente, a excepcionalíssima pena de morte prevista no art. XLVII, inciso “a” da Constituição Federal, em caso de guerra declarada e ratificada nos art. 56 e em vários tipos penais do Código Penal Militar brasileiro.

A consulta à jurisprudência da corte maior do Brasil – Supremo Tribunal Federal – revela, por outro lado, que o Estado brasileiro já chegou, em 1978, a aplicar a prisão para deportação de adolescente estrangeiro sob a justificativa de “ter penetrado no território nacional clandestinamente” (BRASIL, 1977). Há jurisprudência do ano de 2004 em que adolescente, juntamente com adultos, foi preso sob fundamento de “o ingresso...no Brasil ocorreu de forma irregular e, ainda, que eles não possuem documento algum e nem falam a língua nacional” (BRASIL, 2004).

A excepcionalidade da prisão após 1988 exige das autoridades administrativas da Polícia Federal que fundamentem minuciosamente em representação ao Judiciário os motivos da necessidade da prisão cautelar administrativa para fins de deportação e dos juízes a demonstração, em decisão fundamentada, da efetiva inafastabilidade do Mandado de Prisão.

O argumento de entrada ou estada irregular do país, tão somente, não é válido para decretação de prisão de estrangeiro. Para a entrada ou estada irregular no Brasil a conseqüência jurídica já é a deportação.

Em sopesando o direito à liberdade do estrangeiro, não obstante irregular no país, e a higidez coletiva, o magistrado só deve decretar prisão administrativa para fins de deportação caso a manutenção da liberdade seja efetivo risco à sociedade. Cabe ao poder executivo – Polícia Federal – através da Autoridade Policial, que é o Delegado de Polícia Federal, representar junto à Justiça Federal pela prisão do estrangeiro, expondo as razões fáticas e a fundamentação jurídica que a justifique.

A entrada ou a estada irregular de estrangeiro no Brasil não configuram condutas criminosas e tão só por estes motivos não se pode prender um estrangeiro no Brasil para deportação. A medida aplicável para entrada ou a estada irregular de estrangeiro no Brasil é unicamente a deportação, que consiste na retirada compulsória do estrangeiro do Brasil.

Nada obstante as premissas expostas, a competência para decretar a prisão administrativa de estrangeiro para fins de deportação não é de um juízo federal de vara federal cível, mas de um juiz de vara federal criminal, ao menos assim tem sido a práxis judicial nos termos da interpretação da legislação por parte dos tribunais pátrios.

A jurisprudência nacional está sedimentada nesses termos:

PROCESSUAL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. APRECIAÇÃO DE PEDIDO DE LIBERDADE VIGIADA. PROCEDIMENTO DE DEPORTAÇÃO DE ESTRANGEIRO. COMPETÊNCIA DO JUÍZO CRIMINAL. 1. A jurisdição cível é competente para decretar prisão em duas circunstâncias expressamente autorizadas pela Constituição Federal (art. 5º, inciso LXVII), quais sejam, do devedor de pensão alimentícia e do depositário infiel. 2. Sendo a decretação de prisão de estrangeiro, para fins de deportação, da competência do juízo federal criminal, ainda que não tenha natureza estritamente penal, é razoável que também o pedido de concessão de liberdade vigiada seja abrangido por essa competência, visto que inserido no mesmo procedimento de deportação de estrangeiro, tratar-se de restrição de liberdade, e possuir idêntica natureza. 3. Conflito conhecido e julgado procedente, declarada a competência do juízo suscitado.  (BRASIL, 2009)

A lei 6.815/80 prevê outra medida menos gravosa que a prisão, consistente na liberdade vigiada, que será aplicada nas hipóteses previstas em lei, com a ressalva que as condições impostas devem sempre ser determinadas por autoridade judiciária, não pelo Ministro da Justiça, em consonância com a ordem constitucional estabelecida em 1988.

 “Art. 73. O estrangeiro, cuja prisão não se torne necessária, ou que tenha o prazo desta vencido, permanecerá em liberdade vigiada, em lugar designado pelo Ministério da Justiça, e guardará as normas de comportamento que lhe forem estabelecidas.” (BRASIL, 1980)      

A prisão para deportação é caracterizada como prisão administrativa, nada obstante sua necessidade ser analisada por juízo federal criminal. Em essência, tal prisão não decorre dos requisitos de prisão preventiva e/ou prisão temporária previstas em lei de cunho penal. A prisão é cautelar administrativa, não visa a aplicação ulterior de medida prevista em lei penal, mas aplicação de medida administrativa de deportação. ACCIOLY entende de forma distinta, quando afirma que “tal prisão se dá por ordem de juiz federal, não se admitindo mais a antiga prisão administrativa, no regime anterior à Constituição de 1988” (ACCIOLY, 2012, p. 546).

A prisão para deportação também não é cível, pois no Brasil só é permitida prisão civil para o devedor de obrigação alimentícia, consoante art. 5º LXVII da Constituição Federal e jurisprudência do STF que tem como paradigma a Convenção Americana de Direitos Humanos. A decisão do Supremo Tribunal Federal que assenta, a contrario sensu, a prisão cível tão somente ao devedor de alimentos, restou inscrita na súmula vinculante nº 25: “é ilícita a prisão civil do depositário infiel, qualquer que seja a modalidade de depósito”.

A prisão para deportação não é prisão civil e também não é prisão penal, pois seu fundamento não é a prática de quaisquer crimes nem mesmo para resguardar aplicação de quaisquer leis penais. A prisão é administrativa, pois é decretada pela Justiça Federal, após representação do delegado de Polícia Federal, para garantir a aplicação da medida administrativa de deportação, executada pela Polícia Federal,

Em consulta à jurisprudência, podemos aferir decretação de prisão administrativa para fins de deportação com lastro no “comportamento violento” do estrangeiro (BRASIL, 2005) ou ainda em face de estrangeiro “sem paradeiro certo e emprego, que se recusou a retirar-se do país voluntariamente” (BRASIL, 1998).            

Destaque-se que na jurisprudência citada, o “comportamento violento” ou o “sem paradeiro certo e emprego” é fato indiferente ao direito penal, pois não se vislumbra tal prática como crime.

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Recente jurisprudência do ano de 2014 aponta plena vigência da prisão administrativa para deportação, delineando suas circunstâncias:

“A natureza dessa espécie de prisão não destoa daquela hipótese existente no art. 312 do Código de Processo Penal, de prisão para asseguração da aplicação da lei penal. A diferença reside tão somente nos procedimentos em que cada uma das prisões cautelares está prevista: enquanto a prisão preventiva volta-se a resguardar a aplicação da lei no âmbito do processo penal, a prisão administrativa da Lei 6.815/80 procura garantir a aplicação da lei no procedimento de deportação.

Em todo caso, a Constituição Federal, guardiã dos direitos e garantias fundamentais do cidadão, afastou a patente arbitrariedade contida no dispositivo supracitado, assim como no art. 69 da Lei 6.815/80, substituindo o juízo político então existente pelo julgamento judicial, adstrito às exigências previstas em lei.”

(BRASIL, 2014)

Ou há fato jurídico criminoso praticado pelo estrangeiro, que culmina na sua prisão em flagrante ou em outras medidas penais cautelares diferentes da prisão e ulterior condenação pela prática que viola bem penalmente protegido; ou há fato que não viola bem jurídico penalmente tutelado.         

Em uma ordem constitucional que determina direitos iguais aos nacionais e estrangeiros, há de se questionar a prisão para fins de deportação, quando ela é decretada com lastro em fundamentação genérica, sem que haja ato específico imputado ao deportando. Sopesando-se os direitos humanos e a higidez coletiva, a medida extrema de prisão só deve ser decretada quanto efetivamente necessária ao resguardo da coletividade. Neste caso, o risco social da liberdade do estrangeiro deve suplantar seu direito à liberdade, no sopesamento de princípios analisados pelo Estado-juiz.

Não se pode imputar apenas ao Poder Judiciário a omissão de fatos concretos que justifiquem a prisão de estrangeiro para fim de deportação, ou seja, pela prisão fundamentada em argumentos genéricos e díspares de atos perpetrados pelo estrangeiro que causem efetivo risco social.

O Poder Judiciário age apenas sob provocação. A representação fundamentada para prisão para fins de deportação advém do poder executivo, especificamente em representação subscrita por delegado de Polícia Federal, no bojo de procedimento administrativo de deportação. O interesse na aplicação da medida extrema de retirada compulsória de estrangeiro do Brasil é da Polícia Federal, atuando como polícia de imigração brasileira.

O Delegado de Polícia é titular de cargo que tem como requisito formação jurídica, com ratificação pela recente lei 12.830/13. Diante de tal requisito, deve convencer o Juiz Federal em representação fundamentada com lastro probatório suficiente para decretação da medida excepcional de prisão, mormente porque não há medida mais gravosa decretada pelo Estado brasileiro, através do Poder Judiciário.

A decisão advém do poder judiciário, mas a provocação do poder executivo, através de representação do delegado de polícia, deve demonstrar inequivocamente a excepcionalidade que justifique a segregação do estrangeiro para fins de deportação.

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Sobre o autor
Alan Robson Alexandrino Ramos

Doutor em Ciências Ambientais. Mestre em Sociedade e Fronteiras. Especialista em Segurança Pública e Cidadania, todos pela Universidade Federal de Roraima. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará e Bacharel em Filosofia pela Unisul. Delegado de Polícia Federal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAMOS, Alan Robson Alexandrino. A prisão para deportação no Brasil: cotejo com as normas da Convenção Americana de Direitos Humanos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4850, 11 out. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/45187. Acesso em: 25 nov. 2024.

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