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O contrato de factoring e os crimes de colarinho branco

11/12/2015 às 15:12
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O artigo discute a natureza jurídica desse tipo de contrato comercial, ressaltando algumas peculiaridades em relação a outros institutos.

De início, necessário investigar  a natureza jurídica do contrato de factoring, à luz do contexto em que se insere como contrato atípico.

Factoring não se confunde com instituição financeira, sendo vedada à empresa de Factoring a prática de qualquer operação com as características privativas das instituições financeiras autorizadas a funcionar pelo Banco Central.

A Lei nº 8.981/95, que alterou a legislação tributária federal, conceitua Factoring como a prestação cumulativa e contínua de serviços de assessoria creditícia, mercadológica, gestão de crédito, seleção e riscos, administração de contas a pagar e a receber, compras de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de prestação de serviço (artigo 28, § 1º, alínea ¨c¨).

Dir-se-á que FACTORING é a prestação de serviços, em base contínua, os mais variados e abrangentes, conjugada com a aquisição ¨pro soluto¨ de créditos de empresas resultantes de suas vendas mercantis ou de prestação de serviços, realizados a prazo. Tal a definição dada na Convenção Diplomática de Ottawa, Canadá, realizada em maio de 1988, da qual o Brasil foi uma das 53 Nações Signatárias.

Trago aqui a lição de Arnaldo Rizzardo (Factoring, pág. 107), no sentido de que empresas travestidas de factoring, que marcam a realização de operações que envolvam adiantamentos ou antecipações (financiamentos), descontos de duplicatas ou a prática de operações privativas de Instituições Financeiras, à luz da Lei nº 4.595/64 e da Lei nº 7.492/86, estão sujeitas à penalização por parte do Banco Central, que deverá adotar sanções, uma vez que nada têm a ver com FACTORING.

O entendimento é de que o FACTORING se distancia da instituição financeira ou bancária justamente porque seus negócios não se abrigam no direito de regresso e nem na garantia representada por aval ou endosso.

Trago, nessa linha, decisão do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do RHC 6.394/RS, onde se disse:

¨“EMENTA: RECURSO DE HABEAS CORPUS. EXAME APROFUNDADO DE PROVAS. CRIME. APELAÇÕES PRIVATIVAS DE INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. FACTORING. RECURSO IMPROVIDO.

1. O empréstimo e o desconto de títulos, a teor do art. 17, da Lei nº 4.595, de 1964, são operações típicas, privativas das instituições financeiras, dependendo sua prática de autorização governamental.

2. O “factoring” distancia-se da instituição financeira justamente porque seus negócios não se abrigam no direito de regresso e nem na garantia representada pelo aval ou endosso.

3. Nestas circunstâncias, imprópria e inadequada a via do habeas corpus para o pretendido debate acerca da atipicidade do fato, de modo a extremar as operações de “factoring” daquelas próprias das instituições financeiras, ou da ausência do elemento subjetivo.

4. Recurso ordinário improvido.” (STJ, RHC nº 6394 – RS, Relator Ministro Fernando Gonçalves,  DJ 30.06.97)

Sendo a operação de factoring de natureza comercial e sujeita à sanção se praticada por estabelecimentos bancários, sem a autorização do Banco Central, está-se diante de contrato comercial atípico, praticado entre empresas comerciais que, nessa cessão de crédito, não têm direito de regresso contra o cedente. É um contrato por meio do qual um comerciante cede a outrem os créditos correspondentes às suas atividades, total ou parcialmente, recebendo, em contrapartida, remuneração consistente em desconto sobre os respectivos valores.

Ainda faço menção ao julgamento no RHC nº 6.394/RS, DJ de 30 de junho de 1997, acima transcrito, onde se disse que ¨se a operação de factoring é de natureza comercial e, como se vê, até sujeita à sanção se praticada por estabelecimentos bancários sem autorização do BACEN, é porque se trata de contrato comercial, atípico, praticado entre empresas comerciais que, nessa cessão de crédito, não tem direito de regresso contra o cedente. É um contrato mediante o qual um comerciante cede a outrem os créditos correspondentes às suas atividades, total ou parcialmente, recebendo, em contrapartida, remuneração consistente em desconto sobre os respectivos valores. ¨.

Em verdade, a operação de factoring está diretamente relacionada à compra de títulos para cobrança. Dá-se uma transferência do título emitido pela vendedora para empresa de Factoring, pagando esta o valor do titulo, descontada uma certa quantia, que é a remuneração pela transação. É a lição de Carlos Alberto Bittar (Contratos Comerciais, Forense, Universitária, 1990, pág. 192), no sentido de que faturização é, pois, o ajuste por meio do qual um comerciante cede a outrem os créditos correspondentes às suas atividades, total ou parcialmente, recebendo em contrapartida, remuneração consistente em desconto sobre os respectivos valores, com os juros respectivos. É uma alienação ou venda de faturamento.

Não se desconhece, e isso nos alerta o Ministro Carlos Alberto Direito, em voto vista no Recurso Especial nº 119.705/RS, que em estudo de 1986, Newton de Lucca (Faturização no direito brasileiro, RT, pág. 19 e seguintes), à luz da Circular nº 703, de 16 de junho de 1982, do Banco Central do Brasil, considerou que o factoring estaria enquadrado dentre as atividades próprias das instituições financeiras, reconhecendo embora que o denominado maturity factoring, estaria inteiramente à margem das operações próprias do Sistema Financeiro Nacional. Nesta modalidade, o factoring exclui a atividade de financiamento, subsistindo, entretanto, tanto a gestão e cobrança de faturas, como a garantia dos pagamentos nas datas de seus vencimentos, deixando a empresa faturizadora, aqui, de antecipar os valores a seu cliente, mas não assume o risco do inadimplemento por parte dos terceiros devedores. Na modalidade de conventional factoring, forma tradicional de operações de faturização, é  oferecida ao faturizado a mais variada gama de serviços e contratos, compreendendo: aquisição à vista de créditos com renúncia ao direito de regresso, gestão de tais créditos, notificação da cessão ao devedor etc. Tal se diz que, uma vez havendo operação de desconto, estaria claramente configurada a natureza de instituição financeira.

Fico com a bem traçada lição de Fran Martins (Contratos e obrigações comerciais, Forense, 9ª edição, pág. 559 e seguintes), onde argumenta que as empresas de faturização se distinguem das instituições financeiras porque estas não realizam operações de risco.

Factoring e desconto bancário são instituições diversas.

O desconto bancário é um contrato pelo qual o banco antecipa ao interessado, geralmente uma empresa comercial, o valor correspondente de títulos de crédito à vencer, mediante prévio abatimento de sua remuneração.

Para Orlando Gomes (Contratos, 2000, pág. 330), “desconto é o contrato por via do qual o banco, deduzindo antecipadamente juros e despesas da operação, empresta à outra parte certa soma em dinheiro, correspondente, de regra, a crédito deste, para com terceiro, ainda não exigível”.

Ensina Fran Martins (Contratos e obrigações comerciais, 2002, pág. 437) que desconto bancário é “ o contrato pelo qual uma pessoa recebe do banco determinada importância, para isso transferindo ao mesmo um título de crédito de terceiro. Diverge, assim, o desconto do empréstimo propriamente dito, porque neste o banco pode exigir do mutuário um titulo de crédito por ele emitido, enquanto que no desconto os títulos transferidos ao banco são de emissão de pessoas outras que não aquela que vai fazer o desconto.”.

O factoring oferece ao seu consumidor todas as vantagens do desconto e mais a da assunção do risco, portanto, o factoring é um produto mais caro que o desconto bancário. Isso nos ensina Gonçalo Ivens Ferraz da Cunha (Revista de Direito Mercantil, n. 73, pág. 114 e seguintes).

Discute-se a operação de factoring diante da agiotagem.

O factoring não faz empréstimo. A instituição que pratica o factoring, dentro da lei, não é instituição financeira.

O factoring como contrato inominado é indispensável ao fomento mercantil.

Daí a distinção com relação a agiotagem.

Agiotagem é a especulação fundada nos empréstimos de dinheiro a juros extorsivos. Seu principal objetivo é obter lucros excessivos. Emprestar dinheiro, mediante cobrança de juros, sem o aval do Banco Central, é prática criminosa prevista na legislação pátria. Agiotagem é crime e deve ser denunciada. O agiota profissional é perigoso. É um lobo em pele de cordeiro. Pode ser pessoa jurídica, sob fachada de factoring, mas não se confunde com este instituto, que visa ao fomento mercantil, ajudando às pequenas e médias empresas como explicou Paulo Gustavo Bastos de Souza (Factoring, agiotagem e direito de regresso).

Não se pode esquecer também que as factorings não podem cobrar juros superiores ao limite da Lei da Usura (12% ao ano) enquanto não se considerarem instituições financeiras. Já os agiotas, frequentemente incorrem em crime de usura, extorquindo a tudo e a todos.

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Enfim, é considerado agiota aquele que emprestar dinheiro, estipulando ou cobrando juros, comissões ou correção monetária acima do índice oficial (IGP, IPC são índices aceitáveis para correção monetária e 0,5% e 1,0% são juros legais permitidos). Portanto, não há que se falar em agiotagem na prática de factoring, pela singela razão que factoring não faz empréstimo, apenas presta serviços, compra créditos e antecipa recursos não-financeiros (estoque, insumo e matéria-prima).

Lembre-se que o crime de usura é de competência da Justiça Estadual por ser um crime contra a economia popular.

Caso haja uso de factoring para fazer operar instituição financeira, de forma ilegal, estar-se-á diante do tipo penal do artigo 16 da Lei 7.492/86.

Art. 16. Fazer operar, sem a devida autorização, ou com autorização obtida mediante declaração (Vetado) falsa, instituição financeira, inclusive de distribuição de valores mobiliários ou de câmbio:

Pena - Reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Cumpre privativamente ao Banco Central do Brasil conceder autorização às instituições financeiras a fim de que possam funcionar no País, instalar ou transferir suas sedes ou dependências, inclusive no exterior, a teor do artigo 10, X, da Lei 4.595/64.

A boa ordem do Sistema Financeiro Nacional não pode tolerar o  funcionamento de instituições financeiras, no País, instaladas sem a devida autorização ou com autorização viciada.

O que é instituição financeira? É toda pessoa jurídica ou física que tenha por “atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira e a custódia de valor de propriedade de terceiros", como se lê do artigo 17 da Lei 4.595/64.

A instituição financeira se caracteriza pela exploração do dinheiro como mercadoria, por meio de especulação no mercado financeiro.

Há vezes em que uma instituição que se veste publicamente sob a forma de factoring, na verdade opera, de forma fraudulenta, como instituição financeira.

Fazer operar, como explicaram Paulo José da Costa Jr, M. Elisabeth Queijo e Charles M. Machado (Crimes do colarinho do colarinho branco, São Paulo, 2000, pág. 114), implica uma atuação da pessoa jurídica ou física, não autorizada ou com declaração falsa, no mercado como comerciante paralelo de dinheiro, com o fim de lucro e com um mínimo de habitualidade.

A operação bancária iria compreender, seja a comercialização de títulos e de valores mobiliários, de câmbio, a capitalização ou qualquer outro tipo de poupança.

O crime haverá de ser doloso. O dolo será específico que consistirá no especial fim do agente de obter lucro, na conduta de fazer operar instituição financeira não autorizada ou com autorização viciada por falsidade.

Esse crime não se consuma com uma única operação isolada. É crime habitual, que admite tentativa.

A competência para julgar esse crime previsto no artigo 16 da Lei 7.492/86 é da Justiça Comum Federal (artigo 26 da Lei 7.492/86).

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. O contrato de factoring e os crimes de colarinho branco. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4545, 11 dez. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/45199. Acesso em: 19 abr. 2024.

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