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A Justiça e o Direito da Índia

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13/12/2003 às 00:00

Resumo:

- A Índia é um país marcado pela coexistência entre o Direito religioso (como o hinduísmo) e o Direito estatal, resultando em uma peculiaridade jurídica.
- A história da Índia é marcada por influências de diversas culturas e religiões, como o hinduísmo, budismo, islamismo e cristianismo, refletindo em uma sociedade diversificada.
- A Índia é o segundo país mais populoso do mundo, com uma economia agrícola forte e em crescimento, liderando a produção de softwares e destacando-se na produção científica.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

6 – A JUSTIÇA HINDU

CHRÉTIEN-VERNICOS (Internet) fala sobre a Justiça nas castas (e subcastas) de forma extremamente clara:

Em cada localidade, cada casta tem seus próprios costumes, seu próprio Tribunal, o panchayat, ou assembléia local. Essa assembléia resolve todas as dificuldades internas da casta, apoiando-se sobre a opinião da castas toda da localidade; julga conforme o dharma adaptado às necessidades locais da casta; intervém em todas as matérias religiosas e também jurídicas, aplicando sanções, que podem ir do desprezo até a exclusão da casta.

ANNOUSSAMY (2001:11) também é claro no sentido de que:

...praticamente cada casta tem seu costume.

Tentar adentrar aspectos processuais fica muito difícil, pois, como visto na exposição da ilustrada autora sobre o Direito hindu, os costumes locais de cada casta (ou subcasca) prevalecem sobre o próprio Dharma (que são regras mais genéricas).


7 - OS ADVOGADOS

A classe dos advogados [12] é muito prestigiosa, sendo que nela são recrutados os juízes e notários, não havendo Ministério Público.

GANDHI (1998:37-38) fala da sua advocacia:

Compreendi que a verdadeira função de um advogado é unir partes desunidas. A lição ficou tão indelevelmente impressa em mim, que ocupei grande parte dos meus vinte anos de prática advocatícia promovendo compromissos particulares de centenas de casos. Nada perdi com isso - nem mesmo dinheiro, e com toda a certeza, não minha alma.

Mais adiante (pp. 59-61) diz:

Nunca apelei à mentira em minha profissão, e dedicava grande parte da minha atividade advocatícia ao serviço público, cobrando apenas as despesas de custo, quando eu mesmo não as pagava... No tempo de estudante, eu ouvia dizer que advocacia era profissão de mentiroso. Mas essa idéia não me influenciou, uma vez que eu não tinha intenção de ficar famoso nem de ganhar dinheiro com a mentira... Meus princípios foram postos à prova muitas vezes na África do Sul. Eu sabia que em geral meus adversários orientavam suas testemunhas. Assim, bastava-me incentivar o meu cliente ou suas testemunhas a mentir para termos ganho de causa, mas sempre resisti a essa tentação. Lembro-me apenas de uma ocasião, quando, depois de ganhar um caso, suspeitei que meu cliente havia me enganado. No meu íntimo, eu sempre queria vencer e só queria vencer se a causa do meu cliente fosse justa. Ao fixar o preço, não lembro de tê-lo condicionado uma vez sequer ao ganho da causa. Quer meu cliente vencesse ou fosse derrotado, eu não esperava nem mais nem menos do que me era devido.

A todo cliente novo eu alertava já no início que não assumiria um caso falso nem que instruiria as testemunhas; com isso, criei uma reputação tal, que ninguém se apresentava com um caso falso. Tanto assim que alguns clientes meus encaminhavam suas causas limpas para mim e as duvidosas para outros escritórios de advocacia.

Durante meu trabalho profissional, também era hábito meu nunca ocultar minha ignorância aos clientes ou aos colegas. Quando estava confuso, recomendava ao cliente que consultasse outro advogado. Essa franqueza me granjeou uma afeição e confiança ilimitadas de meus clientes. Eles se dispunham a pagar a taxa sempre que se fizesse necessária uma consulta a um advogado mais experiente. Esse afeto e confiança me foram de grande utilidade em minha atividade pública.

Em http://www.cesa.org.br/Valor%202.9.02%20Liberaliza%E7%E3o.doc lê-se:

Segunda-feira, 2 de setembro de 2002, Ano 3, Nº 585

Legislação & Tributos - Mercado

Mais de oito mil advogados indianos saíram às ruas para protestar contra abertura

Liberalização de serviços jurídicos é tema polêmico em vários países

Daniela CHRISTÓVÃO, São Paulo

A discussão sobre a atuação de escritórios estrangeiros em território nacional não ocorre somente no Brasil. A questão é invocada em vários países e a liberação da atuação dos consultores já surtiu efeitos em mercados como o da França e Índia. Sendo o advogado um profissional essencial à administração da Justiça, uma série de regras - muitas delas constitucionais (como ocorre no Brasil) - deve ser observada para a atuação no mercado, sob pena de exercício ilegal da profissão.

São poucos os países que não exigem do advogado um exame de admissão em um órgão regulador da profissão. Mas, por outro lado, é inexorável a queda de barreiras na prestação de serviços em uma economia globalizada, principalmente após as negociações que resultarão no Acordo Geral sobre Serviços Relacionados ao Comércio - mais conhecido por sua sigla em inglês GATS.

O exemplo mais radical de não aceitação de advogados estrangeiros atuando localmente é o da Índia, que, assim como a Inglaterra e os Estados Unidos, tem o seu sistema jurídico construído sob a tradição da commom law. Em 24 de abril de 2000, mais de oito mil advogados indianos saíram em passeata pelas ruas de Nova Delhi em protesto contra uma proposta da Comissão de Direito da Índia que introduzia o regime de consultor em Direito estrangeiro no país.

Assim como no Brasil, cresce na Índia a pressão de outras nações para que o país assuma compromissos referentes ao setor jurídico durante as negociações do GATS. Atualmente, advogados e governo indianos estão estudando maneiras de assegurar que os profissionais locais tenham uma perspectiva real de atuação global antes de se assumir o acesso de escritórios de advocacia estrangeiros ao mercado indiano. A multidisciplinariedade também é proibida pela Ordem dos Advogados da Índia.


8 - O ENSINO JURÍDICO

BONNAN, através da Internet [13] [14], respondendo à indagação do autor desta monografia, esclarece:

Existem Escolas de Direito (Law College) em todas as grandes cidades que têm universidades, Escolas essas que são mais ou menos independentes das universidades, inclusive em Pondichéry, e que têm um curso até o nivel de PhD. Sua reputação varia de uma para outra, sendo a de Bangalore a mais conceituada. Formam-se nessas escolas sobretudo advogados. O ensino versa sobretudo sobre a common law, mas também sobre o Direito Internacional.

ANNOUSSAMY (2001:25) fala da enorme quantidade de revistas jurídicas de iniciativa privada versando sobre a jurisprudência das 22 Cortes Superiores estaduais além da Suprema Corte, esclarecendo (p. 26) que os estudos doutrinários são insuficientes.


9 – OS JURISTAS MAIS IMPORTANTES

9.1 - BHIM RAO AMBEDKAR (1891-1956)

JAFFRELOT (2000:19-23) resume a biografia de Ambedkar (primeiro líder "intocável" que a Índia conheceu) assim:

Bhim Rao Ambedkar nasceu em 14 de abril de 1891 em Mhow, uma cidade com guarnição militar próxima de Indora - a capital de um principado de mesmo nome que será incorporado à província de Madhya Bharat (no atual Madhya Pradesh) após a independência. Sua família vinha todavia de Maharashtra como numerosos habitantes do Estado de Indora cuja dinastia era de casta maratha, casta dominante em Maharashtra. Sua terra natal, em Konkan (a costa da região marata), chamava-se Ambavade e o verdadeiro nome de Ambedkar, Amabavadekar, vem daí. Mudou-o para Ambedkar em 1900 quando seu professor brâmane, impressionado por sua qualidades infantis, decidiu dar a ele seu sobrenome.

Ambedkar foi assim durante bastante tempo preservado das discriminações que afligiam os "intocáveis" pelo fato das condições peculiares da vida na guarnição militar onde seu pai trabalhava, soldado do Exército da Índia britânica. Pouco a pouco, no entanto, conheceu a realidade. Criança, espantava-se quando algum barbeiro se recusava a cortar-lhe os cabelos. Sobretudo, sofreu uma humilhação que não esqueceu jamais, um dia em que se preparava para, com seu irmão e sua irmã, receber o pai. Chegando ao destino, as três crianças foram interrogados pelo chefe da estação que, verificando sua casta, "recuou cinco passos"; quanto aos condutores de "tonga" (charrete a cavalo), nenhum deles se dispôs a levá-los ao vilarejo de seu pai. Um deles aceitou que eles fossem com a condição de eles mesmos conduzirem o veículo. Por ocasião de uma parada, o animal alimentou-se num albergue, enquanto que as crianças, obrigadas a permanecer do lado de fora, ficaram reduzidas a beber a água suja de um riacho. A tomada de consciência de Ambedkar é então mais radical porque ele é dotado de uma viva inteligência.

Em 1907, essas qualidades intelectuais lhe permitem conseguir sua matrícula (equivalente ao "baccalauréat" francês) na Elphinstone High School (equivalente ao liceu francês) de Bombaim onde seu pai veio a se instalar. Inscreveu-se em seguida na universidade, no prestigioso Elphinstone College, graças a uma bolsa, e aí se gradua como "Bachelor of Arts" (B. A.), equivalente à licenciatura francesa, em 1912. Obtém então uma bolda de estudos nos estados Unidos, chance que nenhum homem de sua condição jamais tinha conseguido. Faz um mestrado e depois parte em 1916 para Londres, onde é admitido em Gray Inn para estudar Direito e na "London School os Economics" para prosseguir seus estudos de Economia. Deve totavia retornar à Índia - onde chega em agosto de 1917 - porque sua bolsa tinha expirado.

O sucesso que conheceu nos seus estudos o destacou frente aos britânicos, que viam nele um representante do poder dos "intocáveis". Foi inquirido em 1919 pelo Southborough Committee que o governo britânico suspendeu das funções para revcisar os critérios do censo eleitoral e permitir assim a um número maior de indianos votar para renovação das assembléias políticas das províncias e de Nova Delhi. [...] Ambedkar propôs a criação de um eleitorado separado e de vagas reservadas para os "intocáveis".

Em 1920, lança um novo jornal, o Mook Nayak (o líder dos sem-voz) com o apoio financeiro do marajá de Kolhapur, Shahu Maharaj, que não é outro senão o descendente de Shivaji. Não hesita todavia a retomar seus estudos tão logo esse príncipe lhe fornece o apoio financeiro necessário para retornar à inglaterra. Em Londres, obtém o título de "master of science" em 1921, depois, no ano seguinte, apresenta sua tese intitulada "The Problem os the Rupee".

Instala-se em seguida em Bombaim como advogado, mas sua situação de "intocável" afasta os clientes. Profundamente magoado, decide consagrar o esssencial do seu tempo a lutar contra o sistema de castas. É assim que cria, em julho de 1924, a "Bahishikt Hitakarini Sabba" (Associação das Vítimas do Ostracismo) que ele incentivará até 1928. No ano anterior é nomeado para o Conselho Legislativo da presidência de Bombaim pelos britânicos. Ambedkar se esforça, nessa época, para obter o acesso dos "intocáveis" aos poços de água (esse será o objetivo da mnobilização de Mahad, na costa de Konkan, em 1927) [...]

Ambedkar cria seu primeiro partido político em 1936, o "Independent Labour Party", com vistas às eleições de 1937. [...] O IPL apresenta candidatos apenas para a PresiD~encia de Bombaim, onde alcança um grande sucesso, sendo Ambedkar eleito junto com outros nove companheiros de partido. [...] Ambedkar entra para "Defense Advisory Committee" em 1941 antes de ser nomeado Ministro do Trabalho em 1942.

Ambedkar combina essa atividade ministerial com o relançamento de sua estratégia partidária ao fundar um novo partido em 1942, a "Scheduled Castes Federation". [...] Jawaharlal Nehru o nomeia Ministro da Justiça no seu governo em 3 de agosto de 1947. Em 29 de agosto é encarregado de presidir a comissão encarregada da redação da Constituição (o "Drafting Committee") que absorve o essencial de suas energias de 1947 a 1950.

Se a Constituição traça então os quadros propícios à reforma social, notadamente abolindo a "intocabilidade" e proibindo toda discriminação baseada nas castas, a raça e o sexo, Ambedkar quer atacar os males da sociedade indiana de forma mais concreta. Assim ele lança, desde janeiro de 1950, uma campanha para a revisão do "Hindu Code Bill".

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9.2 - P. N. BHAGWATI

No endereço http://reseauvoltaire.net/article8086.html encontra-se um resumido curriculum do importante jurista indiano.

O juiz P.N. Bhagwati era o mais jovem juiz da história da Índia quando foi nomeado juiz-chefe da Alta Corte do Estado de Gujaratm, depois, posteriormente, juiz-chefe da suprema Corte da Índia. Conservou o cargo de juiz-chefe da Suprema Corte da Índia até sua aposentadoria, em 1986.

Desde sua aposentadoria, ele se dedica muito decididamente a promover a justiça social na Índia e através do mundo. Atuou como perito-conselheiro junto aos governos do Nepal, da Mongólia e do Camboja para elaboração de suas Constituições. Contribui igualmente para a justiça social por intermédio do Commonwealth, da ONU, da Organização Internacional do trabalho (OIT) e do PNUD.

Na ONU, foi presidente do Congresso Mundial dos Direitos Humanos, membro da Comissão dos Direitos Humanos, do Comité de Peritos sobre a aplicação das Convenções da OIT e da Corte Permanente de Arbitragem em Haia bem como presidente do Conselho Consultivo da CIJ em Genebra. Bhagwati igualmente assegurou a presidência do Grupo de eminentes personalidades encarregadas pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os refugiados de estudar as questões relativas aos refugiados.

Em http://www.ajuris.org.br/fmundialj/preview/artigo26.html lê-se sobre Bhagwati:

[...] ex-presidente da Corte Suprema da Índia e atual presidente do Conselho de Direitos Humanos da ONU, Dr. Bhagwati. Sob a liderança do mesmo, desenvolveu-se significativa jurisprudência de Direitos Humanos, em seu país, a partir das decisões em ações civis públicas que beneficiaram grandes setores de excluídos. Destaca-se o conferencista também na área de direitos das mulheres, tendo sido o principal apoiador de três oficinas judiciais para mulheres-juízas e que tratavam da aplicação das normas do Direito internacional dos Direitos Humanos das mulheres, no âmbito doméstico. Presidiu, por outro lado, o Tribunal Popular de Violência contra as Mulheres, durante o Congresso de Direitos Humanos, na Áustria. Preocupado com o acesso à Justiça, pelas classes desfavorecidas, ampliou a doutrina da legitimidade de ação, perante a Suprema Corte e construiu um programa de assistência legal aos necessitados. Tem sido um defensor da causa dos trabalhadores, a ponto de suas decisões sobre trabalho informal e infantil terem resultado em leis posteriores ou projetos de governo que melhoraram as condições sociais e econômicas daqueles.

9.3 - DAVID ANNOUSSAMY

Nasceu em Pondichéry, Índia, em 21-10-1927, filho de uma família tamul, recebendo educação escolar francesa e educação familiar e social inteiramente tamul.

Conquistou os seguintes títulos universitários: licenciatura em Letras e doutorado em Direito.

Ocupou os seguintes cargos: juiz e professor de Direito.

Realizou a transição do serviço judiciário de Pondichéry do sistema francês para o sistema anglo-indiano.

Publicou numerosos artigos e os seguintes livros: Perspectives démographiques de l’Union Indienne, Le droit indien en marche, French legal system, The language riddle, Judicial training (em colaboração) e Moji kalviyil poudia nôkou (este último em tamul).

Pertence às sociedades científicas: Indian Law Institute, Académie internationale de droit comparé e société de droit comparé de Pondichéry (sendo presidente desta última).

9.4 - HARI SINGH GOUR

ANNOUSSAMY (2001:51) fornece os poucos dados que conseguimos apurar sobre esse importante jurista:

No domínio do estatuto pessoal hindu, a codificação deu um passo adiante. Um jurista indiano, H. S. Gour, tinha preparado e publicado no início do século um projeto de Código de Direito hindu em inglês com 384 artigos descrevendo o Direito hindu em vigor nessa época.

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Sobre o autor
Luiz Guilherme Marques

juiz de Direito em Juiz de Fora (MG)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARQUES, Luiz Guilherme. A Justiça e o Direito da Índia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 164, 13 dez. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4552. Acesso em: 23 dez. 2024.

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