Reflexões sobre o conceito e o regime jurídico das políticas públicas

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[1] BOBBIO defende que a política usualmente tem essa relação com o poder do homem sobre o outro. Em sentido contrário, Hannah ARENDT defende a política no modelo grego, é dizer, ligado a ideia de liberdade e organização do convívio humano. Para a autora a força e a violência foram meios utilizados para proteger o espaço político, mas nada tem haver com a essência da política. Vide: ARENDT, Hannah. O que é política? 3ª ed., Rio de Janeiro: Ed. Bertrand Brasil, 2002, p.03-08;BOBBIO, Norberto. A política. In: O filósofo e a política. Rio de Janeiro: Contraponto, 2003, p.137 -138.

[2] BOBBIO, N., MATEUCCI, N.; PASQUINO, G. Dicionário de Política. 12ª ed. V.2. Brasilía: Editora da UnB, 2002

[3] SECCHI, Leonardo. Políticas Públicas: Conceitos, esquemas de análise e casos práticos. 2ª ed, São Paulo: Cengage Learning, 2014, p.01

[4] Embora nos EUA o tema já seja discutido desde o 2º pós-guerra, no Brasil, como nosso Estado Social ainda está em fase de construção, os estudos sobre as políticas públicas são extremamente recentes. Foi, sobretudo, com a nossa redemocratização pós-88 que o tema das políticas públicas começou a ganhar maior destaque na Administração Pública Brasileira. FARAH, Marta Ferreira Santos. Administração Pública e Políticas Públicas. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, n.45,Maio∕Junho 2011, p.831

[5] A delimitação das fronteiras do tema é complicada, pois o objeto das políticas públicas é heterogêneo, envolvendo atores sociais pertencentes a organizações múltiplas, públicas ou privadas, e que intervém em diversos níveis. BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito Administrativo e Políticas Públicas. São Paulo: Saraiva, 2002, p.251

[6] De fato, exige um conhecimento de Ciência Política, Sociologia, Filosofia, Economia, Direito, dentre outros ramos. Nesse contexto, juristas, administradores, cientistas políticos, filósofos e economistas ainda não conseguiram estabelecer um consenso sobre a conceituação do tema. BUCCI, Maria Dallari, Políticas Públicas: Reflexões sobre o conceito jurídico, São Paulo: Saraiva, 2006, p.47

[7] Grande parte da atuação das políticas públicas é considerada como ato político. Todavia, entendemos que os denominados atos “políticos” são atos administrativos dotados de maior discricionariedade e que fazem parte da atuação da Administração pública latu sensu. A nosso ver, a separação entre atos políticos e atos administrativos não tem fundamentos jurídicos sólidos, mas derivou de uma manobra histórica do Conselho de Estado Francês visando a insindicabilidade dos atos praticados por Napoleão Bonaparte. Para maiores informações, vide: DAVI, 2008, passim

[8] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 25ª ed., São Paulo: Malheiros, 2008, p. 370-372

[9] SECCHI, 2014, p.02

[10] SECCHI, 2014, p.02

[11] SECCHI, p.02-03

[12] SECCHI defende uma abordagem multicêntrica alegando que essa visão permite 1) um enfoque mais interpretativo e menos positivista; 2) evita uma pré-análise da personalidade jurídica de uma organização para saber se ela é pública ou privada e 3) amplia o conceito de política pública privilegiando os Estados contemporâneos em que diversos atores não-estatais enfrentam problemas públicos. Uma parte da doutrina internacional também defende essa visão. Não concordamos, todavia, com essa abordagem pelos motivos expostos a diante.

[13]  Segundo DYE, a legitimidade decorre da positivação estatal dessas políticas públicas no ordenamento jurídico; a universalidade significa que com a atuação do estado, elas devem atingir a toda sociedade ou a todo um grupo de pessoas vulneráveis que mereçam tratamento especial e a coercitividade decorre da possibilidade de sanção estatal em casos de violação das políticas públicas. DYE, Thomas R. Understanding public policy. Boston: Pearson, 2008. p. 12.

[14] De fato, o estudo das políticas públicas (policy science) começou nos EUA com a ascensção do Welfare State, logo após crise de 1929, sobretudo, com a implementação do New Deal.  Vide: BIRKLAND, Thomas A. An introduction to the policy process, 2005, p.33, Disponível em: http://books.google.com.br/books?hl=ptR&lr=&id=FVjfBQAAQBAJ&oi=fnd&pg=PT30&dq=thomas+birkland+an+introduction+to+the+policy+process+pdf&ots=txe09UcvEM&sig=elIuD6TpX-zvuTXDgp-9jWpcvRo#v=twopage&q&f=true. Acessado em 10.05.2015

[15] A nosso ver, SECCHI amplia demais o conceito de política pública. Até mesmo por uma imposição lógica, se tudo for uma política pública, nada ela realmente é.

[16] O próprio Leonardo SECCHI que é a favor da abordagem multicêntrica confessa essa desvantagem. Vide: SECCHI, op.cit, p.10

[17] Isso foi o que ocorreu, por exemplo, com a campanha do Banco Itaú fornecendo bicicletas laranjas com seu slogan para diversos municípios gratuitamente. Nesse caso, essa atividade privada de interesse público foi tão bem sucedida que foi incorporada pela Administração Pública e a partir de então começou a ser implementada como política pública. Em Salvador, por exemplo, a prefeitura incorporou essa ação privada e criou o programa “Salvador Vai de Bike”. Maiores informações, consulte: http://www.salvadorvaidebike.salvador.ba.gov.br/index.php/8-programa/1-o-programa

[18] A expressão é de RUA, Maria das Graças. Analise de Políticas Públicas: conceitos básicos

[19] DUARTE, Clarice Seixas. O Ciclo das políticas públicas. In: O Direito e as políticas públicas no Brasil. Gianpaolo Poggio Smanio; Patrícia Tuma Martins Bertolin, (organizadores). São Paulo: Atlas, 2013, p.18

[20] BUCCI, Maria Paula Dallari (org.), “O conceito de política pública em direito; RUA, Maria das Graças. Analise de Políticas Públicas: conceitos básicos; GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto, COMPARATO, Fábio Konder. Ensaio sobre o juízo de constitucionalidade de políticas públicas. 1997; MASSA-ARZABE, Patrícia Helena. Dimensão jurídica das políticas públicas;  BERCOVICI, Gilberto. Planejamento e políticas públicas: por uma nova compreensão do papel do Estado; FONTE, Felipe de Melo. Políticas Públicas e Direitos Fundamentais: elementos de fundamentação do controle jurisdicional de políticas públicas;  DYE, Thomas R. Understanding public policy.

[21] DYE, Thomas R. Understanding public policy. Boston: Pearson, 2008. p.01

[22] SECCHI, op.cit, p.06

[23] Segundo GATTI, toda política pública está intrinsecamente ligada a uma determinada ação comissiva do poder público. Vide: GATTI, Marcos. Sobre o conceito de Políticas Públicas e suas consequências para a Orientação Profissional. Tese de doutorado, USP, 2011, p.26-30

[24] Höfling, E.M. (2001). Estado e políticas (públicas) sociais. Caderno Cedes, XXI (55): 30 - 41.

[25] Pesquisa realizada em 10-05-2015, buscando-se o termo “políticas públicas” nos julgados nacionais, através do site do “JusBrasil”. A maioria dos julgados pesquisados traziam o entendimento consolidado pelo STF e STJ de que sobre o tema do controle judicial das políticas públicas, ressaltando que seu caráter é excepcional e deve ser aplicado somente nos casos de omissão injustificada ou ineficiência do Estado na concretização de políticas públicas constitucionalizadas e relacionadas aos direitos fundamentais dos cidadãos, pois nesse âmbito não há discricionariedade do administrador.

[26] STF, ARE 727864, PR, Rel. Min. Celso de Mello, j.04-11-2014; STF ARE 820910 CE, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 26-08-2014

[27] STF, RE 581352 AM, Rel. Min. Celso de Mello, j. 29-10-2013; STJ REsp 744592 AM, Rel. Min.Denise Arruda, j. 27-11-2007

[28] STJ, AgRg no AREsp 362882 RN 2013, Rel. Min.Herman Benjamin, j.23-10-2014; STJ REsp 1041197 MS, Rel. Min. Humberto Martins

[29] TJ-SP APL 00116247220108260268, Rel. Des. Torres de Carvalho, j.04-12-2014

[30] STF, ARE 845392 RS, Rel. Min. Roberto Barroso, J. 19-08-2014

[31] TJ-RJ, AI 2008.002.02378, Rel. Des. Siro Darlan De Oliveira, j. 20-5-2008

[32] TJ-RJ, AI 00191573220158190000, Rel. Des. Carlos Eduardo da Rosa F. Passos, j. 27-04-2015

[33] TJ-RJ, AC 2008.001.24905, Rel. Des. Jésse Torres, j. 04-06-2008

[34] TJ-SP AI 0016841222013826000, Rel. Des. Paulo Ayrosa, j. 29-08-2013

[35] TRF-2 AC 200650030001363 RJ, Rel. Des. Fed. Nilzete Lobato Carmo, j. 20-10-2014

[36] STF, ARE 797321 PA, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 19-08-2014

[37] STF ARE 654823 RS, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 12-11-2013

[38] TJ-RS REEX 70064262348, Rel. Des. Marilene Bonzanini, j. 20-04-2015

[39] STF, ARE 745745 MG, Rel. Min. Celso de Mello, j. 02-12-2014

[40] TJ-RN, AI 7882010.000078-8, Des. Aderson Silvino, j.05-10-2010.

[41] TJ-SC, MS 20140019947, Des. Júlio Cesar Knoll, j.05-03-2014

[42] COMPARATO, GRAU, MASSA-ARZABE e BUCCI, v.g, defendem essa ideia, pois entendem que a política pública é um programa de ação que tem a ver com a ideia de atividade, é dizer, um conjunto de atos e normas. Um único ato ou norma não é sozinho uma política pública, mas um elemento desta.

[43] SECCHI, p.09

[44] BUCCI, Maria Dallari. Direito Administrativo e Políticas Públicas,  p. 255 e COMPARATO, Fábio Konder. Op. cit., pp. 44 e 45

[45] Segundo BUCCI, as políticas públicas têm distintos suportes legais. Elas podem ser expressas em disposições constitucionais, ou em leis, ou ainda em normas infra-legais, como decretos, portarias e até mesmo em instrumentos jurídicos de outra natureza, como contratos de concessão de serviço público, por exemplo. BUCCI, O conceito de política pública em Direito. p. 11

[46]FONTE, op.cit, p.31-33

[47] Pelo seu aspecto macroestrutural, a política pública é um conjunto complexo de atos, normas, planos e programas estatais. Essa atividade vai do geral para o particular, é dizer, desde o planejamento pelo Executivo, passando edição da norma, até os atos administrativos mais concretos. FONTE, op.cit, p.49

[48] De acordo com BUCCI, a política pública resulta da comunhão de diversos processos jurídicos: processo eleitoral, processo de planejamento, processo de governo, processo orçamentário, processo legislativo, processo administrativo e processo judicial. Essa ideia é mais desenvolvida no trabalho mais recente da autora:  BUCCI, Maria Paula Dallari. Fundamentos para uma Teoria Jurídica das Políticas Pública. São Paulo: Saraiva, 2013, passim.

[49] BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito Administrativo e Políticas Públicas. São Paulo: Saraiva, 2006, p.241

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[50] Adotamos o entendimento de JUSTEN FILHO de que o interesse público não representa necessariamente o interesse do Estado, do seu aparato administrativo, da maioria ou totalidade da população ou da sociedade como um todo. Esses são apenas aspectos quantitativos. Entendemos que o interesse público deve ser caracterizado qualitativamente em cada caso concreto e vinculado ao respeito dos direitos fundamentais e sobretudo, da dignidade da pessoa humana. Vide: JUSTEN FILHO, Conceito de Interesse Público e a “Personalização” do Direito Administrativo. Conceito de Interesse Público e a “Personalização” do Direito Administrativo. Revista Trimestral de Direito Público, São Paulo, n.26, 1999, p.115-136

[51] MASSA-ARZABE, op.cit,  p.63

[52]   SOUZA, Wilson Alves, op. Cit. p 100-101; 234-237

[53]   NINO, Carlos Santiago. La Constitución de la Democracia Deliberativa. Barcelona: Gedisa, 1999. p. 94-95.

[54] DAVI, Kaline. 2008, p.106

[55] BUCCI, Direito Administrativo e Políticas Públicas, p.270

[56] Cf. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p.44

[57] Cf. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, p.34

[58] JUSTEN FILHO, op.cit, p.01

[59] Segundo JUSTEN FILHO, o Direito Administrativo rege tanto a atividade omissa (proteção dos direitos individuais) quanto comissiva do Estado (concretização dos interesses coletivos e valores humanos). Vide: JUSTEN FILHO, op.cit,p.01-03

[60] DAVI, 2008, p.106

[61] Cf. OTERO, Paulo. Legalidade e Administração Pública..., p.29-30.

[62] Cf. COMPARATO, Fábio Konder. Ensaio sobre o juízo de constitucionalidade de políticas públicas, p.49

[63] BUCCI, op.cit, p.270-272

[64] GEURTS, Thei. Public Policy Making: The 21st century perspective. Ed. Be informed, p.06-10

[65] O projeto de Lei está disponível no site da Câmara Municipal de Salvador: http://www.cms.ba.gov.br/upload/Mens_5_15_-_PLE_166_15_201562175813990521.pdf Acessado em 11.06.2015

[66] FARAH, Marta Ferreira Santos. Administração Pública e Políticas Públicas. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, n.45, Maio∕Junho 2011, p.10

[67] Idem, p.17

[68] A autora foi pioneira ao trazer especificamente essa relação entre as políticas públicas e a função administrativa do Estado. Concordamos com ela. Vide: BELTRAMIM, Larissa. op.cit, p.93-96

[69] Esse é o conceito de BANDEIRA DE MELLO. Vide: BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio, Op. cit., p. 36

[70]  O ciclo das políticas públicas (Policy Cycle) consiste em um procedimento em que o gestor público deve perceber um problema na sociedade (definição da agenda pública); formular possíveis soluções ouvindo os interessados e corpo técnico administrativo (formulação das políticas públicas); escolher as atitudes que serão tomadas e definir os recursos e o prazo temporal da política (escolha das políticas públicas) para depois começarem os atos de implementação da política pública escolhida. FONTE, Felipe de Melo. Políticas Públicas e Direitos Fundamentais..., p.49-64

[71] BELTRAMIM, Ibidem.p.96

[72] BELTRAMIM, p.97

[73] DAVI, 2008, p.104-109

[74]  Com o fenômeno do neoconstitucionalismo, segundo Marcelo Neves,  direito “autofundamenta-se constitucionalmente”, é dizer, todas as searas jurídicas (incluindo o Direito Administrativo, por óbvio) passaram a ter como parâmetro de legitimidade a Constituição, de modo a realizar os valores nela consagrados. Desse modo, realizamos uma leitura do direito constitucional através de um “filtro constitucional”. Vide: NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009, P.59.

[75] JUSTEN FILHO,op.cit. p.102-104

[76] Nesse sentido, BONAVIDES afirma que em diversos países o Direito Administrativo e Constitucional são tão íntimos e interdependentes que chega a ser difícil se estabelecer uma distinção clara e válida entre as duas matérias. BONAVIDES, 2004, p.44-45

[77] DAVI, 2008, p.60-63

[78] Segundo BUCCI, a escolha das diretrizes políticas deve ser lastreada pelo interesse público qualitativo (e não na vontade pessoal do gestor) e na consecução de diversos atos, contratos, regulamentos e operações materiais encetados pela Administração Pública. BUCCI, op.cit, p.267

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Sobre o autor
Clóvis Mendes Leite Reimão dos Reis

Mestrando em Direito pela Universidade de Lisboa (UL). Pós-graduado em Direito Público e em Direito Processual Civil. Graduado em Direito pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). E-mail: [email protected]

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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