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Limitação subjetiva das astreintes arbitradas nas decisões judiciais destinadas a garantir a efetividade dos direitos fundamentais

16/01/2016 às 10:23
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Quando a ordem judicial destinar-se à Fazenda Pública, as astreintes não devem recair sobre o servidor público responsável pelo cumprimento da decisão.

Existe em nosso País uma nítida propensão – tanto na doutrina quanto na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal – em aceitar a eficácia direta ou imediata dos direitos fundamentais nas relações privadas[1].

Assim, resta inegável que nas relações privadas, havendo necessidade de atuação do Judiciário para proteção dos direitos fundamentais, pode o Juiz arbitrar multa diária para efetivação de suas decisões.

Nestes casos, o sujeito passivo da multa diária é aquele sobre quem recai o dever de cumprir os provimentos jurisdicionais atinentes ao dever de fazer, não fazer ou de entregar coisa.

É possível, neste ponto, que a multa cominatória seja aplicada tanto à pessoa física quanto à pessoa jurídica -  tanto de direito público, quanto de direito privado - como instrumento coercitivo e necessário para dissuadir a recalcitrância[2].

O presente estudo, contudo, investiga a aplicação das astreintes na proteção aos direitos fundamentais em relação ao Poder Público.

Pois bem.

É certo, e já se encontra pacificado tanto na doutrina quanto na jurisprudência, que a multa cominatória pode ser aplicada contra a Fazenda Pública.

Resta saber se, sob o pálio do discurso de proteção aos direitos fundamentais, é possível aplicá-las em desfavor do agente estatal dotado de poderes para cumprir a ordem emanada pelo Judiciário.

Entendemos que a resposta negativa se impõe, na medida em que as astreintes não devem recair sobre o servidor público responsável pelo cumprimento da decisão judicial, quando a ordem destinar-se à Fazenda Pública.

Nestes casos, em outras palavras, ainda que sob argumento utilitarista de defesa do princípio da efetividade dos direitos fundamentais, a multa diária não deve exorbitar o campo patrimonial da pessoa do devedor, já que pensamento contrário está despido de juridicidade.

Isto porque a multa diária é ferramenta de coerção contra aquele que está obrigado a cumprir um mandamento judicial. E nestes casos, o dever de cumprir os ditames judiciais é da Fazenda Pública, dotada de personalidade jurídica própria, que não se confunde com a pessoa dos seus servidores.

Incabível, portanto, sua aplicação contra pessoa diversa, principalmente se seu arbitramento ocorrer ao menoscabo dos Princípios Constitucionais da Ampla Defesa e do Contraditório. Posição que se coaduna com o brilhante raciocínio de Eduardo Talamini, verbis:

Admite-se o emprego da multa coercitiva no mandado de segurança, surge a necessidade de definir sobre quem o encargo recairá: o agente posto na condição de “autoridade coatora” ou a pessoa jurídica exercitadora da função pública, à qual ele está vinculado? A resposta passa pela consideração da legitimidade passiva no mandado de segurança. Reconhecendo-se que o pólo passivo da demanda é ocupado pela pessoa de direito público ou de direito privado no exercício de função pública de quem o agente funciona apenas como especial “representante” (rectius: presentante), há de concluir-se que o custo da coerção patrimonial, em princípio, recai sobre aquela – como de resto, recairão as demais decorrências patrimoniais da concessão da segurança.[3]

Confirma a tese esposada acima o importante julgado do Superior Tribunal de Justiça:

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE FAZER. DESCUMPRIMENTO. ASTREINTES. APLICAÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. CABIMENTO. EXTENSÃO DA MULTA DIÁRIA AOS REPRESENTANTES DA PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Conforme jurisprudência firmada no âmbito desta Corte, a previsão de multa cominatória ao devedor na execução imediata destina-se, de igual modo, à Fazenda Pública. Precedentes. 2. A extensão ao agente político de sanção coercitiva aplicada à Fazenda Pública, ainda que revestida do motivado escopo de dar efetivo cumprimento à ordem mandamental, está despida de juridicidade. 3. As autoridades coatoras que atuaram no mandado de segurança como substitutos processuais não são parte na execução, a qual dirige-se à pessoa jurídica de direito público interno. 4. A norma que prevê a adoção da multa como medida necessária à efetividade do título judicial restringe-se ao réu, como se observa do § 4º do art. 461 do Códex Instrumental. 5. Recurso especial provido.[4]

De outra banda, também é abraçada pelos operadores do Direito a possibilidade de que o Juiz aplique aos agentes supracitados, empregados ou servidores responsáveis pela conduta esperada, no caso de renitência da Pessoa Jurídica que suportará o peso da multa diária, a multa punitiva prevista no artigo 14, parágrafo único do Código de Processo Civil. Trata-se de medida resgatadora da dignidade da justiça.

Além do mais, o empregado da pessoa jurídica de direito público poderá suportar ação de regresso ante sua conduta desidiosa, nos limites da lesão suportada por sua empregadora.

Neste sentido, preceitua o artigo 158 da Lei nº 6404/76 que o responsável pela administração da sociedade empresária deverá arcar com os prejuízos que causar, quando proceder dentro de suas atribuições com culpa ou dolo ou quando sua conduta for destoante dos preceitos do estatuto ou da lei.

Também não fica imune o servidor público que fez com que a Fazenda Pública suportasse o pagamento das astreintes.  Isto porque, nos píncaros da norma extraída no artigo 37, § 6º da Constituição Federal, as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos têm assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Além disto, o servidor público que desrespeitou os ditames judiciais poderá sofrer as sanções previstas na Lei n. 8.429/1992 (Lei da improbidade administrativa), já que ao descumprir um comando jurisdicional, o agente, quando age com dolo, viola a regra impressa no artigo 11, inciso II deste texto legal.

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Do mais, não se pode olvidar que na esfera penal, o servidor, assim como qualquer pessoa física, que deixa de cumprir uma ordem judicial poderá responder pelo crime tipificado no artigo 330 do Código Penal, cuja pena base permeia entre quinze dias e seis meses, e multa.

É de se concluir, portanto, que ainda que o escopo precípuo da fixação das astreintes seja o de compelir o obrigado a cumprir ordem judicial destinada a conferir efetividade aos direitos fundamentais, existe limitação de índole subjetiva. Desta maneira, a multa cominatória recai, exclusivamente sobre o patrimônio do Estado; não de seu servidor.

Por outro lado, a pessoa física que no exercício de suas funções tem força para comandar a máquina estatal no cumprimento da ordem judicial no que tange à obrigação de fazer, deixar de fazer ou de entregar coisa, pode ser responsabilizado em diversas searas: processual (art. 14 do CPC), cível (ação de regresso pelo Estado); administrativa (nos termos da lei de improbidade) e penal (crime de desobediência).

Portanto, malgrado exista limitação subjetiva de aplicação da multa cominatória em desfavor do servidor, seu ato de teimosia não fica impune, porquanto existem diversas outras ferramentas para dissuadir a recalcitrância, mormente quanto a decisão judicial tenha o desiderato de conferir, na prática, efetividade aos direitos fundamentais.


REFERÊNCIA

AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o Processo Civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e outras. 2. ed. Rev. Atual. E ampl. Porto Alegre: livraria do Advogado Editora, 2010. p. 126.

CUNHA JÚNIOR. Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 8. ed. revista, amp. e atual. Salvador: JusPodivm, 2014.

Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer: CPC, ART. 461; CDC, art. 84. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 453.


Notas

[1] CUNHA JÚNIOR. Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 8. ed. revista, amp. e atual. Salvador: JusPodivm, 2014. p. 500.

[2] Neste sentido, AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o Processo Civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e outras. 2. ed. Rev. Atual. E ampl. Porto Alegre: livraria do Advogado Editora, 2010. p. 126.

[3] TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer: CPC, ART. 461; CDC, art. 84. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 453.

[4] RESP 200500736827 RESP - RECURSO ESPECIAL -  747371 Relator(a) JORGE MUSSI Sigla do órgão STJ Órgão julgador QUINTA TURMA. Data da Decisão disponibilizada no DJe em 26/04/2010.

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Sobre o autor
Edenildo Souza Couto

Mestrando em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia. Pós-graduado em Direito Processual Civil pelo Juspodivm. Aluno Laureado na graduação. Escritor de livros e de vários artigos publicados em revistas jurídicas. Professor de diversas disciplinas do Direito. Atualmente é Assessor de Juiz - Tribunal de Justiça do Estado da Bahia e Professor de diversas disciplinas do curso de Direito.<br><br>fb.com/professoredenildo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COUTO, Edenildo Souza. Limitação subjetiva das astreintes arbitradas nas decisões judiciais destinadas a garantir a efetividade dos direitos fundamentais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4581, 16 jan. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/45697. Acesso em: 23 abr. 2024.

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