5 OFENSA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
Questões processuais como a eternização da execução em decorrência da suspensão indefinida encontram-se na contramão de todo o contexto processual, principalmente da Constituição Federal, pilar do ordenamento jurídico.
Wambier e Talamini (2010, p. 53) classificam os princípios constitucionais como "o núcleo de todo sistema e orienta toda a lógica mínima do processo".
Nesse contexto, é visível a ofensa aos princípios constitucionais. Dentre eles, dois merecem destaque: segurança jurídica e razoável duração do processo.
Classificado por Canotilho (2003) como sobreprincípio, a segurança jurídica denota grande relevância ao tema, tendo em vista seu papel de assegurar estabilidade às relações jurídicas.
Tal princípio, consagrado pela Constituição Federal, é o fundamento jurídico da prescrição e corolário do Estado de Direito. Nesse sentido, Joaquim José Gomes Canotilho:
“O homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar autônoma e responsavelmente a sua vida. Por isso, desde cedo se consideram os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança como elementos constitutivos do Estado de direito[...]. Considera-se que a segurança jurídica está conexionada com elementos objectivos da ordem jurídica – garantia de estabilidade jurídica, segurança de orientação e realização do direito”. (CANOTILHO, 2003, p. 257).
Em síntese, o princípio da segurança jurídica é um direito fundamental do cidadão e se caracteriza na estabilidade e comportamentos coerentes e não contraditórios com a realidade fático-jurídica.
O princípio da duração razoável do processo, previsto no artigo 5º, inciso LXXVIII, da Carta Magna, dispõe que: "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação".
Tal princípio foi introduzido na Constituição pela Emenda Constitucional nº 45/2004, fixando-se como garantia fundamental com o escopo de tornar mais célere e efetiva a prestação jurisdicional para que os processos não se estendam além do razoável.
Scaff, citando Nalini, dispõe que:
“A sociedade brasileira encontrou o acesso à justiça com certa facilidade. Agora custa a encontrar a saída da justiça. Uma das maneiras pelas quais procura desvencilhar-se do cipoal burocrático e do espinheiro recursal é invocar o direito a uma duração razoável do processo’. (SCAFF, 2009, p. 9).
Tendo em vista a exigência constitucional de processos com duração razoável, justificável, portanto, a aplicação da prescrição intercorrente.
Thiago Moreto Fiori (2014, p. 117) menciona, ainda, que, além dos princípios elencados acima, há violação também à "regra matriz de igualdade prevista no texto constitucional", tendo em vista o tratamento diferenciado da dívida fazendária e da dívida comum. O referido autor menciona que:
“O que diferencia os procedimentos, além do estatuto processual específico aplicável a cada modalidade, é o fato de que no procedimento fiscal existe a previsão explícita a fim de garantir que a demanda fazendária não perdure ad infinitum no tempo, ao passo que no procedimento executório, estabelecido no capítulo IV do Código de Processo Civil (cuja finalidade e objeto são idênticos aos que se busca na LEF), são elevados à categoria de "divindade processual", sobre a qual o tempo não exerce qualquer influência nem na relação jurídica subjacente. É um procedimento imaculado, do ponto de vista do legislador”. (FIORI, 2014, p. 118).
Assim, em se tratando de demandas com caráter eterno, resta evidente a ofensa aos princípios constitucionais sobreditos.
6 NOVIDADE APRESENTADA PELO NOVO CPC
O novo Código de Processo Civil, criado com o escopo de interligar o sistema processual com as garantias constitucionais a fim de aproximar-se da Constituição e, ainda, fundamentando-se nos princípios da segurança jurídica e na duração razoável do processo, solucionou a celeuma da suspensão sine die.
De forma análoga à Lei de Execução Fiscal, o novo CPC no § 1º do artigo 921 limitou o prazo da suspensão em um ano, durante o qual não serão praticados atos processuais (art. 923). In verbis:
“Art. 921. Suspende-se a execução:
(...)
III - quando o executado não possuir bens penhoráveis;
(...)
§ 1º Na hipótese do inciso III, o juiz suspenderá a execução pelo prazo de 1 (um) ano, durante o qual se suspenderá a prescrição.
§ 2º Decorrido o prazo máximo de 1 (um) ano sem que seja localizado o executado ou que sejam encontrados bens penhoráveis, o juiz ordenará o arquivamento dos autos.
§ 3º Os autos serão desarquivados para prosseguimento da execução se a qualquer tempo forem encontrados bens penhoráveis.
§ 4º Decorrido o prazo de que trata o § 1o sem manifestação do exequente, começa a correr o prazo de prescrição intercorrente.
§ 5º O juiz, depois de ouvidas as partes, no prazo de 15 (quinze) dias, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição de que trata o § 4o e extinguir o processo.
Art. 923. Suspensa a execução, não serão praticados atos processuais, podendo o juiz, entretanto, salvo no caso de arguição de impedimento ou de suspeição, ordenar providências urgentes”. (Grifo nosso).
Nesse sentido:
“O NCPC aplicou por extensão o entendimento consolidado nas execuções fiscais, no sentido de que, na ausência de bens penhoráveis, suspende-se a execução fiscal por um período de um ano, findo o qual se arquivam os autos e passa a fluir normalmente o prazo prescricional (art. 40, Lei 6.830/80; Súmula 314 do STJ)’. (WAMBIER et al., 2015, p. 922).
Dessa forma, tendo em vista a limitação temporal da suspensão, solucionou-se o problema e as divergências doutrinárias acerca do assunto possibilitando, enfim, a aplicação da prescrição intercorrente. Ademais, insta destacar que o NCPC também incluiu o vocábulo prescrição intercorrente no artigo 924 que dispõe sobre a extinção da execução.
Logo, decorrido o prazo de um ano e desde que sem manifestação do exequente, começará a correr o prazo de prescrição intercorrente. Vale ressaltar que a prescrição intercorrente só se operará quando houver inércia do exequente.
7 PROBLEMÁTICA A SER RESOLVIDA
Embora o NCPC tenha solucionado a questão da limitação temporal da suspensão quando não encontrados bens penhoráveis do devedor, deixou de lado uma questão importante e que vem sendo palco de bastantes controvérsias.
A questão é: a movimentação do processo sem efetividade possui o condão de impedir a fluência do prazo prescricional?
O tema em comento já foi alvo de Recurso Especial e está para julgamento em Recurso Repetitivo no que tange aos executivos fiscais (STJ - REsp 1.340.553-RS).
A par de toda discussão sobre o assunto, verifica-se que o posicionamento mais consentâneo com a realidade social e judiciária é de que a movimentação sem efetividade não impedirá a fluência do prazo prescricional, uma vez que o contrário disso criaria para o exequente o direito potestativo de eternizar a execução, acarretando uma situação de gravidade jurídica.
Como é cediço, somente ocorrerá prescrição intercorrente se paralisado indevidamente o processo executivo. Esse conceito clássico e conservador de prescrição associada à inércia está em dissonância com o ordenamento jurídico, uma vez que, se assim fosse, bastaria o exequente movimentar o processo para não se operar a prescrição intercorrente. Ora, se o credor está diligenciando, não está se mantendo inerte, logo, não há falar em prescrição. É o que ocorre diuturnamente no contexto judicial.
Sabe-se que a imprescritibilidade só é admitida no direito em casos excepcionais previstos na Constituição. Portanto, a tese de que a prescrição intercorrente só se opera quando houver injusta paralisação do feito estaria mais uma vez atingindo diretamente a Constituição, pois basta a simples atuação profissional para que o processo se torne imprescritível, ainda que despida de qualquer eficácia.
Agindo dessa forma, além de estar ferindo preceitos constitucionais, estar-se-ia conferindo ao credor um direito puramente potestativo de tornar sua obrigação imprescritível bastando a simples diligência no processo. Nesse diapasão, insta ressaltar que nem o Estado, detentor do direito de preferência previsto no art. 186, do CTN goza de tal prerrogativa.
Portanto, é preciso fazer uma releitura do instituto da prescrição com enfoque avançado, pois a sociedade moderna exige efetividade e principalmente agilidade, tendo em vista o contexto social com maior número de conflitos, judiciário abarrotado e um código processual que veio com a finalidade de trazer maior celeridade e efetividade aos processos.
Dessa forma, há que se concluir que a simples atuação sem a localização de bens, não é suficiente para afastar a ocorrência da prescrição intercorrente.
Nesse sentido, surgem no cenário jurisprudencial julgamentos de vanguarda no sentido de combinar o conceito de prescrição intercorrente com a ideia de movimentação sem efetividade:
“APELAÇÃO CÍVEL - EXECUÇÃO FISCAL - ISSQN - PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE CONFIGURADA - DILIGÊNCIAS EFETUADAS OU REQUERIDAS PELO FISCO QUE FORAM TODAS INFRUTÍFERAS E QUE NÃO TÊM O CONDÃO DE SUSPENDER OU INTERROMPER O PRAZO PRESCRICIONAL - TRANSCURSO DE MAIS DE CINCO ANOS SEM A LOCALIZAÇÃO DE BENS PENHORÁVEIS E SEM A MANIFESTAÇÃO DA EXEQUENTE - ENTENDIMENTO DO STJ E DESTA CÂMARA - RECURSO DESPROVIDO. (TJ-PR - APL: 13691246 PR 1369124-6 (Acórdão), Relator: Antônio Renato Strapasson, Data de Julgamento: 19/05/2015, 2ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ: 1577 02/06/2015). (BRASIL, 2015, online, grifo nosso).
TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. ARQUIVAMENTO DO FEITO. TRANSCURSO DO PRAZO PRESCRICIONAL SEM A LOCALIZAÇÃO DE BENS PENHORÁVEIS. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE.
1. Passados cinco anos do arquivamento da ação executiva, impõe-se a declaração da prescrição intercorrente, nos termos do art. 40, § 4º, da Lei 6.830/80.
2. Os requerimentos de bloqueios de bens, negativamente respondidos, não têm o condão de suspender ou interromper o prazo prescricional. Antes, comprovam que a exequente não logrou êxito no seu mister de localizar bens penhoráveis do devedor.
3. Recurso especial provido. (REsp 1305755/MG, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 03/05/2012, DJe 10/05/2012)”. (BRASIL, 2015, online, grifo nosso).
8 CONCLUSÃO
Diante do exposto, evidencia-se que a prescrição intercorrente é medida que se impõe visando pôr fim às execuções de caráter perpétuo.
Denota-se que a suspensão indefinida do processo acarreta em execuções imprescritíveis que afrontam preceitos fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988. A propósito, tem-se que não prestigia a harmonia do sistema a eternização da ação executória.
Entretanto, esse problema já foi solucionado com a chegada do novo código processual que introduziu em seu art. 921, § 1º a limitação temporal para a suspensão do processo quando não localizados bens passíveis de satisfazer a obrigação.
Porém, ainda remanesce o óbice acerca da fluência do prazo prescricional quando houver a movimentação processual sem efetividade.
É visto que o instituto da prescrição intercorrente ainda esbarra em decisões conservadoras, ligando-o apenas ao conceito clássico e conservador de inércia. Como se denota, a jurisprudência ainda não enfrentou a questão da aplicação da prescrição intercorrente quando se trata de movimentação processual sem efetividade.
Não obstante, o novo Código de Processo Civil abre portas com o enfrentamento parcial do tema sob o prisma constitucional. Ademais, para enfrentar tal questão, baseou-se na Lei nº 6.830/80 que dispõe sobre execução fiscal.
Por oportuno, saliente-se que a finalidade da execução é satisfazer uma obrigação e não perpetuá-la. Logo, além de desvirtuar o objetivo do processo de execução, transforma o judiciário em um depósito abarrotado de feitos executivos sem efetividade e sem viabilidade de satisfação do crédito exequendo.
Diante disso, afigura-se razoável e prudente que o caminho a ser trilhado até que se tenha regulamentação definitiva pelos operadores do direito seja o mesmo dos executivos fiscais, visto que esse já assentou entendimento de que as diligências infrutíferas realizadas no processo não possuem o condão de paralisar o curso prescricional.