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Importunação ofensiva ao pudor:uma contravenção penal sexual

06/10/2016 às 16:13
Leia nesta página:

Trazemos, aqui, breves considerações acerca do tema, que é pouco difundido, explicando, principalmente, o que é e sua diferença em relação ao crime de estupro.

O presente esboço tem o objetivo de abordar de forma clara e objetiva o disposto no art. 61 da Lei das contravenções penais (Decreto-lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941), que é uma infração penal que atenta contra a dignidade sexual do ser humano.

A dignidade sexual diz respeito à autoestima do indivíduo, em sua íntima e privada vida sexual. Está ligada à sexualidade humana, ou seja, ao conjunto de fatos, ocorrências e aparências da vida sexual de cada um.

Por estar associada à respeitabilidade e autoestima, permite ao indivíduo realizar-se sexualmente, satisfazendo sua lascívia e sensualidade como bem entender sem interferência de ninguém, contanto que não atente contra a dignidade sexual de outrem.

Vejamos o que dispõe o artigo 61 da Lei das contravenções penais:

 Art. 61. Importunar alguém, em lugar público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor:

 Pena – multa.

Contravenção penal é uma infração penal, de menor potencial ofensivo, em que essa é apenada com prisão simples ou multa.

Vale o alerta de que na contravenção que estamos tratando (art. 61), aplica-se, somente, a multa.

Para que possamos melhor estudar o dispositivo, precisamos dissecá-lo com o fim de obter seu melhor entendimento.

Assim sendo, a primeira questão que parece óbvia (mas não é) trata do pudor.

Afinal, o que é pudor?

Podemos definir o pudor como sentimento de vergonha, timidez, mal-estar causado por qualquer coisa capaz de ferir a decência, a modéstia, a inocência.

É o sentimento e atitude desenvolvidos por uma educação rígida calcada em conceitos culturais, de base religiosa, que impedem que certas partes do corpo sejam expostas com naturalidade, sem constrangimento [a amplitude e a distribuição dessas partes variam de acordo com as culturas.].

Trata-se da vergonha, constrangimento, de base cultural, para falar a respeito ou praticar determinados atos ligados à área da sexualidade, das funções fisiológicas, dos sentimentos íntimos, da afetividade etc.; recato, decência, pudicícia, pundonor.

Por fim, pudor pode ser classificado, também, como sentimento de vergonha com respeito a atos que ferem as qualidades de caráter de um indivíduo, como a decência, a honestidade, a honra etc.

Com o pudor explicado, ainda que outras definições possam existir, passemos, agora, ao núcleo do tipo do dispositivo, o verbo Importunar.

Importunar, a grosso modo, é ocasionar um desconforto, causar incômodo.

Como estamos tratando de uma infração penal relacionada à dignidade sexual, o desconforto e o incômodo estão a ela ligados.

A contravenção penal aqui exposta é muito confundida com o crime de estupro (art. 213 do código penal), principalmente por pessoas leigas e profissionais da mídia que nem sempre possuem conhecimento técnico-jurídico para uma informação segura e correta.

No crime de estupro a vítima não tem soberania sob seu pensamento, escolha, vontade e ação.

Na importunação ofensiva ao pudor, a vítima, ainda que sob algum tipo de afronta à sua dignidade sexual, pode escolher por permanecer ou não na situação.

No estupro, há o emprego de violência ou grave ameaça; na importunação ofensiva ao pudor, não.

No estupro, há intenção de servir à lascívia (desejo sexual); na importunação ofensiva ao pudor, não.

Vale o registro de que a lascívia, que é o desejo sexual, pode ser alcançada por meio de atos libidinosos.

Atos libidinosos são todos os demais contatos físicos (ou não) capazes de gerar prazer sexual, diversos da conjunção carnal (cópula pênis-vagina).

Para fim de ilustração e melhor assimilação do texto, são exemplos de atos libidinosos o coito anal, oral, toques lascivos, masturbação, beijos lascivos, entre outros.

Assim sendo, um simples passar de mãos nas pernas, seios, genitália ou uma encoxada, sem a lascívia que o crime de estupro exige para configurar-se, caracteriza a importunação ofensiva ao pudor.

Como no crime de estupro, o sujeito passivo pode ser o homem ou a mulher, pois o dispositivo fala em importunar “alguém” em lugar público ou acessível ao público.

Mister ressaltar que deve haver repulsa do ato pela vítima e a liberdade para não permanecer na situação, caso contrário, é estupro ou tentativa de estupro.

Caso o ato seja lascivo por parte do sujeito ativo, ainda que a vítima consiga desvencilhar-se dele, o crime é de estupro na sua forma tentada (tentativa).

Por fim, uma questão que sempre está em pauta é: um “selinho” dado sem consentimento é importunação ofensiva ao pudor ou estupro?

A resposta é: depende!

Por tudo que vimos neste breve esboço, pois o assunto demanda muito mais estudos, tempo e pesquisas, o “selinho” dado de forma jocosa, irreverente, sem nenhuma conotação sexual, certamente é uma importunação ofensiva ao pudor, se a vítima tiver repulsa pelo ato praticado e a discricionariedade de permanecer ou não ali, no local em que o fato se dá.

Se, por outro lado, o “selinho” for dado à força, com o emprego de violência ou grave ameaça, a fim de satisfazer a lascívia de quem está cometendo o ato, impossibilitando a vítima de optar por sua liberdade de pensamento, escolha, vontade ou ação, sem nenhuma dúvida incorrerá no crime do art. 213 do Código Penal, estupro.

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Ainda que a importunação ofensiva ao pudor seja uma infração penal de menor potencial ofensivo, deve sempre ser levada ao conhecimento das autoridades competentes para averiguação, pois, em delitos sexuais, o maior inimigo da vítima (junto ao seu agressor) é o silêncio.

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Sobre o autor
Denis Caramigo Ventura

Denis Caramigo Ventura: Advogado criminalista especialista em Crimes Sexuais; www.caramigoadvogados.com.br E-mail: [email protected] Facebook: Denis Caramigo Ventura Twitter: @deniscaramigo Instagram: @deniscaramigoventura

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARAMIGO VENTURA, Denis. Importunação ofensiva ao pudor:uma contravenção penal sexual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4845, 6 out. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/45772. Acesso em: 26 abr. 2024.

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